DEFESA DO CONSUMIDOR

De forma sucinta e com o objetivo de levar a comunidade jurídica a uma ampla e contemporânea reflexão sobre as inúmeras questões que envolvem as relações de consumo e o modo pelo qual o judiciário recebe essas demandas, trago aqui parte do meu artigo científico, o qual foi elaborado ao final da minha especialização em direito processual no ano de 2014 com o objetivo de discutir o tema.

As relações consumeristas, desde o primórdio dos tempos, vêm se desenvolvendo e aperfeiçoando, tanto no que tange às questões exclusivamente comerciais, quanto nas questões técnicas.

Veem-se tentativas de regular as relações consumeristas desde o Código de Hamurabi, onde algumas relações de comércio já eram reguladas, com o fito indireto e intrínseco de proteger o consumidor.

No Brasil, o assunto passou a ser discutido após a Constituição Republicana de 88, que dispôs em alguns trechos sobre a proteção do consumidor e da ordem pública, estipulando direitos e garantias fundamentais a este, surgindo então, em 1990, o Código de Defesa do Consumidor – que este ano de 2020 faz 30 anos! – como um microssistema que visa a proteção do vulnerável, propondo direitos e deveres aos sujeitos da relação, quais sejam, consumidor e fornecedor, bem como punições de cunho individual ou coletivo, pelo descumprimento contratual.

Neste sentido, e como em todo o ordenamento jurídico, faz-se necessário o embasamento principiológico para aplicação da lei, não podendo afastar os alicerces das relações civis, para que estas não se vejam desviadas por aplicações literais e opacas, ou seja, não se pode falar em aplicação da lei, se não com a observância dos princípios civis.

Princípios, nada mais são que verdadeiras normas que baseiam de forma geral e específica, fornecendo pilares de um determinado ramo do ordenamento jurídico, fazendo-nos aplicar a lei, a partir de sua análise (FIUZA, 2009), desde a oferta de um serviço ou produto, antes do vinculo jurídico, até o efetivo cumprimento do contrato pelo fornecedor, e quando não observados, geram altos prejuízos de ordem moral e material ao consumidor.

Nesse sentido, é notória a tutela protecionista da legislação consumerista, observando o interesse social das demandas envolvendo consumidores e fornecedores, de forma a proteger o consumidor que, conforme dispõe a própria Lei, é parte vulnerável na relação de consumo.

Tal proteção advém especificamente do caráter principiológico do ordenamento jurídico de forma geral, mas igualmente da norma posta que, no Código de Defesa do Consumidor, se vê aflorada em seu favor, ou seja, tentou-se na legislação em comento, abraçar de todas as formas a relação de consumo e o hipossuficiente, de modo que em quaisquer casos que este se puser prejudicado, haverá de pronto algum remédio que lhe possa reparar, ou ao menos amenizar o prejuízo.

Deparamos-nos então com as formas de indenização previstas pelo CDC e pela legislação civil, quais sejam moral e material, havendo ainda subdivisões que permitem o alcance mais específico do dano, contudo, aqui trataremos exclusivamente o dano moral.

O dano moral, hoje expressamente constante na legislação, já foi instituto de exceção no direito, somente sendo tomado como espécie de indenização aceita pela doutrina e jurisprudência após a condição dada pela Constituição Federal de 1988.

Ainda que reconhecido por lei o direito à indenização por danos, sejam eles de ordem material ou moral, ainda há grandes conflitos quanto à aplicação e condenação no dano moral, uma vez que de extrema subjetividade e argumentação.

Nestes casos, há que se analisar fatores ausentes de materialidade e objetividade como a dignidade e personalidade do ofendido, de modo a constatar o dano causado, o que, de todas as formas torna-se dificultoso ao julgador, e amplamente discutível à parte contrária.

Vê-se, portanto, a aceitação da cumulação entre indenização moral e material advindos de um mesmo fato, consolidado igualmente na Súmula 37 do STJ, que também trata o assunto, não havendo discussões quanto à responsabilidade da indenização moral, diante da caracterização de eventual dano material.

Nesse contexto, aplica-se o dano moral no Código de Defesa do Consumidor toda vez que este se ver em situação de prejuízo à sua saúde, segurança, integridade emocional ou intimidade, que não haja abalado o patrimônio.

