ÔNUS DA PROVA 

1. A NATUREZA JURÍDICA DA PROVA: A PROVA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A busca pela aplicação do processo justo é uma das marcas mais indeléveis do modelo de processo constitucional adotado no Brasil. A Constitucionalização do processo torna mais efetiva a proteção judicial dos direitos individuais e coletivos, coadunando com os princípios do Estado Democrático de Direito.

Como forma de alcance desse modelo de justiça processual, a prova alcança posição de destaque no paradigma processual, com o status de direito fundamental. Segundo MARINONI, ARENHART e MITIDIERO, 2015, p. 504-505:

Há direito fundamental à prova no processo. Trata-se de elemento essencial à conformação do direito ao processo justo. O direito à prova impõe que o legislador e o órgão jurisdicional atentem para: (i) existência de relação teleológica entre prova e verdade; (ii) admissibilidade da prova e dos meios de prova; (iii) distribuição adequada do ônus da prova; (iv) momento de produção da prova; e (v) valoração da prova.

Nessa linha de pensamento seguem FRÓES, et. Al., (2012):

É possível asseverar, ainda, que o direito fundamental à prova tem como função não só defender o ser humano do abuso do poder estatal, mas também o de promover a igualdade material nas relações jurídicas, assegurando, sobremaneira, a proteção aos hipossuficientes, evidenciando, desta maneira, a matriz principiológica do Direito Probatório, em especial a força do princípio do contraditório na produção da prova.

E ainda, o conteúdo da prova como direito fundamental ganha mais embasamento quando tem-se em mente que é expressamente previsto em tratados internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro,: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), incorporado pelo Decreto n. 678/69, no seu artigo 8º, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo Decreto n. 592/92, no seu artigo 14.1, alínea “e” (DIDIER, et. al., 2015).

Continuando com a análise feita por Fredie Didier Junior, Rafael Alexandria de Oliveira e Paulo Sarno Braga, afirma-se que a prova tem um conteúdo dotado de grande complexidade, conjugando situações jurídicas complexas, sendo: “o direito à adequada oportunidade de requerer provas; b) o direito de produzir provas; c) o direito de participar da produção da prova; d) o direito de manifestar-se sobre a prova produzida; e) o direito ao exame, pelo órgão julgador, da prova produzida” (DIDIER, et. al.,2015, p. 41).

Avançando ainda mais no cerne da questão deste trabalho, percebe-se de forma inequívoca que o lastro que o norteia perpassa pelo sentido de conotação do constitucionalismo no processo civil brasileiro, inclusive no que tange à distribuição do ônus probante e à visão da prova como direito fundamental. É a mesma percepção externada por MARINONI, et. al., 2015, p. 507:

Compõe o perfil constitucional do direito à prova a adequada distribuição de seu ônus no processo.  As normas sobre ônus da prova compõem o perfil constitucional do direito à prova.

As normas sobre o ônus da prova possuem dupla função: em primeiro lugar, são regras de instrução, na medida em que visam a informar as partes quem suporta o risco de ausência de esclarecimento das alegações de fato no processo. Em segundo lugar, são regras de julgamento, já que visam possibilitar ao juiz decidir quando em estado de dúvida quanto à veracidade das alegações fáticas.

Por fim, é de salutar importância a compreensão de que direito à prova é resultado da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo, fruto do movimento de democratização do processo advindo do formalismo valorativo. A prova carrega consigo o direito fundamental ao processo justo, entendido este como possibilidade de diálogo das partes para com o juiz e entre elas próprias, trazendo legitimidade na atividade do magistrado, amplamente consagrado no princípio da cooperação estampado no art. 6º do NCPC e já acima ilustrado (FRÓES, et. al., 2012).

2. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DA PROVA

 A palavra prova, conforme ensina DIDIER, et. al. (2015), possui três acepções jurídicas, compreendendo-se o “ato de provar”, o “meio de prova” ou o resultado dos atos os dos meios de prova que foram produzidos no intuito de formar o convencimento judicial.

Para THEODORO JR., (2015), há dois sentidos em que se pode conceituar prova:

  • um objetivo, isto é, como o instrumento ou o melhor meio hábil para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.);
  • e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado (THEODORO JR., 2015, p. 849).

