Resumo: A arguição de descumprimento de preceito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro é ação proposta ao Supremo Tribunal Federal com o fito de evitar ou reparar a lesão ao preceito fundamental resultante de ato do Poder Público. Não serve para questionar a constitucionalidade de lei, exceto as leis municipais anteriores à CF/1988. O conceito de preceito fundamental é sedimentado tanto pela doutrina como pela jurisprudência pátria.
Palavras-chave: Preceito Fundamental. Direito Constitucional. Constituição Federal do Brasil de 1988. Estado Democrático de Direito.
No processo constitucional, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental exista na defesa do Estado Democrático de Direito, sendo um instrumento especial para provocação da jurisdição constitucional, dando ensejo a um controle concentrado de constitucionalidade, cujo processo e julgamento é feito pelo Supremo Tribunal Federal, após iniciativa dos legitimados constitucionais, estabelecidos no rol do artigo 103 da Constituição Federal brasileira de 1988.
O objeto da impugnação pela arguição de descumprimento são os atos do Poder Público, conforme o artigo 1º, caput da Lei 9.882/1999, sejam estes normativos, sejam estes de efeito concreto, desde que não haja outro meio eficaz para sanar a lesividade, de acordo com o artigo 4, §1º do mesmo diploma legal. O instrumento tem, portanto, nítida característica subsidiária, que procura complementar o complexo sistema de controle de constitucionalidade do direito brasileiro. Por preceitos constitucionais fundamentais, regras ou princípios, explícitos ou implícitos, que caracterizam, que caracterizam a essência da Constituição brasileira, que funcionam como parâmetro de sindicabilidade do instituto.
O conceito de preceito fundamental[1] mostra-se, infelizmente, muito vago. Não é expressão sinônima de princípios fundamentais, de sorte que abrange todas as prescrições que dão sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, DF, municípios e, principalmente, as relativas aos direitos garantias fundamentais.
Segundo Luís Roberto Barroso, nem a Constituição nem a lei cuidaram de precisar o sentido e alcance da locução “preceito fundamental”, transferindo tal tarefa para especulação da doutrina e a casuística da jurisprudência. Intuitivamente, preceito fundamental não corresponde a todo e qualquer preceito da Constituição[2].
Lembremos que a Constituição Federal vigente se encontra em posição hierárquica superior no ordenamento jurídico, inclusive dando fundamento de validade às demais normas infraconstitucionais. Os princípios, valores e escolhas constitucionais condicionam a interpretação e aplicação das demais normas do ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito, e impôs tarefas tanto às pessoas como aos órgãos que exercem a atividade relacionado ao poder do Estado, os quais são responsáveis por concretizar efetivamente a vontade constitucional.
Realizando as missões impostas pelo texto constitucional conforme os valores desta, os poderes constituídos aa convertem em força ativa na sociedade,
Preterindo a vontade de poder e prestigiando, assim, a vontade da Constituição. A superioridade da força normativa da Constituição Federal está presente no ordenamento jurídico brasileiro. E deve ser respeitada pelos governos bem como pelos demais órgãos do Estado, que assumem a responsabilidade por sua concretização integral, não apenas no que se refere aos interesses das classes sociais hegemônicas, mas, também quanto aos interesses das classes sociais que buscam a emancipação.
Dentre as preocupações sociais constantes e o fortalecimento desses interesses devem nortear a interpretação e aplicação dos dispositivos constitucionais, gerando assim, a efetiva eficácia de valores sociais, sob pena da Constituição Federal se transformar em mera folha de papel, ou letra morta.
A interpretação dada à arguição de descumprimento de preceito fundamental, instituto criado pela Constituição Federal vigente no artigo 102, §1º, bem como sua respectiva regulamentação através da Lei 9.882/1999 e está condicionada aos fundamentos democráticos e constitucionais que ensejaram a criação do Estado brasileiro e a defesa dos direitos fundamentais por este estabelecidos.
O instrumento que permite o exercício de um controle concentrado de constitucionalidade e, deve servir como ampliação do alargamento da jurisdição constitucional da liberdade e da igualdade social a ser exercida pelo STF. O seu objetivo traduz-se na tutela brasileira que buscam a efetividade de uma Constituição normativa, não apenas válida juridicamente, mas que seja viva, efetivamente vivida pelos destinatários e detentores do poder, que se adaptam à Constituição, e somente a esta, encontrando um ambiente favorável para sua realização.
