Era Vargas e o Direito brasileiro
Resumo: Inegavelmente a Revolução de 1930 foi impactante para a ordem jurídica brasileira, particularmente, quanto ao surgimento de direito administrativo autônomo, com a adoção de elementos de racionalização e profissionalização da Administração Pública. A revolução promoveu no aparato do Estado, o surgimento de um Brasil moderno, e foi quando o direito administrativo experimento notável progresso e fortalecimento, principalmente com a necessidade de normatização de novas funções do governo.
Palavras-chave: Revolução de 1930. Governo Provisório. Intervencionismo estatal. Administração Pública. Getúlio Vargas. Direito Administrativo.
As inovações mais significativas se deram durante o período do Governo Provisório (1930-1934), com a Constituição de 1934 consagrando as mudanças que o novo regime logo se apressou em promover. Fiel ao ideário do movimento, o texto constitucional previa expressamente a extensão da atividade do Estado no âmbito socioeconômico, tendo sido a primeira Constituição brasileira a dispor de um título inteiramente dedicado à ordem econômica e social (Título IV).
Assinalou Bonavides (1991), foi a Carta que fez surgir o Estado Social brasileiro, na busca de superação das premissas que o Estado Liberal abstencionista gerou na ordem social e econômica.
Com o paradigma do Welfare State [1]o que levou o Estado ampliar em muito seu raio de atuação. E, desde o século XIX, houve ampliação estatal, para proteger a economia interna, regular seu funcionamento, administrar a luta de classes sociais e exercer o controle social.
Nesse contexto, o incremento da burocracia do Estado moderno e a ampliação de sua atuação administrativa, gerando a mudanças na vida social, levaram o surgimento de grande massa de novas normas, impulsionando um refuncionalização do Direito Administrativo vigente, alterando-o para servir a um Estado interventor cada vez mais presente, atuante e visível.
Em nosso país, o direito administrativo que vigorava no período do Império e da República Velha, ressentia-se da inexistência ou ainda da incipiente existência de uma estrutura administrativa burocrática que possibilitasse a manifestação do Estado como ente regulador da vida social.
Nesse sentido, o direito administrativo atuou basicamente como fundador e organizador da estrutura do Estado brasileiro, tendo função acessória ao direito constitucional. Diferentemente do papel que desempenhava na Europa, que era o de organizar juridicamente o exercício do recém-criado poder administrativo.
A Proclamação da República em 1889 proporcionara a organização de uma incipiente estrutura administrativa regida, em grade medida, por normas do direito privado. Prevalecendo uma lógica estatal mínima, onde a presença do Poder Público só se fazia sentir de forma pontual e acessória.
E, com a Revolução de 1930 que se criou, no Brasil, uma Administração Pública institucionalizada e um direito administrativo autônomo que foi aos poucos perdendo apego aos princípios do common law que tanto caracterizou o direito na Primeira República até se firmar tomando como modelo básico o direito administrativo francês.
O direito administrativo francês foi de grande influência principalmente no que se refere à teoria dos atos administrativos, ao atributo da autoexecutoriedade, à responsabilidade civil do Estado, ao conceito de serviço público e às prerrogativas da Administração, mediante as quais lhe foi atribuído um regime jurídico próprio, derrogatório e exorbitante das normas de direito comum.
O clímax desse momentum foi a Constituição brasileira de 1934, inspirada na Constituição alemã de Weimar de 1919 e na Constituição espanhola de 1931[2], que consagrou o constitucionalismo social, aderindo ao seu texto os direitos que a Era Vargas bem institucionalizou mediante a profusão de atos administrativo de cunho normativo, particularmente, os decretos.
A construção do Estado Social brasileiro6, no bojo das transformações levadas a cabo pela Revolução de 1930, responde pelos principais avanços experimentados pelo direito administrativo na realidade nacional.
Em face das exigências de regulamentação da sociedade e da economia, a edição de normas de caráter administrativo se fazia necessária para que o projeto intervencionista e centralizador fosse desenvolvido.
Tais normas é que deram sustentação ao papel que o Estado, como ente catalisador das mudanças, passou a promover na ordem política, econômica e social.
Nessa linha de raciocínio, este texto analisa inicialmente a conjuntura que fez eclodir a Revolução de 1930 e o protagonismo que o Executivo passou a exercer na criação do aparato normativo da estatalidade nacional.
Examina, depois, o arranjo institucional concebido pela Constituinte de 1934 para discorrer, ao final, sobre os variados instrumentos legais produzidos pelo Governo Provisório, de forma a constatar sua decisiva contribuição à obra de edificação do novo modelo de Administração Pública que se firmou naquele período histórico.
Para tanto, utiliza-se de diferentes referenciais teóricos de juristas e historiadores da matéria, além de se deter no escrutínio dos diplomas legais que deram um impulso modernizador ao direito administrativo.
Entende-se que o movimento de 1930 representou uma reação ao fracasso do liberalismo da República Velha, incapaz de realizar o projeto de um Estado racional-legal eu, conforme as lições emanadas da experiência norte-americana, propunha uma arquitetura institucional na qual o indivíduo-cidadão participaria do poder e o limitaria por meio do voto.
A força do poder privado e a fraqueza da esfera pública; as carências do povo na área da educação e da saúde; a economia rural ineficiente e pouco produtiva; o atraso, enfim, do qual o país era refém, era visto como obstáculo à realização da proposta de um Brasil liberal desenhado pela Constituição de 1891 e pactuado pela anacrônica fórmula da política dos governadores.
