Pacote Anticrime (Lei 13.864/2019)

Na vã tentativa de empreender ação contundente em prol do combate à criminalidade, o Pacote Anticrime traz medidas que sabidamente são ineficazes posto que não ataca as vigas-mestra da violência que tanto aflige os maiores centros urbanos brasileiros.

 

O pacote insiste numa visão puramente punitivista, o que vem impactar o já falido sistema carcerário, propondo o endurecimento de penas e a redução de direitos tais como a de progressão de pena. E, incorpora e cumpre a promessa de campanha de Bolsonaro que é dar aval e licença para as polícias no exercício de suas precípuas funções, erigindo assim, mais uma excludente de ilicitude.

 

O Pacote Anticrime atua no Brasil que representa um dos países dotados de maiores tais de letalidade policial no mundo, e propôs a redução pela metade das penas aplicadas aos policiais que atentarem contra vida, alegando, em sua defesa, um escusável medo, surpresa ou mesmo violenta emoção. Tal brecha materializa a metáfora de “licença para matar”.

 

A proposta de plea bargain[2], seguindo os moldes norte-americanos onde os acusados podem pactuar acordo com o Ministério Público antes do trâmite inicial da ação penal, sob o argumento de reduzir a drástica lentidão de processos penais e empreender maior pragmatismo e agilidade nas transações penais, que podem, em verdade, traduzir perversos resultados à sociedade brasileira.

 

Ademais, réus pobres e prejudicados socialmente não terão recursos para prover contratação de advogados e restam em franca desvantagem para barganhar sua pena com o Ministério Público, contribuindo assim para erigir uma compulsória admissão de culpa e majoração dos casos de injustiça e de erros judiciais dentro da ordem jurídica penal brasileira.

 

Padece de crassa inconstitucionalidade a prisão automática e imediata de pessoas condenadas pelo Tribunal do Júri em primeira instância, pois viola a presunção de inocência prevista constitucionalmente e, ainda, o entendimento recente (de novembro de 2019) do STF sobre a proibição da prisão em segunda instância, enquanto houver tramitação de recursos criminais.

 

Segundo Luiz Flávio Gomes não existe a possibilidade plea bargaining dentro do ordenamento jurídico brasileiro. O réu no sistema penal norte-americano pode confessar ou não confessar. Se confessar, pode reivindicar a negociação ou não.

 

Quando faz o pedido de negociação é que ocorre plea bargaining. Na plea bargaining vigora inteiramente o princípio da oportunidade da ação penal pública, cabendo ao MP e acusado decidirem, em um espaço de consenso, se existirá – ou não – persecução criminal em juízo – sendo que a colaboração premiada já estipula esse mesmo panorama ao prever a “não denúncia”.

 

No plea bargaining o acordo pode e deve ser feito fora do espaço do Poder Judiciário, devendo apenas ser homologado em sua validade após sua realização – mais uma vez, a teor do que já ocorre na colaboração premiada.

Merece, no entanto, frisar que o dispositivo contido no artigo 3-A da Lei 13.964

que revela entendimento bem sedimentando tanto na doutrina como na jurisprudência brasileira. Mas, apesar da natureza jurídica de acordo da colaboração premiada[3] em si, não se pode confundir com a colaboração premiada propriamente dita. E, se argumenta a favor de que a colaboração independe de acordo expresso, já que se trata de uma postura colaborativa a qual extrapola o mero firmamento de instrumento contratual.

 

Em verdade, a democracia é ferida de morte quando há a proposta de lei meramente simbólica e que acena que a fé na lei é suficiente e, nos salvará, principalmente diante da falta de efetividade presente dentro do sistema carcerário brasileiro.

 

No que se refere a plea bargaining[4], deve-se ter a maior cautela que possível, em face da lógica negocial adentrar ao processo penal brasileiro e, em síntese, traduzir maior impunidade aos criminosos bem favorecidos.

 

A transação penal existente na Lei dos Juizados Especiais Criminais[5]. Os juizados especiais são órgãos da justiça que servem para resolver as pequenas causas com rapidez, de forma simples, sem despesas e sempre buscando um acordo entre as pessoas.

 

Para entender o conceito de transação penal é imprescindível compreender também o conceito de infração de menor potencial ofensivo, conforme prescreve o artigo 61 da Lei 9.099/1995: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”. O que de certa maneira, já introduziu a ideia de negociação processual na seara criminal.

