As Constituições do século XX

Resumo: As reflexões sobre a Constituição Econômica e o sentido que esta adquiriu no contexto do constitucionalismo social do século XX, passando pela teoria da constituição dirigente. A problemática da constituição econômica brasileira vigente ditada pelas necessidades de mercado, configurando assim, o Estado de Exceção Permanente.

Palavras-chave: Constituição Econômica. Constituições do século XX. Constitucionalismo social. Constituição Federal brasileira de 1988.

Para prover a compreensão acerca da Constituição Econômica percorre os caminhos da teoria constitucional e, para disciplinar a Constituição Econômica no século XX impõe a abordagem da ordem jurídica da economia, e de todo âmbito do “dever ser”. Realmente, a preocupação do direito com a economia, nasceu no século XX e surgiu da real necessidade de se garantir e possibilitar mudanças na seara econômica.

O liberalismo do século XIX albergou relevantes conquistas no campo das liberdades, formou-se um cenário de assombrosa acumulação de direitos de propriedade em poucas mãos. E, as tensões majoraram com o poder econômico sediado em poucas mãos e o poder político mais distribuído em face da democracia.

Diante disso, no século seguinte, se alterou o papel e funcionamento da Constituição Econômica que antes era de apenas garantir a ordem econômica existente, para tornar-se uma Constituição normativa, promotora e garantidora de profundas transformações na economia, entendidas necessárias com o advento do constitucionalismo social no século XX e da teoria da constituição dirigente.

Para a teoria da Constituição dirigente, a Constituição não é só garantia do existente, mas também um programa para o futuro. Ao fornecer linhas de atuação para a política, sem substituí-la, destaca a interdependência entre o Estado e sociedade. A Constituição dirigente é uma Constituição estatal e social (Canotilho, 2001).

O que era inovador nesse tipo de Constituição não é a previsão de normas que disponham sobre o conteúdo econômico, mas é a positivação das tarefas a serem realizadas pelo Estado e pela sociedade no âmbito econômico, buscando atingir certos objetivos determinados, também, no texto constitucional.

De fato, as definições exclusivamente normativas de Constituição não determinam seu conceito, sua essência que inclui, embora não se limite a eles, os célebres fatores reais de poder os quais, segundo Lassale (1987), se constituem nas forças ativas que conformam as instituições jurídicas, que se transformam em direito quando colocadas em um papel. A grande contribuição de Lassale (1987) foi demonstrar que as questões constitucionais são também questões políticas, de poder.

A proposta é de compreender e aplicar a Constituição Econômica como sistematização de dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico, voltada para a transformação das estruturas sociais, impondo tarefas e programas a serem realizados. Devemos realizar uma reflexão acerca do conceito de constituição econômica, sua origem e atual posição dentre as constituições modernas, a partir da perspectiva das Constituições Dirigentes.

A Constituição Dirigente ou compromissória também chamada de constituição programática ou diretiva se caracteriza por conter normas definidoras de tarefas e programas a serem materializados pelos poderes públicas. Têm como traço comum a tendência, em maior ou menor medida, a serem uma constituição total. (In: NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2009).

A problemática da Constituição Dirigente, isto é, naquela que define fins e objetivos para o Estado e a sociedade, precisamos fixar-nos ao texto de uma determinação constitucional. Trata-se de texto que regula uma ordem histórica concreta e, só pode se definir a partir de sua inserção e função na realidade histórica. Eis as palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, ” conceito de constituição constitucionalmente adequado”. É o caso da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

A Constituição federal brasileira de 1988 é uma constituição dirigente, pois define, por meio das chamadas normas constitucionais programáticas, fins e programas de ação futura no sentido de melhoria das condições sociais e econômicas da população.

E, na mesma linha das Constituições anteriores como as de 1934 e 1946, a Constituição brasileira vigente construiu um Estado Social, ao englobar entre suas disposições a função social da propriedade, os direitos trabalhistas, previdenciários, além da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por objetivo assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social.

Assim, a partir da Constituição de 1988, o Estado passou não apenas a conceder, mas a fornecer os meios de garantir e efetivar os direitos sociais, entre outros, mandado de injunção e inconstitucionalidade por omissão. Lembremos que o Estado Liberal, conforme o doutrinador e professor Fábio Comparato, é estático, conservador e tem como única tarefa a de government by law, isto é, produzir direito, por meio da edição de leis.

Os mecanismos de freios e contrapesos, além de impedirem o Estado de fazer o mal, ou seja, ameaçar as liberdades e garantias individuais, também o impedem de empreender políticas ou programas de ação a longo prazo, revelando, assim, a inadequação estrutural de poderes públicos nesse tipo de Estado.

Eis que a notável mudança ocorreu com a superação do Estado de Direito formal pelo Estado Social de Direito. A suposta antinomia entre Estado de Direito e Estado Social tem caráter ideológico de que a reestruturação democrático-social não pode ser feita por meio do Estado de Direito, refletindo a ideia de que a Constituição representa uma limitação do poder estrutural, devendo os fins político-sociais serem relegados para a administração, sendo o Estado Social, consequentemente contrário às liberdades individuais.

Atribui-se ao fisiocrata Baudeau a expressão “Constituição Econômica” que com ela principiou um dos capítulos da sua Première Introduction à La Philosophie Économique (1771) e significava aí o conjunto dos preceitos jurídicos reguladores da societé économique. Foi na literatura econômica que a expressão em primeiro lugar obteve curso, mas com diverso sentido, significando o mesmo que a estrutura econômica ou sistema econômico, ou seja, os elementos estruturais que determinam as leis e condicionam o processo de evolução da economia. Apesar do conteúdo teorético econômico é como um retorno às origens no plano jurídico-político que a expressão vem a conhecer fortuna.