Três revoltas tenentistas prenunciaram o fim da República Velha e a deflagração da Revolução de 1930: a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, a Revolta Paulista de 1924 e a Comuna de Manaus, também de 1924.
Em todas elas, as reivindicações gravitavam em torno da implantação do voto secreto, de reformas no ensino público, do fim da corrupção e da destituição das oligarquias cafeicultoras de São Paulo e Minas Gerais que dominavam a política nacional.
O fracasso desses movimentos não impediu que os militares revoltosos se reunissem, depois, na Coluna Prestes, que durante dois anos (de 1925 a 1927) percorreu treze estados brasileiros ao longo de 25 mil quilômetros, buscando levantar a população contra a ordem política vigente, em uma verdadeira guerra de movimento.
A insatisfação e instabilidade que açodava os quarteis e a cena político-institucional formou-se a Aliança Liberal, coligação oposicionista que lançou Getúlio Vargas a presidente nas eleições de 1930.
As propostas da Aliança reproduziam, em grande medida, as reivindicações dos movimentos tenentistas, incluindo, ainda, a anistia dos tenentes insurgentes, a garantia da independência do Poder Judiciário, com a designação de magistrados para a presidência das mesas eleitorais, e a adoção de medidas econômicas de caráter protecionista que ampliassem o leque dos produtos de exportação para além da monocultura do café.
Particularmente a partir do pós-guerra e da Grande Depressão de 19298 ocorreu em diversos países e, entre os intelectuais que refletiam sobre o Brasil de então, como Azevedo Amaral, Oliveira Vianna e Francisco Campos, um afastamento, mais ou menos radical, do paradigma clássico de Estado liberal.
A crise de 1929 afetara profundamente a estrutura econômica brasileira, com a baixa dos preços do café e a retração do mercado consumidor, que justificou a necessidade de o governo atuar como agente regulador, no esforço pela industrialização e pela diversificação do setor produtivo (Albuquerque, 1981).
Entretanto, para além do aspecto econômico-financeiro, o Estado Liberal era considerado, mera ficção, tal como o eram os procedimentos a estes associados, tais como eleições, partidos e Parlamento.
Em manifesto de maio de 1930, Luiz Carlos Prestes, o mais emblemático líder do movimento tenentista, diagnosticava que “uma simples mudança de homens, um voto secreto, promessas de liberdade eleitoral, de honestidade administrativa, de respeito à Constituição e moeda estável e outras panaceias, nada resolvem”9.
Na sua intelecção, era “irrisório” falar em liberdade eleitoral quando não havia independência econômica, e assim “o governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só podia ser o que aí temos: opressão política e exploração impositiva” (Prestes, 1930).
No outro lado do espectro político, Oliveira Vianna, expressando o ambiente conturbado da década de 1920, também manifestara seu desencanto com o funcionamento da “República Nova”. Em O ocaso do Império. de 1925, dizia que o regime instaurado em 1889 “não deu nenhuma satisfação às nossas aspirações democráticas e liberais: nenhuma delas conseguiu ter realidade dentro da organização política vigente” (VIANNA, 2006).
Quando do centenário da Independência, em 1922, quando se deu o traslado, de Portugal para o Brasil, dos restos mortais de Dom Pedro II, houve protestos republicanos, mas, como diz José Murilo de Carvalho, também republicanos desencantados passaram a avaliar o que havia de positivo no antigo regime.
Os festejos da Independência se deram com pompa, “mas não sem manifestações voltadas para a necessidade de republicanizar um regime já tido, mesmo por republicanos, como corrompido” .
Enfim, nosso país não enxergava alternativa que congregasse um significativo número de opiniões e as tendências políticas eram imprecisas e indeterminadas e, não havia como saber qual forma de governo deveria prevalecer. Assim, havia certa tendência ao retorno do regime parlamentar, com havia certa tendência de retorno do Poder Moderador[3].
E, existia certa tendência para estabelecer restrições à autonomia estadual, como para uma maior extensão dos poderes federais. Mesmo nos pequenos movimentos para o socialismo alemão, como até mesmo para o bolchevismo russo. E, nesse contexto de decepção, o ideal republicano era mero ideal vago, insulado num recanto de consciência nacional, com um raio de ação muito reduzido.
Tanto quanto os tenentes revoltosos viriam depois proclamar, Vianna entendia que formas de governo, instituições constitucionais, República, Democracia, tudo isto representava abstrações que transcendiam de muito o alcance da mentalidade primitiva das massas populares.(Vianna, 2006, p.89).
Vigorou um federalismo falso, corrompido pelos chefes políticos estaduais que encenavam simulacro de disputas eleitorais. De um presidencialismo disforme e de um liberalismo que não se situava no aparelho político-estatal e não gerara melhorias na ordem social. De um Estado que tinha um caráter acentuadamente patrimonialista, no qual a esfera pública se confundia com a esfera privada.
Como acentua Ângela de Castro Gomes (2005), visando vencer o artificialismo político republicano que postulava normas consideradas inaplicáveis à realidade brasileira e, em o fazendo, combater o arbítrio expresso no caudilhismo e em seus derivados – o clientelismo e o personalismo da organização política de então –, a Revolução de Trinta apresentou a centralização do Estado como o caminho capaz de levar o país para a nacionalização e a modernização.
Para além do desmantelo da cúpula governante, se fazia necessário tocar nas bases socioeconômicas do poder, alterando os elos locais de domínio, enfraquecendo o comando dos fazendeiros e industriais para “libertar” as camadas média e popular que não encontravam mecanismos próprios para se expressar e influenciar a conjuntura política.
