Resumo: Além da letalidade do Covid-19 a violência doméstica e o feminicídio vem progredindo na pandemia. Precisamos denunciar e salvar as vítimas e suas famílias.

Palavras-Chave: Direito Penal. Direito Processual Penal. Direito Constitucional. Feminicídio. Homicídio qualificado. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.

 

 

Além de muitos óbitos e doentes a pandemia do covid-19[1] intensificou a violência de gênero[2] e, principalmente, tornou a casa o lugar mais perigoso para mulheres e meninas.

 

Essa foi a conclusão da coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins. E, recentemente, o Fórum divulgou em 01.06.2020 uma pesquisa que apontou um crescimento de 22,2 em casos de feminicídio nos meses de março e abril do corrente ano em comparação com igual período do ano passado.

 

Feminicídio é termo referente ao crime de ódio baseado no gênero, correspondente ao assassinato de mulheres dentro do contexto de violência doméstica, ou em aversão ao gênero da vítima (misoginia), pois as definições variam dependendo do contexto cultural.

 

O assassinato de mulheres em contexto peculiares e marcados pela desigualdade de gênero ganhou uma designação específica: feminicídio.

Trata-se de crime hediondo desde 2015. É importante nomear de definir o delito, mas principalmente coibir os assassinatos femininos é relevante para se poder implementar efetivas ações de prevenção.

 

O conceito de feminicídio foi ao longo de quarenta anos ganhando ênfase entre os ativistas, pesquisadores e também organismo internacionais. Somente recentemente o feminicídio passou a ser incorporado às legislações dos diversos países da América Latina, incluindo o Brasil, através da Lei 13.104/2015 que objetiva debelar tais raízes discriminatórias da invisibilidade e ainda coibir a impunidade.  Em verdade é uma qualificadora do crime de homicídio contra mulheres tendo contexto sociológico e histórico. A palavra é nova para apontar algo antigo e persistente, principalmente, por indicar que as mulheres continuamente sofrem violência até culminar com sua morte.

 

A Lei que definiu feminicídio fora criada a partir de recomendação da Comissão Parlamentar MIsta de Inquérito sobre a Violência contra a mulher (CPMI-VCM) que apurou dados sobre a violência contra as mulheres no Brasil no período compreendido entre março de 2012 a julho de 2013.

 

O texto original, no entanto, sofrera alterações durante sua tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, e no momento da aprovação no Congresso nacional, diante de forte pressão de parlamentares de bancada religiosa, a palavra “gênero” fora retirada do texto da lei.

É importante compreender as desigualdades que atuam como gatilhos para as mortes violentas, principalmente, para se obter uma atuação preventiva.

 

Afinal, o feminicídio é o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição do sexo feminino. Portanto, o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.

 

Ao incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio, o crime foi adicionado ao rol de crimes hediondos, tais como estupro, genocídio e o latrocínio, entre outros.

 

 

O feminicídio é homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ser mulher, em fraca prática misógina onde se destila o menosprezo pela condição feminina ou materializando a discriminação de gênero, fatores que também pode envolver também violência sexual, ou ainda, em decorrência de violência doméstica.

 

A Lei 13.104/2015 mais conhecida como a Lei do Feminicídio, alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.

 

Precisamos perceber que a Lei do feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. O desconhecimento do conteúdo da lei levou diversos setores, principalmente os mais conservadores, a questionarem a necessidade de sua implementação. Devemos ter em mente que a lei somente aplica-se nos casos descritos a seguir:

 

Violência doméstica[3] ou familiar é quando o crime é praticado junta a ela, ou seja, quando o homicida é um familiar da vítima, ou já manteve algum laço afetivo com esta. Esse tipo é o mais trivial. Ao contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a mulher é praticada comumente por desconhecidos geralmente juntamente com a violência sexual.

 

Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher, quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada por misoginia e pela objetificação da mulher.

 

Importante ressaltar quando o assassinato de uma mulher for decorrente, por exemplo, de latrocínio, ou de simples briga entre desconhecidos, ou é praticada por outra mulher, não há configuração de feminicídio.

 

Em razão dos elevadíssimos índices de crimes contra as mulheres que fazem o Brasil[4] assumir o quinto lugar mundial no ranking da violência contra a mulher, há a necessidade urgente de leis que tratem com rigidez tal tipo de crime.

 

Os recentes dados do Mapa da Violência revelam que, somente em 2017, ocorreram mais de sessenta mil estupros no Brasil. Ademais, nossa cultura se conforma com a discriminação da mulher seja por meio da prática, expressa ou velada da misoginia e do severo patriarcalismo. Redundando na objetificação da mulher, o que resulta em casos mais graves, no feminicídio.