E foi após a Primeira Guerra Mundial um marco de transição econômica e política do capitalismo que o conceito de Constituição Econômica vai surgir com todo o vigor. Duas são as ideias que fundamentalmente e o informaram: as de democracia econômica e de administração autônoma da economia.

Enfim, a representação de que a democracia política, com o seu parlamento, os seus partidos, o seu sufrágio universal, os seus direitos fundamentais, não passa de ilusão quando as condições econômicas impedem o cidadão de efetivamente fazer uso dos seus direitos, motiva a ideia de transformá-lo também em cidadão econômico. Assim como a revolução liberal tinha criado a cidadania política era necessário agora atribuir a todos a cidadania econômica.

Os primeiros representantes da democracia econômica associavam-na diretamente as ideias socialistas. Posteriormente, os seus teóricos se desligaram das ideias marxistas, expurgando da democracia econômica a exigência de eliminação da propriedade privada dos meios de produção.

Seus direitos, motiva a ideia de transformá-lo também em cidadão econômico. Assim como a revolução liberal tinha criado a cidadania política, era necessário agora atribuir a todos a cidadania econômica.

As Constituições elaboradas depois do fim da Primeira Guerra Mundial têm algumas características comuns, a saber: a declaração, ao lado dos tradicionais direitos individuais, dos chamados direitos sociais ou direitos de prestação, ligados ao princípio da igualdade material que dependem de prestações diretas ou indiretas do Estado para serem usufruídos pelos cidadãos.

Estas novas Constituições são consideradas parte do novo constitucionalismo social que se estabelece em boa parte dos Estados europeus e em alguns americanos. Em torno destas Constituições, adjetivadas de sociais, programáticas ou econômicas, vai se dar um intenso debate teórico e ideológico.

A Constituição Econômica não é uma inovação do constitucionalismo social do século XX, mas está presente em todas as Constituições, inclusive nas liberais dos séculos XVIII e XIX. Todas as Constituições Liberais possuíam disposições econômicas em seus textos, as quais buscavam sancionar o existente, garantindo os fundamentos do sistema econômico liberal, ao prever dispositivos que preservavam a liberdade de comércio, de indústria, a liberdade contratual e, fundamentalmente, os direitos de propriedade.

A existência de Constituição Econômica nas Constituições liberais pode ser demonstrada pela primeira Constituição moderna e última de modelo liberal ainda vigente, a Constituição norte-americana de 11787. A liberdade contratual, prevista na Constituição Econômica de 1787 tornou possível o desenvolvimento capitalista nos EUA nas formas em que este ocorreu.

Enfim, o debate em torno das Constituições Econômicas intensificou-se no século XX com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Formalmente, as Constituições do século XX diferenciam-se das anteriores por, entre outros motivos, conterem uma expressão formal de Constituição Econômica, com uma estrutura mais ou menos sistematizada em um capítulo próprio.

A essencial diferencia surgiu a partir do constitucionalismo social do século XX e que vai marcar o embate que envolve a Constituição Econômica é o fato de que estas Constituições não pretendem mais receber a estrutura econômica existente, mas sim, alterá-la.

Essas constituições positivaram tarefas políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para atingir certos objetivos. A ordem econômica destas constituições é programática, dirigente. A Constituição econômica que conhecemos surge quando a estrutura econômica se revela problemática, quando cai a crença na harmonia preestabelecida do mercado. Ela quer uma nova ordem econômica, quer alterar a ordem econômica existente, rejeitando o mito da autorregulação do mercado.

A ideia de Constituição Econômica do século XX tinha precisamente, por fim, efetivar esses objetivos de reordenação econômica, por meio do estabelecimento de uma constituição jurídica da economia que rompesse com a realidade do ancien regime e negasse a ordem econômica liberal, a favor da representação de uma ordem econômica. Moreira (1979) nomina este conjunto de disposições contidas no documento constitucional, destinadas a regular a vida econômica de Constituição Econômica formal.

A Constituição Econômica material seria definida segundo um critério econômico, abrangendo todas as normas e instituições jurídicas pertinentes segundo esse critério, independentemente da sua fonte constitucional ou legal (ou até regulamentar). Já a Constituição Econômica formal seria definida pelo simples critério da presença de disposições econômicas no documento constitucional.

Efetivamente, segundo Moreira (1979), é certo que ao capitalismo como sistema econômico é inerente uma Constituição Econômica formal, sistematizada. Porém, ela só obteve grau constitucional formal muito tardiamente: a Constituição de Weimar de 1919 seria aquela em que, pela primeira vez.

É essa ideia que parece ganhar confirmação quando se tenha em conta o que, nesse aspecto, separa as novas constituições em relação às oitocentistas.

Em primeira análise, o que as distingue é desde logo a assunção, nas constituições modernas, o econômico como material constitucionalizável e atribuição a ele de um ‘quadro de ordem’, isto é, a sua estruturação jurídica mais ou menos sistemática, abrangendo todos os domínios do econômico.

[…] Esse quadro de ordem não pretende receber a estrutura econômica existente – ao invés, pretende alterá-la. O que caracteriza essa ordem constitucional da economia é o fato de integrar declarações de tarefas a realizar na economia, no sentido de a conduzir a certos objetivos (MOREIRA, 1979).

A Constituição econômica formal parece que surgiu apenas quando a estrutura econômico, se transformou em problema, quando o econômico, livre do político, se transformou no domínio privilegiado deste, quando os fatos demonstraram o infundado da crença na harmonia preestabelecida da ordem econômica. Pois visam estabelecer nova ordem econômica destinada a alterar a estrutura econômica existente.