No bojo do discurso que fez em 2 de janeiro de 1930 na Esplanada do Castelo, Rio de Janeiro, na condição de candidato à Presidência pela Aliança Liberal, Getúlio Vargas defendeu enfaticamente o voto secreto, a educação pública e a necessidade de leis trabalhistas. Advogou o alistamento compulsório de todos os alfabetizados e a entrega do processo eleitoral a uma magistratura federal togada, como condição para se impedir a fraude e se alcançar uma “genuína representação popular” (Vargas, 2011).
Entendia Vargas ser dever do Estado “acudir ao proletário com medidas que lhe assegurem relativo conforto e estabilidade e o amparem nas doenças como na velhice”.
Para isso, o governo central e os dos estados deveriam coordenar esforços visando a adoção de um “Código do Trabalho” no qual tanto o proletariado urbano como o rural disporiam de “dispositivos tutelares” compreendendo medidas no campo da educação, higiene, alimentação, habitação; a proteção às mulheres, às crianças, à invalidez e à velhice, assim como o acesso do trabalhador ao desporto e à cultura artística (Vargas, 2011). No discurso, o candidato defendeu ainda a instituição, por lei, do salário-mínimo e da obrigatoriedade de férias anuais.
Raymundo Faoro (2000) assinala que o discurso histórico que precedeu a Revolução se deteve, de forma particular, em dois aspectos: o desenvolvimento econômico e a questão social. Ressaltando a importância de se estimular a produção agrícola nacional e de superar as incertezas da indústria nascente com um Estado economicamente forte, Vargas propunha a superação da dependência de importações e a necessidade de incrementar a produção local como caminho para emancipar o país. Isso seria feito com recursos próprios, com a remodelação do Banco do Brasil, com a defesa da produção do café, do açúcar e de outros produtos da pauta de exportações, visando o equilíbrio da balança comercial e a estabilização do valor da moeda.
O programa da Aliança Liberal defendia que os problemas sociais deveriam ser enfrentados por mecanismos estatais, mas, como lembra Faoro (2000), não com o intuito de tocar nos alicerces sobre os quais repousava a estrutura social, e sim para pacificá-los, domando-os entre extremismos, com a reforma do aparelhamento, não só constitucional, mas político-social.
As mudanças deveriam ocorrer sem estimular a “índole vulcânica” das camadas médias e populares, daí “a necessidade de um Estado orientador, alheado das competições, paternalista na essência, controlado por um líder e sedimentado numa burocracia superior, estamental e sem obediência a imposições de classe” (FAORO, 2000).
A centralização é abordada, aqui, em sua perspectiva política, de um Estado robustecido e capaz de manter sob controle os serviços e as políticas públicas. Esse conceito de centralização política não se contrapõe à proposta de descentralização administrativa levada a efeito na
Era Vargas, com o repasse de vários serviços e atividades para entidades administrativas dotadas de personalidade jurídica própria, as quais passam a desenvolver tais serviços de forma autônoma e descentralizada. Pode-se falar, assim, que a Era Vargas foi marcada por um forte movimento de centralização política que convivia com uma dinâmica de acentuada descentralização administrativa.
O salário-mínimo (regionalizado) foi instituído pela Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936, cujo art. 1º assim dispunha: “Todo trabalhador tem direito, em pagamento do serviço prestando, num salário-mínimo capaz de satisfazer, em determinada região do País e em determinada época, das suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”.
No que tange às férias anuais, embora tal direito estivesse previsto desde 1925 (Lei nº 4.982, de 24 de dezembro de 1925), ele não era exercido em sua plenitude. Pelo Decreto nº 19.808, de 28 de março de 1931, Vargas suspendeu a Lei nº 4.982/1925 e seu respectivo regulamento e estabeleceu nova modalidade para a concessão de férias a operários e empregados dos estabelecimentos comerciais, industriais e bancários.
Ainda que a Revolução de 1930 não tenha levado à completa superação do sistema oligárquico vigente, não há como desconhecer que a argúcia e a capacidade de manobra de Vargas o levaram, uma vez no poder, a dirigir um processo de transformações ao mesmo tempo econômico, social e político, no qual buscou conciliar o interesse da nascente burguesia industrial com os das oligarquias rurais, dos militares e dos trabalhadores.
Com um regime de economia dirigida, sobretudo através do controle do comércio exterior, e um expressivo desenvolvimento industrial que buscava a diversificação das atividades econômicas e o rompimento da dependência do país, o Governo Provisório se ancorava nos ambientes operários fortalecidos por uma política sindical paternalista e corporativista, no que conseguiu conceder aumentos reais de salário e um modesto, porém consistente, incremento da política de distribuição de renda (DONGHI, 1976).
Num amontoado impreciso de tendências e facções, a espinha dorsal do modelo surgido com a Revolução de 1930 foi, como visto, o elemento militar, ancorado na vanguarda dos tenentes (FAORO, 2000).
Para João Mangabeira (1941), um dos integrantes da Comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da Constituição, o Movimento de 1930 comportava uma grande variação de tendências, “em cujo leito desaguavam correntes partidas de pontos opostos”, abrigando os interesses mais antagônicos, desde o “vermelho das reivindicações marxistas ao negro da reação clerical”.
A nacionalização da economia completa o quadro, sob o pressuposto da superação do predomínio dos estados em prol de uma política de caráter nacional. O discurso dominante entre os tenentes encontrara eco em Minas Gerais, com Francisco Campos e Gustavo Capanema; no Rio de Janeiro, com Góis Monteiro, Osvaldo Aranha e Juarez Távora, como também na Paraíba, com José Américo de Almeida, em um misto de contradições e convergências políticas.
