Loot Boxes

Este artigo tem como objetivo principal analisar o mercado de jogos eletrônicos e suas práticas comerciais, bem como a sua relação com o consumidor final, passando também pela análise conceitual e jurídica do que são os jogos eletrônicos, tendo como foco a proteção do consumidor contra práticas abusivas.

E este tipo de análise hoje se faz essencial, dado que a indústria dos jogos eletrônicos cresce a cada dia e o custo de produção com os jogos tem se tornado cada vez mais elevados, tão alto ao ponto de que somente as vendas não se mostram capazes de cobrir o custo para produzi-los e ao mesmo dar um lucro satisfatório.[1]

Afinal, jogos deixaram de ser apenas um entretenimento interativo e passaram a ser um negócio que gera receitas bilionárias, chegando a movimentar US$ 120.000.000,00[2] (cento e vinte bilhões e dólares) diretamente com as vendas de jogos ou indiretamente através de outros produtos licenciados.

Porém, não é somente números em uma planilha que interessam, um jogo ruim, mal produzido e com problemas no lançamento pode condenar para sempre uma franquia, como por exemplo, o Assassin’s Creed Unity[3], que, por ser um jogo mal finalizado, obrigou a sua produtora a repensar suas políticas de produção e lançamento, sob pena de ter que encerrar para sempre uma franquia que até pouco tempo era próspera e rentável.

Logo, deve haver um equilíbrio, porque o corte de custos não pode prejudicar a produção de um jogo e nem este pode ser tão caro que trará prejuízos para quem o produziu. Não são raros os exemplos de jogos que tiveram um alto custo de produção, porém, acabaram sendo rejeitados pelo público.

Visando este equilíbrio, as empresas que produzem e desenvolvem jogos adotaram políticas as quais possibilitem não prejudicar o orçamento para seus títulos e simultaneamente aumentar a margem de lucro, essas políticas de mercado são os conteúdos adicionais, micro transações e loot boxes, que na falta de uma tradução para o português que exemplifique o seu sentido da maneira adequada, será mantido o termo em inglês.

Essas políticas deram tão certo ao longo dos anos que atualmente alguns jogos recuperam metade do seu custo de produção somente com elas[4], aumentando os lucros das empresas, enquanto fornecem produtos para seus clientes, os quais, voluntariamente, pagam por eles.

Estas táticas comerciais, quando bem aplicadas, geram um bom resultado tampo para os consumidores quanto para os produtores de jogos eletrônicos, entretanto, nem tudo funciona desta maneira, as produtoras muitas vezes acabam explorando esse mecanismo em prejuízo dos jogadores, ao ponto da ilegalidade, como se verá.

Há exemplos recentes de jogos que eram considerados únicos por terem uma mecânica de jogabilidade diferente dos outros jogos do mesmo gênero, que forem rejeitados pelo público em razão dessas práticas, um desses jogos é o Middle Earth: Shadow of Mordor, que utilizava um sistema muito inteligente, chamado de sistema “Nêmeses”[5] o qual o seu personagem influenciava diretamente na movimentação dos inimigos, fazendo alianças, rivais, arquinimigos, enfraquecendo ou fortalecendo seus adversários na medida em que o jogador experienciava o jogo.

Com a esperada sequência deste jogo, essa característica foi ampliada e melhorada, porém a produtora decidiu que deveria usar essa mecânica para aumentar seus lucros,

se tornando um adicional onde bastava pagar para ter um exército mais forte, em contrapartida, o jogo se tornava cada vez mais difícil, o que forçava o consumidor a ter que obrigatoriamente pagar por esses benefícios. Embora o jogador já ter pago pela cópia do jogo.

Entretanto, há outro espectro a ser analisado, os dos jogos que oferecem uma experiência entre multijogadores, também será objeto deste artigo e sofrem com estas práticas, até mais que os jogos em que não há nenhuma experiência simultânea entre jogadores.

Uma vez que nestes jogos há o estimulo constante pela competitividade, ter uma vantagem sobre os adversários online é um excelente motivador para os consumidores despejarem dinheiro em jogos online, apenas para ter acesso antecipado ao conteúdo que está no jogo.

E tendo ciência disto, as desenvolvedoras destes jogos estabelecem formas impossíveis acessar esse conteúdo, deixando a progressão extremamente lenta para quem não estivesse disposto a pagar, um exemplo recente deste tipo de prática foi o Star Wars Battlefront 2[6].