A Constituição como decisão política, independente da sua efetivação no plano jurídico, é antes uma ideia, projeto, cuja função é precisamente transformar a ordem econômica existente. Não é, pois, um conceito abarcando uma ordem econômica efetiva, mas uma tarefa, uma ideia dirigida ao futuro. É a resposta a um problema bem demarcado: o da liberdade ou da vinculação econômica, a apresentar um equilíbrio entre a liberdade e a vinculação. Consiste, assim, na ordem política fundamental pela qual se equilibram e se ligam na vida econômica os princípios conflitantes, mas, ao mesmo tempo, complementares, da liberdade e da vinculação.

Na realidade, poderá dizer que a relação de tensão entre direitos individuais e as exigências do bem comum constitui o problema fundamental inerente a toda Constituição.

O conceito jurídico de comunidade exige ainda que os membros de uma comunidade econômica, no sentido fático, tenham consciência das relações de interdependência e solidariedade que os unem, e tenham, consequentemente, a vontade de valorizar e dominar juridicamente o econômico.

Não basta pois a consciência da interdependência; é necessária também a consciência de que essa interdependência não é dada, não é natural, mas sim responsabilidade de todos e susceptível, portanto, de ser submetida ao direito.

Na Constituição econômica a centralidade que deve ocupar os sujeitos econômicos nestas reflexões, vez que são estes a movimentar a vida econômica em uma sociedade, logo, devem se constituir na preocupação principal. Para ele, uma comunidade econômica só pode existir entre pessoas, entre os sujeitos econômicos, capitalistas, empresários, trabalhadores e consumidores.

Contudo, a existência de tal relação só é possível quando a interdependência dos sujeitos econômicos tenha atingido um grau de densidade que permita um processo de socialização na satisfação das necessidades sociais, fundamentado na verdadeira solidariedade entre os membros de uma economia nacional.

A ideia de Constituição Econômica consiste na assertiva de que todo qualquer fundamento econômico socialmente relevante tem que satisfazer aos requisitos de justiça, vez que o conceito de constituição econômica pressupõe, entre outros, certo grau de maturidade do desenvolvimento econômico, da ciência econômica e da consciência jurídica:

O ponto de inserção histórica da ideia de constituição econômica é a rotura, que a Primeira Guerra Mundial manifesta no espírito econômico: um espírito de solidariedade que se opõe à representação individualista liberal, e que assenta em uma concepção tica da liberdade econômica, que é ao mesmo tempo responsabilidade social, e não na liberdade individualmente concebida, inimiga da ideia de constituição econômica; um espírito econômico segundo o qual a economia é posta ao serviço do homem, ao qual, qualquer que seja a sua posição o processo econômico – capitalista, empresário, trabalhador, consumidor – cabe, em virtude da sua dignidade e do seu sentido criador, o primeiro lugar.

A tarefa da Constituição Econômica é, pois, fazer valer e desenvolver o sentido supramaterial o econômico, como ordem jurídica global da economia (MOREIRA, 1979).

As dificuldades na concepção de Ballerstedt começam por seu fundamento teórico, a ideia de comunidade econômica. A representação de tal comunidade não consegue fugir a um confronto com a realidade. É certo que o doutrinador não concebeu a ideia de comunidade no sentido orgânico da sociologia, trata-se, porém, de uma unidade funcional, de uma interpenetração das funções dos vários sujeitos econômicos, confluindo em um mesmo objetivo comum: a melhor satisfação possível das necessidades comuns.

Se é possível falar de objetivos comuns e de necessidades comuns dos sujeitos econômicos quando se reconhece que a oposição de classes representa ainda hoje um dos problemas centrais da Constituição Econômica. Conclui-se, asseverando que a ordenação consciente da economia pressupõe um problema, a que a ordenação responde, e uma ideia diretora dessa resposta.

Essa ideia que ainda há de se realizar é a Constituição Econômica, cuja existência se basta por uma vontade: a de atribuir uma ordem jurídica às relações econômicas em vista de um determinado objetivo de justiça: a realização de uma comunidade econômica.

A Constituição Econômica é o elemento integrador necessário da ordem jurídica da economia, a qual não contém em si unidade e sistema, pois só ganha estrutura própria e específica dentro de uma concreta formação social.

O critério de que resulte eventualmente a constituição econômica não pode procurar-se em uma arbitrária escolha a partir do jurídico, mas sim a partir do próprio processo social em que o direito encontra o seu fundamento, isto é, a partir do seu próprio objeto, neste caso, o econômico.

[…] A questão está dependente de se achar no econômico um elemento que, no seu plano, isto é, economicamente considerado, defina unitariamente a realidade econômica, em termos de sistema. Esse elemento aglutinante da realidade econômica é o especifico modo de produção.

São os princípios, regras ou instituições jurídicos que traduzem juridicamente os elementos determinantes do econômico, isto é, uma determinada estrutura de relações de produção, são eles que serão elevados a qualidade unificante do material jurídico-econômico e constituirão a ordem econômica, o núcleo fundamental da Constituição Econômica.

A proximidade entre os conceitos de ordem econômica e Constituição Econômica é óbvia, no entendimento de Eros Grau (2000).

A Constituição Econômica é um conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica (real, mundo do ser, como ela de fato é) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordenadores da economia (mundo do dever ser).

Grau (2000) trabalha com a distinção entre a ordem econômica do mundo do ser (a real, efetiva) e a ordem econômica do mundo do dever ser (princípios e regras constitucionais conformadores da economia), a ordem jurídica da economia.