Com o Governo Provisório se alinhavam os jovens tenentes reformistas, mas também os militares nacionalistas, assim como dissidentes das oligarquias tradicionais, na busca da superação de uma cultura política marcada pelo nepotismo, pelo sistemático e indevido uso do erário público e pelos abusos de autoridade.
O programa dos tenentes, relevante na cena pública de então, estava permeado de valores de salvação nacional e de uma visão que destinava ao Exército o papel de guardião das instituições republicanas (FAUSTO, 2006).
O ciclo nacional-desenvolvimentista desencadeado pela Revolução de 1930 teve em Vargas o líder populista que, como define Bresser-Pereira (2009), “estabeleceu um contato direto e pessoal com o povo”, até como forma de superar a ausência de partidos políticos ideológicos que intermediassem o exercício do poder.
Além de não haver partidos ideologicamente definidos, não havia a conceituação clara de direitos civis e o respeito à lei; “não havia, portanto, o Estado de direito, que é condição da democracia” (Bresser-Pereira, 2009).
Em seu livro A verdade sobre a Revolução de Outubro – 1930.(1983, p. 195), Barbosa Lima Sobrinho faz uma curiosa radiografia do perfil político de Getúlio Vargas: “Um caudilho cerebral, que reúne, no mesmo pulso, a liberdade dos processos e a sutileza da ação; um técnico da política, paciente, tenaz, oportuno, considerando a humanidade, amigos e inimigos, com a impassibilidade e a minúcia de um colecionador indiferente”.
Embora nacionalismo e populismo, no quadro de uma sociedade dependente, sejam palavras usadas de forma negativa pelo pensamento hegemônico, Bresser-Pereira (2009, p. 98) considera que foi o nacionalismo de Vargas, na transformação do Brasil em Estado-nação autônomo, que o tornou um estadista, e foi seu populismo que abriu espaço para a democracia no Brasil ao promover sua revolução capitalista.
Para o doutrinador, tratou-se de um populismo político que não se confundia com o populismo econômico (perdulário, que gasta mais do que arrecada) nem com o populismo demagógico – porque sempre tratou as finanças públicas com rigor, porque buscou incorporar as massas ao processo político e porque não era apenas retórico, mas preocupado em transformar as palavras em ações, enfrentando o protesto dos empresários e das velhas oligarquias (Bresser-Pereira, 2009).
Não há como ignorar que foi a partir de 1930 que a intervenção do Estado na economia se fez determinante. A Constituição de 1934 consagrou que a ordem econômica devia ser organizada “conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos uma existência digna” (art. 115).
De igual forma, foi a Carta que reorganizou o pacto federal, estabelecendo a predominância dos poderes da União sobre os dos estados e municípios.
O Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu o Governo Provisório, tinha um alcance superior ao de um mero ato administrativo. Como lembra Afonso Arinos de Melo Franco (1981, ), “o diploma é impropriamente chamado decreto, quando de fato era uma lei, e lei constitucional”. Constituía, portanto, “uma verdadeira Constituição provisória”.
A Carta de 1934 reconheceu sua importância, pois no art. 18 de suas Disposições Transitórias aprovou e tornou insuscetíveis de qualquer apreciação judicial os atos do Governo Provisório, os dos interventores e os dos delegados do Governo adotados na vigência do decreto.
A preponderância do Executivo na ordem política, marca do novo regime, consta já do art. 1º, caput, do decreto, que dispunha que o Governo “exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo” até o estabelecimento de uma nova organização constitucional por uma Assembleia Constituinte.
O art. 4º mantinha em vigor as constituições (federal e estaduais), assim como as leis e decretos existentes; todos, porém, inclusive as próprias constituições, sujeitas às modificações e restrições estabelecidas pelo decreto inaugural e por atos ulteriores do Governo Provisório.
A Constituição de 1934 foi uma possível consequência da Revolução Constitucionalista de 1932, quando tropas de São Paulo, incluindo voluntários, militares do Exército e a Força Pública, lutaram contra as forças do Exército Brasileiro.
A Constituição também foi uma possível consequência do tenentismo e da Revolução de 1930 quando militares dissidentes com o apoio de parte da população destituíram a Primeira República.
A Assembleia Constituinte em maio de 1933, aprovou a nova Constituição substituindo a Constituição de 1891, já recente devido ao dinamismo e evolução da política brasileira. Em 1934, a Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo Governo Provisório da Revolução de 1930, redigiu e promulgou a segunda constituição republicana do Brasil.
Reformando profundamente a organização da República Velha, realizando mudanças progressistas, a Carta de 1934 foi inovadora, mas durou pouco: em 1937, uma constituição já pronta foi outorgada por Getúlio Vargas, transformando o presidente em ditador e o Estado revolucionário em autoritário.
Para Bresser-Pereira (2009), Vargas sabia que o pacto nacional-desenvolvimentista que propunha não podia se limitar aos militares, aos empresários industriais e à elite burocrática oriunda da classe média. Embora pudesse ser caracterizado como uma figura autoritária,
Vargas não era elitista: “Foi a primeira vez na história política do Brasil que um grande líder político foi buscar as bases de sua legitimidade no povo, especificamente nos trabalhadores urbanos (…)”.
Nelson Werneck Sodré (1962) considera que a lei de tarifas editada em 12 de agosto de 1844 – conhecida como Tarifa Alves Branco em referência ao então ministro da Fazenda – demarcou terreno no que diz respeito à intervenção do Estado. A lei taxou pesadamente (com tarifas que chegavam a 60%) diversos produtos da pauta de importações que já podiam ser produzidos no Brasil, tendo inclusive motivado represálias do exterior. Para Sodré, a lei encerrou a fase marcada por um completo liberalismo da economia do Império, inaugurando uma nova política.
