PARTICIPAÇÃO ESPECIAL

Autor: Daniel Melim Gomes. Advogado, OAB / SC  11.832, Analista Comportamental e Consultor em Marketing Jurídico e integrante da equipe da DNA Consulting.

Breves considerações sobre PNL na atividade decisória judicial.

  1. Introdução

O presente artigo tem por intuito uma modesta análise sobre a atividade decisória (com ênfase nesse ato como decorrente do cotidiano do Poder Judiciário), utilizando alguns elementos da Programação Neurolinguística – PNL.

Em quase todos os sistemas culturais existe a figura (por vezes simbólica) do juiz; de um julgador que promove a pacificação social a partir da aplicação da Justiça. São os mais variados entes que exercem tal múnus, como a matriarca ou o patriarca de uma família, o pajé de uma tribo, o chefe de uma equipe, o líder religioso numa comunidade, ou ainda, em sistemas sociais mais complexos e atuais, o próprio Juiz de Direito ou alguém investido pelo Estado, com o poder jurisdicional de proclamar e aplicar o direito. Esse personagem social é indispensável no controle e estabelecimento dos valores fundamentais de um agrupamento de pessoas ou de uma sociedade, pois apazigua conflitos interindividuais ou intersubjetivos.

A valorização dessa figura – a do julgador – pressupõe diversos parâmetros, variados conforme o contexto social em que o mesmo esteja inserido. Há indivíduos e sociedades que valorizam mais a autocomposição (o acordo) que a submissão de seus anseios ao litigio judicial. Já outras, supervalorizam a figura idolatrada e herdeira do poder Estatal, esperando dela um julgamento único e definitivo, que geralmente exprime, cumulativamente ou não, o “o que fazer”, “onde fazer”, “quando fazer”, “de que forma fazer”, “quanto fazer”, ou ainda, “o que será feito comigo”, tudo mediante um processo legitimamente constituído e desenvolvido..

Cito, como exemplo dessa última forma de valorização do julgador, a sociedade tradicional brasileira. Em geral, somos um povo pacífico. Então, na maior parte das vezes, preferimos entregar a decisão resolutória a alguém institucionalmente constituído e, por ser detentor de autoridade legal, acaba por se revestir de uma aura de autoridade moral – o juiz – do qual se espera imparcialidade, força e Justiça. Consequentemente, a sua decisão toma força legal e moral para se sobrepor acima da vontade das partes litigantes. É a cultura da prevalência do litigio sobre o embate direto (este último, com vistas a uma composição, um acordo equidistante).

  1. O que é julgar?

Qualquer ato humano é decorrente de uma atividade mental consciente ou inconsciente. Essa atividade tem origens diversas, alguns mais perceptíveis que outros, como o meio físico, a fisiologia, a construção cultural, os sentimentos, etc… O ato de julgar se insere nesse contexto. Sempre que alguém é provocado a emitir um julgamento, essa atividade decorre e se influencia por tais fatores, quer estejamos cônscios deles ou não.

“Julgar” está definido no dicionário da língua portuguesa como:

“jul·gar – 1 Decidir, resolver como árbitro. 2 Lavrar ou pronunciar uma sentença de absolvição ou condenação. 3 Formar juízo acerca de; ajuizar, apreciar, avaliar. 4 Formar juízo crítico acerca de; apreciar, aquilatar, avaliar. 5 Formar conceito sobre alguém ou alguma coisa. 6 Apreciar os próprios pensamentos, palavras e obras. 7 Conceber na imaginação; entender, imaginar, supor. 8 Ter(-se) por; considerar(-se), entender(-se), reputar(-se).” (1)

Vê-se, pois, que na amplitude do conceito do ato de julgar, já existe uma hierarquização implícita da percepção da importância do julgador!