Para tanto, adota as conotações utilizadas por Moreira (1979): Em primeiro sentido, ordem econômica é o modo e ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato e não de um conceito normativo ou de valor (do mundo do ser, portanto); o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fatores econômicos concretos; conceito do mundo do ser exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato.

Em um segundo sentido, ordem econômica é expressão que designa o conjunto de todas as normas, qualquer que seja a sua natureza, que respeitem à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo da ação econômica. Em um terceiro sentido, ordem econômica significa ordem jurídica da economia.

A introdução em nível constitucional de disposições específicas, atinentes à conformação de ordem econômica real, não consubstancia, em rigor, uma ruptura dela. Expressa o desígnio de se aprimorar tendo em vista a sua defesa. A ordem econômica (mundo do dever ser) capitalista, ainda que se qualifique como intervencionista, está comprometida com a finalidade da preservação do capitalismo.

Eis a feição social, que e lhe é atribuída, a qual, longe de se desnudar como mera concessão a um modismo, assume, nitidamente, conteúdo ideológico (Grau, 2000). Assim, a transformação que nela – ordem econômica parcela da ordem jurídica – se opera não decorre da circunstância de alterar-se sua compostura.

Não se cuida, pois, de transformação que se manifeste em razão de, inovadoramente, a ordem jurídica integrar em si normas voltadas à regulação da ordem econômica, visto que normas como tais sempre existiram no bojo da ordem jurídica, inclusive, desde o advento das Constituições escritas, ao menos implicitamente, no seio destas.

As Constituições Econômicas do século XX buscam a configuração política do econômico pelo Estado. Desse modo, a característica essencial da atual Constituição Econômica do Brasil, uma vez que as disposições econômicas sempre existiram nos textos, é a previsão de uma ordem econômica programática, estabelecendo uma Constituição Econômica diretiva, no seio de uma Constituição Dirigente.

No seio das Constituições diretivas que germinam as novas ordens econômicas (mundo do dever ser), consubstanciantes de Constituições Econômicas diretivas.

As Constituições diretivas ou programáticas não se bastam em conceber-se como mero instrumento de governo, mas além disso, enunciam diretrizes, programas e fins a serem realizadas pelo Estado e pela sociedade. Não compreendem tão somente um estatuto jurídico do político, mas um plano normativo do Estado.

Estas Constituições Econômicas diretivas surgem quando a economia se revela problemática e quando se esfacela a convicção de que os mercados são autorreguláveis. Moreira (1979) elucida que a Constituição Econômica diretiva só surgiu quando as circunstâncias obrigaram a perder a confiança no princípio de autorregulação da economia, constituinte da representação clássica, isto é, quando a economia deixou de ser concebida como uma ordem natural e indisponível, a partir da Primeira Guerra Mundial.

Embora com objetivos diversos, dependentes das diferentes situações e das diferentes forças políticas que as fizeram nascer, todas as ordens constitucionais econômicas deste século partem da rejeição da ordem econômica liberal e do seu princípio de autorregulação e afixam ao econômico um fim extraeconômico, seja ele a justiça e a dignidade humana.

A característica essencial das Constituições Econômicas do século XX é, portanto, o seu caráter diretivo ou dirigente, de instrumentar transformações sociais, políticas e econômicas.

A eficácia jurídica dos artigos de uma Constituição Econômica diretiva, categoria na qual se enquadram a maior parte das Constituições do século XX, originadas no contexto do Constitucionalismo Social, não incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização desses preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico, de certo modo, sempre inacabado. Sua materialização não significa imediata exigência de prestação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do Estado.

Uma análise desta “crise” constitucional, mais destacadamente, da realidade constitucional dos países periféricos, como é o caso brasileiro. Para ele, a Teoria da Constituição, talvez excessivamente preocupada com questões da interpretação constitucional e do controle de constitucionalidade, não consegue lidar de maneira satisfatória com os problemas políticos, sociais e econômicos inerentes à nova ordem constitucional em um país periférico, como é o caso do Brasil.

Criou-se uma Teoria da Constituição tão poderosa, que a Constituição, por si só, resolve todos os problemas. O instrumentalismo constitucional é, desta forma, favorecido: acredita-se que é possível mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com dispositivos constitucionais.

Consequentemente, o Estado e a política são ignorados, deixados de lado. A Teoria da Constituição Dirigente é uma Teoria da Constituição sem Teoria do Estado e sem política. E é justamente por meio da política e do Estado que a Constituição vai ser concretizada.

Entender a Constituição como não apenas normativa, mas também política. Compreender as relações políticas e sociais presentes nas estruturas constitucionais. Perceber que a Constituição pertence também à realidade histórico-social. Tornar claros os nexos existentes entre Estado, Constituição e política, concebendo o direito constitucional como direito político.

A relevância da constituição econômica é a possibilidade que ela abre de analisar a totalidade da formação social, com suas contradições e conflitos. A Constituição Econômica torna mais clara a necessária ligação que deve existir entre a Constituição, a política e as estruturas sociais e econômicas.

Há uma clara distinção entre o liberalismo europeu, como ideologia revolucionária articulada por novos setores emergentes e forjados

na luta contra os privilégios da nobreza, e o liberalismo brasileiro canalizado e adequado para servir de suporte aos interesses das oligarquias, dos grandes proprietários de terra e do clientelismo vinculado ao monarquismo imperial (WOLKMER, 2008).