O jogo tem a brilhante ideia de colocar em meio as guerras de uma das franquias mais amadas do cinema e sabendo deste apelo aos fãs dos filmes e dos jogos, que o tornaria extremamente popular, aplicaram ao jogo a necessidade de 4.500 horas ininterruptas para desbloquear todo o seu conteúdo online, ou então, bastava o jogador pagar para acelerar o processo, que mesmo assim era bastante lento, obrigado a quem estivesse disposto a colocar mais e mais dinheiro no jogo para ter vantagem sobre os demais.

Portanto este será o ponto de estudo desse artigo, com a conclusão de buscar, dentro do nosso ordenamento jurídico, o equilíbrio entre o lucro e o respeito ao consumidor, apontando quais destas práticas devem ser adaptadas as nossas leis e quais delas vão contra as normas de proteção ao consumidor.

DAS MUDANÇAS DO MERCADO DE JOGOS ELETRÔNICOS

 Incialmente, merece destaque que como qualquer seguimento econômico, jogos eletrônicos sofreram, ao longo do tempo, mutações em sua forma de desenvolvimento e comercialização, chegando ao ponto de que atualmente o consumidor pode contar com compras integralmente digitais, acesso antecipado a um jogo que ainda está em desenvolvimento, pré-vendas, financiamento coletivo para projetos e assinaturas de planos mensais que proporcionam acesso a catálogos com centenas de jogos.

Toda essa exposição adveio da evolução natural do mercado, acarretando em uma diversificação cada vez maior de monetizar os jogos e interferindo diretamente na forma como os jogos são trabalhados, desenvolvidos e comercializados.

Boa parte dessa evolução, se deve ao fato de o mercado de jogos eletrônicos ainda ser um dos poucos nichos em que não há uma forte regulação estatal, apesar de sofrer as elevadas tributações[7], a liberdade, tanto criativa, quanto econômica, depende apenas do financiador.

Porém, os jogos eletrônicos carecem de uma classificação mais precisa quanto a sua oferta ao público, se podem ou não serem caracterizados como produtos ou serviços.

Essa categorização está intimamente ligada ao tipo de experiência fornecida pelo jogo, se é uma história com começo, meio e fim em um mundo que pode ser explorado pelo jogador, ou se trata de uma arena virtual onde os jogadores se enfrentam ou cooperam para atingir um objetivo.

Merece destacar que a classificação enquanto produto ou serviço, está atrelada as práticas comerciais adotadas pelas desenvolvedoras e publicadores do jogos, estas empresas passaram a adotar, na prática, essas referidas características para definir que tipo de jogo colocar no mercado, devendo o direito fazer a leitura da realidade e adequação ao tipo legal.

 JOGOS ELETRÔNICOS ENQUANTO PRODUTOS

 Neste tópico será utilizada a rasa classificação presente no artigo 3º, § 1º do código de defesa do consumidor, porém há questões práticas que acrescentam ao ordenamento jurídico e auxiliam a definir e conceituar o que deve ser um jogo enquanto um produto de consumo durável.

Como é notório, jogos eletrônicos são bens móveis, ou seja, podem ser transportados sem perder as suas características ou comprometer a sua integridade, ainda que virtualmente, jogos em mídia digital podem ser movidos para qualquer plataforma onde ele esteja habilitado para ser aproveitado, desde que esta tenha capacidade para reproduzir o seu conteúdo.

Além disto, também são bens imateriais, sendo que a finalidade do produto “jogo” está na experiência e no entretenimento que ele proporciona, em outras palavras, a proteção do jogador está na experiência e no respeito ao lazer do consumidor, por óbvio, quem adquire uma mídia física, como Cd’s, DVD’s ou Blu Ray, está sujeito a defeitos de fabricação, mas este está na mídia e não na experiência.

O jogador pode ter um problema numa mídia física de um jogo qualquer e ao mesmo tempo estar aproveitando da experiência. Logo, as mídias não são objetos deste artigo, somente os jogos eletrônicos e suas práticas comerciais.

De outra forma, jogos eletrônicos são produtos duráveis, que podem ser aproveitados inúmeras vezes, sendo o jogador estimulado a revisitar os jogos, como por exemplo a criação de diversos finais derivados de escolhas morais obrigam ao consumidor a jogar novamente, não combinando com a definição de um bem de consumo imediato.

