Bourdieu e Luhmann e o Direito.

 

 

Resumo: Portanto, Bourdieu enxergou o direito como uma forma de violência simbólica, permitindo que práticas de violência e dominação sejam legitimadas, convenientes e necessárias. Luhmann preocupa-se com o problema da ordem, toda a sua teoria trata da impossibilidade de existência de um consenso fático entre os indivíduos, como mecanismo de orientação social, como fundamento da sociedade. Portanto, cada sistema só poderá ter conhecimento daquele setor que fica sob seu código particular e sua seletividade. É dentro dessa ideia que se situa o sistema jurídico. A função do direito está em generalizar e estabilizar expectativas de condutas e regular conflitos mediante a constituição de procedimentos para fazê-lo. O direito não é, na concepção de Luhmann, tanto um meio de evitar conflitos quanto de prevê-los e prepará-los, porém processá-los.

Palavras-chave: Sociologia. Filosofia. Direito. Fenômeno Jurídico. Autopoiesis[1].

 

 

 

 

É possível enfocar nas teorias sociológicas contemporâneas de Bourdieu e Luhmann[2] a temática do direito, a partir da descrição sobre o fenômeno jurídico, entre suas semelhanças e disparidades, a fim de compreender o direito e sua relação com os demais campos dos sistemas sociais.

 

Entre os doutrinadores apontados vige certa disparidade quanto à análise do fenômeno jurídico, pois Luhmann é um sociólogo do direito, com vasta produção teórica sobre a área e a preocupação em esmiuçar os meandros do sistema jurídico, enquanto Pierre Bourdieu dedicou poucos textos à construção teórica sobre o direito, não se podendo cogitar em grande teoria sociológica do direito e investiu mais em suas investigações sobre o direito, onde se procurou identificar a função do direito na contemporaneidade.

 

Bourdieu está apoiado no que ele denominou de construtivismo estruturalista, onde a vontade e consciência dos agentes são capazes de orientar suas práticas e suas representações. Há uma gênese social dos esquemas de percepção, de pensamento e ação do que chamou de habitus, por um lado, e de outro, das estruturas sociais e, particularmente, do que chamou de campo[3].

 

Bourdieu[4] partiu da tríade conceitual, a saber: capitais, campo e habitus que formam seu referencial da realidade social. A noção de capitais é herança da teoria marxista[5] como forma de estabelecer a conduta individual. E, enfocando o capital como relação social que dá poder aos possuidores em face dos despossuídos, estende a noção a outras formas de riquezas. Há três tipos de capitais, a saber: o cultural, social e o simbólico, sendo que o capital econômico continua fazendo parte das análises.

 

O capital cultural corresponde a relação privilegiada com a cultura erudita e a cultura escolar[6], já o capital social, corresponde a uma rede de relações sociais que acaba estabelecendo relações de pertencimento e, o capital simbólico é formado pelo conjunto de signos e símbolos que permite ao agente se situa dentro do espaço social. E, permite aos dominantes imporem seu arbitrário cultural aos dominados, fazendo-os percebê-lo como legítimo.

 

Outra conceito importante de Bourdieu é o de violência simbólica que é recorrente no campo jurídico, implicando a capacidade de imposição consentida de um arbitrário cultural aos dominados. O conceito de campo é a forma de compreensão das estruturas sociais que formam a sociedade.

 

E, segundo o filósofo francês, uma sociedade diferenciada não forma totalidade única, integrada com funções sistemáticas, porém, consiste em um conjunto de espaços de jogos relativamente autônomos que podem ser remetidos a uma lógica social única.

 

O conceito de campo pode ser considerado como sistema estruturado de forças objetivas, capaz de impor sua lógica a todos agentes que nesta penetram. Nenhuma ação pode ser diretamente relacionada à posição social dos tores, pois esta é sempre retraduzida em função de regras específicas do campo no interior do qual foi construída. Tal qual um prisma, todo campo refrata as forças externas, em função de sua estrutura interna.

 

Indicou Bourdieu que o campo é espaço de conflitos e de concorrência, onde luta-se pelo estabelecimento do monopólio do capital. E, o derradeiro conceito é habitus, um sistema de esquemas de percepção, de apreciação e de ação. Refere-se ao conjunto de conhecimentos práticos adquiridos ao longo do tempo que nos permite perceber, agir e evoluir com naturalidade num universo social dado.

 

Enfim, o habitus é matriz geradora, historicamente constituída onde se opera a racionalidade prática, inerente a um sistema histórico de relações sociais. É espécie de criador inventivo, sempre limitado pelas estruturas objetivas da sociedade.

 

Segundo Bourdieu, o lugar e a evolução do indivíduo no espaço social, relacionam-se, simultaneamente, ao volume global de capital que ele detém, à repartição desse capital em econômico, social e cultural, à evolução, no tempo, dessas propriedades e das estratégias de reconversão desenvolvidas.

 

A crítica à obra de Bourdieu feita por Corcuff é problema da proeminência das estruturas, o que levaria o doutrinador a negligenciar o peso das interações diretas nos processos de construção da realidade social.

 

E, rebatendo tais críticas, o filósofo francês estabeleceu que, apesar da imagem fortemente estruturada do mundo social, as ações sociais podem modificar as leis que estruturaram os campos. E, sua concepção de lei social indica regularidades limitadas no tempo e no espaço que duram enquanto durarem as condições institucionais que as sustentam.

 

Bourdieu incluiu a análise sobre o direito dentro de sua teoria dos campos e capitais, bem como se utilizou da teoria do habitus para explicar a ocupação de cargos jurídicos, as características e aspirações dos operadores do direito.