As provas também podem ser classificadas se várias maneiras, conforme demonstrar-se-á a seguir.

2.1 QUANTO AO OBJETO

Põe esta classificação as provas podem ser classificadas como diretas ou indiretas. Diretas, nas lições de DIDIER JR., et al (2015) são aquelas que dizem respeito ao próprio fato probando, exemplificando com a testemunha que narra um acidente que presenciou.

No que tange à prova classificada como indireta, tem-se aquela que diz respeito a um outro fato, através do qual pode-se fazer uma presunção lógica e chegar a uma conclusão sobre o fato dos autos (THEODORO JR., 2015).

2.2 QUANTO À FORMA

No que toca à forma da prova, as mesmas podem ser divididas em orais, documentais ou materiais.

Prova oral, segundo DIDIER JR. et al, (2015) são aquelas que conformam a afirmação pessoal oral, sendo as testemunhais, depoimentos de parte e confissão.

As provas orais são aquelas que justificam a audiências de instrução e julgamento, destinada à colheita de tais provas, trazendo, o art. 361 do NCPC uma ordem que não se revela como absoluta em todos os casos, podendo ser relativizada para evitar prejuízo processual (MEDINA, 2016).

Outra forma de prova são as documentais. Documentos, nas palavras de MEDINA (2016, p. 691) “[…] é a forma representativa e permanente de um fato”, podendo ser tanto físicos como eletrônicos.

Por fim, quanto sua forma, as provas também podem ser materiais, sendo aquelas que se revelam em qualquer materialidade que possa emanar de uma coisa e justificar um fato, tendo como exemplo a prova pericial (DIDIER, et al., 2015).

2.3 QUANTO À FONTE

Seguindo a classificação proposta do Fredie Didier Junior, Rafael Alexandre de Oliveira e Paulo Sarno, citando os ensinamentos de MARINONI e ARENHART (2005), as provas também podem ser divididas segundo sua fonte, podendo se ter provas pessoais ou reais.

Para elucidar o entendimento de provas pessoais, podemos entender que:

São aquelas que encontram a sua origem na pessoa na pessoa humana, consistente em afirmações pessoais e consciente, como as realizadas por declaração ou narração do que se sabe (o interrogatório, os depoimentos, as conclusões periciais) (CAPEZ, 2012, p. 394).

Em relação à prova real, nas lições capitaneadas por Fredie Didier:

[…] é aquela que se deduz do exame das coisas, consistindo, pois,  na atestação inconsciente, feita por uma coisa, das modalidades que o fato probando lhe imprimiu, p. ex, os bambus como prova dos limites entre dois imóveis; o terror, o desespero; trincas nas paredes etc; o documento é uma prova real (DIDIER JR., et al, 2015, p. 44).

2.4 QUANTO À PREPARAÇÃO

A última classificação de provas adotada por Fredie Didier, Rafael Alexandria de Oliveira e Paulo Sarno Braga diz respeito à constituição da prova, o momento em que foram criadas, seu intuito, sua preparação. Nesse sentido, tem-se as provas chamadas de causais ou simples e as provas pré-constituídas.

Não há qualquer dificuldade em relação ao entendimento das primeiras, nem qualquer sombra de dúvida ou questionamento doutrinário, porquanto são meramente aquelas provas preparadas durante o processo (DIDIER JR., et al, 2015).

No que toca às segundas, ou seja, as provas pré-constituídas, aquelas preparadas de maneira antecedente ao ajuizamento de uma ação, tendo, inclusive, o intuito de serem utilizadas em um processo vindouro, aí tem-se que realizar uma importante distinção. DIDIER JR., et al (2015 apud. BENTHAM, 1971) faz importante diferenciação às provas que entende como pré-constituídas sendo aquelas preparadas de maneira antecedente por ambas as partes e provas semipreconstituídas, sendo aquelas preparadas de maneira antecedente e unilateralmente, como por exemplo, os livros comerciais.

3. A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

 3.1 A DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA

 Finalmente, alcança-se o ponto mais visceral deste trabalho, dando-se início à análise do ônus da prova, seus contornos, aspectos, natureza jurídica e aplicação jurisdicional.