Acompanhando a ordem eleita pelo léxico consultado, de início e prioritariamente o que se espera do juiz é a decisão final, exarada mediante uma sentença ou acórdão, ainda que pendente de trânsito em julgado para plena validade. É a manifestação indubitável da Justiça a respeito de determinada lide, produzindo no subconsciente coletivo dos jurisdicionados a crença de que o sentenciante está acima do bem e do mal; que é detentor da razão para dizer que “isto (ou este) é certo e aquilo (ou aquele) é errado”. O que se espera do juiz, enquanto indivíduos socializados, é a solução definitiva; a Justiça; a pacificação social.

Ainda em sequência na consulta acima, em segundo plano, o que se quer de um julgador é que ele forme juízo ou conceito, aprecie e avalie de forma crítica, algo ou alguém. Ora, para que o pronunciamento judicial do julgador tenha validade (inclusive legal) (2), necessário se faz que o mesmo forme um convencimento a partir de uma análise técnica e crítica dos vários aspectos que envolvem a questão sob seu julgo. Há de se sopesar o caso em sua concretude, a situação de cada uma das partes envolvidas, a legislação material e processual a ser aplicada, e, inclusive, o senso de Justiça.

Por fim, e tido pela definição linguística (brasileira) como último e mais periférico aspecto do cognato “julgar”, está o “ter(-se) por; considerar(-se), entender(-se), reputar(-se)”. Ao julgar, o autor do julgamento deve ter ciência daquilo que se passa em seu íntimo e o quanto isso é (ou não) importante no julgamento a ser realizado. “O inconsciente é um ‘contentor’ para muitos pensamentos, sentimentos, emoções, recursos e possibilidades diferentes nos quais não está prestando atenção em determinado momento” (3). Mas, mesmo de forma desapercebida, estão lá! Influenciando e alterando a característica dos pensamentos que compuseram o julgo exarado.

A referida ordem hierárquica da definição de julgar não está lá ao acaso. Tem a ver com a percepção da figura física do juiz e a glamorização e romantismo que se projeta na sua atividade.

Aqui, estamos a propor um exercício diverso: o de perceber o ato de julgamento a partir da condição humana do juiz, partindo de seu inconsciente até o julgamento prolatado.

  1. PNL e o conceito de “Mapas de Realidade”

Como dito no início, a base conceitual do presente artigo está na PNL. Longe de possível se conceituar um ramo da ciência tão amplo neste trabalho, a Programação Neurolinguística – PNL é ciência que visa o estudo do “conjunto de técnicas aplicadas sobre pensamentos, linguagem e ações, com objetivo de codificar e reproduzir a excelência nos resultados desejados” (4). Por assim entender, a PNL “diz respeito a sua experiência – como você conhece o mundo e todos que nele estão” (3). É exatamente esse o ponto que aqui nos interessa: como percebemos, codificamos, armazenamos e acessamos nossas experiências.

Nesse viés, tudo o que se passa em nosso entorno é captado pela nossa mente por meio dos nossos sentidos. Esses sentidos, são influenciados por inúmeras variáveis, construídas de forma única para cada pessoa. Assim, a realidade ocorre de forma ímpar e diferenciada para cada ser humano. Tal fato é inerente à realidade em si: o que percebemos, pode não ser a totalidade do que ocorre; o que ocorre pode não ser captado totalmente pela nossa percepção. E, vale reprisar, cada percepção é única.

Ou seja, o mundo, seus personagens e caracteres, são um amplo e inexplorado território. Nossas impressões sobre ele são o nosso mapa. Um mapa mental, construído através de impressões únicas e particulares. Tão únicas, tão particulares, que são apenas nossas… Cada um tem seu mapa próprio! Boa parte dos conflitos pessoais e sociais são causados justamente pela dificuldade em se entender a diferença de mapas. (6)

Mapa é “a representação do mundo singular de cada pessoa construída a partir de suas percepções e experiências individuais. Não é apenas um conceito, mas toda uma maneira de viver, respirar e agir”. (3)

Modificando o mapa de alguém, você modifica sua percepção da realidade. Algumas técnicas em PNL vão tão a fundo nesse conceito que podem até “modificar” o passado de alguém. (5) A realidade não é una ou única… Mas em geral temos (equivocadamente) a impressão de que a nossa realidade – ou a realidade que conseguimos perceber – é única possível.