 

No texto intitulado “Para uma sociologia do campo jurídico”[7] insere-se nas diversas análises que o filósofo fez sobre os diversos campos constituidores da sociedade, a saber: o político, o econômico, o artístico e o escolar. A preocupação com direito na obra do filósofo francês tem posição marginal, vez que são poucas as referências feitas a esse campo.

 

Mesmo sendo útil para entender a racionalidade jurídica. E, sua análise do direito deu-se a partir de sua própria estrutura interna. E, com a conexão entre a organização das profissões jurídicas e a estrutura da racionalidade formal do campo, segundo o autor, o que justificaria a resistência à mudança.

 

Deixou claro que sua investigação não pretendeu frisar as insuficiências do campo jurídico num sentido externo, não englobando a função social do direito como instrumento de análise, nesse sentido, sua visão será interna, a partir das pressões de mudança e das insuficiências internas do campo jurídico[8], o que nos permitirá, mais tarde, traçar um paralelo entre sua teoria e a teoria sistêmica de Luhmann.

 

A análise feita por Bourdieu parte da crítica a uma visão interna do direito (Kelsen[9]) que o enxerga como conjunto de normas incorporadas em uma estrutura formal, bem como a uma perspectiva estruturalista (Marx) que encara o direito como subproduto, determinado por condições internas (poder econômico, elites) que negam até sua autonomia essencial.

 

Aliás, Bourdieu ao aplicar os conceitos gerais de sua teoria à análise do direito realizou uma crítica das posições corporativas no campo, revelando que a evolução do direito não está apenas relacionada aos fatores externos, mas as regras próprias de competência entre os corpos profissionais no interior do referido campo.

 

Enfim, toda a problemática do campo jurídico sedia-se na criação e acumulação de capital jurídico. E, tal campo jurídico conserva os elementos característicos da teoria dos campos, assim, há agentes em luta, constituindo um espaço de jogo, com o estabelecimento de competidores da doxa e da heterodoxia, essa divisão remete à luta entre sábios e profanos, ou seja, entre aqueles que detém o conhecimento jurídico e capacidade postulatória e dos que não detém, mas necessitam de tal saber.

 

A luta também se dá entre as várias concepções de interpretação do direito, por exemplo, entre práxis e teoria, entre direito público e privado. A luta por dizer o direito estabelece-se entre juízes, advogados, promotores e os chamados doutrinadores.

 

Á crítica de Bourdieu ao direito é de que o interesse do campo jurídico não está na eficiência jurídica ou na justiça social, mas sim, na crença no formalismo do direito. A illusio do campo jurídico significa reconhecimento tácito dos valores que se encontram em disputa no jogo e o domínio de suas regras.

 

O conceito de habitus[10] está relacionado diretamente com o campo jurídico, pois os operadores do direito tendem a reproduzi-lo em suas ações, pensamentos, percepções. E, como os operadores jurídicos vêm de classe dominante, tendem a reproduzir sua visão de mundo em suas ações jurídicas, tais como sentenças, recursos, petições e, etc.

 

O formalismo jurídico é a base pela qual os agentes e as instituições jurídicas constroem o monopólio do uso do direito. E, toda legitimação das decisões se dá na crença em sua neutralidade, universalidade e justiça. Aliás, todo formalismo implica a acumulação de capital simbólico que é imprescindível para a manutenção do poder pela doxa dentro do campo jurídico.

 

A codificação do direito é forma de evitar as situações potencialmente perigosas para o campo jurídico, servindo como mecanismo de estabilidade do sistema, permitindo a estabilidade no interior do campo e sua apresentação como autônomo e necessário à sociedade.

 

Segundo Bourdieu, as regras que aparecem como neutras, necessárias à administração da justiça contribuem para que o campo permaneça estável quanto às distribuições de poder em seu interior.

 

Bourdieu acredita que a divisão de trabalho mediante a rivalidade entre os agentes e as instituições comprometidas com o campo constitui a verdadeira base de um sistema que, a priori, parece fundado na equidade de princípios, na lógica positiva da ciência e na lógica normativa da moral.

 

Entre os campos, há sempre uma interpenetração, assim, o campo jurídico está contaminado por conteúdos políticos, éticos, mas, apesar disso, aparece, para o senso comum, como uma forma neutra e universalizante pela própria construção da racionalidade. Segundo essa mesma ideia, há uma correspondência de poder no interior do campo jurídico e entre a posição dos agentes e das instituições no espaço social.

 

Segundo o autor, a relação entre o campo jurídico com os demais campos se dá na medida em que há proximidade de interesses e afinidades dos habitus, ligados a formações familiares e escolares similares, o que favorece o parentesco das visões de mundo. Sendo assim, o campo jurídico tem um comprometimento com os valores[11] e interesses dos dominantes.

 

Assim, o sistema de decisão judicial rechaça as posições extremas que não se encontram na finalidade da manutenção

do status quo, que, na visão bourdiana, busca o direito legalista liberal.

 

Nessa crítica, Bourdieu afirma que as categorias de pensamento dos juristas[12] são o instrumento perfeito para manter a distribuição de poder do campo e dele com a própria sociedade. El derecho consagra el orden establecido al consagrar una visión de este orden que es una visión de Estado, garantizada por el Estado.

 

Em resumo, Bourdieu enxergou o direito como uma forma de violência simbólica[13], permitindo que práticas de violência e dominação sejam legitimadas, convenientes e necessárias. E, segundo o filósofo francês, o capital jurídico é uma mescla de capital econômico e social, que pode tomar a forma de capital simbólico em algumas ocasiões.

 

E, nesse sentido, a utilização do formalismo e da codificação servem para defender a utilização de um método próprio, neutro, capaz de dar solução justa, usando princípios universais e universalizáveis, idôneos, para universalizar a decisão jurídica por si mesmo.

