Geralmente quando tratamos sobre o crime de falsidade ideológica, o que vem à mente das pessoas é um indivíduo que altera documentação se fazendo passar por outra pessoa, quando na verdade, essa conduta descrita trata-se do tipo penal de falsa identidade (art. 307, do Código Penal- CP) e não falsidade ideológica (art. 299, CP).
No crime de falsidade ideológica o sujeito pretende alterar a verdade dos fatos de relevância jurídica, criar obrigações, ou, prejudicar direitos, por uma fraude de informações em documentos públicos ou privados. Essa fraude se dá pela inserção de uma falsa declaração, ou, pela omissão de dados que essencialmente deveria constar.
Como resultado da conduta, a pena descrita para o delito varia de acordo com o fato: Caso o documento alterado seja público, a pena é de reclusão de 1 a 5 anos e multa; sendo o documento de natureza particular, a pena é de reclusão de 1 a 3 anos e multa.
O parágrafo único do art. 299 do CP traz um agravante. Caso o crime tenha sido praticado por um funcionário público, seja alterando assentamento de registro civil (certidão de nascimento, casamento, óbito e assim por diante) ou em prevalência do cargo, a pena é aumentada em 1/6.
A partir do momento em que o indivíduo insere uma declaração falsa ou omite informação essencial em documento particular ou público, o crime de falsidade ideológica está concretizado, mesmo que não tenha propriamente prejudicado direitos, criado obrigações ou alterado a verdade dos fatos, o intento de provocá-los, em conjunto com a ação ou omissão, por si só configura o delito.
Talvez o ‘‘click’’ da relação do crime de falsidade ideológica com o auxílio emergencial já tenha surgido em sua mente, então prosseguiremos.
Desde o mês de abril de 2020 o Governo Federal liberou o valor de R$ 600,00 para a população, tendo em vista a pandemia do vírus denominado de COVID-19, que impediu parte da população de exercer o labor.
Todavia, para que o benefício assistencial seja aprovado, existe uma lista de requisitos para o cidadão, como: ser maior de 18 anos; estar desempregado ou exercer atividades na condição de trabalhador informal, microempresário, contribuinte da previdência social; a renda familiar não pode ultrapassar 3 salários mínimos ou 0,5 salário mínimo por pessoa, dentre outros vários requisitos, inclusive para o recebimento de quantia de R$1200,00.
A forma em que o Governo Federal encontrou para cadastrar e, consequentemente liberar os valores a população, se deu por meio de um software. Para isso, basta que a pessoa baixe o aplicativo em seu Smartphone, inclua seus dados na plataforma por meio de uma auto declaração e aguarde a aprovação.
Desde o início do cadastramento as pessoas têm relatado nas redes sociais situações de sujeitos que solicitam o benefício sem ao menos cumprir os requisitos legais. E espantem-se, ou não, recebem aprovação.
Em relação a esse fato, qualquer informação que tenha sido incluída falsamente na plataforma de dados do Governo Federal ou omitida pelo sujeito solicitante do benefício, pode ter a conduta tipificada como crime de falsidade ideológica, mesmo que o benefício não tenha sido depositado em sua conta bancária, ou ainda, nem tenha ao menos sido conferido o status de aprovado.
Tá, mas e se o sujeito que utilizou informações falsas ou que omitiu declarações recebeu valores? Nesse caso, estaremos diante do delito de estelionato, não mais falsidade ideológica. Vejamos:
O art. 171, CP diz que aquele sujeito que obtém vantagem ilícita para ele ou para outrem, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, seja mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, pratica o crime de estelionato.
O que o diverge o estelionato da falsidade ideológica?
O crime de estelionato é um crime de resultado, dessa forma, deve haver uma efetiva vantagem ilícita. Em menção ao auxílio emergencial, o recebimento da quantia disponibilizada pelo Governo é que caracteriza a ilicitude, o que diverge do crime de falsidade ideológica, que basta tão somente a inclusão ou omissão de informação no banco de dados federal.
Em relação a pena dos delitos, tanto o crime de falsidade ideológica na fraude de documento público, quanto o crime de estelionato, possuem pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa. Contudo, no caso do estelionato ser cometido contra a assistência social (estelionato previdenciário) o § 3º do art. 171 aumenta a pena em 1/3.
Outra situação em relação ao estelionato está exposto no § 1º do art. 171, diz que sendo o réu primário e, sendo a quantia pequena, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3, ou aplicar somente a pena de multa. O que é uma grande vantagem, já que o regime fechado não pode ser o iniciador na pena de detenção. Além disso, a possibilidade de aplicar somente a pena de multa facilita e muito a vida do réu.
Lembrando que por se tratar de crime onde há interesse da União, a competência para julgar o delito, seja de estelionato ou falsidade ideológica, é da Justiça Federal.