1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO

Inicialmente, evidencia-se que o princípio possui base constitucional, mais especificamente no Art. 150, inciso IV, da CRFB/88, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito confisco;

Em consonância, o professor Eduardo Sabbag apresenta a seguinte definição:

(…) de modo geral, o conceito de confisco tem sido apresentado como a absorção da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização (…).

Frisa-se ainda que o confisco não se restringe a bens imóveis, mas também a bens móveis e valores. Além disso trata-se de princípio subjetivo, portanto, para questionar sua aplicabilidade é necessário que seja feita a análise do caso concreto.

Resumidamente, pode-se afirmar que o confisco é o ato do Estado de sequestrar algo do contribuinte para que o tributo seja satisfeito.

2. EXCEÇÕES A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO

Sobre a aplicabilidade, Navarro Coêlho apresenta duas exceções, onde o Estado pode de fato obter o bem para satisfação da obrigação, sendo:

a) Quando o tributo possui função extrafiscal, e tem por escopo a manutenção do poder de polícia;
b) Tratando-se de meio coercitivo a adequada destinação social da propriedade;

As duas situações podem ser exemplificadas por meio da seguinte situação jurídica: a desapropriação especial urbana. Nesse tipo de desapropriação, o Poder Público, através do poder de polícia, utiliza meios coercitivos para fazer com que o particular dê a destinação adequada a sua propriedade, esses meios estão previstos no Art. 5º e ss do Estatuto da Cidade.

Inicialmente, o Estado notifica o particular para que proceda ao parcelamento ou edificação de maneira compulsória, nessa fase o particular possui o prazo de um ano para apresentar o plano e até dois para iniciar o projeto apresentado, evidencia-se que esse procedimento é registrado no cartório de registro. Restando a medida infrutífera, passa-se a segunda fase.

A segunda fase é a que melhor exemplifica a exceção supracitada, pois nesse caso o IPTU possui função extrafiscal. Como o objetivo principal é fazer com que o particular tome as medidas necessárias a utilização do imóvel, o Estado pode majorar a alíquota em até 100% de um ano para o outro, limitando-se essa progressividade ao lapso temporal de cinco anos, e podendo alcançar no máximo 15% do valor do bem. Frisa-se que de acordo com a doutrina, é possível que a alíquota seja cobrada em percentual máximo sem limite temporal.

Na última fase ocorre a desapropriação de fato, nesse ponto o Estado de fato desapropria o imóvel e indeniza o particular por meio de títulos da dívida pública que deverão ser pagos em até dez anos.

Portanto, de acordo com o exemplo aludido, percebe-se que o confisco é uma das últimas medidas tomadas pelo Poder Público, e só pode ser utilizado em situações específicas, sob risco de ferir o princípio constitucional do não confisco.

3.  IDENTIFICANDO A MULTA DE CARÁTER CONFISCATÓRIO

É necessário evidenciar que a multa possui caráter coercitivo, ou seja, sua principal função é coibir eventuais infrações e atrasos por parte do contribuinte em face do Fisco, e dividem-se entra punitiva e moratória.

A multa punitiva é aquela aplicada em consequência de conduta irregular do contribuinte, isto significa que ela decorre do não atendimento da norma tributária antecedente, já a moratória resulta da postergação irregular do cumprimento da obrigação fiscal.

O tema foi alvo de discussão por longo período, acerca dos limites legais que deveriam ser fixados para balizar as condenações, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 727.872/RS, decidiu que para que a multa não tenha caráter confiscatório, é necessário observar sua natureza, limitando-se a 100% do valor da obrigação, tratando-se de multa punitiva, e a 20% no que se refere a multa moratória.

4. EXECUÇÕES FISCAIS QUE FEREM O PRINCÍPIO EM APREÇO

Para que o princípio seja plenamente satisfeito, é necessário que as condutas estatais estejam de acordo com a norma constitucionalmente prevista. No que se refere ao princípio, duas são as situações cotidianas que o desatendem: IPVA (Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores) e IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Tratando-se do IPVA, a satisfação é feita de maneira ficta, uma vez que o não pagamento do imposto por si só não gera apreensão do veículo, todavia, o licenciamento em atraso sim. No entanto, para que o automóvel esteja licenciado de maneira regular, é necessário que o IPVA tenha sido pago, dessa maneira, aufere-se que o Fisco vale-se de conduta irregular para satisfazer o princípio, desatendendo o objetivo principal que é a manutenção do patrimônio privado.

Em relação ao IPTU, o não pagamento além de possibilitar a inscrição do devedor na dívida ativa, também pode levar o imóvel a leilão. Tratando-se de pessoas jurídicas, essa negativação impede a participação em certames licitatórios. Frisa-se que o imóvel poderá ser levado a leilão em função de seus débitos ainda que atenda a função social da propriedade, em clara afronta ao princípio avençado e não se encaixando na possibilidade de exceção anteriormente explicada.

5. EXEMPLOS DE MEIOS COERCITIVOS QUE NÃO O CONFISCO PARA A SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 

Defende-se que o princípio constitucional em apreço deve ser observado nas diversas situações jurídicas envolvendo o Estado, no entanto, frisa-se que o Poder Público deverá se valer de outros meios coercitivos hábeis para que o contribuinte satisfaça a obrigação.

Como exemplo, podemos citar o lançamento de restrição no CPF, assim, o contribuinte que não estiver em dia com o Fisco poderá perder inúmeros benefícios assistenciais, impossibilitando assim, o gozo dos direitos civis.

Outra forma de coibir infrações fiscais é a impossibilidade de participação em concursos públicos, em simetria com a impossibilidade da pessoa jurídica de participar de certames licitatórios. Dessa maneira, existe o atendimento do princípio do não confisco e um meio eficaz de assistência a satisfação fiscal, nessa situação, o princípio da paridade das formas deve ser subsidiariamente utilizado.

Dessa maneira, percebe-se que o Estado possui outras formas de atender as necessidades fiscais que sejam consoantes com o princípio aludido.

6. CONCLUSÃO

Conforme a doutrina, nenhum princípio é absoluto, dessa forma, há a mitigação de acordo com o caso concreto. Portanto, apesar do princípio do não confisco assegurar o direito a propriedade privada, para que ele seja satisfeito, é necessário que haja ponderação com os demais princípios constitucionais.

O questionamento a ser feito é: entre o direito a propriedade e o gozo dos direitos civis, qual é a maneira menos gravosa de onerar o contribuinte.

REFERÊNCIAS: 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso 06. set. 2021.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 6 ed. Salvador: JusPodivm, 2019.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva. 2009.

STF – AgR AI: 727872 RS – RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 28/04/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-091-18-05-2015