Todavia, a principal característica que diferencia, juridicamente, um jogo considerado um produto, para um jogo com características de um serviço, é que enquanto um produto, o jogo deve ter de oferecer uma experiência para o jogador, assim como um livro, o “jogo produto” oferece um mundo e uma história para o jogador, para que ele, pessoalmente, possa consumir tudo aquilo foi construído.

Em outras palavras, ao iniciar um jogo em um computador ou console de videogame, o consumidor fará sua instalação e de pronto terá aquela experiência para usufruir, sem ter que compartilhar aquele universo com outros jogadores ou necessitar de terceiros para fazê-lo, como por exemplo, se conectar a um servidor ou a rede mundial de computadores, salvo para fins de autenticação.

Esta classificação se faz necessária para saber qual o fundamento jurídico será aplicado caso o consumidor tenha seus direitos violados, desta maneira, ao analisarmos as práticas comerciais das produtoras e desenvolvedoras de jogos, poderemos aplicar a legislação corretamente e que dará melhor resolução a demanda.

Neste caso, ao falarmos de jogos enquanto produtos haverá a aplicação dos artigos 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor quando houverem ilegalidades com as práticas comerciais em jogos eletrônicos.

DOS JOGOS ELETRÔNICOS ENQUANTO SERVIÇOS:

Nesta categoria, ocorre o oposto da acima citada, aqui as empresas não buscam fornecer aos consumidores experiências e narrativas fechadas, mas sim a entrega de um conteúdo por um tempo indeterminado, buscando com isso, manter os consumidores presos por mais tempo em um jogo ou voltem aos jogos com certa sazonalidade.

Aqui, não há a experiência única e exclusiva para um jogador, mesmo que não haja impedimento para tal, mas ocorre com maior vigor em jogos que utilizem mecânicas de multijogadores, há o estímulo constante pela competição e aperfeiçoamento e para isso, os jogadores tomarão atalhos, chegando até mesmo a pagar por eles se for preciso.

Características que sinalizam jogos como um serviço são o constante fornecimento de conteúdo, seja como pequenos itens, como pinturas de armas, armas em si, armaduras e até mesmo bônus para facilitar o jogo.

As vendas desses conteúdos podem ser individualizadas ou por meio de “loot boxes”, tema que será alvo de tópico próprio, entretanto sempre terá um custo monetário para o jogador, por mais que ele possa conseguir usando a economia interna do jogo, chegará em um ponto em que será insuficiente para o jogador conquistar o item desejado utilizando-se apenas da moeda adquirida com o tempo de jogo.

Desta forma, conclui-se que esta experiência tem características de serviços, uma vez que a empresa fornece um jogo, sendo usufruído a longo prazo, há a inserção de mais e mais conteúdo pago com o passar do tempo, podendo ser para um jogo para apenas um jogador ou multijogador.

DA DEFINIÇÃO DE LOOT BOX: 

Loot boxes, na falta de uma tradução para o termo em inglês, são pacotes adicionais adquiridos mediante o pagamento de alguma quantia em dinheiro e nestes pacotes há distribuição de prêmios de maneira similar uma loteria.

Trata-se de uma mecânica de monetização baseada integralmente na aleatoriedade, o consumidor apenas tem ciência da compra do pacote, mas não sabe ao certo quais serão os prêmios por ele adquirido.

É comum, mas não é regra, que as loot boxes tragam somente conteúdos apenas de caráter estético, não baseado em nenhum tipo de conquista a ser realizada pelo jogador, há somente a compra da caixa de prêmios, sua abertura e entrega dos itens.

Contudo, algumas empresas que desenvolvem jogos eletrônicos, fazem uso das loot boxes como meio de aquisição de itens que terão influência direta na experiência do jogador, seja jogando sozinho ou em uma sala com outros jogadores.

E cada uma destas formas traz consequências diferentes em cada proposta, se por um lado os itens meramente cosméticos não influenciam em como o jogo irá se comportar, trazem consigo a ideia de que certos itens são mais raros que outros, mesmo digitais e com oferta teoricamente infinita, sendo esta uma forma comum de prender os jogadores a esta mecânica.

Na segunda forma em que são apresentadas, as loot boxes são vendidas como um atalho, uma facilitação do jogo, fazendo com o que jogadores se utilizem destas mecânicas para conseguir itens melhores, sem necessariamente ter que jogar para isso, estando presentes em jogos com um nível de dificuldade elevado, o jogador é preso por centenas ou até mesmo milhares de horas jogadas para desbloquear os itens que almeja, estando presente em jogos com proposta mais competitiva, do quais itens melhores darão vantagem ao jogador que os possuir.