 

Em tese, no sistema da delação premiada[6], onde que ao se declarar culpado para poder negociar e, segundo esse Pacote Anticrime resultou em menos direitos e garantias constitucionais, significando um duro golpe contra a ampla defesa, o contraditório e a presunção de inocência que recebem duro golpe.

 

O presente pacote em comento não foi precedido do indispensável debate público e na comunidade científica, e traz um forte impacto tanto no sistema penal, processual penal e penitenciário.

 

Aliás, o pacote prevê a automática imposição de regime inicial fechado de cumprimento de pena, principalmente como se tratar no caso de condenado reincidente ou havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional.

 

A propósito, o valoroso Lenio Streck afirmou que o STF já se manifestara a respeito da inconstitucionalidade da fixação a priori do regime de cumprimento da pena para qualquer delito, posto que afronta à garantia constitucional de individualização da pena.

 

Propôs a inclusão no Código de Processo Penal brasileiro do alcunhado “acordo de não-persecução”, sendo mesmo descabia a exigência da chamada “confissão circunstanciada”[7] do agente em razão de tal acordo não ter natureza condenatória.

 

Outro tópico impróprio é referente à gravação da conversa existente entre o advogado e réu preso, segundo a OAB é um atentado grave contra o direito de defesa, além de violar o próprio Estatuto da Advocacia e da OAB estabelece os pressupostos legais para o afastamento da confidencialidade das comunicações e entendimentos entre o advogado e o réu preso. O projeto fora aprovado, mas fora excluída tal permissão de gravação de conversas entre o advogado e réu preso.

 

A proposta de alterações relativas à excludente de ilicitude é imprópria pois já existem no direito positivo, e não adota critérios razoáveis, introduzindo elemento subjetivo imponderável que amplia desmedidamente a discricionariedade a a insegurança na ordem jurídica.

 

Ademais, a atividade policial já resta protegida pelos limites do “estrito cumprimento do dever legal”, de sorte que a nova previsão poderá gerar impunidade institucionalizada para as ações violentas praticadas em evidente contradição ao Estado Democrático de Direito.

 

A redução dos direitos do investigado e do réu constitui grave ameaça a todo e qualquer cidadão, que restará exposto e sempre em perigo de uma condenação criminal injusta. Sendo que, em verdade, um sistema de justiça desequilibrado não afeta somente o réu culpado, mas toda sociedade. E, o estreitamento das possibilidades do princípio do contraditório impõe um patológico risco à cidadania brasileira.

 

Majorou-se o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade que de trinta anos para quarenta anos. E, segundo o Ministro Alexandre Moraes, a justificativa é a melhoria na expectativa de vida do brasileiro.

 

A noção de perda de bens obtidos de forma criminosa e envolvendo as organizações criminosas fora prevista e cuja pena mínima é de três anos. E o confisco do direito ilícito ou de origem criminosa foi decretado para os condenados as penas maiores de seis anos.

 

Majorou-se a pena para o crime de homicídio com uso de arma de fogo que passa de doze a trinta anos de prisão.

 

Inicialmente, a proposta de Moro determinava que a prisão após condenação em segunda instância fosse a regra no processo penal e, isso se deu, particularmente em face do entendimento do STF, sem o direito positivo prever, mas a decisão fora revista pela própria Suprema Corte e deixou de valor. O projeto do Moro retirou a proposta nesse sentido.

 

O texto proposto por Moro trazia a criação de Banco Nacional de Perfis Balísticos prevendo o armazenamento de armas, projéteis e estojos de munição deflagrados em um banco de dados sigilosos a ser gerenciado por uma unidade oficial de perícia criminal. E, tais dados serão coletados a partir de crimes, sendo vedada sua comercialização. Ainda deverá o governo federal regulamentar a criação do banco.

 

Deu-se a criação das regras para a cadeia de custódia, de forma a disciplinar a atuação com vestígios do crime desde a coleta de material no local até o descarte. E, a finalidade é mesmo garantir que as provas fiquem sempre à disposição da polícia e da Justiça de forma segura.

 

O texto aprovado, com a proposto de Moro prevê a autorização explícita para os Estados e Distrito Federal a construírem presídios de segurança máxima.

 

O texto proposto por Moro definiu que o banco para armazenar dados e subsidiar as investigações restaria subordinado ao Ministério da Justiça. A formação deve ser futuramente regulamentada pelo governo federal e, o referido cadastro deve incluir ainda, se possível, características biométricas como íris, rosto e voz.