A falta de uma revolução burguesa no Brasil restringiu a possibilidade de que se desenvolvesse a ideologia liberal como ocorreu em países como Estados Unidos, Inglaterra e França. Nesses dois últimos países, por exemplo, o liberalismo foi a doutrina político-libertadora que representou a ascensão da burguesia contra o absolutismo, tornando-se conservadora à medida que a burguesia se instala no poder e sente-se ameaçada pelo proletariado (WOLKMER, 2008).

Já no Brasil, o liberalismo expressaria a necessidade de reordenação do poder nacional e a dominação das elites agrárias, processo este marcado pela ambiguidade da junção de formas liberais sobre estruturas de conteúdo oligárquico, ou seja, a discrepante dicotomia que perduraria ao longo da tradição republicana: a retórica liberal sob a dominação oligárquica, o conteúdo conservador sob a aparência de formas democráticas (WEFFORT, 1980).

Para Saes (1984), o liberalismo político das oligarquias fundava-se numa concepção de democracia representativa sem nenhuma relação com a representatividade da vontade popular; tratava-se, ao contrário, de uma concepção elitista que negava às massas incultas a capacidade de participação no processo decisório e atribuía aos homens letrados a responsabilidade exclusiva do funcionamento das instituições democráticas.

As ideias e interesses que, politicamente, dominavam no início do século XIX os países latino-americanos, fortalecidos pelas guerras de independência, ofereceriam um campo propício para o surgimento, no âmbito do Direito Público brasileiro desta doutrina político-jurídica específica (WOLKMER, 2008)

Trata-se aqui do constitucionalismo de tipo liberal, que demarcava a necessária limitação do poder absolutista das metrópoles europeias e sintetizava a luta lenta, tenaz e histórica do povo periférico, explorado e dominado, em prol de sua liberdade, emancipação, participação e busca de seus direi#tos de cidadania.

Toda a estrutura socioeconômica da sociedade brasileira, ao longo do Império, amparou-se na monocultura fundiária e na técnica de trabalho escravo. Isso iria se refletir na construção inicial da ordem político-jurídica do país. A construção do Estado no Brasil ocorreu sob a contaminação dessa anomalia herdada do período imperial (WOLKMER, 2008).

A aliança do poder aristocrático da Coroa Portuguesa com as elites agrárias locais permitiu construir um modelo de Estado que defenderia sempre, mesmo depois da independência, os intentos de segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de produção. Mendes (1992) argumenta que o aparecimento do Estado não foi resultante do amadurecimento histórico-político de uma nação unida ou de uma sociedade consciente, mas de imposição da vontade hegemônica do Império colonizador.

Um texto analítico e detalhista, a Constituição de 1988, mais do que em qualquer momento da história brasileira – além de ter contribuído para enterrar a etapa de autoritarismo e repressão do golpe militar – expressou importantes avanços da sociedade civil e materializou a consagração de direitos alcançados pela participação de movimentos sociais organizados.

Wolkmer (2008) argumenta que seguindo a tradição institucional do capitalismo periférico brasileiro, a democracia aparece sob a forma de concessão, não deixando de ser, mais uma vez, controlada:

Ora, vê-se, assim de um lado, uma democracia manipulada pelo poder econômico das elites dominantes, refletindo a presente derrocada e insuficiência das forças progressivas; de outro, a cantilena de um discurso neoliberal, que, operacionalizado pelos segmentos reacionários, reintroduz hegemonicamente novos valores, categorias e concepções de mundo”.

A experiência político-jurídica colonial reforçou uma realidade que se repetiria constantemente na história do Brasil: a dissociação entre a elite governante e a imensa massa da população. É dessas constatações que se pode auferir a confluência paradoxal, de um lado, da herança colonial burocrática e patrimonialista; de outro de uma estrutura socioeconômica que serviu e sempre foi utilizada, não em função de toda a sociedade ou da maioria de sua população, mas no interesse exclusivo dos “donos do poder”.

Já o século XX, o aparecimento, a partir de 1914, das economias de guerra impuseram a algumas nações um grande preparo para o esforço bélico, o que exigiu a mobilização de todas as suas atividades econômicas para esse objetivo, acarretando o alargamento das atribuições do Estado.

Vigorita (1959) entende que a Primeira Guerra Mundial rompe a tradição do liberalismo econômico, acelerando a ação dos fatores desagregadores:

[…] dilata desmesuradamente as exigências de armamento e aprovisionamento, demonstrando a necessidade do controle integral e coativo da vida econômica; em virtude disso, constitui uma experiência concreta da total disciplina pública da economia, assumindo como modelo de futuros objetivos autoritários de política econômica e ao mesmo tempo cria hábitos e métodos dirigistas dificilmente anuláveis; provoca excessos dimensionais e distribuições erradas na industrialização, com predisposição à ruína por falta de capital e demanda e consequente absorção estatal para evitar a crise; fraciona o mercado internacional pelo surgimento de novos estados e de um novo nacionalismo econômico”.

(…); provoca o desenvolvimento numérico e o despertar classista das massas operárias, de quem acresce o peso político e a força organizatória, colocando em posição de condicionar a tradicional supremacia das antigas classes dirigentes e de exigir a revisão em sentido social do intervencionismo” (VIGORITA, 1959).

A primeira Constituição Econômica do Brasil surge com a Carta de 1934. Seguindo o exemplo da Constituição de Weimar, a grande inovação da Constituição brasileira de 1934 foi, justamente, a inclusão

de um capítulo referente à Ordem Econômica e Social (Título IV, arts. 115 a 140), a qual deveria ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional (BERCOVICI, 2005).

O texto prevê a proteção da concorrência entre as empresas, demonstrando preocupação com a economia popular. Contudo, o principal enfoque da Constituição de 1934 foram os direitos trabalhistas.