DOS ASPECTOS JURÍDICOS DAS LOOTBOXES

Inicialmente, merece destaque que ao dissecar as compras de loot boxes, será feita a análise sob a ótica do direito privado, presumindo assim que estas relações gozarão dos deveres e das proteções dadas pelos direitos civis e dos consumidores.

E conforme foi falado no capítulo anterior, loot boxes nada mais são que sorteios de itens aleatórios, em contrapartida o jogador paga uma quantia em dinheiro, recebendo ali no ato os itens do pacote comprado, podendo variar desde nada de valor significante para aquele jogo em especial, até mesmo um item de valor para ele e outros jogadores.

Estando mais que evidente, mas nada custa reforçar, que estes contratos são aleatórios, dado que, no momento em que o jogador paga o preço cobrado, não há ao certo o conhecimento de quais itens serão sorteados, contando apenas com a sorte e como visualizaremos adiante, pode não ser o único fator a influenciar o resultado.

Mais especificamente, por conta da sua natureza se trata-se de um contrato aleatório[8] emptio rei speratae, haja vista que a lootbox sempre entregará uma determinada quantidade de itens, porém as características como valor ou importância variam conforme as probabilidades, podendo adquirir nada que tenha valor, nem mesmo sentimental, ou sejam entregues itens que não só satisfará o jogador, mas  também de grande valor dentro da economia interna do jogo.

Destacando que para que seja considerado um contrato desta natureza é essencial que a empresa desenvolvedora dos jogos não tenha controle sobre o sorteio dos itens presentes nas caixas, o artigo toma como pressuposto que o sistema de caixa de loot funciona de maneira independente e autônoma, sem qualquer influência no resultado.

Não assistindo direito ao jogador, caso venha a reclamar por não ter recebido nada que tenha valor significativo, salvo se tenha sido alvo de lesão, esta não recaindo sobre os efeitos naturais do contrato, mas por exemplo, ficar constatado que uma empresa altera as probabilidades de ganho para manter os jogadores consumindo loot boxes.

Trata-se também, de relação de consumo, haja vista que o jogador adquire uma cópia do jogo como usuário final, da mesma forma, também a adquire as loot boxes para fins de uso pessoal.

E apesar de ser uma definição contratual trazida pelo código civil, este contrato será regulado pelos direitos e proteções dadas ao consumidor, fazendo assim um diálogo entre os dois ordenamentos jurídicos.

Dado que, além de uma relação contratual (contrato aleatório), também envolve a compra de produtos para consumo, o que atrai a legislação que protege o consumidor para os casos em que existem, não só a compra do jogo, mas também das compras dentro dos jogos eletrônicos.

Ademais, as loot boxes são produtos independentes do jogo principal, haja vista que o jogo pode cumprir tudo ao que se propõe, mas pode causar danos aos consumidores com relação apenas às mecânicas de compra e sorteio de itens[9].

Desta maneira, quando adquire loot boxes o jogador terá as proteções elencadas nos artigos 6º a 10º do Código de Defesa do Consumidor[10][11], quer sejam a proteção à vida, saúde e segurança, o acesso informação adequada dos produtos que está adquirindo, a exemplo da probabilidade de obtenção dos itens em loot boxes, a proteção à publicidade abusiva ou enganosa, a revisão de cláusulas contratuais desfavoráveis e por fim, o direito a reparação por danos.

Assim, os direitos que forem violados em razão da prática de inserir loot boxes nos jogos eletrônicos, terão reflexos na legislação civil e também na legislação de proteção ao consumidor.

DA LEGALIDADE OU ILEGALIDADE DO USO DE LOOTBOXES NOS JOGOS

 Passadas as conceituações jurídicas do que são as loot boxes, se faz necessário atacar os problemas circundantes a esta prática, porém, não somente condenar as empresas que as adotam, mas apontar quando e onde o seu uso não ferirá o ordenamento jurídico.

DA FALTA DE TRANSPARÊNCIA

Inicialmente, cabe destacar que desenvolvedoras de jogos, quando implantam as mecânicas de loot boxes nos jogos, não fornecem os dados a respeito das probabilidades, o que por sua vez torna impossível que um jogador possa, por sua própria conta, ter ciência das chances de receber os itens que serão sorteados.

