CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Primariamente, os contratos de trabalho são celebrados em razão da necessidade recíproca, entre a empresa e o funcionário, de contribuição para a sustentabilidade de ambas as partes. Comumente, a doutrina destaca a relação de emprego é exercida como um vínculo de subordinação e codependência (ROMAR, 2018, p. 129).
Entretanto, é possível identificar, em contraponto a premissa anterior, que os contratos de trabalho refletem uma relação de cooperatividade recíproca: onde há o empregador, representante da empresa que necessita da mão de obra de seu colaborador, e de outra parte, há o colaborador, que possui sua expertise para oferecer ao empresário, para que seu negócio cresça, mediante o pagamento de remuneração compatível.
Assim, inclusive resgatando a premissa contratual presente no Direito Civil, onde que se presume que os contratos são celebrados com base na boa fé objetiva, (PAMPLONA, STOLZE, 2017, p. 385), igual raciocínio pode ser aplicado aos contratos de trabalho previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas.
Desta forma, vislumbra-se que os contratos de trabalho não se iniciam com prazo de validade para serem rescindidos, salvos as hipóteses de contrato de trabalho por prazo determinado ou temporário ou por obra certa, que são espécies menos comuns que os contratos de trabalho por prazo indeterminado.
Contudo, há uma etapa destes contratos de trabalho que ainda causa muitas dúvidas, qual seja, o momento da rescisão do contrato de trabalho. E sobre um destes pontos obscuros que buscaremos esclarecer neste artigo.
POR QUE OS CONTRATOS DE TRABALHO SÃO RESCINDIDOS/EXTINTOS?
Diversos são os motivos que geram a extinção do contrato de trabalho. Na realidade laboral brasileira, é possível identificar desde o simples fator financeiro para a dispensa de um funcionário até a mais reprovada conduta de dispensar alguém por motivo considerado discriminatório.
Entretanto, independente da motivação que tenha dado causa a rescisão do contrato de trabalho, as modalidades de extinção do contrato de trabalho estão todas previstas na CLT, não havendo como “inovar” ou criar uma espécie nova não prevista em lei.
No máximo, é possível conciliar os termos de cumprimento das obrigações legais para a satisfação dos créditos trabalhistas que deste ato decorrem, como veremos neste tópico.
Conforme leciona Carla Tereza (2018, p. 574): as modalidades de extinção do contrato de trabalho podem ser dar em razão de ato do empregador, por iniciativa do colaborador, mediante acordo entre estas duas partes e até mesmo por motivos externos à relação de trabalho, comumente considerado por motivos de força maior ou caso fortuito.
Contudo, o ponto comum dentre todas as modalidades é a intenção de não ser dada continuidade aquele vínculo empregatício outrora estabelecido, independentemente do motivo causador desta rescisão.
Assim, cabe analisar cada uma destas modalidades sob uma ótica prática para que seja desmistificada as compreensões existentes acerca destas espécies de rescisão do contrato de trabalho.
ENTÃO QUAIS SÃO AS FORMAS DE RESCINDIR O CONTRATO DE TRABALHO?
Inicialmente, registra-se que cada modalidade de rescisão de contrato de trabalho gera a obrigação ao empregador de pagar um diferente rol de verbas rescisórias de uma modalidade para outra, mas para todas elas são comuns as seguintes verbas: saldo de salário, férias proporcionais, 13º proporcional, aviso prévio – se for indenizado.
Se o contrato tiver mais de um ano, é possível que surja o pagamento de um ou mais períodos de férias com o acréscimo de um terço previsto na Constituição Federal, de um período de décimo terceiro integral também.
Por fim, salvo nas rescisões por justa causa e por pedido de demissão, nas demais modalidades há o pagamento de multa sobre o saldo do FGTS em 40% e também a emissão do saque do saldo total dos depósitos efetuados.
Contudo, uma questão que transcende os valores rescisórios que acaba gerando conflitos de interesses entre empresas e ex-colaboradores são justamente a aplicação de cada modalidade de rescisão do contrato de trabalho, uma vez que há uma percepção turva acerca de cada uma delas.
Desta forma, passa-se a fazer uma releitura de cada uma delas.
Da dispensa sem justa causa
A principal característica da dispensa sem justa causa é que se trata de um ato de vontade do empregador, do qual o colaborador não possui participação ou manifestação de vontade para se concretizar e validar o ato. Nesta hipótese, a única coisa que depende é da ciência do colaborador para que se consolide o fim do contrato.