 

Nos casos de investigações cíveis, administrativas e eleitorais, o único compartilhamento de dados possível é o das impressões digitais. Os demais dados biométricos restringem-se apenas as apurações criminais. Além de prever igualmente a retirada de material de presos provisórios.

 

Lembremos que a norma constitucional a identificação criminal possui eficácia contida, pois, tem aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, e, abriga apenas uma exceção que deve vir a ser regulamentada por lei infraconstitucional, se esta lei atualmente visto que existe lei específica que delimita a identificação criminal (Lei 12.037/2009), e mesmo antes data já existiam as hipóteses regulamentadas em leis anteriores, tais como, in litteris:

 

Art. 109 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e adolescente): “O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada”.

Art. 5º da Lei 9.034/95: “Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.

Lei nº 10.054/00. Além de possuir respaldo constitucional e legal a possibilidade de identificação criminal possui chancela do Supremo Tribunal Federal através da Súmula 568: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.

 

Todas as normas anteriores encontram-se tacitamente revogadas, com exceção do Estatuto da Criança e Adolescente, que traz no artigo 1º: “O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei”. A única lei vigente que atualmente dispõe sobre todas as formas de identificação criminal é a Lei 12.037/09 que recebeu alterações da Lei 12.654/12 que trata da coleta e armazenamento de perfil genético.

 

É sabido que a Lei 12654/2012 trata da identificação genética em sede de identificação criminal (alterando a Lei 12.307/2009) e em sede de execução criminal, alterando a Lei de Execução Penal, nos casos especificamente previstos.

 

A identificação genética é prevista na LEP em seu artigo 9-A que rege que serão submetidos, obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante a extração de DNA, por técnica adequada e indolor, os condenados por crimes praticados dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos na Lei dos Crimes Hediondos[8].

 

Ressalva-se que o artigo 9-A da LEP não se refere diretamente aos crimes hediondos equiparados, previstos no artigo 2º da Lei 8.072/1990 e, o artigo 5º, XLIII da CF/1988, quais sejam, o tráfico de entorpecentes, tortura e terrorismo.

 

Apesar de haver entendimentos em sentido contrário, não poderão os sentenciados se recusarem a submeterem-se a identificação biométrica, sob a alegação de não serem obrigados a produzirem provas contra si mesmos.

 

Afinal, a garantia de não autoincriminação consagra autêntica imunidade natural do ser humano que é de não se auto-acusar, sendo princípio decorrente das garantias constitucionais, tais como o direito ao silêncio, a presunção de inocência, além da ampla defesa.

 

Segundo o professor e doutrinador Guilherme Nucci não existe ofensa ao princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, tampouco ao princípio da presunção de inocência, pois a coleta é realizada antes da prática do crime apurado.

 

E, não se está coletando o material genético com o fito de comparar com material já colhido, com a finalidade de prover a incriminação do acusado. Identifica-se o sentenciado, mediante extração de DNA, mantendo em sigilo o banco, para que, no futuro, ocorrendo algum delito, possa o Estado-investigação confrontar com os elementos colhidos na cena do crime. Afinal, ninguém pode se acusar pelo delito que ainda não cometeu.

 

Lembremos que a Constituição consagra o princípio da presunção de inocência que possui fortes implicações não apenas no campos do ônus da prova, o que enseja a regra do in dubio pro reo, mas também para impedir restrições antecipadas aos direitos dos cidadãos (salvo a concessão de cautelares em caráter excepcional), impedindo, ainda, que alguém seja obrigado a produzir prova contra si mesmo (o direito de não- autoincriminação);

 

Contemporaneamente nenhum princípio é levado a tão ao extremo como o da presunção de inocência, que em razão de uma exegese como o da presunção de inocência, que em razão de uma exegese exacerbada, acabou por transformar tal princípio em rotundo valor absoluto.

 

De sorte que a garantia da não-autoincriminação também não deve ser superdimensionada, pois boa parte da doutrina pátria entende que a garantia da não autoincriminação permite que o acusado se recuse a cooperar com a produção de prova, seja produzindo manifestações intelectuais ou de conteúdo testemunhal, seja praticando conduta ativa ( tal como fornecimento de sangue ou material genético, para exame de DNA ou teste de alcoolemia).

 

Outra figura é a do “informante do bem”[9]. A proposta previa direito à preservação da identidade do informante, que pode ser revelada só em caso de interesse público, e garantia a ele isenção de responsabilização civil ou penal sobre o fato relatado.