Ora, não apresentar estes dados já seria suficientemente ruim para os jogadores, não apenas pela falta de acesso de informação como também não pode ser auditada, sendo a mecânica de loot box suscetível a fraude, posto que o consumidor não sabe as reais chances de obter um item via caixas de loot, sendo o acesso a informação ser um direito presente no artigo 6º inciso III do Código de Defesa do Consumidor: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”

Tão pouco, as desenvolvedoras repassam aos consumidores a mudanças posteriores no dados e probabilidade dos sorteios das caixas de loot, omitindo estas informações do alcance dos consumidores.

O que abre uma margem para fraudes nas vendas de caixas de loot, através da modificação maliciosa das probabilidades de um sorteio, forçando o jogador a gastar mais dinheiro, através do induzimento malicioso.

Adotando um exemplo, a empresa que desenvolve e distribui o game Fifa 18[12], Eletronic Arts, inseriu neste mesmo jogo, uma mecânica de loot box que se assemelha muito a um álbum de figurinhas de times de futebol, sendo que os jogadores sorteados ali, poderão ser utilizados como membros do seu time, contudo a desenvolvedora deste jogo não fornece os dados de probabilidade dos sorteios das loot boxes.

E utilizando este mesmo exemplo, mas apenas para fins acadêmicos, acaba-se descobrindo que por não ser obrigada a expor as probabilidades dos sorteios de jogadores de futebol nas loot boxes, a Eletronic Arts passasse a modificar essas chances fazendo com que os consumidores fossem induzidos a gastar mais, na esperança de que terá os melhores jogadores.

Veja, o fato de uma empresa não ser transparente, por si só já viola o Código de Defesa do Consumidor, porém, a transparência não é apenas mero requisito legal, é ferramenta de proteção ao próprio consumidor.

Consequentemente a transparência é a base das relações de consumo, o consumidor deve saber o que ele está contratando para que possa assumir as consequências derivadas de um determinado contrato.

Assim, o jogador precisa dos dados relativos as probabilidades de obtenção de itens das caixas de loot e estes mesmos dados devem ser acessíveis para o consumidor, além de ter os meios para a auditar estas informações, quer seja uma ferramenta pública ou privada.

Compreendendo assim o que foi mencionado por Flávio Tartuce[13], a respeito do dever de informar e o direito de ser informado, correspondendo as informações que sempre devem estar à disposição do consumidor, bem como o direito que este tem de solicitá-las e de ser atendido, afim de assegurar que o consumidor saiba, exatamente, o que está comprando e os riscos aos quais ele se submete ao adquirir uma loot Box[14].

Registre-se que o Ministério da Cultura da República Popular da China divulgou que foram aprovadas novas leis que trazem novas regras para garantir a transparência dos dados relativos as chances de obtenção de itens nas caixas de loot[15].

Ao invés de proibir a venda de loot boxes em todo território chinês, estas novas leis obrigam as desenvolvedoras a fornecerem estes dados, optando por fornecê-lo no site oficial do jogo ou por meio de sessão própria na loja virtual, algo similar ao que a legislação brasileira estabelece, necessitando apenas de uma regulação administrativa, a exemplo de uma portaria.

DA PUBLICIDADE ENGANOSA

Tem-se por publicidade enganosa, aquela que é conceituada como a distribuição de informação ou forma de comunicação de caráter publicitário, que age ou se omite para induzir em erro o consumidor, fazendo-o adquirir um produtor que não corresponde ao desejado[16]. 

Como se pode observar, a omissão[17] de uma característica capaz de influenciar a compra de um produto se enquadra no conceito de publicidade enganosa, a exemplo, de como as desenvolvedoras de jogos eletrônicos omitem a presença de caixas de loot em seus produtos.

Como resultado, há a compra massiva de jogos eletrônicos com temáticas populares, o que, aos olhos da desenvolvedora, se torna uma grande oportunidade de inserir loot boxes em seus produtos, sem a obrigação de informar aos consumidores.

Adotando mais um exemplo prático, o jogo Star Wars Battlefront 2 se passa no universo da conhecida franquia de filmes homônima, o jogador disputa por objetivos em partidas para multijogadores na pele dos soldados que travam as guerras ficcionais daquele universo.

Ora, por contar com números fãs que assistem passivamente o desenrolar das histórias desta franquia de filmes, não é espantoso pensar no sucesso de um jogo que expande a imersão e te coloca no centro dos eventos explorados nos filmes.