O teor intervencionista da Constituição de 1934 se expressava, também, na autorização para que a União, por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, pudesse “monopolizar determinada indústria ou atividade econômica” (art. 116), de modo a se promover “o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito” e “das empresas de seguros em todas as suas modalidades” (art. 117).
Lembremos que o habeas corpus sofreu restrições no que se referia aos crimes funcionais e aos da competência de tribunais especiais, tendo sido prevista a anulação ou restrição dos direitos resultantes de nomeações, aposentadorias, pensões ou subvenções, assim como os atos relativos a empregos, cargos ou ofícios públicos, aí incluídos os da magistratura, do Ministério Público e quaisquer outros, tanto na esfera federal como estadual e municipal. Tudo como forma de permitir, ao governo revolucionário, o completo domínio da estrutura administrativa e da máquina estatal.
A fim de manter sob controle o processo político nas unidades federadas, o Decreto nº 19.398/1930 previu a nomeação de um interventor federal para cada estado, ao qual competia exercer, em toda plenitude, não só o Poder Executivo como também o Poder Legislativo de âmbito local.
Esses interventores, em que pese serem, em grande parte, oriundos dos grupos políticos dominantes, eram escolhidos pelo governo federal, o que permitia ao presidente da República ter sob sua dependência as máquinas administrativas estaduais, ao mesmo tempo em que mantinha a tradição coronelística.
Para que o sistema de interventorias alcançasse os objetivos pretendidos, e visando um maior monitoramento do sistema político tradicional, o Governo editou, em 29 de agosto de 1931, o Decreto nº 20.348, instituindo conselhos consultivos nos estados, no Distrito Federal e nos municípios, a critério do interventor federal.
A esses conselhos competia opinar sobre os recursos de atos do interventor e do prefeito respectivo, não só do ponto de vista legal e jurídico, como também sobre a sua conveniência.
Cabia-lhes, ainda, emitir parecer sobre as consultas que lhe fossem propostas por aquelas autoridades ou pelo Governo Provisório. Ao estabelecer várias normas sobre as despesas orçamentárias e sobre os impostos estaduais e municipais, o decreto demonstrava a estratégia centralizadora da União, que retirava dos estados e municípios a autonomia que só formalmente lhes era assegurada.
A criação de uma vasta quantidade de normas voltadas para a disciplina e racionalização da Administração Pública refletia o processo de transformações em curso no Estado brasileiro, com o incremento das políticas públicas de dimensão nacional e a consequente transferência das atividades mais relevantes para o âmbito do Executivo federal.
A delegação de serviços públicos passou a ser admitida com a edição de decreto que regulava a exploração, por terceiros, de serviços de radiocomunicação, mediante concessão do governo federal, e de decreto que condicionava a concessão de serviços públicos e de minas e terras no âmbito estadual a prévia audiência dos conselhos consultivos citados.
Até 1930, existiam apenas seis Ministérios na Administração federal, conforme a Lei nº 23, de 30 de outubro de 1891: Fazenda; Justiça e Negócios Interiores; Indústria, Viação e Obras Públicas; Relações Exteriores; Guerra e Marinha. Visando alcançar maior eficiência, Vargas tratou de criar novas pastas e adotou várias medidas de cunho administrativo.
Nesse contexto, o Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930, representou importante passo no processo de institucionalização da política educacional e de saúde: por seu intermédio, foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, que tinha a seu cargo “o estudo e despacho de todos os assuntos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar.
Outra iniciativa que denota o traço político centralizador do novo regime foi a criação do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que veio a se transformar, em 1938, no influente Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo.
Ao novo órgão, responsável pela propaganda e controle das informações, competia estudar a utilização do cinema e do rádio como meio de difusão e publicidade governamental, estimular a produção e a exibição de filmes educativos por meio de prêmios e favores fiscais, além de classificar e censurar as obras cinematográficas.
Enaltecendo as datas cívicas e o entusiasmo nacionalista que marcou a Era Vargas, o DPDC era responsável pela convocação das cadeias nacionais de rádio por meio das quais o presidente fazia seus frequentes pronunciamentos e pelo vasto material de propaganda do regime, que incluía a publicação de folhetos e cartilhas com mensagens ufanistas.
O processo de transformações deflagrado pela Revolução de 1930 levou o Estado a atuar de forma mais acentuada não apenas na área econômica, mas também no campo da saúde, educação, assistência e previdência social, e assim a máquina estatal experimentou um crescimento considerável, com a criação de grande número de órgãos e pessoas jurídicas públicas, em particular conselhos e autarquias, em um vigoroso processo de descentralização administrativa.
A esse incremento correspondeu, igualmente, um aumento no quadro de pessoal, com a criação de cargos e funções que redundaram em uma poderosa burocracia estatal, identificada com os valores da técnica, da eficiência e do planejamento, na qual as esferas de competência passaram a estar mais bem delineadas.
Com essas medidas, Vargas deu início ao processo de implementação do modelo de Administração Pública burocrática, de índole racional-legal, que veio a se consolidar com a Reforma Burocrática promovida em 1936, através da criação do Conselho Federal do Serviço Público Civil, transformado no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938.
Na montagem de uma nova arquitetura administrativa, a Constituição de 1934 inovou ao dedicar um de seus títulos aos funcionários públicos e ao prever que tanto serviços públicos federais como estaduais e municipais poderiam ser objeto de concessão, embora o instituto da delegação de serviços públicos já estivesse regulamentado, por meio de decretos, desde 1931.