Atualmente, em razão das alterações trazidas pela Reforma Trabalhista, a rescisão do contrato de trabalho não comporta qualquer tipo de intervenção por parte de autoridade pública, sindicato, pois trata-se de uma declaração unilateral, apenas basta que uma pessoa se manifeste para ser válido.
Considerando que a hipótese de a rescisão ter sido paga corretamente e respeitados os demais princípios basilares, não há do que se opor diante da emissão da rescisão emitida.
Entretanto, considerando os aspectos destacados acerca da reciprocidade e cooperação do contrato de trabalho, quando estamos diante de uma rescisão de contrato de trabalho, sem justa causa, na prática, estamos diante de uma situação em que a empresa não mais necessita da prestação de serviços realizada pelo ex-colaborador.
O equívoco surge neste instituto em razão do caráter protecionista e paternalista do direito do trabalho, uma vez que ao ser dispensado sem justa causa, o ex-colaborador poderá ser habilitado no programa de seguro desemprego, receberá a multa de 40% do saldo total do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e poderá sacar a totalidade dos depósitos do FGTS.
Além do equívoco da frustração de ser demitido, por não ser mais necessário aquele posto de trabalho ora ocupado, as falsas benesses do seguro desemprego e dos valores de FGTS criam uma falsa ilusão de “bonificação” por ser dispensado, o que gera, em diversos casos, a postura de colaboradores que buscam ser “demitidos” e não pedir demissão das empresas.
Esta mentalidade, acaba por criar um movimento de desempregados profissionais: onde o colaborador busca um vínculo empregatício apenas para cumprir a carência mínima do seguro desemprego e, por consequência, receber os valores do FGTS.
Entretanto, tal postura deturpa a finalidade destes dois institutos: enquanto que o seguro desemprego é uma garantia pecuniária temporária instituída por lei para que o colaborador consiga se restabelecer no mercado e trabalho, o FGTS surge como um “abono” compensatório ao colaborador, pelo tempo de trabalho dispensado àquela empresa.
Isto, pois, os contratos de trabalho por tempo indeterminado não nascem com prazo de validade: presume-se que a correta utilização deste recurso humano gere o crescimento na empresa e, consequentemente, a empresa cresça e ganhe escala, proporcionando o crescimento também de seus colaboradores.
Todavia, esse engessamento de se utilizar destes benefícios legais para se sustentar provisoriamente, cria uma massa de ex-colaboradores sem perspectiva profissional, onde o crescimento profissional e consequentemente dos negócios, fiquem limitados ou inexistentes.
Assim, a má compreensão do instituto da rescisão da dispensa sem justa causa fica estabelecido e mais colaboradores acreditam “ter o direito” de serem dispensados para fazer fruição dos elencados.
Dispensa com justa causa
Esta modalidade de extinção de contrato de trabalho é a mais grave e complexa de aplicação, pois ela será aplicada quando houver a ocorrência de uma falta grave que torna insustentável a continuidade do contrato de trabalho vigente, nos termos do artigo 482 da CLT.
As hipóteses previstas na CLT são taxativas. O rol de penalidades que autorizam a aplicação da justa causa são limitadas, não entendendo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria, por aplicação extensiva de outras hipóteses não abrangidas no referido artigo.
A aplicabilidade deste instituto é de tamanha complexidade que, a depender da causa geradora desta dispensa é necessária a progressão de aplicação das penalidades, para que se alcance, por fim, a rescisão por justa causa contra o empregado. Isto decorre do entendimento de que, na maioria dos casos, a aplicação da penalidade da justa causa se trata de uma medida desproporcional ao empregado.
A progressão, em termos práticos, proposta é de aplicar-se advertência, medida de suspensão e por fim, diante da hipótese de reincidência de conduta reprovada, a aplicação da rescisão por justa causa.
E neste caso, as empresas precisam se atentarem para uma das hipóteses previstas: a do estado de embriaguez habitual. Ressalvados os cargos em que é imprescindível a sobriedade, conforme determinação legal ou em razão da particularidade da profissão, a jurisprudência pátria possuía a compreensão de que a aplicação da dispensa por justa causa a funcionário em estado de embriaguez deve ser reconsiderada.
Esta compreensão surgiu em razão de recentes decisões dos tribunais regionais de que, durante a vigência do contrato de trabalho, se a empresa identifica que seu colaborador apresenta estado de embriaguez habitual, a medida adequada para ser aplicada a este funcionário é a de encaminhá-lo para receber a assistência médica adequada, quiçá sendo afastado previdenciariamente, e não ser dispensado por justa causa.
Desta forma, a dispensa por justa causa representa uma situação onde se torna intolerável a continuidade da prestação de serviços celebrada por contrato de trabalho, em razão de uma postura inadequada do ex-colaborador, não devendo a empresa aumentar o risco de seu empreendimento com um ponto de improdutividade em sua empresa.