O atrativo se dá na chance de estar na pele dos heróis e soldados dos filmes, disputando em meio a uma arena de batalha frenética, porém, se utilizando da fama dos filmes, Star Wars Battlefront 2 implantou um sistema de jogo fundamentado nas vendas de itens via loot boxes.

O desbloqueio de itens utilizando apenas a economia interna do jogo, sem utilização de compra por dinheiro real, necessitaria de milhares de horas jogadas, aproximadamente 5.000 horas continuas forçando os jogadores, caso quisessem desfrutar de toda experiência, a comprarem caixas de loot utilizando dinheiro real, quantificados em US$ 2.100,00.

Um detalhe que foi ocultado, enganando os consumidores, estes descobriram apenas quando adquiriram suas cópias do jogo, quando já era tarde demais para devolver o dinheiro pago.

Outro exemplo de como essa prática é prejudicial, foi a sequência do consagrado “Terra Média: Sombras de Mordor” que surpreendeu tanto o público quanto a concorrência, ao apresentar não só um jogo que se passava dentro do universo do autor J. R.R Tolkien, mas também uma revolucionária mecânica chamada em “Sistema Nêmeses”, onde os inimigos aprendiam e modificavam sua forma de agir no jogo conforme o jogador progredia ou era vitimado no processo.

A esperada sequência, “Terra Média: Sombras da Guerra”, prometia um aprofundamento e melhorias nas mecânicas trazidas pelo antecessor, mas agora o jogador poderia construir o seu próprio exército, a partir do recrutamento de inimigos, denominados capitães.

Porém, esse jogo passou a classificar esses capitães de acordo com a sua força e as vantagens que eles ofereceriam para o exército do jogador e se utilizando recursos similares ao do exemplo anterior “Star Wars: Battlefront II”, limitou o acesso do jogador aos capitães com melhores efeitos sobre o exército, focando-o a comprar as loot boxes.

Ocorre é que as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos anunciam como parte o marketing de seus produtos as mecânicas e temáticas que tornam os jogos atrativos ao público e os induz, maliciosamente, a adquirir as caixas de loot, caso queiram facilitar o jogo e acelerar o ritmo de progressão.

Este tipo de omissão maliciosa merece ser repudiada pelo direito brasileiro, sendo que retira do consumidor o direito de escolha, por mais que ele possa desbloquear o conteúdo sem necessariamente gastar dinheiro para isso, as desenvolvedoras de jogos dificultam o acesso pelas vias tradicionais aos itens, forçando ao consumidor a pagar pela chance de obter um prêmio em uma loot box, situação que se agrava ao considerar que estes são jogos pagos.

Há a necessidade de desde antes da compra, o consumidor tenha pleno conhecimento do que ele está adquirindo e que ele não será penalizado por não escolher gastar mais dinheiro em jogo, além do que será desembolsado para a aquisição daquele produto, considerando que a presença de caixas de loot em jogo é fator que pode influencia na compra de jogos eletrônicos.

Veja, não há motivo para proibir que loot boxes sejam vendidas em jogos eletrônicos, o que se espera é que o consumidor não seja induzido a adquirir um produto e seja obrigado a gastar mais para ter uma experiência da qual ele já pagou, devendo este conteúdo adicional, ser optativo e preferencialmente cosmético.

E mesmo que a desenvolvedoras de jogos eletrônicos se proponha a mutilar parte da experiência com a finalidade de vender caixas de loot e assim, ter o seu foco não no produto, mas no puro lucro, que isto seja de conhecimento do consumidor para que ele, por sua própria conta e risco, compre determinado jogo, sabendo das condições que serão impostas a ele.

Tal forma de divulgação se mostra interessante até mesmo para empresas, pois, quanto menos honestas elas forem a respeito de seus produtos, pior será repercussão do público, que se sente enganado, justamente por não saber o que aquele produto lhe reservava.

Interessante é o diálogo entre este capítulo e o anterior, aqui, a aplicação do princípio da transparência também é fundamental, naquele a sua presença se dá no tocante ao tratamento do acesso as probabilidades de ganho na loot boxes, neste trata do nível de induzimento que uma peça publicitária pode ter ao influenciar a compra de um jogo, algo se faz presentes em julgados do Superior Tribunal de Justiça[18]. 

Por fim, merece reforçar o que foi estabelecido acima, de que as empresas devem prezar pela informação adequada e informar os consumidores a respeito da presença de conteúdo pago adicional em seus jogos ao invés da omissão dolosa e prejuízo dos jogadores.