 

A codificação serve para a fixação de rituais, para, através de mecanismos de negação do direito, estabilizar o sistema, evitando os riscos da indeterminação no interior do campo e permitir ao direito apresentar-se como autônomo e necessário.

 

E, com relação a função da decisão judicial, Bourdieu postulou que esta tem muito mais um caráter ético dos participantes do campo do que efetivamente as normas puras de direito.

 

Segundo Bourdieu, o direito consagra uma ordem estabelecida ao consagrar uma visão de ordem que é uma visão de Estado[14], garantida pelo Estado. Todavia, segundo ele, dado o papel preponderante que o direito tem na reprodução social, resta ao campo jurídico uma autonomia relativa, muito menor do que a outros campos que também contribuem para a manutenção da ordem

 

Luhmann criou uma teoria geral da sociedade com fulcro na visão sistêmica que terá a pretensão de explicar a sociedade moderna supercomplexa.

 

O sociólogo tem uma trajetória marcada por duas fases, na primeira onde desenvolveu uma teoria de sistemas funcional estrutural, tendo por base a diferenciação entre sistema e ambiente; na segunda ele substitui a teoria dos sistemas abertos pela dos sistemas autopoiéticos.

 

Luhmann estabelece a característica dos sistemas sociais: autoreferentes, autopoiéticos e operacionalmente fechados. Os sistemas sociais apresentam-se como sujeitos epistêmicos autônomos, pois possuem a capacidade de se auto produzir, de se auto-observar, e de se autodescrever, tornam-se autopoiéticos (produção de forma contínua a si próprios).

 

A partir de sua teoria sistêmica, Luhmann estabelece a distinção entre três grandes sistemas sociais: os sistemas vivos, referentes às operações vitais; os sistemas psíquicos, constituídos pelos indivíduos; e os sistemas sociais, constituídos basicamente por comunicações.

 

Nesse aspecto, a relação entre o sistema psíquico e o social se dá a partir de um paradoxo: O paradoxo expressa-se pelo seguinte fato: o que é necessário produzir é autoproduzido, mas a autoprodução ocorre porque existe uma abertura ao meio. Seres vivos são sistemas abertos e fechados, mas não abertos ou fechados, mas são fechados porque são abertos ao meio.

 

Os sistemas sociais fazem o mesmo a partir da comunicação, da mesma forma que pensamentos são gerados através de um processo que leva a novos pensamentos através de uma rede organizada, a comunicação é o componente autopoiético dos sistemas sociais, uma comunicação fará nova comunicação de forma recursiva. A comunicação é o único elemento que permite transcender a clausura individual do sistema.

 

Anote-se ainda que outros conceitos da teoria de Luhmann também importantes para a compreensão de sua concepção de sociedade, bem como de sistema jurídico são a complexidade e a diferenciação funcional. Complexidade, segundo o sociólogo, é sinônimo de modernidade, ou seja, a totalidade das possibilidades no mundo, também relacionada ao conceito de contingência.

 

A diferenciação funcional dá-se entre os diversos sistemas sociais, que acabam passando por processos de autonomização até chegarem a ser dependentes e independentes ao mesmo tempo, como expressão da complexidade.

 

Segundo Luhmann, os sistemas sociais têm uma dupla função, eles são os mediadores entre a extrema complexidade do mundo e a pequena capacidade do homem em assimilar as múltiplas formas de vivência. Tentando reduzir complexidade, os sistemas sociais utilizam-se da dupla seletividade, ou seja, selecionar as possibilidades do mundo a partir de critérios internos ao sistema.

 

Os sistemas sociais, sistemas comunicativos que se reproduzem, são compostos de subsistemas: economia, política, direito, educação. Sendo assim, a análise sobre o sistema jurídico em Luhmann vai reproduzir seu entendimento sobre a sociedade moderna complexa.

 

A análise do direito em Luhmann parte do pressuposto teórico de que não há descompassos entre suas duas fases teóricas, a primeira, em que o sistema jurídico é aberto e, a segunda, no qual ele se fecha, tornando-se autopoiético.

 

In litteris de acordo com Lopes Jr.: “Nesta ‘segunda fase’, o direito é compreendido como um observador de uma realidade própria, que é construída dentro de seus limites, e tal realidade não é fruto da percepção individual daqueles atores que estão implicados a rotina de seu funcionamento, nem compreendido como um artefato cultural produto da ação de indivíduos – os quais reproduziriam a ‘lógica’ do sistema –, senão que o sistema jurídico constrói sua própria realidade através de suas operações jurídicas, e os atores humanos, no dizer de Gunther Teubner, são, para o sistema, artefatos semânticos, ou seja, possuem um valor significativo, mas sem que diretamente sejam responsáveis pela realidade do sistema”.

 

Toda a análise do direito perpassa a preocupação fundamental de Luhmann, ou seja, o problema da ordem social, que para ele não tem fundamentação ontológica nem de nenhum tipo de princípios apriorísticos da razão.

 

Para Luhmann, a problemática da ordem está relacionada a seus conceitos de complexidade e dupla contingência. Nesse mesmo modelo teórico, a sociedade tem como objeto não a presença de indivíduos, mas de comunicações.

 

Como não há sujeitos individuais constituindo a sociedade segundo Luhmann, não há também a ideia de um sujeito ou consciência coletiva.

 

Como o sociólogo se preocupou com o problema da ordem, toda a sua teoria trata da impossibilidade de existência de um consenso fático entre os indivíduos, como mecanismo de orientação social, como fundamento da sociedade.

 

Portanto, cada sistema só poderá ter conhecimento daquele setor que fica sob seu código particular e sua seletividade. É dentro dessa ideia que se situa o sistema jurídico.

 

Segundo Luhmann, o direito ao longo da evolução sociocultural, foi se autonomizando da moral, a partir de um processo de diferenciação funcional, até chegar a constituir-se num sistema social autopoiético, composto de comunicações de expectativas normativas, cuja validade se remete de modo recursivo a outras expectativas normativas.

 

A função do direito está em generalizar e estabilizar expectativas de condutas e regular conflitos mediante a constituição de procedimentos para fazê-lo. É para assegurar essas expectativas não modificáveis por atos particulares dos indivíduos que existe o direito, o sistema jurídico.

 

A função do direito se aplica como estabilização contrafática de expectativas de comportamento, de modo que as normas jurídicas sejam expectativas de comportamento contrafaticamente estabilizadas.

 

O direito não é, na concepção de Luhmann, tanto um meio de evitar conflitos quanto de prevê-los e prepará-los, porém processá-los. (grifo meu) Na própria estrutura de suas normas está implícita a previsão do conflito, pois sempre se coloca como alternativa de cumprimento e descumprimento.

 

É o conflito precisamente, o descumprimento, o que exerce o efeito paradoxal de reforçar a expectativa normalizada, pois desencadeia os mecanismos tendentes à imposição contrafática dessa expectativa, que aparece assim reforçada perante os casos futuros. Então afirmou Luhmann que o direito usa a possibilidade de conflito para a generalização de expectativas.

 

Luhmann aproximou-se bastante de uma concepção durkheimiana[15] em que o direito é forma de integração social; mas não deixando de lado sua influência weberiana[16], a partir da ideia do direito como fator de consenso social. Em ambas as concepções clássicas está presente o problema da ordem.

 

Como tal sistema é autopoiético, portanto fechado e autorreferente, todas as justificações são dadas de forma interna. Toda a autonomia operativa do sistema jurídico deve-se às operações de código binárias, que estabelecem a diferença entre o justo e o injusto como resultado dessas operações.

 

Não existem critérios de validez, nem reais nem hipotéticos do direito, é o próprio direito que se auto-estabelece e se autolegitima internamente como direito. A positividade não é mais que a autopoiesis mesma do sistema, a apreensão de que o direito não pode “valer” mais que um direito positivo, ou seja, posto pelo próprio direito.

 

La justicia, es decir el principio que permite diferenciar comunicaciones específicas entre lo justo y lo no justo, se desarrolla a través de programas con los cuales se definen las regras que permiten incluir sucesos en los valores estabelecidos em el código binario. Esto son modelados históricamente, varían entre un sistema jurídico y otro, y pueden cambiar con el tiempo, permitiendo que la justicia se vaya haciendo cada vez más justa.

 

Toda a validação do direito é realizada de modo recursivo, por seus próprios códigos jurídicos. O direito positivo reproduz-se de acordo com seus próprios critérios e códigos de preferência.

 

No sistema jurídico luhmanniano, a codificação é imprescindível para que haja uma separação entre o direito e os aspectos morais ou políticos.

 

Segundo Luhmann, é a partir dos procedimentos eleitoral, legislativo e judicial do Estado de direito que há a filtragem e a imunização do sistema político e jurídico quanto às influências contraditórias do entorno como a diversidade de expectativas, interesses e valores da sociedade moderna.

 

O dissenso conteudístico em face de valores e interesses torna os procedimentos democráticos do Estado de direito, que implicam o princípio da legalidade, não só uma exigência sistêmico-funcional como também uma imposição ética da sociedade moderna.

 

A explanação da teoria luhmanniana sobre o direito a partir do referencial da nova teoria de sistemas, achamos importante discorrer a respeito de uma de suas últimas construções voltadas à compreensão do sistema jurídico: a discussão sobre o décimo segundo camelo, texto em que Luhmann tratará do caráter do direito, o papel das decisões judiciais e a relação do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais e com o sistema psíquico.

 

Luhmann, nesse aspecto, tece contribuições acerca das normas e dos processos de decisão, referindo que a textualização das normas sugere sua dissociabilidade do processo de decisão, uma vez que as normas se tornam objeto de decisões próprias, as quais seguem as normas.

 

Segundo ele, as decisões não seriam decisões caso não reagissem à expectativa da norma. Segundo o autor, o direito está calcado em valores como o seu funcionamento sem atritos e a sua responsabilidade social.

 

Para ele, a norma fundamental do Estado de Direito é vista como um valor, como uma aquisição civilizacional. Sendo assim, o direito pode ser mudado apenas dentro de seus próprios limites. O sistema jurídico apresenta-se digno de regras de procedimento cuja relação com a hierarquia material deve continuar obscurecida.

 

De acordo com Luhmann, a diferenciação não pode significar um isolamento relativo, mas sim um crescimento de independências e dependências. Assim, o sistema jurídico seria autônomo apesar de todas as suas dependências causais relativas ao seu ambiente social, enquanto nele, e só nele, é decidido sobre o direito e o não-direito.

 

Com relação às decisões judiciais, Luhmann estabelece que os casos não problemáticos são fundamentados na ponderação de interesses, enquanto nos mais complicados, essa fundamentação cede lugar à autorreferencia do sistema, ou seja, a referência dos casos já decididos.

 

Cada decisão duvidosa antecipa o sentido para a produção de outras decisões, assim como, por outro lado, aproveita essa prática estabelecida através de reiteradas decisões (de gêneros parecidos).

 

Nesse sentido, há estabilização de expectativas apenas por ocasião de um conflito atual ou iminente. O sistema jurídico deve aguardar o conflito para poder evoluir. Na grande maioria das regulações, o direito cria, em torno de um ponto de inflexão, conflitos para evitar conflitos, e os motivos não residem numa antecipação da espera da solução do conflito, senão na regulação do agir enquanto tal.