 

Os tipos de feminicídio são basicamente aqueles apresentados pela lei em decorrência de violência doméstica e da misoginia havendo ou não violência sexual. A pesquisadora Jackeline Aparecida Ferreira Romio, doutora de Demografia pela UNICAMP, qualifica outro tipo de feminicídio, o reprodutivo que decorre de abortos clandestinos feitos em clínicas ilegais ou por meio de métodos caseiros, não menos letais.

 

O feminicídio também é decorrente estruturalmente, de um sistema legal que imprime a misoginia na forma de controle social sobre a mulher. E, a proibição do aborto[5] é uma forma de controlar o corpo e, concomitantemente, de manter um certo tipo de poder sobre as mulheres, além de não ser uma medida eficaz contra a prática.

 

Observa-se comprovadamente por estatísticas[6] que a proibição legal não cessou o número de abortos cometidos, mas fez com que as mulheres procurassem clínicas ilegais, que são em geral, locais sem condições sanitárias mínimas para realizar qualquer procedimento de saúde, ou até aborteiras que se utilizam de métodos caseiros igualmente perigosos e, por vezes, até letais.

 

A Lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do feminicídio, introduz um qualificador na categoria de crimes contra a vida e altera a categoria dos chamados crimes hediondos, acrescentando nessa categoria o feminicídio.

 

Confira a lei, in litteris:

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

  • 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

  • 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

 

Art. 2º O art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI);

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Brasília, 9 de março de 2015; 194º da Independência e 127º da República.

 

Também houve alteração da seção dos crimes hediondos (lei nº 8.072/90) por meio da lei 13.104/15, que colocou o feminicídio na mesma categoria desses crimes, o que resultou na necessidade de se formar um Tribunal do Júri, ou o conhecido júri popular, para julgar os réus de feminicídio.

 

Em verdade, a violência de gênero[7] vem aumentando desde antes da pandemia. Tanto que já há maior número de registros que dependem da presença da mulher nas delegacias caíram. A casa se traduz, infelizmente, um dos lugares mais perigosos para as mulheres e meninas.

 

Em relação às meninas, Juliana lembra que outro levantamento do Fórum apontou que mais de 50% das vítimas de violência sexual têm 13 (treze) anos e que a maioria dos agressores é conhecida dos familiares.

 

Ao olhar para esse momento da pandemia, Juliana afirma que é importante lembrar que a mulher está confinada com o agressor, o que impõe uma série dificuldades.

 

“Além dos riscos do confinamento, há uma precariedade financeira, o fato de que muitas têm filhos com o agressor. Assim, é uma mistura de sentimentos que as fazem denunciar ou querer voltar atrás.”

 

A pesquisadora ressalta que os boletins de ocorrência indicam casos em investigação, ou seja, quando a autoridade policial já registrou oficialmente como feminicídio. Segundo ela, após o encerramento dos inquéritos, o número de mulheres mortas por serem mulheres pode ser ainda maior[8]. “Há casos de homicídios que podem terminar como feminicídio. Trata-se de um crime cultural[9] assimilado ao longo da história da humanidade.

 

Além da vulnerabilidade financeira e de uma possível perda de renda por parte das mulheres neste contexto pandêmico, não raro, elas perdem parte da rede de apoio. “Elas não estão saindo ou tendo contato com amigos e familiares, pessoas que poderiam enxergar os problemas e conflitos que estão enfrentando.”

 

Para frear ou diminuir esses índices, uma medida importante seria o fortalecimento dessa rede de proteção. “Dependendo da situação, elas não confiam nessas autoridades policiais”, afirma a coordenadora.

 

O feminicídio, diz a pesquisadora, é a expressão mais cruel dessa violência, que expõe relações de poder em jogo. “É preciso buscar meios de registrar essas ocorrências.”

 

Os relatos de brigas de casal crescem 431 por cento na pandemia, é o que afirma a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e incluem levantamentos oficiais sobre a violência doméstica.

 

O estudo serve como referencial e termômetro para avaliar nas famílias no decorrer da quarentena em diversos estados brasileiros, analisou 52.315 menções no twitter, plataforma em que os internautas se manifestam mais espontaneamente sobre acontecimentos do cotidiano.

 

O problema é que a mulher em situação violência, confinada com seu agressor não está conseguindo acessar os equipamentos públicos[10] para realizar denúncia.  Em outro levantamento produzido pelo mesmo Fórum analisou dados oficiais de feminicídio e homicídios de mulheres, fornecidos pelas secretarias estaduais da Segurança de São Paulo, Pará[11], Acre, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

 

Na primeira atualização de um relatório produzido a pedido do Banco Mundial, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 (doze) Estados do país, comparativamente ao ano passado. Intitulado Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o documento foi divulgado hoje (1º.06.2020) e tem como referência dados coletados nos órgãos de segurança dos Estados brasileiros.