Reafirmando a onda nacionalista reinante, a Carta de 1934 determinou que as autorizações ou concessões seriam conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, e obrigou as concessionárias a constituírem suas administrações com maioria de diretores brasileiros, residentes no Brasil, ou que os poderes de gerência fossem delegados exclusivamente a brasileiros.
No que tange à intervenção do Estado no domínio econômico, a nova Constituição também inovou, em relação à Constituição de 1891, ao prever o instituto da requisição, por meio do qual as autoridades competentes poderiam usar da propriedade particular em caso de perigo iminente.
Manteve a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia indenização, e pela primeira vez condicionou o exercício do direito de propriedade à sua função social: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar”
Ao institucionalizar o ideário do movimento revolucionário, a Constituição de 1934 promoveu a reconstrução democrática que poria fim à “ditadura” – como o próprio Vargas se referia ao governo que, desde 1930, chefiava.
Independentemente do caráter que se queira lhe atribuir uma revolução nacional, uma revolução liberal-burguesa, uma revolução das classes médias ou um golpe militar , a Revolução de 30 representou um ponto de inflexão na política e no Direito brasileiro.
A acentuada intervenção do Estado no domínio econômico, marca registrada da Revolução de 1930, gerou substancial necessidade de novos regramentos legais.
Mesurini (2016) aponta os impactos que a proximidade da política com a economia acarretou o direito constitucional e administrativo, “que passaram a ser revistos para além das suas raízes teóricas liberais”.
O avolumar de dispositivos de direito administrativo, como ressalta Seelaender (2021), representa, ao lado da ampliação da burocracia, da ascensão dos técnicos nas instituições públicas, do fortalecimento do Executivo e da centralização política, típicos índicos de crescimento da intervenção estatal.
Uma das primeiras providências adotadas pelo Governo Provisório em seu propósito de racionalizar a Administração foi a que vedou a acumulação de cargos remunerados.
Pelo Decreto nº 19.576, de 8 de janeiro de 1931, ficou proibida a acumulação de remunerações recebidas dos cofres públicos, por títulos diversos, ainda que de unidades federativas distintas. Ficou igualmente proibida a acumulação de qualquer vantagem percebida dos cofres públicos com função ou emprego remunerado em estabelecimento, empresa, companhia, instituto ou serviço de qualquer natureza, desde que dependentes do governo ou por ele subvencionados.
Outras medidas de austeridade adotadas por Vargas visavam superar vícios arraigados na máquina federal. Assim, editou decreto estabelecendo como se daria a execução orçamentária entre os diversos ministérios no exercício de 1931.
No mesmo decreto, vedou a aplicação de créditos destinados a material em despesas de pessoal e vice-versa, e proibiu que se cometesse a pessoas estranhas aos quadros dos serviços federais o desempenho de quaisquer encargos que estivessem compreendidos entre as atribuições dos funcionários públicos.
Tais providências punham em prática o que Getúlio Vargas tinha anunciado em seu discurso de posse, em 3 de novembro de 1930, quando afirmou que começaria “por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendência espúria”.
Para o exercício das funções públicas, dizia, “não deve mais prevalecer o critério puramente político”, devendo esse papel ser confiado “aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral”, pois a vocação burocrática e a caça ao emprego público, em um país com imensas possibilidades, aberto a todas as iniciativas do trabalho, era injustificável.
No discurso, Vargas apontava a prática do empreguismo e o caciquismo eleitoral como os principais males a serem combatidos, e, já como presidente, em pronunciamento feito em 23 de fevereiro de 1931, voltou a condenar “o monopólio das funções públicas” e “a posse exclusiva das posições” exercidos pelos partidos e facções políticas (Vargas, 2021).
Nesse diapasão, o Decreto nº 19.626/1931 regulamentou o exercício de cargos em comissão e as gratificações de função, e determinou que todas as despesas de material deveriam ser pagas com registro prévio do Tribunal de Contas.
Dizendo-se empenhado em promover uma maior eficiência da Administração Pública, ajustar os quadros do funcionalismo, atualizar a legislação fiscal e reorganizar o Tesouro Nacional, Vargas decidiu, à época, alterar os subsídios do presidente da República fixados por Washington Luís em 192946, reduzindo-os pela metade (LIRA NETO, 2013).
Vários decretos editados nos anos de 1930 a 1934 expressam a dimensão social e trabalhista do governo revolucionário e a montagem de um complexo aparato administrativo capaz de fazer valer o projeto de um Estado paternalista, ao qual caberia a garantia e a outorga mesma dos direitos dos trabalhadores.
É o caso da Lei dos 2/347, garantindo a presença mínima de 2/3 de empregados nacionais em quaisquer estabelecimentos industriais e comerciais e da Lei de Sindicalização, que definia os sindicatos como “órgãos consultivos” e “de colaboração com o Poder Público”.
Em 1932, Vargas cria a legislação instituindo os mecanismos de conciliação e julgamento, concedendo novos benefícios aos trabalhadores vinculados às caixas de aposentadoria e pensões, fixando o limite de oito horas para a jornada de trabalho, introduzindo nova regulamentação para o trabalho de mulheres e menores e instituindo a carteira profissional.
Foram criados, ainda, os institutos de aposentadoria e pensões, como o dos marítimos (junho de 1933), o dos comerciários (maio de 1934) e o dos bancários (junho de 1934).