E, Bercovici (2005) esclarece, porém, que a “questão social” não surge em 1930. A Revolução de 30 não significa o início da legislação trabalhista no Brasil. No entanto, é só a partir de 1930 que ocorre a aceleração e a sistematicidade das leis trabalhistas, encaradas, desde então, como política de Estado

O Estado Novo, praticamente, apenas sistematizou a legislação trabalhista existente com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943.

[…] Já a constitucionalização dos direitos trabalhistas ocorre, pela primeira vez, na década de 1930, com a Constituição de 1934 (arts. 120 a 123).

A interpretação dominante dos cientistas sociais brasileiros, elaborada a partir da década de 1970, enxerga o período entre 1930 e 1964 como uma época que prevaleciam o clientelismo e a manipulação e cooptação das massas trabalhadoras pelo Estado, o qual teria interrompido o desenvolvimento da luta de classe trabalhadora, que vinha desde a República Velha, subordinando-a aos seus interesses (BERCOVICI, 2005).

Segundo French (2001), esses cientistas sociais se limitam a qualificar a legislação de “fascista” e argumentam que a propaganda e a repressão estatal criaram trabalhadores domesticados e dependentes do Estado. Esta interpretação acaba justificando o mito da “outorga” das leis trabalhistas, criado pelo próprio Estado Novo1, segundo o qual o Estado (mais precisamente, Getúlio Vargas) deu as leis trabalhistas em troca de apoio político dos trabalhadores.

Esta análise não leva em consideração a complexidade e a ambiguidade que marcam a adoção da legislação trabalhista e seu impacto nas relações sociais e políticas da classe trabalhadora.

O Estado Novo não foi um Estado fascista, embora o fascismo houvesse influenciado a Carta de 1937 e o regime ditatorial. Foi uma ditadura latino-americana, não um totalitarismo.

O conflito ideológico que se acentua no país com a eclosão de movimentos revolucionários leva à adoção de regime de estado de sítio e à votação de leis especiais, resultando afinal no golpe de Estado de 1937, que outorga uma nova Constituição, estabelecendo um regime autoritário, comumente chamado de Estado Novo.

A Carta de 19372 manteve o capítulo da Ordem Econômica (arts. 135 a 155), o qual determinou que o Estado interviesse na economia para cuidar dos “interesses da nação”. Inovou ao criar o Conselho de Economia Nacional, responsável pela regulamentação e organização da economia nacional. Era formado por representantes do governo, industriais, comerciantes, produtores e trabalhadores.

Também buscou fomentar a economia popular, tratando mais enfaticamente da repressão aos crimes contra a economia popular, ao equipá-los-á aos crimes contra o Estado (art. 141). Este dispositivo foi regulado pelo Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938. A configuração e o julgamento desses crimes foram regulados pelo Decreto-Lei nº 1.716 de 28 de outubro de 1939.

Outra norma, de forte cunho nacionalista, promulgada durante

o Estado Novo, foi o Decreto-Lei nº 7.666 de 22 de junho de 1945, chamado de Lei Malaia. Foi um grande passo na elaboração de uma disciplina legal do direito de concorrência. Definiu as mais importantes formas de abuso do poder econômico.

É partir da década de 30 que se acentua o mecanismo de intervenção do Estado no domínio econômico, com a criação de autarquias econômicas para a defesa de produtos da agricultura e da indústria extrativa.

A complexidade das tarefas administrativas impõe a organização de conselhos técnicos: Surge, igualmente, a necessidade de uma racionalização da máquina administrativa do Estado, aparecendo, em consequência, o Departamento Administrativo do Serviço Público.

No período do Estado Novo, acentua-se essa tendência intervencionista, por força do regime autoritário, sendo o período fértil em decretos-leis, mediante os quais se regulam aspectos mais variados da vida nacional.

Foi nesse período, que ocorreu a elaboração de vários códigos: Código de Processo Civil, Lei das Sociedades por Ações, Código Penal, Código de Propriedade Industrial, Código de Processo Penal e Anteprojeto do Código das Obrigações.

O curioso é que a maior parte de tais diplomas permanece em vigor até os dias atuais, mesmo que imbuídos de um espírito doutrinário político contrário ao da Constituição vigente.

A partir de 1945 o movimento de redemocratização conduz a ideia de convocação de uma nova Assembleia Constituinte, a fim de elaborar o arcabouço legal de retorno do país ao quadro democrático.

Nada a ver mais parecido com a Constituição de 1934 do que a Carta de 1946. Tanto a Constituinte de 1934 como a de 19463 foram assembleias preocupadas, sobretudo, em impedir que um Executivo avassalador, de tendências discricionárias, dominasse a cena pública. O capítulo referente à Ordem Econômica e Social demonstrou maior atenção às questões regionais.

A Ordem Econômica e Social (arts. 145 a 162) consagrou a intervenção estatal na economia como forma de corrigir os desequilíbrios causados pelo mercado e como alternativa para desenvolver os setores que não interessassem à iniciativa privada (BERCOVICI, 2005).

Bercovici (2005) assinala que o fundamento da ordem econômica passou a ser a justiça social, consagrando-se a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. A continuidade do “constitucionalismo social” é garantida pela Constituição de 1946, embora com recuos, como foi o caso da reforma agrária.

O artigo 148 da Constituição de 1946 iniciou uma nova fase do direito antitruste brasileiro. A ênfase deixou de ser simplesmente a defesa da economia popular, foi enriquecida pela noção de defesa do consumidor.

Os objetivos da legislação deixariam de ser meramente repressivos para adquirir caráter preventivo e de orientação de condutas (BERCOVICI, 2005).