 

Os fatores que explicam essa situação são a convivência mais próxima dos agressores, que, no novo contexto, podem mais facilmente impedi-las de se dirigir a uma delegacia ou a outros locais que prestam socorro às vítimas, como centros de referência especializados, ou, inclusive, de acessar canais alternativos de denúncia, como telefone ou aplicativos.

 

Por essa razão, especialistas consideram que a estatística se distancia da realidade vivenciada pela população feminina quando o assunto é violência doméstica, que, em condições normais, já é marcada pela subnotificação.

 

Por isso, é preciso que parentes, vizinhos, amigos, conhecidos e até desconhecidos ao tomarem conhecimento de prática de violência contra a mulher deve denunciar.

 

Contrariando o velho ditado que diz que “em briga entre marido e mulher, ninguém deve meter a colher”. Para preservar a dignidade humana toda intervenção é relevante e capaz de evitar tragédias para as famílias e para sociedade[12].

 

 

 

 

Referências:

BRASIL. Lei nº LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Brasília, DF, mar, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Brasília: SRJ, 2014. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/ uploads/2015/04/Cejus_FGV_feminicidiointimo2015.pdf.

FEMINICÍDIO: a realidade brasileira. Produção: FOLHA, Állison A. et al. 20 min, colorido. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UuLfMufHL0Y. Acesso em: 01 set. 2019.

GARCIA, L. & SILVA, G. D. M. da. Texto para discussão: Mortalidade de mulheres por agressões no brasil: perfil e estimativas corrigidas (2011-2013). Brasília; Rio de Janeiro: Ipea, 2016.

MENEGHEL, S.N. et al. Femicídios: narrativas de crimes de gênero. Interface (Botucatu), v.17, n.46, p.523-33, jul./set. 2013.

PÉREZ, Victoria A. Ferrer; FIOL, Esperanza Bosch. Violencia de género y misoginia: reflexiones psicosociales sobre un posible factor explicativo. Papeles del psicólogo, n. 75, p. 13-19, 2000.

PORFíRIO, Francisco. “Feminicídio”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/feminicidio.htm. Acesso em 17 de agosto de 2020.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ORG). Atlas da violência 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.

 

Obs.: PL 1.444/2020 altera a Lei 13.979, de 2020, que define regras para o enfrentamento da Covid-19. De acordo com a proposta, União, Distrito Federal, Estados e municípios Devem estabelecer medidas protetivas[13] excepcionais para atender a mulher e os dependentes em situação de violência doméstica e familiar.

 

O texto determina o afastamento imediato do agressor, caso a mulher ou os dependentes tenham a vida ou a integridade física ameaçadas[14]. Se esse afastamento não for possível, as vítimas devem ser acolhidas em centros de atendimento, casas-abrigos ou abrigos institucionais.

 

Se a violência doméstica for cometida durante a pandemia, a polícia deve enviar ao juiz em 24 (vinte e quatro) horas um pedido para a concessão de medidas protetivas de urgência. O prazo em vigor é de 48 horas.

 

O Poder Judiciário também tem 24 (vinte e quatro) horas para decidir. Entre as medidas protetivas, o magistrado pode determinar a realização de visitas periódicas pela polícia na casa da mulher em situação de violência.

 

De acordo com o projeto, as Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (Deams) devem garantir atendimento domiciliar para o registro de ocorrências.

 

A regra vale para crimes de estupro e feminicídio ou ainda para situações de risco iminente. O texto também prevê a divulgação de dados sobre violência doméstica e abuso sexual, classificados por tipo de crime, idade, raça e cor das ofendidas.

 

O PL 1.444/2020 prevê a destinação de “recursos emergenciais” para garantir o funcionamento de centros de atendimento, casas-abrigos e abrigos institucionais durante a pandemia. Caso não haja vagas, o Poder Público deve ampliar a oferta por meio do aluguel de casas, quartos de hotéis e espaços privados.

 

Os locais devem garantir distanciamento físico entre as diferentes famílias abrigadas; ambientes ventilados e higienizados periodicamente; alimentação, itens básicos de higiene; e roupas de cama e banho. O texto também determina a oferta de equipamentos de proteção individual; segurança para os abrigados e sigilo.