 

Aprovou-se a vedação do benefício de liberdade condicional aos condenados por crimes hediondos[10] com morte. E, também ficou impedido de obter o benefício quem for condenado por integrar a organização criminosa e continue no mundo do crime.

 

A inclusão de soluções negociadas pela prática de crimes e por improbidade (atos ilícitos cometidos cíveis contra a Administração Pública tal como enriquecimento ilícito). O acordo tem que ser proposto pelo MP e depende ainda da total reparação do dano causado pelo criminoso à vítima.

 

O pacote aprovado prevê que que nenhuma medida cautelar e recebimento de denúncia ou queixa-crime poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator. Estabelece ainda que o acordo e os depoimentos do delator serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia e que, se o acordo de colaboração não for confirmado, o celebrante (o MP ou polícia) não poderá utilizar as informações ou provas apresentadas para qualquer outra finalidade.

 

Inclui-se nova hipótese em que pode ser suspensa a contagem da prescrição[11] penal, que é quando houver os recursos pendentes de julgamento em Tribunais Superiores independentemente de serem inadmissíveis ou não.

 

A prescrição ocorre quando termina o prazo para que a Justiça promova a punição contra-acusado de crime. E, esta varia de acordo com o delito e a pena aplicada no caso concreto.

 

Quanto o tópico mais polêmico, o juiz de garantia[12], o pacote aprovou e criou a figura do “juiz de garantia”[13], através de um adendo em 19 de setembro, que passa a ser responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais.

 

Entre suas atribuições, estão a supervisão das investigações, a garantia da legalidade do processo e o cumprimento dos direitos dos suspeitos ou réus. E, tal juiz também será responsável pelas decisões finais do processo como a sentença fixadora se o réu deva ser condenado ou absolvido.

 

O projeto ampliou a pena aplicável aos crimes contra a honra, tais como calúnia, difamação ou injúria, uma vez cometidas pela internet, podendo a pena ser até triplicada[14]. O que foi vetado pelo Presidente da República.

 

Consigne-se também a inovação trazida pelo Pacote Anticrime ao Código de Processo Penal Militar que com boa intenção de prestar apoio àqueles que no cumprimento do mister constitucional de preservação da ordem pública ou de garantia da Lei e da Ordem cometam crimes pelo uso leal da força. E, a reboque, traz implicações e problemas que devem ser assimilados e solucionados apesar das críticas ideológicas que certamente surgirão[15].

 

Enfim, esperemos que tantas inovações consigam mesmo prover um eficaz combate à criminalidade e construa as novas bases da segurança pública no país.

 

Referências

  1. J. A. Mittermaier, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª. ed., Campinas: Bookseller, 1996, p. 199.N

Néri, Felipe; Stochero, Tahiane. Entenda o pacote anticrime aprovado na Câmara. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/12/05/entenda-o-projeto-anticrime-aprovado-na-camara.ghtml   Acesso em 06.01.2020.

 

Oliveira, Caroline. O que muda caso o pacote Anticrime do Ministro Sérgio Moro seja aprovado? Disponível em:https://gasparino.jusbrasil.com.br/noticias/673555350/o-que-muda-caso-o-pacote-anticrime-do-ministro-sergio-moro-seja-aprovado  Acesso em 06.01.2020.

 

Ramalho, Renan. Os principais pontos do pacote anticrime. Disponível: https://www.oantagonista.com/brasil/os-principais-pontos-pacote-anticrime/ Acesso em 06.01.2020.

 

Gomes, Luiz Flávio. Quarto artigo: Moro sugere plea bargain no Brasil. Que é isso? É possível? Disponível em: https://www.professorluizflaviogomes.com.br/quarto-artigo-moro-sugere-plea-bargain-no-brasil-e-possivel-4-20/ Acesso em 06.01.2020.

 

Nucci, Guilherme de Souza. Projeto anticrime de Moro é superficial e decepcionante. Disponível em: https://complemento.veja.abril.com.br/pagina-aberta/projeto-anticrime-de-moro-e-superficial-e-decepcionante.html Acesso em 06.01.2020.

 

Barbosa, Ruchester Marreiros. A prisão processual de flagrante é novidade no pacote anticrime. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-31/academia-policia-prisao-processual-flagrante-novidade-pacote-anticrime?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook  Acesso em 06.01.2020.

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.