Em 12 de julho de 1934, editou decreto visando adequar a organização sindical à Constituição que seria promulgada, concedendo maior grau de autonomia aos sindicatos.
Ainda que se considere que a tolerância de Vargas com as oligarquias rurais dissidentes tenha contribuído para que pouco fosse feito na regulamentação do trabalho no campo, a filosofia do Governo Provisório também buscou alcançar o trabalhador rural.
O Decreto nº 19.770/1931, que regulamentou a sindicalização “das classes patronais e operárias”, disciplinando o papel do novo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no reconhecimento dos sindicatos, dispunha que estes poderiam pleitear a “fixação de salários-mínimos para trabalhadores urbanos e rurais”.
Como observou Welch (2016), no início de 1931 o novo ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, articulou a organização social do campo, e, em reunião com fazendeiros, indicou a sindicalização como o caminho para que tanto os empregadores como seus empregados, os camponeses, definissem como poderiam ajudar a traçar a política agrícola do país.
Muitas medidas adotadas pelo Governo Provisório. Em seu “Programa Revolucionário de Reconstrução Política e Social do Brasil”, o Clube dedicou vários pontos à questão rural, defendendo a proteção, a formação e a manutenção da pequena propriedade rural, mediante a transferência direta de lotes de terras cultiváveis para o trabalhador agrícola.
Deveria o Estado controlar a repartição e a utilização do solo, de maneira a impedir os abusos, proporcionando às famílias, especialmente as formadas no seio do proletariado rural, terras que lhes facilitassem a habitação e a subsistência, outorgando-lhes ao mesmo tempo os meios de exploração das riquezas do solo.
No trabalho de reorganizar a Administração Pública, Vargas criou, em 1931, o Departamento dos Correios e Telégrafos, fruto da fusão da Diretoria Geral dos Correios com a Repartição Geral dos Telégrafos. Em janeiro de 1932 assinou decreto regulamentando os serviços aeronáuticos civis e o uso do espaço aéreo nacional, e na área militar criou o Corpo de Fuzileiros Navais e aprovou o Plano Geral do Ensino Militar.
Essas medidas se somaram aos atos que dispunham sobre a organização do Departamento Nacional do Comércio e aos que promoveram as reformas administrativas da educação e da saúde, como citado.
Foram criados vários organismos dedicados ao controle e à direção de atividades econômicas, de que são exemplos o Instituto do Cacau (1931) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), embora fosse bastante incipiente, à época, o debate acerca da natureza jurídica de tais entidades e do exato papel que lhes cabia na estrutura da Administração Pública.
Nesse contexto de reestruturação administrativa, há quem considere que a Revolução de 1930 fez multiplicaram-se as autarquias “de modo desordenado e quase caótico” (Vaz da Silva, 1974).
A centralização progressiva das decisões de política econômica levou à criação e instalação, em 1934, do Conselho Federal do Comércio Exterior, considerado o primeiro órgão de planejamento governamental do país, voltado à formulação de medidas de estímulo ao comércio exterior e à concessão de incentivos para a instalação de novas indústrias, como as de celulose e papel.
Outras entidades foram então criadas, voltadas para lidar com setores específicos, sendo a mais emblemática delas o Departamento Nacional do Café, em 1933, que teria sua direção nomeada pelo Governo Provisório, e não escolhida pelos estados produtores, como estabelecia o regime anterior.
Pela primeira vez o governo decidiu interferir diretamente na fixação dos preços do café e no controle da produção e passou a realizar, também, o controle do câmbio visando racionalizar as divisas e proteger o setor industrial (Baer et. al., 1973, p. 887).
Com o fim de estabelecer um processo de articulação, cooperação e coordenação dos serviços estatísticos de interesse geral, foi criado o Instituto Nacional de Estatística66, que em 1938 se transformou no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O novo Instituto, como entidade de natureza federativa, era responsável por promover e executar, de modo per manente e sistemático, o levantamento de todas as estatísticas nacionais.
Para que a realização dos censos demográficos e econômicos, assim como a execução dos serviços especializados de cartografia e estatística atuarial, ocorressem de maneira uniforme e articulada em todo o território nacional, o decreto previa a assinatura de convênios entre os entes federativos e também com as entidades privadas que se dedicavam a trabalhos estatísticos.
A iniciativa representou importante passo para que se conhecesse melhor a realidade do país com vistas ao planejamento e à execução das políticas públicas.
A edição desse elevado número de atos normativos em um curto espaço de tempo demonstra a intensa atividade legislativa do Governo Provisório em prol da implantação de reformas na máquina pública, de maneira a que o Estado, e o Executivo em particular, se fizesse senhor das atividades estratégicas de interesse do país, tanto na seara econômica como social, cultural e administrativa.
Vargas (2001) não se absteve de considerar que os decretos que editava constituíam “atos ditatoriais”. Entretanto, a coloração social e a pertinência política desses atos, a necessidade premente de sua adoção, justificavam a seu ver as providências tomadas, e assim uma “onda de atividade legiferante de reformas e de autorizações” consumiu, de modo particular, os dias que precederam a promulgação da nova Constituição (Vargas, 2001).
A Revolução de 1930 visou, desde o primeiro momento, efetivar um modelo que superasse a baixa capilaridade da Administração Pública na Primeira República, marcada por gestões financeiras perdulárias, dívidas crescentes e má escrituração.
Fez surgir um projeto intervencionista no qual se delineava com precisão os órgãos e o papel que o governo federal deveria cumprir na modernização da economia e da ordem social, assim como o espaço de atuação dos entes federativos no novo contexto estatal.