Nesse período foi promulgada a Lei nº 4.137 de 10 de setembro de 1962 que enumerou todas as formas de abuso do poder econômico de forma taxativa, tornando o seu âmbito de aplicação o mais amplo possível, controlando até mesmo o setor público.

Foi criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), para apurar e reprimir os abusos do poder econômico.

Nesse período, o Estado incorporou um pensamento social reformador, oriundo de algumas revisões de propostas operadas pela CEPAL.

No início da década de 1960, a CEPAL admitiu que apenas a industrialização não solucionaria os problemas sociais latino-americanos, apresentando uma proposta de caráter reformista, na qual se devia acelerar o desenvolvimento econômico e redistribuir renda em favor da população.

Consigna-se que aumentou consideravelmente a intervenção do Estado no domínio econômico, sem que a máquina estatal estivesse aparelhada para atender a essas novas necessidades:

Acelera-se o processo de descentralização funcional e de serviços, com a criação de novas autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas, em muitos casos, visando evitar os empecilhos apresentados pela administração centralizada do Estado, e no seio desta, surgem órgãos anômalos, como as campanhas, os serviços especiais, os grupos executivos, etc.

O desvirtuamento deste modelo de desenvolvimento, centrado no Estado, objetivando a formação de um sistema econômico nacional, com o centro dinâmico e unificador localizado no mercado interno, teve início com o golpe militar que depôs João Goulart em 1964.

As cartas outorgadas de 1967 e de 1969 (esta era a Emenda Constitucional nº 1 de 1969) possuíam os títulos da Ordem Econômica e Social, cujos artigos estabeleciam como seu fim, o desenvolvimento nacional. Não obstante, a preocupação principal dos novos dirigentes do país era outra.

A estrutura empresarial do Brasil modificou-se consideravelmente durante a ditadura militar, passando a ser controlada por grandes grupos transnacionais. Reforçou-se ainda mais a dependência estrutural da economia brasileira.

A maior contradição do regime ocorria entre a política econômica de favorecimento de empresas transnacionais e os arroubos nacionalistas ligados à soberania e à segurança nacional. A atual Constituição Federal possui, expressamente, uma Constituição Econômica voltada para a transformação das estruturas sociais.

O capítulo da ordem econômica (arts. 170 a 192) tenta sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado no domínio econômico. O artigo 170, objeto deste trabalho, engloba os princípios fundamentais da ordem econômica brasileira, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo, por fim, assegurar a todos uma existência digna de acordo com a justiça social.

O Estado do século XX, segundo Schmitt, deve ser entendido essencialmente como espaço econômico, cujo centro de referência é a economia e a técnica. O ordenamento jurídico passa a ser determinado pela constituição econômica (a constituição concreta, do mundo do ser, nos termos tratados supra.)

A partir da década de 1970, a suspensão da Constituição Social se torna mais evidente especialmente nos países periféricos, com as novas crises econômicas e a contrarrevolução neoliberal conservadora, que não obstante suspender e bloquear as cláusulas sociais das Constituições, as extirpam do texto constitucional, mediante emendas e reformas.

Os poderes discricionários do Executivo são mais plausíveis, especialmente, para os países dependentes de decisões do Fundo Monetário Nacional e da Organização Mundial do Comércio, que constituem poderes de exceção sem contrapartida. O conteúdo social e econômico da integridade territorial não é mais reconhecido, tornado-se o Estado periférico um espaço de poder econômico do Estado controlador.

Com a globalização, a instabilidade econômica aumentou e o recurso aos poderes de emergência para sanar as crises econômicas passou a ser muito mais utilizado com a permanência do estado de emergência econômico.

A Constituição brasileira de 1988 está inserida dentro desse contexto característico das Constituições dirigentes. Possui uma ordem econômica voltada para a implementação de uma sociedade de bem-estar.

Da leitura do artigo 170 da Constituição de 1988, dispositivo integrante da Constituição Econômica, o qual estabelece os princípios que devem orientar a atividade econômica, depreende-se que parte dos objetivos a serem concretizados no âmbito do exercício da economia, consiste na efetivação e garantia de alguns direitos fundamentais.

Para Grau (2000), é forçoso reconhecer que a ordem econômica da Constituição de 1988 é coerente com as estruturas da realidade nacional e aspirações das forças sociais presentes e traduz o confronto realizado durante a Constituinte, expressando, fidedignamente a heterogeneidade da sociedade brasileira:

De um lado, as grandes empresas – bancos multinacionais e nacionais. Doutro, o bloco dos atrasados, compreendendo as regiões subdesenvolvidas, pequenas e médias empresas, o setor agrícola não empresarial.

Mais além, ainda, os militares e, marcadamente, o Executivo. Todos esses interesses e mais outros, periféricos, nela se fizeram representados, ativamente.

Desde os mais amplos, quais os atinentes à preservação dos instrumentos e mecanismos que viabilizam as políticas de clientela e de subsídios – mencione-se, aí, a defesa, mas do que intransigente, dos interesses da Zona Franca de Manaus – até outros bem localizados (GRAU, 2000).

Os autores da escola ordo-liberal de Freiburg entendem que existe uma dualidade entre Constituição da Economia e Constituição do Estado.

A Constituição Econômica é entendida como uma Constituição autônoma à Constituição Política do Estado. Além da dualidade da Constituição, os ordo-liberais, em um sentido muito próximo do de Carl Schmitt, ainda defendem a necessidade da Constituição Econômica se fundar na decisão da forma pura e fundamental da economia, cujas alternativas se reduzem, para o ordo-liberalismo, à economia de mercado ou à economia planejada e dirigida as questões relativas às políticas do capitalismo avançado.