Convivendo em um processo de predomínio do princípio dispositivo, a questão do ônus da prova anda na contramão, fazendo recair sobre as partes uma participação mais ativa no deslinde do processo em que figuram como sujeitos, no intuito de formar o convencimento do magistrado acerca dos fatos narrados na petição inicial e na peça de resistência (THEODORO JR., 2015).

De proêmio, necessário de faz analisar a conceituação de ônus da prova:

O ônus da prova refere-se à atividade processual de pesquisa da verdade acerca dos fatos que servirão de base ao julgamento da causa. Aquele a quem a lei atribui o encargo de provar certo fato, se não exercitar a atividade que lhe foi atribuída, sofrerá o prejuízo de sua alegação não ser acolhida na decisão judicial (THEODORO JR., 2015, p. 875).

Ainda sobre o ponto, a doutrina enxerga o ônus da prova sob duas perspectivas: objetiva e subjetiva.

No prisma subjetivista do ônus da prova, o ônus da prova é enxergado  pelos olhos das partes, como regra de caráter informador  de uma tarefa que lhe incumbe na resolução da lide, acerca da apuração dos fatos por ela ou a ela articulados (THEODORO JR., 2015).

Quanto ao aspecto objetivo, leciona MEDINA (2016, p. 656) que o ônus da prova:

[…] opera como método de que se vale o juiz quando, diante do acervo probatório, conclui que não se logrou provar determinado fato, decidindo contra aquele a quem incumbia fazer a respectiva prova (daí se dizer que está diante de regra de julgamento.

É observável que a regra de julgamento do caráter objetivo do ônus da prova surge da atitude das partes acerca do ônus  que a elas foi dirigido, quando existe insuficiência de provas produzidas, sendo reflexo do aspecto subjetivista de forma a se evitar o non liquet (DIDIER, JR., et al 2015).

Acerca da regra sobre a distribuição do ônus da prova, apregoa o artigo 373 do NCPC:

Art. 373.  O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O que tem-se consagrado no artigo supramencionado é a chamada distribuição estática do ônus da prova. Nas lições de Humberto Theodoro Junior:

Diante da regra de distribuição estática de ônus probandi, traduzida no art.373 do novo CPC, estabelecem-se as premissas de que as partes, uma vez completada a fase postulatória do procedimento de cognição, sabem que fatos haverão de ser provados, e o que cada uma delas geral da lei é que, em princípio, quem alega um fato atrai para si o ônus de prova-lo (THEODORO JUNIOR, 2015, p. 882).

Pela distribuição legal, o que levou-se em conta foram: a posição do sujeito na causa (autor e réu); a natureza da causa e; o interesse em provar o fato, devendo-se levar em conta tratar-se de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (DIDIER, et al, 2015).

Discorrendo acerca deste cenário que repete o que acontecia no código Buzzaid, GUERRA (2009) manifesta que o processo civil neste aspecto é marcado por um individualismo e visto como uma competição, ao passo que o juiz adota posição de neutralidade quanto aos desequilíbrios entre as partes.

 3.2 AS INVERSÕES DO ÔNUS DA PROVA

3.2.1 Os fatos negativos

 A prova de fato negativo sempre constituiu um dogma jurídico que estabelece preferência de quem faz uma alegação de um fato positivo a quem faz uma negativa, o que denota um falso problema, quando se constata que, muitas vezes, uma firmação negativa conterá em si uma afirmação positiva (MEDINA, 2016).

Tendo como parâmetro esta afirmação, superou-se o paradigma dogmático de que prova negativa é sempre prova impossível. Assim, quando se aferir a possibilidade de prova do fato positivo inerente ao fato negativo, exige-se a prova do primeiro. Caso não seja possível, consubstanciando a chamada “prova diabólica”, inverte-se o ônus da prova (MEDINA, 2016).