Quando se vislumbra relação contratual diante do Código de Processo Civil, logo se interliga ao conceito intersubjetivo que apresenta um indivíduo de cada lado da relação, tendo o Estado como mediador desse contrato.

Contudo, há que se afirmar que diante da economia de massa, com as relações jurídicas cada dia mais amplas e com os muitos contratos de adesão espalhados pelo mercado os conflitos coletivos passam a existir de forma mais intensa, redefinindo também as legislações, para que estas se encaixem aos novos cenários.

Assim surge a tutela coletiva, como uma nova forma de proteção às relações de massa, cujo objetivo é proteger vários sujeitos de um mesmo fato ou relação, e cuja decisão destina-se a todos os titulares do direito pretendido.

Parta tanto, o artigo 82 do CDC traz a tutela coletiva, dividindo-a em modalidades de interesse, quais sejam, difusos, coletivos e individuais homogêneos. No mesmo cenário, outras legislações também tratam sobre os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, havendo ainda previsão expressa de tais interesses na Constituição Republicana e em outras cartas especiais, como no caso da Lei de Ação Civil Pública.

Quanto a esta última, o seu primeiro dispositivo traz os assuntos pelos quais busca a reparação por danos morais e patrimoniais, constando do inciso segundo a tutela coletiva do consumidor.

Nos últimos anos vem se falando muito na propositura de ações civis públicas com o objetivo de resguardar os direitos dos consumidores, em virtude, inclusive, do que já fora exposto no que tange à crescente demanda do mercado, com o acesso à tecnologia, informações, publicidades e outras formas que instigam o consumo.

As medidas judiciais trazidas pela Lei da Ação Civil Pública preveem a busca da indenização pelos danos materiais ou morais sofridos contra consumidores em um determinado fato, que podem ser determináveis ou indetermináveis, diante da espécie do interesse.

Certos de que a profundidade do dano moral vai além das questões exteriores e atinge o psicológico do ofendido, de forma incontestavelmente mais drástica e malvada que no dano material, sendo, por si só, passível de indenização, que consequentemente será imensurável.

Num primeiro momento, portanto, seria difícil entender a ocorrência do dano moral coletivo, pois enquanto prejuízo íntimo e emocional, não atingiria uma sociedade, e tampouco seria possível aferi-lo sem ao menos saber quantas pessoas e com qual intensidade foram prejudicadas. Por outro lado, não se deve excluir a responsabilidade do agente que causa prejuízos à sociedade de forma geral, somente em virtude da ótica conceitual dada ao dano moral, a qual gira em torno da tão somente ofensa ao direito de personalidade.

Trata-se de ir muito além do conceito corriqueiro e defasado de dano moral, quando se vislumbra um determinado sujeito tendo seu direito ex persona[1] sendo atingido, pois a sociedade enquanto coletividade não possui personalidade, mas seus integrantes em conjunto não se pode afirmar o mesmo.

É muito normal que a chegada de demandas no judiciário que envolvam pedidos de dano moral coletivo ainda sejam alvos de severas argumentações por parte dos demandados, por conta do entendimento inicial legislativo e doutrinário do instituto, bem como sua comparação ao dano moral individual.

Todavia, o dano moral coletivo surge na era da solidariedade, fase da 3ª geração do constitucionalismo e sua formação pode ser facilmente verificada por meio da violação aos direitos da personalidade, nos aspectos individual homogêneo ou coletivo em sentido estrito, ou seja, quando as vítimas são determinadas ou determináveis.

Por muito tempo os Tribunais Superiores não aplicaram o dano moral coletivo sob o argumento da inexistência de direitos imateriais concernentes à coletividade de pessoas, contudo o clamor da sociedade trouxe a contemporaneidade do assunto, vislumbrando-se no dano moral coletivo, um instituto autônomo e diverso do dano moral individual, que não poderia ser analisado sob a ótica particular.

Entretanto, imprescindível a aceitação da aplicabilidade do dano moral coletivo, pois caso contrário estaríamos aqui nos desfazendo de todo aprendizado constitucional e principiológico da dignidade da pessoa humana, uma vez que, não se pode excluir que a coletividade nada mais é  que uma composição de seres humanos, que podem sofrer prejuízos em conjunto.

BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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[1] Direito de personalidade.