Trabalho forçado

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 previu no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais que não haverá pena de trabalho forçado. Entretanto, a expressão não veio acompanhada de conceito e das hipóteses para sua configuração.

Por outro lado, a Convenção nº 29, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), define como forçado o “trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade” (BRASIL, 2020). Contudo, exclui deste conteúdo as atividades laborativas exercidas pelos presos condenados que disponham de vigilância e supervisão da autoridade pública.

A Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, por sua vez, tem o condão de “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado” (BRASIL, 2020). Não obstante, o aludido diploma legal assegura expressamente a inaplicabilidade da Consolidação das Leis Trabalhistas e regulamenta o trabalho do preso.

Das disposições consignadas no Capítulo III e IV, da Lei de Execuções Penais, temos como dever do preso o exercício de atividades laborativas (artigo 39, inciso V), sob pena de incorrer em falta grave (artigo 50, inciso VI). No entanto, o legislador também estabeleceu direitos, por exemplo, remuneração com montante nunca inferior a ¾ (três quartos) do salário mínimo e jornada de trabalho de no mínimo 06 (seis) e no máximo 08 (oito) horas diárias com descansos aos domingos e feriados.

À vista disso, com o intuito de analisar o tema proposto sob a perspectiva da teoria e prática, fora requerida juntamente com a Direção da Penitenciária Estadual de Vila Velha – I, localizada no Complexo Penitenciário de Xuri, dados sobre as atividades laborativas desempenhadas por presos reclusos nesta unidade prisional. Em resposta ao requerimento, obtive as seguintes informações:

“Atualmente 1.021 internos cumprem pena na Penitenciária Estadual de Vila Velha I.

110 internos exercem atividades laborativas, destes:

38 exercem atividades remuneradas, sendo: 24 na fábrica de uniformes, participantes do projeto “costurando a liberdade”, projeto custeado pelo Governo estadual, onde recebem um salário mínimo mensal). Outros 14 internos trabalham na empresa “Cozisul”, empresa esta que fornece alimentação para os internos desta unidade, sendo remunerados com um salário mínimo. Todos internos que exercem trabalhos remunerados, recebem seus salários em observância ao estabelecido na Lei de Execuções Penais.

72 internos exercem atividades não remuneradas: sendo 24 na fábrica de bolas, 09 na fábrica de uniformes, 02 na biblioteca, 04 no almoxarifado, 04 nos serviços gerais, 02 no prédio de saúde, 03 no setor administrativo da Unidade, 18 na distribuição da alimentação fornecida aos reeducandos e 06 no corte de cabelo dos internos.”

Do exame dos elementos fornecidos constatou-se que dos 110 (cento e dez) presos trabalhadores, 38 (trinta e oito) exercem atividades laborais em consonância com as disposições da Lei de Execuções Penais. Em contrapartida, o labor desempenhado por 72 (setenta e dois) é passível de questionamento, uma vez que há circunstâncias que nos remetem ao conceito de trabalho forçado explicitado na Convenção da OIT.

É indubitável que a labuta tem importante serventia durante o cumprimento da pena, oportunizando não apenas a remição, mas reduzindo a ociosidade, brigas, rebeliões, fugas e gastos ao Estado. Além disso, propícia a capacitação e o desenvolvimento de habilidades para o trabalho com o escopo de inserir o indivíduo no meio social.

Todavia, os benefícios laborais não podem afastar direitos dos presos trabalhadores, tais como, a remuneração, visto que estes recursos financeiros possibilitam a indenização dos danos causados pelo crime, atendimento das necessidades da família, despesas pessoais e o ressarcimento do Estado.

Portanto, cabe ao Estado do Espírito Santo por meio da Secretária de Estado da Justiça (SEJUS) o dever de cumprir fielmente as normas que compõe o ordenamento jurídico brasileiro, com o propósito de erradicar qualquer ato atentatório ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 08 de outubro de 1988, com redação atualizada até a Emenda Constitucional nº 107. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 19 jul 2020.

______. Decreto nº 10.088, de 05 de novembro de 2019. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5>. Acesso em: 21 jul 2020.

______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 que institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 18 jul 2020.

Artigo anteriorA jovem advocacia capixaba pede socorro
Próximo artigoOs Direitos Culturais na Constituição Federal – II: Repartindo Competências
Advogada inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Espírito Santo sob o nº 24.170, atuante na área criminal. Vice-Presidente da Associação dos Jovens Advogados do Estado do Espírito Santo - AJA/ES (2017). Secretária-Geral da Comissão de Direitos Sociais da OAB/ES (2019). Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/ES - Subseção Serra (2019). Membro da International Center for Criminal Studies. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade (2017) e Pós-graduada em Ciências Criminais (2018), ambas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduanda em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha. Pós-graduanda em Direito Público e Pós-graduanda em Direito de Trânsito, ambas pela Faculdade LEGALE. Bacharela em Direito pela Universidade Vila Velha (2014).