CONCLUSÃO

Dado o que foi exposto anteriormente, é possível compreender que as mecânicas de loot box que forem aplicadas preferencialmente sem a diminuição da experiência do jogador ou contenham meramente itens de natureza cosmética.

Porém, se optarem por fazer com que parte da experiência seja em razão das vendas de loot boxes, que isto esteja ao alcance do consumidor antes da realização da compra, evitando assim, um atrito com a lei.

O uso da mecânica de caixas de loot é reconhecidamente uma maneira viável de retorno financeiro para as desenvolvedoras, afinal, é através destes produtos que outros projetos de jogos eletrônicos serão financiados e é muito melhor que esse dinheiro venha através de uma relação voluntária e privada do que através de financiamento com recursos estatais.

As empresas não podem se omitir quanto a sua presença nos jogos, tão pouco ocultar que o jogador será prejudicado, caso não realize a compra de caixa de loot com determinada frequência para ter a experiência que o interessou no momento da compra.

O consumidor, deve comprar as loot boxes se for da sua conveniência e não porque foi forçado, devendo as empresas que adotarem estas mecânicas, devem tomar todas as providências para informar o jogador que elas estarão presentes nos jogos.

A desenvolvedoras devem também, caso optem por adicionar loot boxes em seus jogos, trazer informações claras a respeito das modalidades de caixas e sua classificação, bem como, informar ao consumidor as probabilidades de obtenção destes itens através dos sorteios das loot boxes.

Por outro lado, não há necessidade de nova lei para tratar exclusivamente deste assunto, o aparelho legal brasileiro já traz medidas que servem bem às necessidades dos consumidores, quando se encontrarem em violação dos seus direitos.

Os princípios que regem os direitos consumidor juntamente com os princípios da livre e iniciativa[19] e livre concorrência[20], presentes no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal, dão os limites para a aplicação das caixas de loot no mercado de jogos brasileiro.

Sendo mais adequado o uso de medidas administrativas regulamentares, dando melhor cumprimento às proteções dadas pela legislação consumerista e pela Constituição Federal[21], estabelecendo parâmetros para o uso das loot boxes nos jogos comercializados no território brasileiro.

Assim sendo, estas intervenções devem ser pontuais e exclusivamente para garantir transparência e segurança quando se trata de caixas de loot, não devem interferir na comercialização dos os jogos, cabendo a escolha ser do consumidor e o controle feito pelo mercado.

REFERÊNCIAS E FONTES

[1] Santino, R. (09 de 09 de 2013). Custo de produção de GTA 5 é o mais alto da história dos games Fonte: Olhar Digital: https://olhardigital.com.br/games-e-consoles/noticia/custo-de-producao-de-gta-5-e-o-mais-alto-da-historia-dos-games/37394.

[2] Pereira, A. L. (03 de 01 de 2020). Indústria dos Games Movimentou US$ 120 bilhões em 2019. Fonte: Tecmundo: https://www.tecmundo.com.br/cultura-geek/148956-industria-games-movimentou-us-120-bilhoes-2019.htm

[3]Kelion, L. (27 de 11 de 2014). Ubisoft apologises for Assassin’s Creed Unity bugs. Fonte: BBC News: https://www.bbc.com/news/technology-30226586.

[4] Mognon, M. (13 de 02 de 2018). Activision Blizzard fez US$ 4 bilhões com microtransações, loot boxes e DLCs em 2017. Fonte: Adrenaline: https://adrenaline.com.br/noticias/v/54251/activision-blizzard-fez-uss-4-bilhoes-com-microtransacoes-loot-boxes-e-dlcs-em-2017

[5]Castelli, I. (07 de 10 de 2014). SISTEMA NEMESIS É UM DOS GRANDES DESTAQUES DE SHADOW OF MORDOR. Fonte: Voxel: https://www.voxel.com.br/noticias/sistema-nemesis-grandes-destaques-shadow-of-mordor_798290.htm

[6]Romer, R. (24 de 12 de 2017). As loot boxes destruíram Star Wars, mas isso pode ser ótimo para os gamers. Fonte: The Enemy: https://www.theenemy.com.br/star-wars-battlefront-ii/as-loot-boxes-destruiram-star-wars-mas-isso-pode-ser-otimo-para-os