3.2.2 O direito do consumidor

 Estatui com total clareza o art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor um direito basilar da relação consumerista, ensejando uma facilitação do ônus probatório ao Consumidor, visto que consubstancia-se este como vulnerável mediante o Fornecedor (art. 4º CDC), dadas diversas vertentes que o põe nesta condição de inferioridade, seja ela técnica, econômica ou social. Neste diapasão, os exatos termos do referido art. 6°, VIII do CDC, cujo teor integral abaixo se segue, denotam dois requisitos básicos para a concessão da inversão ali capitulada: verossimilhança das alegações autorais e hipossuficiência do consumidor.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Sobre o requisito da hipossuficiência do consumidor perante o fornecedor, o nobre Juiz de Direito e professor de Direito Civil e Processo Civil da EMERJ, Dr. André Gustavo C. De Andrade, em seu artigo  “A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: o momento em que se opera a inversão e outras questões” assevera que:

Por uma tal perspectiva, a hipossuficiência do consumidor pode decorrer do seu desconhecimento acerca de aspectos relacionados com a elaboração de produtos e a realização de serviços, ou, ainda, da extrema dificuldade de produzir prova relacionada com as fases da cadeia produtiva. O monopólio da informação por parte do fornecedor justifica a inversão da carga probatória. A inferioridade do consumidor em relação ao fornecedor, assim, decorrerá, muitas vezes, “da desigualdade existente quanto à detenção dos conhecimentos técnicos inerentes à atividade deste. Pode-se aludir, portanto, a uma hipossuficiência técnica.

Pelas sábias palavras do emérito professor e julgador, percebe-se que a inversão pode ser concedida ao consumidor, seja ela culto ou inculto, pobre ou rico, sendo bastante verificar-se uma situação desfavorável do consumidor em relação ao fornecedor, pautada na existência de um desequilíbrio na relação consumerista. No caso em testilha, então, resta comprovada e necessária tal inversão, com vistas a corrigir tal desequilíbrio.

Acerca do requisito da verossimilhança para a inversão do direito consumerista, anota DIDIER JR., et al (2015, p. 129):

Constatada a verossimilhança das alegações do consumidor, com base nas regras de experiência, o magistrado deve presumi-las verdadeiras, para, redistribuindo o ônus da prova, impor ao fornecedor o encargo de prova contrária.

Entretanto, apesar de todo o encantamento da retórica consumerista, que, aos olhos de grande parte da doutrina ganha tons epopeicos, salienta-se que a teleologia da lei não se baseia em libertar o consumidor de seu encargo processual, porquanto o fim da norma é de superação de dificuldades técnicas que possam ocorrer no manuseio da prova pelo consumidor, consignando-se que nem todo consumidor pode ter as mesmas dificuldades, devendo a dificuldade técnica ser demonstrado caso a caso (THEODORO JR., 2015).

 3.3 A TEORIA DA CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

Adotando-se uma postura mais democrática de se tratar o processo civil brasileiro, de clara inferência constitucionalista, com vistas a equalizar as condições das partes no processo, a rigidez da distribuição estática não pode ser mais vista como regra geral inabalável, podendo ser relativizada pela aplicação de uma carga dinâmica do ônus da prova, em prol do alcance da solução justa do processo.

Trata-se de teoria desenvolvida pelos processualistas argentinos, Jorge Peyrano e Augusto Morello, que propuseram rompimento com o modelo estático propagado pela escola de Chiovenda e já tão desgastado por largas críticas doutrinárias acerca da ineficácia do modelo rígido no alcance de uma solução justa.

O surgimento da teoria de Peyrano deu-se na análise de uma situação que colocava o autor (paciente) em uma situação de completa desvantagem em relação ao réu (médico), num contexto em que o autor deveria provar a responsabilidade civil da equipe médica durante a realização de uma cirurgia em que cometeram um erro. Completamente anestesiado e com sua autodeterminação comprometida seria totalmente impossível que o autor, que ainda não detém conhecimentos técnicos, lograsse êxito em sua inglória missão, ao passo que, segundo o modelo estático tradicional, a incumbência de prova seria unicamente sua.

MEDINA (2016) também cita outros exemplos doutrinários que corroboram com o entendimento de Peyrano, como a incumbência do réu na ação de alimentos de provar sua renda por possuir melhores condições de fazê-lo; a pouca informação de que dispõe o sócio retirante quando propõe ação de dissolução societária, pois a informação está nas mãos dos sócios que permanecem e; o dever de informação nas ações consumeristas decorrentes de acidente de consumo.

Sobre o modelo dinâmico de distribuição da prova:

A doutrina das cargas dinâmicas da prova representa um giro epistemológico fundamental no modo de observar o fenômeno probatório, sob a perspectiva da finalidade do processo e do valor justiça (JUAN ALBERTO RAMBALO); (b) leva em conta, essa doutrina o comportamento das partes, a responsabilidade do juiz e s justiça do caso concreto (INÊS LÉPORI WHITE); (c) não viola, a teoria das cargas dinâmicas, o direito de defesa, mas, ao contrário, mantém a igualdade material e real das partes no processo e atende o valor justiça (IVANIA MARIA AIRASCA); (d) essa doutrina atende aos anseios da sociedade democrática, refletindo a moderna visão solidarista e de colaboração das partes com o órgão judicial, no desenvolvimento do processo justo (MARIA BELÉN TEPSICH); (e) a tese logrou importantes reflexos no direito comparado (Argentina, França, Itália, Alemanha etc.) (SILVANA PEREIRA MARQUES) (THEODORO JR., 2015, p. 884).

GUERRA (2009), citando o desembargador gaúcho Janyr Dall’ Agnol Junior manifesta que existe uma superação do modelo clássico patrimonialista e individualista do processo civil, em prol de um modelo mais solidarista e justo.

AZARIO (2006), em sua tese de mestrado apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, percebe esta influência do movimento solidarista defendida por Morello, que contrapõe o individualismo processual, a medida em que cria um ônus e o incumbe a quem tenha mais condição de cumpri-lo, revelando, inclusive, o princípio da cooperação.

O emprego da técnica é, segundo Fredie Didier Junior (2015), “a consagração do princípio da igualdade e do princípio da adequação, este segundo, defendido como princípio pelo autor, onde o juiz pode adaptar o procedimento às causas que lhe forem submetidas, sendo essa sua dimensão jurisdicional.

Para efetivação do princípio da adequação, o ilustre processualista afirma que a adequação jurisdicional deve ser precedida de intimação das partes, de forma a possibilitar o contraditório. Por este entendimento e, levando-se em consideração que parece sensato que a dinamização do ônus da prova reflita tal princípio, pode-se concluir que, segundo Fredie Didier, a dinamização do ônus da prova nunca poderá ser regra de julgamento, porquanto inviabilizaria o contraditório, sendo esta, então, regra de procedimento.

3.4 OS REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DA CARGA DINÂMICA

Em que pese configurar inovação pertinente no campo do direito probatório pautado nas novas tendências do processo civil constitucional, o direito não pode deixar à própria sorte e ao subjetivismo a aplicação de um instituto que possa influir de sobremaneira no resultado do processo. Nesse andar, a doutrina aponta requisitos para a dinamização do ônus probatório, conforme as lições de THEODORO JR. (2015, p. 887-888):

(a) A parte que suporta o redirecionamento não fica encarregada de provar o fato constitutivo do direito do adversário; sua missão é a de esclarecer o fato controvertido apontado pelo juiz, o qual já deve achar-se parcial ou indiretamente demonstrado nos autos, de modo que a diligência ordenada tanto pode confirmar a tese de um como de outro dos litigantes; mas, se o novo encarregado do ônus da prova não desempenhar a contento a tarefa esclarecedora, sairá vitorioso aquele que foi aliviado, pelo juiz, da prova completa do fato controvertido;

(b) A prova redirecionada deve ser possível. Se nenhum dos contendores tem condição de prova o fato, não se admite que o juiz possa aplicar a teoria da dinamização do ônus probandi; para aplica-la de forma justa e adequada, o novo encarregado terá de ter condições efetivas de esclarecer o ponto controvertido da apuração da verdade real (art. 373,§ 2º); se tal não ocorrer, o ônus da prova continuará regido pela regra legal estática, isto é, pelo art. 373, caput;

(c) A redistribuição não pode representar surpresa para a parte, de modo que a deliberação deverá ser tomada pelo juiz, com intimação do novo encarregado do ônus da prova esclarecedora, a tempo de proporcionar-lhe oportunidade de se desincumbir a contento do encargo. Não se tolera que o juiz, de surpresa, decida aplicar a dinamização no momento de sentenciar; o processo justo é aquele que se desenvolve às claras, segundo os ditames do contraditório e ampla defesa, em constante cooperação entre as partes e o juiz e, também, entre o juiz e as partes, numa completa reciprocidade entre todos os sujeitos do processo;

Outro ponto de salutar importância diz respeito à garantia do contraditório e à vedação das decisões surpresas no ordenamento jurídico brasileiro, ao passo que o juiz deve indicar quando da fixação dos pontos controvertidos que, na decisão saneadora ou na audiência preliminar que a causa poderá ser decidida com a dinamização do ônus da prova, ou seja, não aplicando a possível inversão do ônus da prova como pura regra de julgamento (THEODORO JR., 2015).

Recomenda AZARIO (2006), que a aplicação da carga dinâmica do ônus da prova somente deve ser utilizada em casos extremos, quando as demais tentativas de aplicação do ônus em regra geral se mostrarem iníquas, e, que, ao utilizar a teoria, que a valoração da prova seja extremamente prudente.

Inclusive, AZARIO (2006), citando o próprio criador da teoria, Jorge W. Peyrano, atenta para os balizamentos necessários para a aplicação da teoria, quais sejam: a dinamização do ônus da prova deve ser parcial, aplicando-se apenas a alguns fatos ou circunstância específicas onde resida a dificuldade da prova e não a todo material fático; deve haver uma situação de desvantagem de uma parte em relação a outra; vedação de surpresa às partes.

 CONCLUSÃO

Ousou adentrar em um campo onde reina a novidade, acerca de uma legislação em que, em muitas disposições ainda domina meramente a retórica, divorciada da aplicação prática. Ousou-se navegar nas águas turbulentas de um código que ainda é recente, apesar de por anos discutido. Chamar de conclusão qualquer afirmação aqui realizada soa até como prepotência, dada a efemeridade do discurso em terrenos tão novos da seara jurídica, sendo mais sensato e prudente chamar de considerações finais.

A concepção do modelo do processo civil brasileiro adotado reflete os ideais que o legislador constitucional vislumbrou ao elaborar a Constituição Federal, calcado nos ideais de justiça, solidariedade, dignidade e boa-fé. Em todos os campos de atuação do processo civil busca-se coligar-se com esses ideais.

Baseada no movimento solidarista, a teoria da carga dinâmica do ônus da prova mostrou-se como uma solução justa, com vistas a equalizar as forças entre os litigantes, possibilitando corrigir uma discrepância que possa beneficiar uma parte que possua maior facilidade em manusear uma prova que, na prática e, por critérios estáticos de distribuição do ônus da prova, pertenceria ao adversário.

Chega-se a um cenário onde a decisão judicial aproxima-se mais da verdade real, até mesmo sendo capaz de por em xeque a ideia tão difundida de que o processo busca uma verdade contida nos autos. Deixa-se a formalidade em prol de uma decisão mais justa e equânime.

O que se percebe é a postura de maior ativismo que é dado à figura do juiz ao manusear as provas, podendo agir de maneira mais eficaz para corrigir as desigualdades no processo, de modo diverso do que ocorria no Código Processo Civil antecessor e, que encontrava na legislação extravagante pouquíssimo azo para modificar o ônus da prova, como por exemplo, no caso do Direito do Consumidor.

O que se deixa de alerta é que, apesar de conformar um avanço em prol de julgamentos mais justo, a decisão judicial que baseia-se na dinamização do ônus da prova, deve ser muito bem fundamentada, claramente explicitada em momento anterior ao julgamento e visar corrigir uma desigualdade relevante no processo, entregando o ônus a quem efetivamente consiga suportá-lo.

REFERÊNCIAS

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

DIDIER, Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2015.

FRÓES, Carla Baggio Laperuta; REINAS, Cássia Cristina Hakamada; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus. A matriz principiológica da prova como direito fundamental. Disponível em:

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GUERRA, Daniel Dias Carneiro. Cargas probatórias dinâmicas no processo civil brasileiro. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/14295/14295.PDF>. Acesso em 14 de Outubro de 2016.

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