Estabeleceu, ainda, uma disciplina legal para o trabalho e promoveu a nacionalização das riquezas do país, com a edição de um incontável número de leis e de atos administrativos.
Os anos que vão de 1930 a 1934 representaram um período de fecunda produção legislativa, no qual o arcabouço básico do Estado brasileiro foi delineado, com a nota dominante do nacionalismo e do intervencionismo estatal.
Ao lado de um movimento de centralização política, vivenciou-se uma acentuada descentralização administrativa que implicou na criação de variados órgãos e entidades responsáveis por desempenhar as funções de natureza técnica que o poder central passou a regulamentar e a executar.
Nesse contexto, embora a Constituição de 1934 tenha demarcado os vínculos federativos, com a evidente primazia do papel da União, e incorporado ao seu texto preceitos de direito administrativo, de direito social e de direito civil, além de ter estabelecido normas reguladoras da educação, cultura etc., a legislação que a precedeu responde pelos maiores avanços que se obteve naquela fase histórica.
O curto tempo de vigência do texto constitucional não foi capaz de apagar as conquistas e os elementos inovadores que a Revolução de 1930, em curto espaço de tempo, implantou na dinâmica do governo e do Estado.
Mesmo após o golpe de 1937 e a revogação da Constituição de 1934 os inúmeros diplomas legislativos editados por meio de atos unilaterais do chefe do Executivo permaneceram válidos, influenciando decisivamente a organização e o funcionamento da Administração no contexto de um Estado burocrático, autoritário e centralizador que, na condição de polo aglutinador da nação, ditava os rumos da sociedade e da economia.
Desprezando os preceitos da democracia liberal, o governo enfatizava reformas voltadas ao estabelecimento dos direitos e garantias das classes trabalhadoras, na consideração de que a questão nacional-desenvolvimentista e a emancipação do país eram as tarefas prioritárias.
Embora seja possível dizer que a Constituição de 1934 cujo conteúdo foi, em grande medida, resgatado pela Constituição de 1946 – tenha consagrado o ideário dos revolucionários de 1930, os preceitos básicos de direito administrativo que desenharam o modelo de Estado que hoje temos encontra raízes no arcabouço jurídico infraconstitucional que se constituiu durante o breve, mas fecundo, período do Governo Provisório.
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[1] Estado de bem-estar social é uma concepção que abrange as áreas social, política e econômica e que enxerga o Estado como a instituição que tem por obrigação organizar a economia de uma nação e prover aos cidadãos o acesso a serviços básicos, como saúde, educação e segurança. O Estado do Bem-estar também é conhecido por sua denominação em inglês, Welfare State. Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. A principal característica do Estado de Bem-Estar Social é a defesa dos direitos dos cidadãos à saúde, educação, previdência etc. Foi criado a partir do modelo do economista John Maynard Keynes (1883-1946), que rompe com a visão de livre-mercado em favor da intervenção estatal na economia. Desta maneira, o Estado de Bem-Estar Social defende a estatização de empresas em setores estratégicos, a criação de serviços públicos gratuitos e de qualidade.
Para tanto, o Estado necessita interferir na economia, regulando-a para impedir monopólios, gerar emprego e renda, construindo infraestruturas. Por conseguinte, as jornadas de trabalho são de 8 horas, o trabalho infantil é proibido e os trabalhadores possuem direito a seguro-desemprego e à Previdência Social. O Estado de Bem-Estar Social é visto como uma forma de combate às desigualdades sociais, na medida que promove o acesso dos serviços públicos a toda população.
[2] A Constituição Espanhola de 1931 foi aprovada a 9 de Dezembro de 1931 pelas Cortes Constituyentes após as eleições desse ano que originaram a proclamação da Segunda República Espanhola. Esteve em vigor até o final da Guerra Civil Espanhola em 1939. A República espanhola no exílio continuou reconhecendo a sua vigência até 1977, quando o processo político da chamada Transição Espanhola permitiu a redação de uma nova Constituição democrática. A constituição organizava-se em 9 capítulos (125 artigos ao todo) e duas disposições transitórias. Com a proclamação da II República em 14 de abril de 1931 foram convocadas eleições a Cortes Constituintes em 28 de junho. Uma das suas primeiras tarefas foi confirmar como presidente a Niceto Alcalá Zamora e o seu gabinete. Uma vez aprovada, as Cortes escolheram o Presidente da República, sendo eleito Alcalá Zamora em 12 de dezembro. Após a instauração do Governo provisório sob a presidência de Niceto Alcalá Zamora por Decreto de 6 de maio de 1931 for criada uma Comissão Jurídica Assessora dependente do Ministério de Justiça com a encomenda de elaborar um anteprojeto de Constituição. Foi presidida por Ángel Ossorio y Gallardo com Fernando de los Ríos e outros “homens de centro”, situação que determinou importantes diferenças com o poder socialista-radical e “a sua visão” da República. A Comissão debateu a respeito de se devia ser estabelecido um regime bicameral ou unicameral, frente dos “inconvenientes de uma Câmara popular sem freio” e de acordo à realidade bicameral “da imensa maioria dos países” democráticos
[3] O Poder Moderador, no contexto do Império brasileiro – que durou de 1824 a 1889 –, era um dos poderes constituintes do Brasil, isto é, juntamente aos poderes legislativo, executivo e judiciário, era a base da legitimidade política e da soberania brasileira. Na prática, o Poder Moderador estava acima dos outros poderes e sua função seria intervir sempre que houvesse divergência entre os outros poderes políticos, isto é, funcionaria para manter a harmonia sendo esse controle concedido somente ao Imperador.