A ordem econômica de 1988 é aberta. A Constituição é um dinamismo, que ganha concretude no mundo da vida, a cada vez que se observam os mandamentos constitucionais, compreendidos como uma expressão das necessidades mais imediatas da sociedade brasileira.

Para Grau (2000), os sujeitos aplicadores da Constituição, do direito, são o Estado, seus órgãos e os particulares. Quando os particulares aplicam uma norma, reproduzem o direito, conferem-lhe dinamismo. Carnelutti (apud GRAU, 2000) exemplifica essa assertiva ao citar o homem faminto que ao passar por uma barraca de frutas não arrebata uma maçã. Este homem toma uma decisão jurídica, aplica o direito.

A relação entre economia e direito neste artigo foi realizada a partir da análise da Constituição Econômica no contexto do Constitucionalismo social do século XX e da Teoria da Constituição Dirigente, ou seja, como instrumento normativo apto a realizar transformações no espaço econômico, com vistas a realizar justiça social, no sentido de promover uma verdadeira democracia econômica, conforme preconiza

Vital Moreira, através da criação de uma comunidade econômica, composta pela interpenetração das funções dos vários sujeitos econômicos, confluindo em um mesmo objetivo comum: a melhor satisfação possível das necessidades comuns.

Nesse sentido, a atual Constituição Econômica retrata o dever ser da economia brasileira. A exceção permanente a que está o Estado brasileiro devido às constantes crises econômicas, que tanto justificam a suspensão constante das disposições constitucionais vigentes.

A ordem jurídica da economia está consagrada constitucionalmente. O maior desafio é torná-la vida, através de um amplo comprometimento com seus ditames, sob pena de permanecemos submetidos ao regime de exceção que, cotidianamente, vitima vidas sob o jugo da fome, da falta de acesso a direitos fundamentais, sob a “proteção” de um Estado Democrático de Direito.

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1O Estado Novo foi o período em que Getúlio Vargas governou o Brasil logo após um golpe de Estado, em 10 de novembro de 1937. O Congresso Nacional foi fechado, e os partidos políticos, extintos. Apesar de a oposição ter sido perseguida pelas forças opressoras da ditadura, Vargas se aproximou dos trabalhadores por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas e teve o Departamento de Imprensa e Propaganda como aliado na construção da imagem de “pai dos pobres”. Durante esse período, a Segunda Guerra Mundial começou, e, em 1944, o Brasil enviou tropas para lutar junto dos Aliados na Itália. Getúlio Vargas foi deposto do poder em 29 de outubro de 1945 por militares insatisfeitos com os oito anos de governo autoritário. O Estado Novo corresponde ao período em que Getúlio Vargas (1882-1954) governou o Brasil entre os anos de 1937 a 1945, no último momento da Era Vargas, marcado pelo autoritarismo, censura e centralização do poder. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas realizou um Golpe que instaura o Estado Novo, que perduraria até 29 de outubro de 1945, quando, deposto por um movimento militar chefiado por generais, termina o governo Vargas. Durante todo o período, sua política priorizou investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento industrial.

2A Constituição de 1937 foi a 4ª Constituição brasileira e a 3ª do período republicano. Ficou conhecida como a Constituição “Polaca” por ter leis de inspiração fascista, tal qual a Carta Magna polonesa de 1935. O texto foi elaborado pelo jurista Francisco Campos e outorgada em 10 de novembro de 1937. No ano seguinte, Getúlio Vargas sofre uma tentativa de golpe armado pelos comunistas liderados por Luís Carlos Prestes. O episódio, conhecido por Intentona Comunista, teve como consequência dois anos de repressão e prisões arbitrárias, e serviria de pretexto para a consolidação de Vargas no poder. Em 1937, foi descoberta outra tentativa de golpe que seria supostamente tramada pelos comunistas, o Plano Cohen. Diante desta ameaça, Getúlio Vargas declara a criação do Estado Novo. De uma só vez, dissolve a Câmara dos Deputados e o Senado e outorga uma nova Constituição ao país. Esta deveria passar por um referendo, mas tal nunca aconteceu. Em 1937, Getúlio Vargas concretizou um golpe de estado que iniciaria um período de ditadura de oito anos, que se estendeu até 1945: o Estado Novo. Curiosamente, essa ditadura estava prevista na Constituição, que legitimava os poderes absolutos do ditador, enquanto direitos humanos eram recorrentemente violados pelo aparelho repressor do Estado – a Polícia Especial. A Constituição de 1937, que recebeu apelido de Polaca, por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.

3“A Constituição de 1946 foi promulgada no dia 18 de setembro e foi o marco da primeira experiência democrática do Brasil: a Quarta República, também conhecida como República Populista. Essa Constituição foi resultado de um esforço realizado na política brasileira para a implantação de um regime mais democrático. A Constituição de 1946 foi considerada pelos historiadores um documento que expressou os valores do liberalismo presente na política brasileira. Garantiu princípios democráticos, mas ainda manteve alguns aspectos conservadores, como a proibição do voto dos analfabetos. Esse documento foi substituído, em 1967, pelos militares, que haviam tomado o poder do país, em 1964.” A Constituição de 1946, promulgada no dia 18 de setembro, foi a quinta constituição brasileira, quarta do período republicano, e foi o marco da primeira experiência democrática do Brasil.

Conhecida como República Populista, foi considerada pelos historiadores um documento que soube expressar os valores do liberalismo da política brasileira, implantando um regime mais igualitário. Essa constituição garantiu princípios democráticos e restabeleceu valores importantes para a democracia, como a liberdade de expressão, a ampliação do voto feminino e as eleições diretas para os principais cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo.