Teletrabalho

Em decorrência da pandemia provocada pelo coronavírus, diversos empregadores foram forçados a implementar o regime de teletrabalho aos respectivos empregados, o que levou o governo, inclusive, a editar medidas provisórias na tentativa de regularizar o trabalho remoto (pouco abrangido pela norma celetista).

Recente pesquisa elaborada pelo DataSenado1 aponta que cerca de 21 milhões de pessoas já trabalharam ou trabalham de forma remota, e dessas, dois terços afirmam que o trabalho nessa modalidade se deu em razão do isolamento social causado pela pandemia do coronavírus (aproximadamente 14 milhões de brasileiros).

Além disso, dos entrevistados, mais da metade afirma que o empregador não tinha essa modalidade de trabalho implantada antes do início da pandemia e que não estava preparado para esse modelo laboral.

O teletrabalho se tornou uma realidade que propende a permanecer em nosso país, afinal, há grande tendência de as empresas continuarem com esse regime laboral, mesmo após o fim da pandemia, tendo em vista a significativa redução de custos e o aumento da produtividade dos empregados em home office.

Diante desse cenário, percebe-se que parte significativa dos empregados e empregadores terão de se adaptar a um contexto totalmente diverso do tradicionalmente aplicado até então. Se antes o empregado se encontrava sob a observância física do empregador, agora este terá de controlar o trabalho de forma remota, o que implica em diversas questões a serem superadas para se manter a boa relação laboral entre as partes e, em especial, um ambiente de trabalho saudável para o empregado (desafio ainda maior levando-se em conta que o trabalho será realizado dentro da casa desse).

Nesse sentido, pela pesquisa supramencionada, mais da metade dos entrevistados indicou que os equipamentos eletrônicos utilizados para a realização do home office pertencia ao próprio empregado, e quase 70% não recebeu auxílio da empresa para ter os equipamentos necessários ao trabalho.

Cumpre mencionar que a maior parte dos trabalhadores remotos pagam a energia elétrica e a internet que utilizam para trabalhar em casa, bem como recebem mensagens, ligações ou e-mails fora do horário regular de trabalho. E quase 80% afirmam já ter trabalhado além do horário normal da jornada.

Também merece destaque o fato de que os empregados em regime de home office passaram a ter maior contato com o ambiente familiar e a ter que conciliar o trabalho remoto com as tarefas domésticas.

São inúmeros os dilemas surgidos nesse período de pandemia e, muito provavelmente, diversos outros virão com a permanência do teletrabalho no cotidiano dos empregados e empregadores.

Em observância a isso, o Ministério Público do Trabalho, inclusive, emitiu a Nota Técnica 17/20202 com importantes recomendações sobre o home office para empresas, sindicatos e órgãos da administração pública. Vale observar as diretrizes nela abordadas:

 

1) ÉTICA DIGITAL

Respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores, preservando seu espaço de autonomia para realização de escolhas quanto à sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar, bem como em relação à obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados fornecidos pelos empregados e empregadas;

2) REGULARIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Regular a prestação de serviços em regime de teletrabalho, mesmo no período de medidas de contenção da pandemia da COVID-19, por meio de contrato de trabalho aditivo por escrito, tratando de forma específica sobre a duração do contrato, a responsabilidade e a infraestrutura para o trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas relacionadas ao trabalho realizadas pelo empregado, nos termos da legislação trabalhista;

3) ERGONOMIA

Observar os parâmetros de ergonomia, seja quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho (por exemplo, mobiliário e equipamentos de trabalho, postura física, conexão à rede, design das plataformas de trabalho online), quanto à organização do trabalho (o conteúdo das tarefas, as exigências de tempo, ritmo da atividade), e quanto às relações interpessoais no ambiente de trabalho (formatação das reuniões, transmissão das tarefas a ser executadas, feedback dos trabalhos executados);

4) CAPACITAÇÃO/ADAPTAÇÃO, PAUSAS E INTERVALOS

Garantir ao trabalhador em teletrabalho e, em especial, no telemarketing, períodos e procedimentos adequados de capacitação e adaptação, para introdução de novos métodos ou dispositivos tecnológicos que traga alterações sobre os modos operatórios dos trabalhadores, bem como a garantia de pausas e intervalos par a descanso, repouso e alimentação, de forma a impedir sobrecarga psíquica e muscular, com a devida adequação da equipe às demandas da produção, de forma a impedir sobrecarga habitual ao trabalhador;

5) TECNOLOGIA

Oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação aos trabalhadores para realização dos trabalhos de forma remota e em plataformas virtuais;

6) INSTRUÇÃO E PRECAUÇÃO

Instruir os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais, e acidentes de trabalho, bem como adotar medidas de segurança, como intervalos e exercícios laborais;

7) JORNADA DE TRABALHO

Observar a jornada contratual na adequação das atividades na modalidade de teletrabalho e em plataformas virtuais, com a compatibilização das necessidades empresariais dos trabalhadores com responsabilidades familiares (pessoas dependentes sob seus cuidados) na elaboração das escalas laborais que acomodem as necessidades da vida familiar, incluindo flexibilidade especial para trocas de horário e utilização das pausas;

8) ETIQUETA DIGITAL

Adotar modelos de etiqueta digital em que se oriente toda a equipe, com especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão, bem como medidas que evitem a intimidação sistemática (Bullying) no ambiente de trabalho, seja verbal, moral, sexual, social, psicológica, físico, material e virtual;

9) PRIVACIDADE

Garantir o respeito ao direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores por meio de orientação da realização do serviço de forma menos invasiva a esses direitos fundamentais, oferecendo a prestação de serviços preferencialmente por meio de plataformas informáticas privadas, avatares, imagens padronizadas ou por modelos de transmissão online;

10) USO DE IMAGEM E VOZ

Assegurar que o uso de imagem e voz seja precedido de consentimento expresso dos trabalhadores, principalmente quando se trata de produção de atividades a ser difundido em plataformas digitais abertas em que sejam utilizados dados pessoais (imagem, voz, nome) ou material produzido pelo profissional.

11) PRAZOS

Garantir a observação de prazos específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia da COVID-19 para uso do material produzido pela mão de obra subordinada, quando tiver havido alteração da forma de prestação contratual por força daquelas medidas;

12) LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Garantir o exercício da liberdade de expressão do trabalhador, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação;

13) AUTOCUIDADO

Estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de COVID-19, com garantia de posterior isolamento e contato dos serviços de saúde na identificação de casos suspeitos.

14) TRABALHO DE IDOSOS

Garantir que o teletrabalho, na forma da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), seja oferecido ao idoso sempre de forma a favorecer a sua liberdade e direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.

15) PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Assegurar que o teletrabalho favoreça às pessoas com deficiência obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, com reintegração da pessoa na sociedade, garantindo-se acessibilidade e adaptação;

 

16) CONTROLE DE JORNADA

Adotar mecanismo de controle da jornada de trabalho do trabalhador para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas, na realização de atividade capacitação;

 

17) PROGRAMAS DE PROFISSIONALIZAÇÃO PARA EMPREGADOS DISPENSADOS

Estimular a criação de programas de profissionalização especializada para a mão de obra dispensada, podendo contar com apoio do poder público, para o caso de a automação e a automatização das atividades resultarem em eliminação ou substituição significativa da mão de obra.

Interessante observar que o Ministério Público do Trabalho se adiantou na tentativa de direcionar empregados e empregadores na condução do home office, tendo em vista a ausência de legislação mais abrangente sobre teletrabalho (tema abordado com mais profundidade, inclusive, no artigo “O Direito do Trabalho e as novas tecnologias”3).

Nas considerações de referida Nota Técnica, repara-se, inclusive, que o MPT conciliou expressões recém utilizadas no âmbito jurídico para abarcar questões ligadas à tecnologia com regras e princípios há muito firmados pela Carta Magna.

Assim, observa-se a correlação de expressões como “teletrabalho digital”, “cidadania digital” e “ética digital”, por exemplo, com o princípio fundamental de valorização social do trabalho e da livre iniciativa, com o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, com a livre iniciativa e livre concorrência, com a redução das desigualdades, com a segurança, saúde e privacidade do trabalhador (todos esses direitos consagrados na Constituição da República).

Isso indica que não há mais como dissociar o trabalho hodierno da tecnologia, de forma que, se por um lado, mostra-se indispensável adequar as novas relações de trabalho geradas pela tecnologia aos princípios e regras da Carta Magna, por outro lado, configura-se necessário, ao legislador, debruçar-se mais sobre o tema do teletrabalho.

Tanto o é que a própria Nota Técnica 17/2020, em seu bojo, faz menção ao Código de Trabalho Português, o qual, há muito, já regulamenta o teletrabalho e possui legislação significativamente mais densa, nesse aspecto. Vale citar trecho de referida Nota Técnica, no ponto:

CONSIDERANDO que no direito brasileiro, o teletrabalho está regulado pelos artigos 75-A a 75-E, requerendo expressa previsão contratual em que serão especificadas as atividades a serem realizadas pela empregada ou empregado, por mútuo acordo e que a definição de seu conteúdo pode tomar por base o artigo 166 do Código de Trabalho Português (artigo 8º da CLT), de modo a ser objetivo, favorecer a boa fé e a cooperação entre as partes, com proteção social, profissionalismo e produtividade (…)

(grifou-se)

De igual modo, interessante transcrever o art. 166 da legislação estrangeira supracitada4:

Regime de contrato para prestação subordinada de teletrabalho

1 – Pode exercer a atividade em regime de teletrabalho um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de teletrabalho.

2 – Verificadas as condições previstas no n.º 1 do artigo 195.º, o trabalhador tem direito a passar a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada.

3 — Além das situações referidas no número anterior, o trabalhador com filho com idade até 3 anos tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.

4 — O empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nos termos dos números anteriores.

5 – O contrato está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) Indicação da atividade a prestar pelo trabalhador, com menção expressa do regime de teletrabalho, e correspondente retribuição;

c) Indicação do período normal de trabalho;

d) Se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de teletrabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a atividade a exercer após o termo daquele período;

e) Propriedade dos instrumentos de trabalho bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização;

f) Identificação do estabelecimento ou departamento da empresa em cuja dependência fica o trabalhador, bem como quem este deve contactar no âmbito da prestação de trabalho.

6 – O trabalhador em regime de teletrabalho pode passar a trabalhar no regime dos demais trabalhadores da empresa, a título definitivo ou por período determinado, mediante acordo escrito com o empregador.

7 – A forma escrita é exigida apenas para prova da estipulação do regime de teletrabalho.

8 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 3 e constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 4.

(Redação dos n.os 3 e 4 dada pela Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro, passando os anteriores n.os 4, 5, 6 e 7 a n.os 5, 6, 7 e 8, respetivamente)

Portanto, diante de ausência de legislação nacional mais vasta sobre o teletrabalho, fez-se necessário que o Ministério Público do Trabalho suprisse a lacuna deixada pela lei pátria recorrendo ao Código Trabalhista Português, ao qual os empregadores e empregados brasileiros não estão familiarizados. E isso, por consequência, demanda expressiva atenção dos envolvidos na relação de teletrabalho, em especial da parte patronal, para que esta, por desconhecimento das normas aplicáveis a essa modalidade de labor, não incorra em ilegalidade e não arque com passivo trabalhista.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

  1. Senado Federal. <https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/publicacaodatasenado?id=pandemia-aumenta-o-numero-de-brasileiros-com-experienciaemteletrabalho>. Publicado em 01/10/2020.
  1. Ministério Público do Trabalho. 2020. <https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nota-tecnica-n-17-sobre-trabalho-remoto-gt-covid-19-e-gt-nanotecnologia-1.pdf>.
  2. DALVI, Luíza Louzada. O direito do trabalho e as novas tecnologias. Revista Jurídica Espiritossantense. Publicado em: 17/04/2020. https://jures.com.br/artigo-juridico/direito-trabalhista/o-direito-do-trabalho-e-as-novas-tecnologias  .
  3. PORTUGAL. Código de Trabalho Português. <http://cite.gov.pt/asstscite/downloads/legislacao/CT20032018.pdf#page=66>.