Melo, Valber; Broeto, Filipe Maia. O pacote “anticrime” e seus impactos na

colaboração premiada. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-29/pacote-anticrime-impactos-colaboracao-premiada Acesso em 06.01.2020.

 

[1] Gisele Leite. Professora Universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito USP. Autora de vinte nove obras jurídicas. E articulista de diversos sites jurídicos (Jurid, Portal Investidura, COAD,  LEX e Editora Plenum).

[2] O plea bargain é instituto originário do common law e consiste na negociação realizada entre representante do Ministério Público e o acusado, que traz relevantes informações de sorte que

poderá até o MP deixar de acusá-lo formalmente. Os EUA, que se tornaram independentes dos ingleses em 1776, assistiram a uma enxurrada de plea bargains ao fim da Guerra Civil (1861-1865). A princípio, os tribunais proibiram o oferecimento de benefícios em troca de confissões. Dessa maneira, os magistrados permitiam que réus retirassem suas declarações. Entretanto, essas decisões não impediram que compromissos de colaboração continuassem a ser celebrados por baixo do pano.

 

[3] O artigo 3º-B estabelece que “O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial”.

[4] O Plea Bargaining tem por essência a própria concepção de justiça penal consensual, passa-se a expor os meandros desse mecanismo processual que visa, especificamente, a negociação de sentença criminal.

Segundo Queirós Campos, o Plea Bargaining é um instituto processual penal que se originou nos Estado Unidos da América em meados do século XIX. Em um primeiro momento, a análise do instituto deve começar pelo escopo da tradução, já que se trata de uma palavra de origem inglesa.

O referido mecanismo processual é definido por um conjunto de duas palavras, a primeira delas é “Plea” que em uma tradução interpretativa, ad intentio, significa declaração e a segunda é “Bargain” ou “Bargaining” significando barganha, negócio. Portanto, de plano, já podemos identificar que há uma ideia, no Plea Bargaining, de uma declaração que resulta em uma barganha, uma negociação ou acordo.

A ideia de plea é a de resposta, ou seja, declaração do réu, traduzindo-se a célebre frase dos julgamentos anglo-saxônicos: How do you plea, ou seja, “Como o réu se declara diante de determinada acusação?

[5] As teses divulgadas pelo STJ:

1) A Lei 10.259/01, ao considerar como infrações de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, não alterou o requisito objetivo exigido para a concessão da suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, que continua sendo aplicado apenas aos crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano.

2) É cabível a suspensão condicional do processo e a transação penal aos delitos que preveem a pena de multa alternativamente à privativa de liberdade, ainda que o preceito secundário da norma legal comine pena mínima superior a um ano.

3) A suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada.

4) Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência. (Tese julgada sob o rito do artigo 543-C do CPC/73 – TEMA 920).

5) Opera-se a preclusão se o oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo ou de transação penal se der após a prolação da sentença penal condenatória.

6) O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um ano. (Súmula 243/STJ).

7) A existência de inquérito policial em curso não é circunstância idônea a obstar o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.

8) A extinção da punibilidade do agente pelo cumprimento das condições do sursis processual, operada em processo anterior, não pode ser valorada em seu desfavor como maus antecedentes, personalidade do agente e conduta social.

9) É constitucional o artigo 90-A da Lei 9.099/95, que veda a aplicação desta aos crimes militares.

10) Na hipótese de apuração de delitos de menor potencial ofensivo, deve-se considerar a soma das penas máximas em abstrato em concurso material, ou, ainda, a devida exasperação, no caso de crime continuado ou de concurso formal, e ao se verificar que o resultado da adição é superior a dois anos, afasta-se a competência do Juizado Especial Criminal.

11) O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o artigo 70 da Lei 11.343/06 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.

12) A conduta prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06 admite tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo.

[6] Delação premiada é uma expressão utilizada no âmbito jurídico, que significa uma espécie de “troca de favores” entre o juiz e o réu. De acordo com a lei brasileira, o juiz pode reduzir a pena do delator entre 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços), caso as informações fornecidas realmente ajudem a solucionar o crime.

Já no Brasil, país que adota o sistema acusatório baseado no modelo da Civil Law, a delação iniciou-se com a Lei dos Crimes Hediondos, Lei nº 8.072/90, art. 8.º, parágrafo único, e posteriormente nas Leis 7.242/86, 8.137/90, 9.034/95, 9.269/96, 9.613/98, 9.807/99,  11.343/2006 e 12.850/13 demonstrando-se um instrumento investigatório de segurança pública, garantindo ao delator desde isenção de pena,  ou parte da pena e até mesmo o perdão judicial.