[7]Belfort, H. (02 de 03 de 2010). Como funciona a tributação sobre jogos eletrônicos? Fonte: Tecmundo: https://www.tecmundo.com.br/xbox-360/3751-como-funciona-a-tributacao-sobre-os-jogos-eletronicos-.htm

[8] Aqui há conceituação feita por Paulo Nader “Enquanto nos aleatórios por natureza a álea constitui a razão constitutiva do contrato, como no jogo ou aposta, nos acidentalmente aleatórios é apenas um de seus elementos não essenciais, como na compra e venda de coisa futura e sujeita a riscos. ” (Nader, Paulo, Curso de Direito Civil, V.3, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, p. 172)

[9] Essa categorização mostra importante, pois ao promover uma futura ordem judicial poderá suspender a venda das lootboxes sem necessariamente retirar o jogo do mercado, embasado no conceito de que são produtos independentes, porém interligados.

[10]  Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (…)

[11] Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

[12]Antonio, J. (12 de 09 de 2018). EA está sob investigação criminal por conta de loot boxes em FIFA 18. Fonte: Combo Infinito: https://www.comboinfinito.com.br/principal/ea-esta-sob-investigacao-criminal-por-conta-de-loot-boxes-em-fifa-18/

[13]“A informação, no âmbito jurídico, tem dupla face: o dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o seu produto ou serviço ao mercado, e o segundo, com o consumidor vulnerável. ” (Tartuce, Flávio Manual de direito do consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p.55).

[14]“A exposição de motivos do Código de Defesa do Consumidor, sob esse ângulo, esclarece a razão de ser do direito à informação no sentido de que: ‘O acesso dos consumidores a uma informação adequada que lhes permita fazer escolhas bem seguras conforme os desejos enecessidades de cada um’ (Exposição de Motivos do Código de Defesa do Consumidor. Diário do Congresso Nacional, Seção II, 3 de maio de 1989, p. 1.663). (…). A informação ao consumidor, tem como escopo: ‘i) consciencialização crítica dos desejos de consumo e da priorização das preferências que lhes digam respeito; ii) possibilitação de que sejam averiguados, de acordo com critérios técnicos e econômicos acessíveis ao leigo, as qualidades e o preço de cada produto ou de cada serviço; iii) criação e multiplicação de oportunidades para comparar os diversificados produtos; iv) conhecimento das posições jurídicas subjetivas próprias e alheias que se manifestam na contextualidade das séries infindáveis de situações de consumo; v) agilização e efetivação da presença estatal preventiva, mediadora, ou decisória, de conflitos do mercado de consumo’ (Alcides Tomasetti Junior. O objetivo de transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de informação das declarações negociais para consumo, in Revista de Direito do Consumidor, n. 4, São Paulo: Revista dos Tribunais, número especial, 1992, pp. 52-90). (…). Deveras, é forçoso concluir que o direto à informação tem como desígnio promover completo esclarecimento quanto à escolha plenamente consciente do consumidor, de maneira a equilibrar a relação de vulnerabilidade do consumidor, colocando-o em posição de segurança na negociação de consumo, acerca dos dados relevantes para que a compra do produto ou serviço ofertado seja feita de maneira consciente” (STJ – REsp 976.836/RS – Primeira Seção – Rel. Min. Luiz Fux – j. 25.08.2010 – DJe 05.10.2010).

[15] Gogoni, R. (23 de 09 de 2017). China vai obrigar games a informar drop rates de itens aos jogadores. Fonte: Meio Bit: https://meiobit.com/356683/china-novas-leis-vao-obrigar-games-a-revelarem-as-chances-de-se-conseguir-itens-atraves-de-sistema-de-loot/(Gogoni, 2017)

[16]Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

[17] Na publicidade enganosa por omissão há um dolo negativo, com atuação omissiva. Conforme o § 3º do art. 37 do CDC, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. ” (Tartuce, Flávio Manual de direito do consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p.423).

[18] “O art. 6º, III, do CDC institui o dever de informação e consagra o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, porquanto a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada” (REsp n. 1.121.275-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27.3.2012, DJe 17.4.2012).

[19] Destacando que a livre iniciativa, além de princípio, também é fundamento da República, conforme o artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

[20] “Como desdobramento da livre-iniciativa, a livre concorrência aparece como princípio da Ordem Econômica, devendo ser balizada pelos ditames da justiça social e da dignidade. ” (Lenza, Pedro Direito constitucional esquematizado® / Pedro Lenza. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado ®))

[21] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; (…)