 

Pelo projeto, alguns serviços devem ter funcionamento prioritário durante a pandemia. Entre estes, o canal “Ligue 180”, para o atendimento psicológico das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, e o “Disque 100”, para os demais grupos vulneráveis. O texto também recomenda o funcionamento ininterrupto das Deams.

 

O PL 1.444/2020 altera também a Lei 13.982, de 2020, que prevê o pagamento o auxílio emergencial de R$ 600 por mês durante a pandemia. A norma em vigor já estabelece que a mulher que cuida sozinha dos filhos tem direito a duas cotas do benefício. Mas o projeto aprovado pela Câmara estende o auxílio à mulher “em situação de violência doméstica, sob medida protetiva decretada”. Fonte: Agência Senado

 

 

 

 

 

 

[1] Parceria entre cinco mídias independentes, que monitoram os casos durante o isolamento social, aponta que 195 mulheres foram vítimas de feminicídio em dois meses, segundo dados dos estados. Em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a existência da pandemia do novo coronavírus (SARS-Cov-2) no mundo. O vírus letal desenvolve a doença infecciosa Covid-19, que foi identificada por cientistas na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019. Como não existe uma vacina ou remédio que cure a doença e, para evitar o colapso nos hospitais, a OMS sugeriu a quarentena e isolamento social da população no período da incidência da pandemia.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado em 28 de fevereiro. Até esta quarta-feira (17 de junho) foram notificados 955.377 casos confirmados da doença e 46.510 mil mortes por Covid-19.

[2]  Mas afinal, o que é gênero? Segundo as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (ONU Mulheres, 2016), gênero se refere a construções sociais dos atributos femininos e masculinos definidos como papéis percebidos como inerentes à “feminilidade” ou à “masculinidade”. Os papéis de gênero podem ser descritos como comportamentos aprendidos em uma sociedade, comunidade ou grupo social nos quais seus membros são condicionados a considerar certas atividades, tarefas e responsabilidades como sendo masculinas ou femininas.

[3] A violência doméstica é um fenômeno que não distingue classe social, raça, etnia, religião, orientação sexual, idade e grau de escolaridade. Todos os dias, somos impactados por notícias de mulheres que foram assassinadas por seus companheiros ou ex-parceiros. Na maioria desses casos, elas já vinham sofrendo diversos tipos de violência há algum tempo, mas a situação só chega ao conhecimento de outras pessoas quando as agressões crescem a ponto de culminar no feminicídio. A violência doméstica pode, sim, ser denunciada em qualquer delegacia, sem perder de vista, entretanto, que a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) é o órgão mais capacitado para realizar ações de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência de gênero. O acesso à justiça é garantido às mulheres no art. 3º da Lei Maria da Penha.

 

[4] Em 07 de agosto de 2020 completou-se o aniversário de quatorze anos da Lei Maria da Penha. Infelizmente, com a pandemia de covid-19, as denúncias de violência contra as mulheres, recebidas pelo número 180 cresceram significativamente, desde março, segundo o Ministério, da Família e dos Direitos Humanos. Para a advogada Sandra Lia Bazzo, integrante do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), o isolamento social, imposto pela pandemia, acirrou relações que já eram desrespeitosas e desiguais entre pessoas do mesmo convívio. Para além disso, agregam-se os fatores psicológicos e econômicos, além da ansiedade, desemprego e insegurança financeira.

[5] Menina de 10 anos violentada faz aborto legal, sob alarde de conservadores à porta do hospital. Vítima, estuprada por um tio, foi atendida no Recife após negativa de atendimento na cidade capixaba onde vive, mesmo com aval da Justiça. Ativistas radicais gritavam “Assassino” na porta da clínica neste domingo para que não se cumprisse a lei. Brasil aceita aborto em casos de estupro desde os anos 1940. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-16/menina-de-10-anos-violentada-fara-aborto-legal-sob-alarde-de-conservadores-a-porta-do-hospital.html Acesso em 19.8.2020.

[6] Cronômetro da violência contra as mulheres no Brasil: 5 espancamentos a cada 2 minutos Fundação Perseu Abramo 2010; 1 estupro a cada quinze minutos. 9º Anuário da Segurança Pública 2015; 179 relatos de agressão por dia. Balanço Ligue 180 Central de Atendimento à mulher entre jan-jun de 2015; 13 homicídios femininos por dia em 2013 Mapa da violência 2015/ Flacso; Dados compilados no Dossiê Violência contra as mulheres in: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/

[7] “O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a criminalização do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do iceberg e entender que ali há uma série de violências”, afirma Carmen Hein de Campos, advogada, doutora em Ciências Criminais e consultora da CPMI-VCM. Para a especialista, é ainda fundamental compreender que, quando o feminicídio acontece, é porque diversas outras medidas falharam. “Precisamos ter um olhar muito mais cuidadoso e muito mais atento para o que falhou”, conclui.  In: PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (Organização); Feminicídio #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017.