Do pedido de demissão
Esta modalidade consiste na manifestação de vontade do empregado em não continuar com o contrato de trabalho ora celebrado. Nesta hipótese, o colaborador manifesta a sua iniciativa em não mais prestar seus serviços para a empresa contratante. Ele é quem possui a autonomia de se desligar da empresa empregadora.
Entretanto, esta modalidade possui uma má compreensão no aspecto da manifestação da vontade: se o empregado não mais possui intenção de permanecer laborando para determinado empregador, é dele o interesse em rescindir o contrato, não devendo inverter este ônus e exigir que a empresa provoque uma dispensa sem justa causa.
Se a empresa não emitiu aviso prévio para dispensá-lo sem justa causa, entende-se que aquele contrato de trabalho ainda é de interesse da empresa de ser continuado. Entretanto, se o colaborador não mais possui interesse na continuidade daquele vínculo, é dele o ônus de rescindir o contrato de trabalho.
Entretanto, como destacado no tópico da dispensa sem justa causa, em razão dos valores de FGTS e do benefício assistencialista do seguro desemprego, os colaboradores acabam criando uma postura muito comum de inverter este ônus: de querer ser dispensado (sem justa causa) para que possam se habilitar no programa de seguro desemprego e receber os valores de FGTS, criando uma onerosidade desproporcional e injusta aos empregadores.
Deste modo, a incompatibilidade deste instituto reside no aspecto de que o colaborador busca inverter a responsabilidade onerosa de pedir demissão, travestindo em dispensa sem justa, apenas para ser beneficiado pelos direitos destacados anteriormente. Nesta hipótese, o colaborador é quem não possui mais interesse em continuar com o vínculo de contrato de trabalho vigente.
Rescisão por mútuo acordo
Trazida pela alteração da Lei 13.467 de 2017, o artigo 484-A da CLT prevê a rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo. É uma medida menos onerosa para os empregadores, uma vez que ficam obrigados a pagar apenas metade da multa do saldo de FGTS e o empregado poderá levantar até 80% do fundo de garantia, mas sem poder se habilitar no seguro desemprego.
É possível destacar que nesta hipótese de rescisão, a legislação veio como reflexo da cultura da dispensa sem justa causa provocada: onde o colaborador provoca que a empresa emita a sua dispensa, ao invés de ter a iniciativa de pedir sua demissão. Para tanto, note que ser dispensa por mútuo acordo não gera direito ao colaborador de se habilitar no seguro desemprego.
O benefício de seguro desemprego surgiu como garantia temporária ao desempregado de conseguir se reestabelecer no mercado de trabalho – não necessariamente como assalariado – mas para que continuasse a sua jornada profissional e produtiva.
Assim, esta inovação surge como uma alternativa menos onerosa e mais conciliatória quando há um conflito de interesses na continuidade da vigência do contrato de trabalho.
E a homologação de Acordo extrajudicial trabalhista?
O artigo 855-B da CLT prevê procedimento de pagamento de verbas trabalhistas, independentemente de serem rescisórias ou contratuais, por meio de acordo extrajudicial. Neste procedimento, o magistrado apenas validará o acordo celebrado entre empresa e funcionário, onde estarão previstos os valores e condições de pagamento.
Neste procedimento há uma facilidade de não precisar ter audiência para ser homologado, bastando que o magistrado se manifeste em um prazo de trinta dias pela homologação ou não do referido acordo protocolado.
Entretanto há que se atentar para alguns requisitos: é necessário que cada parte conciliadora esteja representada por seu respectivo advogado e caso o colaborador queira ter assistência do sindicato de sua categoria, poderá, mas neste ponto o sindicato não é prescindível para a validade deste acordo celebrado.
Nesta hipótese, surge uma ferramenta de quitação alternativa de verbas trabalhistas para as empresas, de modo a evitar um possível passivo trabalhista desnecessário e oneroso para o empreendimento.
Desta forma, tal inovação torna-se benéfica pra a parte credora trabalhista e devedora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito há que se avançar, tanto na mentalidade brasileira no que tange à sua compreensão das medidas legais previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas quanto na sua postura mais conciliatória e menos contenciosa, onde que a Justiça do Trabalho deixa de ser uma regra para a resolução de conflitos e passa a ser uma exceção.
Contudo, há que se vislumbrar que a adequada compreensão dos institutos jurídicos e dos fenômenos inerentes aos contratos de trabalho auxiliam mais no amadurecimento das relações de trabalho, afastando, assim, margem improdutiva da população.