 

Segundo Luhmann, o sistema jurídico calca na fundamentação das decisões a possibilidade de observação de tendências e a consequência de determinação do que será decidido. Além disso, o doutrinador continua, nesse momento, sustentando a legitimidade do sistema jurídico – assim como faz Weber – no caráter de legalidade.

 

Luhmann estabelece que o direito está baseado em um paradoxo, que é o fato de o direito positivo só ter validade na medida em que pode ser modificado através de uma decisão.

 

No tocante às interferências no sistema jurídico, assim como Bourdieu, Luhmann afirma que o sistema jurídico, autorreferente, autopoiético e fechado, acaba sendo conciliado com a política sob a forma do Estado de Direito. O direito é o instrumento de legitimação da política. O sistema político vale-se do direito a fim de justificar seu poder. (grifo meu)

 

Também com relação à interferência da economia no direito, Luhmann tece comentários, demonstrando como houve uma reação do direito no sentido de generalizar instituições econômicas:

 

Pela primeira vez todas as operações econômicas orientam-se no dinheiro. Todas as limitações do desejo, que estariam fundadas num sentido objetivo das coisas, encontram-se niveladas…

 

Não é possível apreciar como esta evolução é interpretada pelo direito. A história recente do direito mostra que a primeira reação consistiu numa grande generalização de certas instituições, sobretudo aquelas da propriedade e do contrato, como se fosse um caso de se reproduzir no interior do direito a mobilidade do dinheiro.

 

No entanto, o autor rebate a tese de que o direito não pode captar todos os ressentimentos nascidos do fato de que os benefícios e as trocas poderiam ser distribuídos de outra maneira.

 

A interconexão entre o campo jurídico de Bourdieu e o sistema jurídico de Luhmann, iniciamos com a diferença básica de que, para Bourdieu, o campo é constituído de agentes em luta – os indivíduos estão dentro do campo, competindo pela interpretação do direito, realizando ações reflexivas.

 

Já em Luhmann o sistema jurídico é composto não de agentes, mas sim pelas expectativas normativas, que refletirão as influências do entorno, onde estão os indivíduos. Segundo este autor, para o sistema jurídico, os indivíduos são artefatos semânticos, que não participam diretamente da determinação do direito.

 

Bourdieu[17] também se opõe à ideia de uma autofundamentação do direito em si mesmo, criticando assim a concepção autopoiética de Luhmann. Há uma crítica tecida por Luhmann com relação ao entendimento bourdiano do campo ou sistema jurídico ser pensado como sendo uma tarefa decisional organizada profissionalmente.

 

A disparidade entre eles revela-se no momento em que

Luhmann elucida que:

 

“A análise sociológica habitual do agir social deixa-se guiar pela suposição que os atores têm de suas próprias ações, assim são as teorias do cotidiano ou a ideologia das profissões, que estão em curso e que são falhas. Um tal ‘principle of suspection’ é consolidado na tradição antropológica, etnológica, psicológica e sociológica. As fórmulas que se encontram dentro deste contexto dão a impressão de que a sociologia[18] reclama para si posição privilegiada do saber”.

 

Ainda refletindo a participação ou não dos indivíduos dentro do direito, Bourdieu sustentará a existência de uma preocupação

com a manutenção do status quo, desenvolvida pelos profissionais do campo.

 

Já em Luhmann, os operadores também se utilizam da recursividade, no sentido de que as decisões judiciais reflitam aquilo que é determinado internamente pelo sistema jurídico.

 

Todavia, se em Bourdieu[19] os operadores do direito acabam tendo habitus e trajetórias que os situam como dominadores, tendo uma visão de mundo similar à dos dominadores dos demais campos responsáveis pela reprodução social; em Luhmann há aquilo que ele aponta como desprestígio das profissões jurídicas.

 

Uma das similitudes entre os autores está na codificação, racionalidade e formalismo do direito. Contudo, no campo jurídico essas são formas de preservação de poder da doxa; enquanto em Luhmann tais conceitos refletem um processo de diferenciação funcional que fez com que o direito se autonomizasse, principalmente da política e da moral, com a evolução da sociedade.

 

Tanto em Luhmann quanto em Bourdieu há a tese de que as classes populares não dispõem de capitais ou linguagem para acompanhar o estabelecido pelo direito.

 

Bourdieu vai traçar uma distinção no campo jurídico entre sábios e profanos, que são os que necessitam do campo, mas não compreendem sua atuação. Luhmann dirá que as partes, principalmente das classes mais baixas da população não podem acompanhar a linguagem do sistema jurídico.

 

No sistema jurídico luhmanniano, a codificação é imprescindível para que haja uma separação entre o direito e os aspectos morais ou políticos. Eis que, encontramos outra diferença crucial entre Luhmann e Bourdieu, uma vez que este denuncia a codificação e o formalismo como formas de fazer com que a violência simbólica seja legitimada, neutralizada; enquanto aquele tende a ver na codificação ou positivação uma forma de autonomizar frente as valorações sociais, bem como de garantir respeito às diferenças.

 

Segundo Bourdieu, o formalismo e a codificação resultam responsáveis pela construção de um monopólio de saber e técnica, externalizado em termos do que ele chama de capital jurídico, uma mescla de capital cultural, econômico e simbólico.

 

Para Luhmann, pois, a codificação seria a forma básica de independizar as decisões jurídicas de questões como riqueza, linguagem, classe, política, moral; para Bourdieu, é justamente pela atuação de operadores jurídicos com habitus de classe dominante que o direito, ou campo jurídico acaba permeado por questões políticas, econômicas, ético-morais, e isso se transforma em neutro pela atuação do direito.

 

Quanto ao caráter da decisão judicial, ambos os doutrinadores partilham da tese de que no direito as decisões são calcadas na neutralidade e na justiça. No entanto, em Luhmann, esses critérios são estabelecidos internamente, segundo concepções do próprio sistema jurídico, que estabelece um código binário justo/ injusto, direito/não-direito.

 

Já Bourdieu alerta para o fato de que o caráter de neutralidade e justiça do campo serve para inibir as posições extremadas, que possam romper com a estabilidade do campo jurídico, calcado no poder da doxa[20], e da sociedade como um todo.

 

Nesse momento, cabe referir o entendimento dos autores com relação à função social do direito: se em Luhmann a função social do direito está na resolução de conflitos da sociedade; em

Bourdieu a função é a reprodução social.

 

Ao mesmo tempo em que os autores partilham do entendimento de que o direito cumpre uma função legitimadora na sociedade, a partir do formalismo, codificação e legalidade,

 

Luhmann estabelece que há uma legitimação procedimental, enquanto Bourdieu afirma que o direito é uma forma por excelência de violência simbólica, de naturalização de práticas arbitrárias.

 

Assim, Bourdieu refere que há uma interconexão entre os campos, sendo o campo jurídico permeado por questões econômicas, políticas e éticas; enquanto Luhmann estabelece uma autonomização frente as valorações sociais, sendo a codificação uma forma de independizar as decisões jurídicas de questões como riqueza, classe, política, e moral.

 

Luhmann considerou que a justiça na sociedade moderna, funcionalmente diferenciada, serviria de fórmula de contingência do sistema jurídica, cuja finalidade seria justamente fornecer um controle de consistência e de adequação às decisões judiciais.

 

Note-se, entretanto, que a descrição da justiça como uma fórmula de contingência consiste na perspectiva de uma observação externa, ou seja, sociológica, nos termos indicados anteriormente. No interior do sistema jurídico, porém, a justiça remanesce, segundo Luhmann, como uma ideia, um valor ou um princípio.

 

A justiça, nesse sentido, diferentemente do que tradicionalmente ocorre no âmbito das teorias que a ela se referem, deixa de apresentar qualquer conotação valorativa, passando a ser apenas um símbolo da congruência da generalização das expectativas normativas, o que a torna estreitamente relacionada à função estabilização de expectativas normativas desenvolvida pelo direito.

 

 

 

 

 

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[1]     Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto “próprio”, poiesis “criação”) é um termo criado na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos) em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema autônomo, está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não através de um agente externo. De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas por Steven Rose na neurobiologia, por Niklas Luhmann na sociologia, por Gilles Deleuze e Antonio Negri na filosofia, por Patrick Schumacher na arquitetura e por Gunther Teubner no Direito.  Tanto a criação da teoria autopoiética como a sua aplicação aos sistemas sociais representou uma revolução epistemológica. Essa proposta de mutação no foco epistemológico propiciou uma melhor observação do meio e suas características. Anteriormente, o processo de observação científica de um dado objeto pressupunha a análise estrutural de todos os seus elementos constitutivos isoladamente. Conhecer algo significava poder determinar quais são as partes que determinam o todo desse objeto. Não se avaliava as relações entre os elementos, mas apenas sua condição/colocação no todo. A proposta da teoria autopoiética, diferentemente da postura analítica, parte da observação de determinado objeto pela interação de seus elementos, possibilitando, assim, a construção de um arcabouço científico embasado nas relações entre os elementos e as funções exercidas no todo comunicativo dos sistemas. A autopoiese vem sendo utilizada como marco teórico dos Direitos Fundamentais.

[2]     Niklas Luhmann  (1927-1988) foi um dos sociólogos mais interessantes do século XX. Sua perspectiva da sociedade mescla a visão sistêmica de Parsons a concepções derivadas das ciências biológicas. Embora trate de diversos assuntos, o direito é um de seus objetos de estudo mais importantes. Seu pensamento influencia, por sua vez, muitos sociólogos do direito. Sua análise da sociedade parte da constatação de que esta é constituída, pela comunicação, sobre um ambiente. Nesse ambiente, encontram-se a vida orgânica, os indivíduos (seres psíquicos) e a matéria física. Quando os indivíduos se comunicam, fundam a sociedade. Destaquemos que a palavra comunicar deriva do mesmo radical latino que forma “comunidade”, “comum” e “comunhão”, entre outras que dão o sentido de compartilhar.

[3]     O campo é um conceito que representa o espaço onde circulam os símbolos e ocorrem as disputas entre os agentes para afirmar quais desses símbolos são importantes e quais não. Nele há a validação, determinação e legitimação de representações simbólicas. Essa disputa instituí o poder simbólico. Esse campo sustenta signos classificados como adequados e compatíveis com um código de valores. Um dos melhores exemplos dados por Bourdieu é o campo simbólico da arte, onde a disputa simbólica define o que é arte e como classificar uma obra de arte, definindo o que é erudito, popular ou pertencente à indústria cultural. Essa luta determina também quais valores e quais rituais de consagração as constituem. O campo goza de relativa autonomia e os indivíduos que seguem seus valores e rituais são considerados seus membros, sendo as “autoridades” do campo os dotados com maior volume de capital.

[4]     Bourdieu vê o direito como uma forma de violência simbólica, permitindo que práticas de violência e dominação sejam legitimadas, convenientes e necessárias. Segundo o autor, o capital jurídico é uma mescla de capital econômico e social, que pode tomar a forma de capital simbólico em algumas ocasiões. Desse modo, o poder simbólico para Bourdieu (1989) é, fundamentalmente, um poder de construção da realidade. Tal poder detém os meios de afirmar o sentido imediato do mundo, instituindo valores, classificações (hierarquia) e conceitos que se apresentam aos agentes como espontâneos, naturais e desinteressados.

