Batalha silenciosa
Decana da Suprema Corte, fragilizada pela idade e pelos recorrentes problemas de saúde, aos 87 anos Ruth Bader Ginsburg é a fiel da balança no equilíbrio político da mais alta Corte do país.
Composta por nove juízes associados, dos quais um é designado presidente, a Suprema Corte dos Estados Unidos é o mais alto Tribunal do país. Os nomeados costumam manter uma linha ideológica firme, permitindo que se trace uma linha ideológica clara na composição do tribunal, e do resultado dos casos levados a julgamento.
Hoje de maioria conservadora, a formação corrente conta com os liberais Stephen Breyer, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ruth Bader Ginsburg; e com os conservadores Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e John Roberts, atual presidente da Corte.
Com a morte repentina do ultraconservador Antonin Scalia, o equilíbrio poderia ter se alterado a favor dos liberais. Então presidente, Barack Obama indicou, em 16/03/2016 Merrick Garland para a vaga.
Num movimento sem precedentes, no entanto, o Senado, de maioria Republicana, se negou a votar a indicação de Garland. Com a derrota de Hillary Clinton para Donald Trump no mesmo ano, a indicação de Garland caducou, e em janeiro de 2017, logo após ser empossado, Trump indicou Neil Gorsuck para a vaga de Scalia, sendo aprovado pelo Senado.
Quando anunciou a aposentadoria em 2018, Anthony Kennedy permitiu que Trump efetuasse a segunda indicação de seu mandato, tendo apontado Brett Kavanaugh para o cargo vago.
Em meio a uma série de críticas oriundas de denúncias de estupro, Kavanaugh foi aprovado pelo Senado em 06 de outubro de 2018 por 50 a 48, a menor margem de aprovação de um indicado à Suprema Corte em mais de meio século.
Ainda assim, mesmo com tendência conservadora, existe certo equilíbrio em função das posições liberais adotadas pelo presidente da Corte, John Roberts. Conservador indicado por George W. Bush, Roberts se tornou mais progressista ao longo dos anos, passando a ser o chamado swing vote. Esta posição já coube antes dele, por exemplo, a Anthony Kennedy e Sandra Day O’Connor, todos indicados por republicanos por suas posições conservadoras, e que se tornaram mais liberais em algumas questões ao longo dos anos na Corte.
Neste contexto, a possibilidade de nomear um terceiro juiz para a Corte daria à Trump e aos Republicanos a oportunidade única em uma geração de solidificar a maioria conservadora estabelecida. Num colegiado composto por nove, uma maioria conservadora de 6-3 seria trágica para os liberais. As implicâncias de algo de gênero são imensuráveis, e perdurariam por gerações.
O temor dos liberais e progressistas é que uma Corte predominantemente conservadora se empenhe em reverter políticas sociais já estabelecidas relativas ao aborto, uso medicinal da cannabis, união civil homossexual, entre outros avanços de espectro progressista conquistados nas últimas décadas.
O recém-chegado Kavanaugh, por exemplo, dá mostras de querer levar a julgamento uma proposta de ampliação do entendimento referente à Segunda Emenda, ampliando a posse de armas de assalto e rifles.
Enquanto no Brasil, por exemplo, os ministros do Supremo Tribunal Federal tem a aposentadoria compulsória aos 75 anos, fruto da emenda constitucional 88/2015, lá não existe idade limite para o exercício do cargo, verdadeiramente vitalício. Os mais jovens da Corte, indicados por Trump, tem 52 e 55 anos, com uma expectativa natural de permanecerem no cargo por décadas.
Daí a importância que se dá, e que de fato tem a saúde de Ginsburg neste momento específico da história americana. Convalescente de um câncer recorrente, com problemas cardíacos, costelas fraturadas e infecções, a juíza teve reiteradas idas e vindas hospitalares em 2020.
Uma morte que não se poderia chamar de precoce neste contexto, diante de tantas complicações, ou uma aposentadoria forçada em face do agravamento de qualquer destes problemas seria uma catástrofe imensurável para os democratas, que se veem na expectativa de retomar o senado enquanto crescem as apostas na derrota de Trump diante de Joe Biden. Os próximos meses guardam mais de um desfecho relevante na política norte-americana.