  1. O mecanismo do julgamento

Falando de forma simplista, julgar é um exercício de considerar tese(s), antítese(s), e, a partir delas, produzir uma síntese. E tal síntese, deverá necessariamente estar dentro de um sistema de normas (legais ou não) impositivamente aplicáveis ao caso sob apreciação e às suas peculiaridades.

Em excelente trabalho literário, o jurista Alexandre Morais da Rosa afirma que “o modelo de decisão adotado pela maioria dos julgadores é incompatível com o mínimo exigido democraticamente” por considerar que “nada é evidente na fundamentação e a costura entre normas e provas deve ser feita de maneira tal que possa levar à conclusão da decisão”. (7) Se efetivamente o atual mecanismo da prolação de sentença judicial traduz a Justiça ou não, é uma matriz de considerações muito mais ampla e que foge ao escopo do presente trabalho.

De toda sorte, ao conhecer de uma tese (e/ou de sua antítese) e respectivas nuances, o julgador percebe as informações que lhe foram disponibilizadas conforme o interesse das partes, aplicando às mesmas os valores das suas percepções próprias e inatas, conforme o seu mapa mental. Seja por intermédio de petição escrita, de depoimento pessoal, de inspeção judicial, ou qualquer outro meio de cognoscibilidade, o destinatário das informações produzidas no processo tem um mapa de mundo próprio, e é este mapa que estará presente em sua mecânica mental a produzir um julgamento.

E nesse mapa mental existem algumas fórmulas prontas (em PNL denominados “filtros”, “âncoras”, “gatilhos”, dentre outros), que podem ser comparados aos algoritmos computacionais. São sequências de instruções prontas e de difícil mutabilidade, executadas automaticamente.

Por exemplo, digamos que alguém lhe peça para ordenar a sequência de caracteres a seguir: 2 – 5 – 10 – 7 – 4 – 9 – 1 – 3 – 6 – 8…. Provavelmente você terá apenas duas possibilidades de respostas automáticas (dadas de forma espontânea), a saber:

1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10; ou 10 – 9 – 8 – 7 – 6 – 5 – 4 – 3 – 2 – 1.

É que esses padrões, a despeito de tantos outros possíveis, já estão incutidos em seu inconsciente, de forma que você naturalmente os segue. E como estes, existem tantos outros padrões que diariamente exercemos em nossos comportamentos. À aplicação de cada um desses padrões em nossa prática diária, alguns convencionaram chamar de “heurística”.

“Heurísticas são atalhos de como pensamos” (7). Ao aproximarmos do julgador uma informação ou uma tese, estamos submetendo-a à(s) sua(s) heurística(s). O jurista catarinense e seu trabalho já referenciados, exemplifica algumas heurísticas que influenciam no procedimento mental do julgamento, as quais apresentaremos apenas algumas para fins de exemplo:

  1. a) Heurística da Disponibilidade: ao analisar um determinado tema processual, o quanto mais complexo o for, mais existirá a tendência de abstração de suas peculiaridades, com vistas a possibilitar a uma disponibilidade de percepção do todo. Assim ocorrendo, o caso em análise será associados a caso(s) anterior(es) com risco de supervalorização do padrão.
  2. b) Heurística da Representatividade: tendemos a entender o tema processual sob nosso jugo como um protótipo pronto, representativo de uma ideia pré-concebida. Necessariamente por estarmos diante de uma pessoa com roupa feminina, seios, maquiagem, cabelos longos, estamos diante de uma mulher? Essa representação de “mulher” é infalível?
  3. c) Ainda são citadas a Heurística da Referência; a Heurística do Enquadramento; a Heurística da Correlação Ilusória; a Heurística do Excesso de Confiança; a Heurística dos Custos Afundados; etc… (7)

Esses são apenas alguns exemplos de heurísticas e de como elas influenciam nos julgamentos humanos.

