Os ministros do STF e a origem do mais combativo ministro

Como sabido, o Supremo Tribunal Federal (STF) é a suprema corte brasileira, é quem tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição, nossa lei maior. Os juízes do STF, chamados de ministros, são os guardiões da Constituição. Um desses ministros foi Adaucto Lúcio Cardoso.

Adaucto nasceu em Curvelo (MG), em 24 de dezembro de 1904. Jurista, foi um dos maiores oradores de seu tempo.

Por indicação do então presidente Castelo Branco, no ano de 1967 (portanto, já durante a ditadura), foi nomeado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Lei da mordaça e o STF

Em janeiro de 1970, o regime militar, durante o governo Médici, instituiu a censura prévia de jornais, livros, revistas, emissoras e músicas pelo Decreto-lei nº 1.077, a chamada lei da mordaça. Isso foi feito contra texto expresso da Constituição de 1967, que, mesmo tendo sido Constituição outorgada pelo regime, claramente proibia a censura prévia, em seu art. 150, § 8º, que dizia o seguinte: “É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura […] A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade […]”.

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Lei da censura, ou lei da mordaça, que ia contra texto expresso da Constituição da época.

Os políticos integrantes da oposição se mobilizaram contra essa censura. Em 1970, solicitaram ao Procurador-Geral da República (PGR) que ajuizasse uma ação contra a lei da mordaça, já que, pelas normas da época, o PGR era o único que poderia levar uma ação de inconstitucionalidade diretamente no Supremo. Contudo, o Procurador-Geral da República Xavier de Albuquerque arquivou essa solicitação, não levou a questão ao Supremo. Mas a oposição recorreu desse arquivamento, levando a matéria para que o STF julgasse, na forma da Reclamação 849.

E, em 1971, essa ação foi julgada.

O julgamento

Além da questão de fundo, da lei da mordaça, discutiu-se se era legítimo que o PGR simplesmente engavetasse a solicitação, ou se ele tinha que levar a questão para o Supremo.

No julgamento, todos os ministros se recusaram a julgar a matéria de fundo, por uma tecnicalidade: afirmaram que o PGR poderia, sim, arquivar a solicitação. Mal falaram do Decreto-Lei.

Todos, menos Adaucto, que concluiu o óbvio: ninguém se arriscaria, durante os anos de chumbo, a peitar a censura da ditadura. Portanto, era papel do Tribunal exercer sua função de julgar a constitucionalidade das leis, uma vez que essa matéria chegou à Suprema Corte. Disse ele: “de janeiro de 1970 até hoje, não surgiu, e certamente nem surgirá, ninguém, a não ser o Partido Político da Oposição […], a arguir a inconstitucionalidade do decreto-lei que estabelece a censura prévia. […] Ninguém quererá se expor às represálias que tal demanda suscitará […] acredito que o Tribunal […] se esquiva de fazer o que a constituição lhe atribui, que é julgar a constitucionalidade das leis, ainda quando a representação venha contestada na sua procedência. […] é assim que entendo a missão desta Corte” .

Ou seja, face ao regime repressivo dos anos de chumbo, a única chance que o STF teria de julgar a lei da mordaça era aquela. Mas Adaucto ficou só. Vencido. Todos os outros ministros votaram contra a Reclamação, recusando-se a debater a constitucionalidade da lei da Mordaça. Um desses ministros chegou inclusive a se referir ao regime como “Governo da Revolução”.

Assim, em março de 1971, o STF se negou a julgar a lei da censura prévia, muito embora essa lei fosse claramente inconstitucional.

O ministro que deixou a toga para entrar para a história

Vencido, o Ministro Adaucto manifestou sua repulsa diante daquela decisão. Conta-se que ele se levantou e disse que os ministros envergonhavam o STF e que não eram dignos de sua convivência. Após, Adaucto tirou sua toga, jogou-a em sua curul e abandonou o Plenário. Para sempre. Para ele, a toga passou a ser um simples pano indigno, que não merecia seus ombros. Com esse gesto, Adaucto rejeitou a toga, porque a entendia subserviente ao “Governo da Revolução” a partir daquele julgamento.

Assédio de toga - ISTOÉ Independente
Magistrado de toga

Esse gesto corajoso teve grande repercussão da imprensa.

Logo após, Adaucto solicitou aposentadoria, que lhe foi concedida.

Ironicamente (ou não), o PGR Xavier de Albuquerque foi indicado pelo presidente Médici para uma vaga no STF no ano seguinte, em 1972.

Últimos anos e falecimento

Adaucto ainda voltou advogar. Em um caso famoso, defendeu a Editora Inúbia, responsável pelo semanário político Opinião, que se encontrava submetida à censura prévia, e venceu uma ação em favor da Editora.

Todavia, ele faleceu pouco depois, no Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1974.

Ao abdicar da toga e defender peremptoriamente a liberdade de expressão, Adaucto “saiu do Supremo para entrar na história”. Provavelmente, nunca mais veremos alguém repetir a atitude corajosa do ex-ministro do STF Adaucto Lúcio Cardoso.

Biografia do(a) Deputado(a) Federal ADAUCTO CARDOSO - Portal da Câmara dos Deputados
O ministro Adaucto Lúcio Cardoso

FONTES

[https://www.conjur.com.br/2012-dez-17/elio-gaspari-supremo-lembrar-adauto-lucio-cardoso]

[https://www.conjur.com.br/2014-nov-08/observatorio-constitucional-solitaria-voz-adaucto-lucio-cardoso-processo-constitucional-brasileiro][http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=87519][http://www.tribunadainternet.com.br/lembrando-o-manto-negro-de-adaucto-lucio-cardoso-que-honrava-o-supremo/]

[http://www.stf.jus.br/portal/ministro/presidente.asp?periodo=stf&id=6][http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=191][http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=028274_02&pesq=%22adaucto%22&pasta=ano%20197]