[5]     O direito, segundo Marx, se constitui pelas necessidades históricas de remediar as relações produtivas capitalistas. Por isso, para Marx, toda vez que o capitalismo desenvolvesse novos mecanismos, seria necessário também ao direito formular novos instrumentos jurídicos capazes de regular aquela relação produtiva. Para Marx o direito não atende ao bem comum, mas a práxis, a história social e produtiva do homem. A reforma da sociedade por meio do direito é a manutenção do capitalismo, ainda que este seja situado em distintos patamares. O direito, segundo Marx, é essencial para as relações produtivas capitalistas. Por isso, para Marx, todas as vezes que o capitalismo desenvolvem novos mecanismos, também é necessário para o direito de formulários novos e jurídicos de regular aquela relação produtiva.

[6]     Segundo Bourdieu, quando um indivíduo entra na escola, ele já tem uma carga de conhecimento adquirido. Esse acesso é desigual porque os indivíduos se encontram em diferentes condições socioeconômicas. Além disso, como a escola seleciona aquilo que é certo e o que é errado (e convenientemente o certo é o conhecimento da classe dominante), um indivíduo que tenha uma vida rica de experiências e saberes pode, mesmo assim, estar numa posição subalterna na hierarquia social, já que ele pode estar cheio de saberes “errados”. Isso tudo influencia o desempenho dos indivíduos em diferentes esferas da vida. Os indivíduos que internalizaram os saberes escolares antes mesmo da sua entrada na escola (pela sua vivência como membro da classe dominante) estão em vantagem.

[7]     No que concerne à expressão “sociologia do direito”, não se utiliza aqui à distinção feita por Roberto Lyra Filho entre “sociologia jurídica”, entendida enquanto “exame do direito em geral”, e “sociologia do direito”, entendida como estudo da “base social de um direito específico”, pois em diversas tradições os termos Rechtssoziologie, Sociologie du droit, Sociología del derecho e Sociology of law assumem também o sentido de abordagens gerais acerca do direito. Acerca da distinção proposta por Roberto Lyra Filho, ver: FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso Fernandes. A sociologia jurídica no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 27. Jean Carbonnier, mesmo observando a tendência de se atribuir à expressão “sociologia jurídica” um sentido mais amplo do que “sociologia  do direito”, desconsidera essa distinção conceitual de modo a utilizar indistintamente os termos “sociologia jurídica” e “sociologia do direito”.

[8] Pode-se sintetizar que o campo jurídico serve não apenas à manutenção da ordem social, mas à própria constituição desta. Isso se dá através do uso da violência simbólica, e este é um dos elementos que propiciam a constituição do Estado, integrando o conceito de “meta-capital”. Logo, o campo jurídico está intimamente ligado ao establishment, a ordem estabelecida. Como Bourdieu argumenta, a estrutura do jogo tem um princípio de transcendência, que determina a adaptação do campo jurídico ao novo estado das relações sociais, quando estas mudam, e que assegura a legitimação das formas estabelecidas. Além disso, o campo jurídico tem a capacidade de estruturar a si mesmo, e o faz definindo o porvir à imagem e semelhança do passado. É, portanto, um instrumento de conservação. O campo jurídico é uma instância de relações de poder, com a capacidade de definir outras relações de poder e um princípio construtor da própria realidade.

[9]     O Direito, para Kelsen, é resultado de disputas políticas e de afirmação de valores e não pode ser separado das esferas da política e da moral. A Ciência do Direito é que deve ser pura, sendo o seu papel a descrição despida de valores das normas jurídicas que foram produzidas em uma determinada ordem jurídica. O Direito, na visão de Hans Kelsen, é um conjunto de regras unidas em  um sistema que visam a regular as mais diversas condutas humanas. O elemento  de pertinência que une estas normas não é um determinado conteúdo (justiça, paz),  mas a conformidade com uma norma superior que lhe dá validade. Assim, o  sistema proposto por Hans Kelsen é um sistema fechado, cerrado, onde, seguindo  a tradição neokantiana, uma norma (“dever-ser”) não poderá derivar de um  fenômeno do “ser”.

[10]   O habitus é um importante componente do campo. Ele define a relação entre a trajetória do indivíduo e a estrutura social em que ele está inserido. O habitus se constitui como um padrão social, um jeito de ser e estar. Ele está ligado à sensibilidade e ao comportamento que orienta a ação dos indivíduos. Como sabemos, Bourdieu está inserido no grupo de sociólogos que tenta conciliar o impasse agente x estrutura. Retomando Weber, toda ação social é orientada por ações sociais de outras pessoas e pela expectativa de como a ação individual será acolhida. Bourdieu aponta para a importância do conjunto de situações e experiências prévias que orientam as escolhas e motivações dos indivíduos (a ação social), mesmo que de forma inconsciente. Elas estão relacionadas com as possibilidades e limitações dos sujeitos na sociedade, ou seja, com as estruturas que os indivíduos já encontram quando interagem socialmente e a distribuição de poder que é desigual e forma uma hierarquia. Vemos como a teoria social weberiana é articulada com o pensamento durkheimiano.

[11]   A Teoria Tridimensional do Direito propõe três esferas existentes para explicar o processo  penal, como relata o próprio Reale:  “[existem] três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: (…) Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. (…) Desse modo, fatos, valores e normas se implicam e se exigem reciprocamente, o que se reflete também no momento em que o jurisperito (advogado, juiz ou administrador) interpreta uma norma  ou regra de direito para dar-lhe aplicação.” (Reale, 2001).

[12] A questão fundamental na qual importa, por fim, insistir é como, para Bourdieu, o jurista e o direito podem contribuir para a emancipação social, o que pressupõe o que ele chama de uma política realista (Realpolitik) da razão: todo e qualquer projeto de desenvolvimento da humanidade – mesmo em um quadro jurídico – deve considerar o desenvolvimento histórico dos valores universais – no nosso caso, aqueles relativos às questões de justiça.

[13]   O significado de violência simbólica da seguinte maneira: “a violência simbólica representa uma forma de violência invisível que se impõe numa relação do tipo subjugação-submissão, cujo reconhecimento e a cumplicidade fazem dela uma violência silenciosa que se manifesta sutilmente nas relações sociais e resulta de uma dominação cuja inscrição é produzida num estado dóxico das coisas, em que a realidade e algumas de  suas nuanças são vividas como naturais e evidentes”.

[14]   A rigor, a palavra “Estado” só aparece nos livros de Bourdieu publicados a partir do início dos anos 80, a partir de sua aula inaugural no Collège de France. Por diversas vezes, Bourdieu se referiu ao conceito de “Estado” sem expressá-lo diretamente, referindo-se a ele como “ideologia dominante”, “representação política”, “ciências do governo”, etc. Não fazia uma análise crítica quando usava expressões como “Estado-providência” ou “Estado-nação”.  Um artigo intitulado “Descrever e prescrever: as condições de possibilidade e limites da eficácia política”, chegou a circular nos cursos de graduação em ciência política, mas não era suficiente para dar uma ideia geral da concepção de Bourdieu sobre o Estado.

[15]   Durkheim argumentava que o direito era uma das principais instituições sociais que refletiam e mantinham a coesão social em uma sociedade. Argumentava, ainda, que o direito era uma expressão da consciência coletiva de uma sociedade, que era o conjunto de valores, crenças e normas compartilhadas por seus membros. O estudo do direito restitutivo, próprio à sociedade moderna, permite captar um determinado aspecto da sociedade, o das relações entre funções diferentes. O que Durkheim enfatiza aí é a moralidade que surge de nossa integração em grupos e, principalmente, das relações regulares entre grupos e funções distintas.

[16]   Bourdieu compara o jurista não só a um profeta, como Weber, mas também a um poeta. Em meio a conflitos, o poeta remete a autoridades, e uma das figuras retóricas que utiliza é a prosopopeia, o ato de falar de uma realidade ausente – uma pessoa, os ancestrais, o povo, a opinião pública: “Fala-se então em nome de um conjunto que se faz com que exista pelo fato de falar em seu nome. A prosopopeia pode ser institucionalizada quando o porta-voz recebe o mandato de transmitir esta palavra trans-pessoal”.

 

 

[17]   Bourdieu encontrou o cerne desta “piedosa hipocrisia” em duas contradições fundamentais do Estado dinástico. A primeira seria a contradição entre  a lógica jurídica e a lógica prática do Estado dinástico: os juristas têm interesse no trabalho de racionalização por serem os primeiros agentes externos à família real que disputam o poder. Eles legitimam a realeza e assim se legitimam, por serem aqueles que são capazes de legitimar. Uma das funções dos juristas que cumprem o papel de ideólogos do rei é a de universalizar um caso particular: “A noção de piedosa hipocrisia, eu disse isso ao menos cem vezes aqui, é extremamente importante para compreender o mundo social: pode-se dizer, como os teóricos da ideologia, que os juristas mistifcam, na medida em que para mistifcar é necessário se mistifcar. A hipocrisia é piedosa. Eles contribuem a elaborar um discurso que é a negação mesma daquilo que eles legitimam, isto é, se é necessário desprivatizar o privado para legitimá-lo, isto significa que o  não privado é melhor que o privado”.

 

[18]   A sociologia jurídica foi talvez, junto com a sociologia da religião, a área mais estudada pelos durkheimianos. Entre os autores envolvidos no projeto temos P. Fauconnet, P. Huvelin, G. Davy, E. Lévy, M. Mauss, além, é claro, do próprio Durkheim. Vários colaboradores de Durkheim pertenciam ao mundo jurídico. P. Huvelin e E. Lévy eram professores de Direito, M. Halbwachs e F. Simiand tinham doutorado em Direito. G. Davy, M. Mauss e L. Gernet também tinham qualificações legais. No Année Sociologique, duas seções eram dedicadas a questões jurídicas. Uma delas, intitulada “Sociologia legal e moral”, tratava da história do direito e de seu desenvolvimento legal. A outra, “Sociologia criminal e estatística moral”, abordava o funcionamento das regras morais e legais. As obras resenhadas nessas seções continham material de diversas sociedades e períodos históricos. As áreas que ganharam mais destaque foram o direito familiar, o criminal, o contratual e o da propriedade.

[19]   “O direito não é o que diz ser, o que crê ser, ou seja, algo puro, completamente autônomo etc. Mas o fato de que se creia nisso, e que se logre fazer crer, contribui para a produção de efeitos sociais completamente reais; e a produzi-los, acima de tudo, em quem exerce o direito”.  (BOURDIEU, 2003).

[20]   O conceito original de doxa é bastante antigo, existindo desde a Grécia  Antiga. Todavia, seu conceito sofreu uma completa transformação em relação ao  seu significado nos dias de hoje. Associada nos tempos de Platão a uma espécie de  opinião popular, ou crença de senso comum, sem devida validação científica para a  época, era considerado o antônimo de episteme, este sim, o saber legitimado  cientificamente que, naqueles tempos, nada mais significava do que uma validação  realizada pelo pensamento filosófico ateniense predominante. Em outras palavras,  enquanto a ciência era dominada pelos filósofos, ao homem comum cabia a mera  opinião (doxa), pertencente à ilusão de um falso saber associado ao mito da  caverna. Já nos últimos séculos anteriores à Cristo, na época em que os hebreus  realizaram as traduções de escrituras religiosas para o grego, deram à palavra doxa uma tradução próxima ao conceito que conhecemos como glória‟,renome‟ ou louros‟.