[7] A confissão, portanto, deve ser expressa e circunstanciada, pormenorizando todas as circunstâncias atinentes ao fato confessado, a fim de que dúvidas não subsistam no espírito do julgador. Como diz Mittermaier, “as consequências da confissão são tão graves que convém que ela seja feita com uma precisão extrema. Só a precisão pode fornecer os meios de verificar o seu conteúdo, com o auxílio das outras provas; e, além disto, atesta que o acusado, conhecendo a extensão dos perigos a que se expõe, não obstante, quer obrar e falar seriamente”.

A confissão, segundo a doutrina, pode ser simples (quando o sujeito confessa apenas um fato), complexa (quando admite vários fatos) e qualificada (confessa, alegando em seu favor, porém, excludentes de criminalidade ou de culpabilidade ou qualquer circunstância que lhe beneficie). Muitos não admitem esta última modalidade como sendo uma verdadeira confissão, pois quando utilizada pelo réu não o estorva, não o atrapalha, não o desajuda.

Para estes, só haveria verdadeiramente confissão quando o fato ou os fatos admitidos fossem inteiramente adversos ao confitente. Preferencialmente a confissão deverá ser feita judicialmente, perante Juiz competente e quando aceita a confissão extrajudicial deve sempre ser ratificada em juízo e, em todos os seus termos, sob pena de invalidade. Portanto se a confissão for produzida em fase inquisitorial deverá ser ratificada na instrução criminal.

[8] Com a Lei 11.923/2009 trouxe novo parágrafo terceiro para o artigo 158 do Código Penal brasileiro emergiu a polêmica pela infeliz nomenclatura dada ao tipo penal sequestro-relâmpago e passa pela hediondez ou não do referido crime nos casos em que resulte em morte. Pois apesar de a Lei dos crimes hediondos (Lei 8072/90) preveja como hedionda a conduta da extorsão seguida de morte, mencionando o artigo 158, segundo parágrafo do Código Penal, não faz qualquer referência ao novo parágrafo terceiro, inserido pela legislação em comento.

No primeiro caso sustenta-se que a nova figura criminal não pode ser considerada hedionda até que a Lei 8072/90 seja alterada para abrangê-la. Já de acordo com a segunda linha de pensamento, a lacuna legal deve ser preenchida por uma interpretação extensiva que possibilitaria entender também o parágrafo 3º, do artigo 158, Código Penal como abrangido pela Lei dos Crimes Hediondos.

[9] O informante do bem ou whistleblower publicada a Lei 13.608/2018, espécie de marco legal do whistleblowing — ainda que distante dos padrões internacionais —, restou implementada, ao menos no âmbito das empresas de transportes terrestres que operam sob concessão pública, a determinação de inclusão de informação nos veículos sobre a existência de canais disque-denúncia, assim como de expressões de incentivo à colaboração, prevendo formas de recompensa,  como o pagamento de valores em espécie.

É questionável a previsão de que ninguém será condenado apenas com base no depoimento prestado pelo informante quando mantida em sigilo a sua identidade (artigo 4º-B, parágrafo 2º) — anuindo o informante com a sua revelação, servirá o relato como prova exclusiva à condenação?

[10]  Crimes hediondos são os crimes entendidos pelo Poder Legislativo como os que merecem maior reprovação por parte do Estado. Os crimes hediondos, do ponto de vista da criminologia sociológica, são os crimes que estão no topo da pirâmide de desvaloração axiológica criminal, devendo, portanto, ser entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão à sociedade.

São considerados hediondos os crimes cuja lesividade é acentuadamente expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual denominamos crime “de gravidade acentuada”. Os crimes hediondos são os crimes cometidos contra os bens que são protegidos pela Constituição Federal (CF). Um dos bens que a CF deve proteger, guardar é a vida. Logo, os crimes que atentam contra a vida são hediondos, assim como os que atentam contra a honra, e os demais direitos fundamentais inclusos nas cláusulas pétreas.