Em geral (mas nem sempre), as heurísticas ocorrem de forma inconsciente, formando uma massa de sequências lógicas que, em todos os casos, embora ignorada ou rudimentarmente descrita, é um elemento importante do comando sentencial.

Estar consciente desse processo mental, da amplitude (ou limitação) de seu mapa mental, de seus padrões de pensamento, das heurísticas que atuam quando considera os elementos do processo, torna a decisão a ser tomada mais amoldada para o caso sob análise, afastando-a da realidade do julgador e aproximando-a do caso real a ser decidido.

  1. Conclusão

“Entre o legal e o justo, deve preferir este; e, entre ser justo ou mais humano, certamente o último, por estar mais perto do verdadeiro ideal de justiça.” (Roberto Delmanto) (8)

Por traz de cada ato decisório (judicial ou não) há um ser humano. Alguém com histórias, percepções e disposições únicas. Um ser humano único, errático e contraditório como você, eu e todos nós. É desse ser que se exige a manifestação da Justiça. Mas, em um litígio onde duas partes defendem suas razões, o que vem a ser o justo?

Como visto, a definição de julgar comporta implicitamente uma hierarquização onde o aspecto menos valorizado está justamente no autoconhecimento; no autojulgamento.

Para aquele que se dispõe a julgar algo ou alguém, se o faz desejando produzir um julgamento imparcial, justo e humano, é fundamental ter o melhor conhecimento possível de seus mecanismos mentais, da abrangência e limites de seu mapa mental, das forças que estão influenciando seu pensamento, e outros aspectos diversos de sua psique no momento da labuta judicante. Não que o resultado de seu esforço não possa vir com a marca, a aparência, a digital daquele que profere a decisão. Mas ao considerar (ainda que inconscientemente) somente seu mapa de mundo, o julgador se afasta do mundo real, onde ocorreram os fatos a serem julgados e onde se clama por Justiça.

E, para aquele que se dispõe a ofertar uma matéria para ser julgada, é quase fundamental conhecer o quanto possível o mapa mental daquele que vai proferir o julgamento, o que se faz conhecendo suas manifestações sentenciais anteriores. Assim, o causídico poderá exercitar sua argumentação em heurística, aproximando-a o quanto possível do mapa mental do julgador.

Referências:

(1) Dicionário Michaelis “on line”: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=JULGAR (acesso em 20/08/2016 às 16:08h)

(2) Esse princípio sempre foi inerente ao processo judicial em si, mas, por ausência expressa de comando legal e necessidade de rapidez da atividade judicante ante a grande demanda de processos, foi sendo suprimido de forma sorrateira ao longo do tempo. O novo CPC, por exemplo, voltou a ressaltar a importância da correta e ampla análise, a ser realizada antes do comando sentencial, quando inseriu na lei processual os elementos da sentença assim colocados:

 “Art. 489. (…)

  • 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

(3) O´CONNOR, Joseph; Manual de Programação Neurolinguística; Rio de Janeiro: Qualitymark Editora; 2011.

(4) AUGUSTO, Bento; in http://www.1234voce.com.br/main/index.php/pnl (acesso em 21/08/16 às 08:09h).

(5) Vide https://www.facebook.com/melimemohr/photos/a.937530476300520/937911852929049/?type=3&theater (acesso em 02/08/19, às 22:02h)

(6) Vide https://www.facebook.com/melimemohr/photos/a.937530476300520/1462488543804708/?type=3&theater (acesso em 02/08/16, às 22:08h)

(7) ROSA, Alexandre Morais da; Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos; Florianópolis: Empório do Direito; 2016.a

(8) https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI286348,41046-O+juiz+humano (acesso em 03/08/19, às 01:03h)