 

 

 

[8] O homicídio de mulheres negras aumentou 54% em dez anos. A violência contra as mulheres e os feminicídios aparecem assim um fenômeno que é perversamente social e democrático, que pode atingir qualquer mulher, mas que, ao mesmo tempo, tem características particulares que precisam ser compreendidas, como explica a pesquisadora Wânia Pasinato. “Por isso, além das discriminações baseadas nos papéis de gênero, é preciso compreender as intersecções entre gênero e classe social, geração, deficiências, raça, cor e etnia”, destaca.

[9] Desta forma, entende-se que feminicídio é o homicídio qualificado de mulheres que estão em situação de violência doméstica ou devido a sua condição de mulher. Ele está associado aos crimes de ódio e à misoginia e deriva das estruturas que hierarquizam e menosprezam o feminino na sociedade. Atualmente, no Brasil, ele vai em direção contrária aos índices de homicídio e está em níveis elevados. Como é decorrente de um crime de ódio, ele é incentivado pelas estruturas sociais de desigualdade de gênero, por transmitir a ideia de posse de um homem sobre uma mulher.

[10] A revitimização cometida por agentes do Estado, pois o crime cometido pela negligência do Estado, como também é comum acontecer em casos de feminicídio.

[11] No Pará, o Ministério da Saúde já registrou 74.192 casos de Covid-19 e 4.350 mortes até esta quarta-feira (17 de junho). A população feminina do Pará é de 4.292.000 mulheres, segundo dados do IBGE de 2020. Durante a pandemia, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) informou à Amazônia Real que o número de processos abertos de violência doméstica contra mulheres chegou a 5.043 de janeiro a março, um crescimento de 17,7% em relação aos 4.281 casos do mesmo período de 2019. Foram abertos nove inquéritos para investigar crimes de feminicídio no mês de março, diz o TJPA.

[12] A explicação para essa violência estrutural contra as mulheres brasileiras está na formação social do país, explica a advogada criminalista Clarissa Nunes, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). “Somos um país que não trabalha sua memória, por isso a gente tende a ignorar como se deu a formação da mulher na sociedade brasileira. Cogitamos de mulheres que foram escravizadas, estupradas e tratadas como mercadoria durante muito tempo. E, por não trabalharmos nossa história, ela se repete tragicamente. A cultura de violência contra as mulheres é enraizada principalmente na questão econômica. Mulheres que até há pouco tempo eram escravizadas e hoje desempenham trabalhos informais na sociedade”, argumenta.

In: VILELA, Pedro Rafael. Feminicídio: uma inaceitável epidemia brasileira. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/02/27/feminicidio-uma-inaceitavel-epidemia-brasileira Acesso 17.8.2020;

[13] As medidas protetivas foram consolidadas como um direito das vítimas a partir da Lei Maria da Penha (nº 11.340), em vigor desde 2006, e podem ser concedidas por um juiz mesmo que não tenha sido instaurado inquérito policial ou processo cível.

[14] Há as seguintes modalidades de assassinatos de mulheres reconhecidas como feminicídios, a saber: íntimo (a mulher morre por pessoa com quem tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo: marido, ex-marido, companheiro, ex-companheiro, namorado, ex-namorado ou amante, pessoa com quem tem filho). O que inclui a hipótese de amigos que assassina uma mulher (amiga ou conhecida) que negou a ter relação íntima com ele, seja de natureza sentimental ou sexual. O infantil quando a morte de menina com menos de quatorze anos cometida por âmbito no âmbito de relação de responsabilidade, confiança, ou poder conferido pela sua condição de adulto sobre a menoridade da menina; O familiar (morte de mulher no âmbito de relação de parentesco com agressor). Pode ser por consanguinidade, afinidade ou adoção. Por conexão, é a morte de mulher que se situa na linha de fogo no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. A vítima pode ser parente ou amiga da vítima, ou até uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima. E, por fim, o sexual sistêmico que inclui a morte de mulheres previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Há a modalidade desorganizada e organizada.

Também a morte de mulher transgênero ou transexual na qual o agressor mata por sua condição ou identidade de gênero, por ódio ou rejeição é feminicídio. Lesbofóbico que corresponde a morte de uma mulher lésbica na qual o agressor a mata por conta de sua orientação sexual, por ódio ou rejeição. Também por motivação racista (por conta de sua origem étnica, racial ou de seus traços fenotípicos).