[11] A prescrição dentro da seara penal significa a perda do direito estatal de punir o transgressor da norma penal, devido ao decurso de tempo, uma vez que o direito de punir deve ser exercido dentro de prazo legalmente estabelecido. Segundo os termos do artigo 107 do Código Penal brasileiro consiste numa das causas de extinção da punibilidade, podendo ser dividida em: prescrição da pretensão punitiva (dá-se no processo de conhecimento penal, ocorrendo o escoamento de prazo antes do trânsito em julgado da sentença);

O prazo da prescrição da pretensão punitiva será estabelecido pela quantidade da pena in abstracto, sendo esta o máximo de pena aplicável para o tipo penal, haja vista que a sentença, não poderá condenar à pena superior ao máximo legal. A prescrição da pretensão executória ocorre no processo de execução penal, ocorrendo pelo fim do prazo antes de iniciar o cumprimento da pena.

E, será estabelecido o prazo prescricional pela quantidade de pena in concreto, isto é, a quantidade de pena aplicada e já transitada em julgado. Em ambos os casos, deverá ser consultado o prazo prescricional estabelecido no artigo 109 do Código Penal brasileiro.

 

[12] Essa nova figura provocou fortes divergências tanto da doutrina como nos tribunais superiores. Enquanto que o decano da Corte, o Ministro Celso de Mello, considera o juiz de garantias uma conquista da cidadania. Há duas associações que representam a magistratura pedem ao STF a suspensão do novo cargo. Em verdade, nos bastidores, a figura é tratada como “Frankenstein” que ganhará existência em breve.

Os críticos alegam que a divisão de competências atrapalhará em muito as investigações, além de considerar que um juiz pode ser melhor que o outro, ou seja é fazer um juízo valorativo entre os magistrados. Uma das principais críticas é de ordem prática: nas comarcas do interior, que tenham poucos juízes, a novidade acabaria com as especializações de varas criminais ao obrigar que o juiz cível atue ou na investigação ou na ação penal, medida que, na realidade, atrasará mais ainda o processo.

Embora o projeto permita que, no começo, o instituto não se aplique às comarcas com apenas um juiz, ele prevê que, no futuro, de acordo com as regras locais, será aplicável. Isso tornará mais lenta a situação dos processos em que o juiz da comunidade não poderá presidir a ação, transferindo tudo para outra cidade, a depender de viagens e deslocamentos ou do juiz vizinho ou das testemunhas, vítima, advogados e réus para aquele outro local. Este fato já foi apontado pelo CNJ, que, em sua nota técnica 10, de 2010, observou que 40 % das comarcas do Brasil tem apenas uma única Vara.

 

[13] A AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros também se manifestou, em nota, sobre a criação do juiz de garantias, externando sua irresignação à sanção do instituto. Segundo a entidade, “a instituição do ‘juiz de garantias’ demanda o provimento de, ao menos, mais um cargo de magistrado para cada comarca — isso pressupondo que um único magistrado seria suficiente para conduzir todas as investigações criminais afetas à competência daquela unidade judiciária, o que impacta de forma muito negativa todos os tribunais do País, estaduais e federais”.

A Ajufe – Associação dos Juízes Federais do Brasil também teceu críticas à criação do juiz de garantias. A entidade ressaltou que se manifestou contra o instituto desde a discussão do pacote anticrime no Congresso e afirmou que a lei terá de ser aplicada a todos os processos, tanto de crimes comuns quanto de crimes do colarinho branco.

[14] A Lei 13.964/19 teve diversos pontos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro. Um destes é o trecho do PL que previa como qualificadora do crime de homicídio o emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Para o presidente, o dispositivo viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança jurídica, notadamente aos agentes de segurança pública.

Também foram vetados o trecho que triplicava a pena em casos nos quais o crime fosse cometido ou divulgado em redes sociais e dispositivo que obrigava o  encaminhamento do preso em flagrante ou provisório ao juiz de garantias para a realização de audiência com a presença do MP e de defensor público ou advogado,  sendo vedado o emprego de videoconferência. Para o governo, o trecho contraria previsão do CPP que permite a adoção de sistema de videoconferência em atos processuais de procedimentos e ações penais, além de dificultar a celeridade dos atos processuais e o regular funcionamento da Justiça.

[15] O Pacote Anticrime altera quatorze leis como o Código Penal brasileiro, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos, o Código Eleitoral e, ainda, o Código de Processo Penal Militar, a Lei de Colaboração premiada. Vide link: https://dhg1h5j42swfq.cloudfront.net/2019/12/26193400/Artigo-Pacote-Anticrime_Lei-3.964_19_Mudan%C3%A7as-Leis-Penais.pdf