A Constituição é fruto de uma maioria roussoniana. Reforçando o pacto social de nossa comunidade civil e política. A Carta Magna é resultante, portanto, a síntese adequada de um processo de estruturação institucional. Trata-se de Lei Suprema que abrange, segundo a expressão de Huber, a mobilidade dos acontecimentos políticos de forma firme.
Apesar de os valores e princípios constitucionais devessem nortear os órgãos do poder político que participam da elaboração legislativa da Lei 9.882/1999, com intenção de transformar a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental em um instrumento de defesa de governabilidade e não da Constituição Federal e dos direitos fundamentais. Enfim, uma interpretação isolada e negligente da lei poderá caminhar nesse sentido.
Enfim, para a devida compreensão e análise crítica do referido diploma legal torna-se importante observar os principais aspectos presentes durante o processo legislativo.
Lembremos que em março de 1997, foi apresentado o Projeto de Lei 1.872, de autoria da Deputada Sandra Starling, pretendendo regulamentar o artigo 102, 1º da Constituição Federal brasileira de 1988, o qual estabelece sob o nome juris de reclamação, a possibilidade do STF verificar, através de pedido de um décimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, o descumprimento de preceito constitucional fundamental na interpretação ou aplicação dos regimentos internos de uma das Casas Legislativas do Congresso Nacional no processo legislativo de elaboração das normas previstas no artigo 59 CFRB/1988.
Por meio desta iniciativa, constatou-se a intenção da parlamentar de possibilidade a fiscalização de constitucionalidade dos atos interna corporis do Poder Legislativo, no momento de elaboração dos atos normativos primários, a fim de garantir a supremacia da Constituição e, procurava ainda, densificar o princípio majoritário, da organização dos Poderes, pois este, não exclui, antes respeita, o pensamento alternativo, que seria consubstanciado no pedido de uma minoria parlamentar.
Ensina J. J. Gomes Canotilho, In: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, quanto ao princípio majoritário: “A maioria não pode dispor de toda a ‘legalidade’, ou seja, não lhe está facultado, pelo simples facto de ser maioria, tornar disponível o que é indisponível, como acontece, por exemplo, com os direitos, liberdades e garantias e, em geral, com toda a disciplina constitucionalmente fixada (o princípio da constitucionalidade sobrepõe-se ao princípio majoritário). Por vezes, a importância do assunto exige maiorias qualificadas não só para se garantir a bondade intrínseca da decisão, mas também para a proteção das minorias[3].
Por último, devem referir-se os limites internos do princípio majoritário: se ele tem a seu favor a possibilidade de as suas decisões se tornarem vinculativas por serem sufragadas por um maior número de cidadãos, isso não significa que a solução majoritária seja materialmente mais justa nem a única verdadeira”.
Em julho de 1997, em paralelo, foi instituída pelo Ministério da Justiça uma Comissão Especial com a finalidade de apresentar sugestões ao Poder Executivo para a regulamentação do artigo 102, §1º, da Constituição Federal. O anteprojeto foi apresentado por tal comissão que se preocupou em estabelecer principais aspectos do processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, bem como procura, através de uma arguição incidental, introduzir a figura do incidente de inconstitucionalidade no sistema jurídico brasileiro. Porém, resulta em proposta totalmente diversa do Projeto de Lei inaugural, se de um lado pode-se perceber a intenção de ampliar os objetos inspecionáveis pelo controle concentrado de constitucionalidade, realizado pelo STF, reduzindo de certa forma o espaço para o exercício do controle difuso de constitucionalidade por qualquer juiz ou tribunal, pretendendo limitar a liberdade de julgar, determinando, até que a decisão na ADPF terá eficácia em face de todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.
O resultado final dos estudos realizado pela referida Comissão especial estava harmonizado com uma preocupação do governo em neutralizar liminares concedidas e contrárias às privatizações, especialmente, naquele momento, da Companhia Vale do Rio Doce. A fora isso, a ampliação dos objetos fiscalizáveis através do controle concentrado de constitucionalidade, outros pontos devem ser sublinhados, a saber: a) previsão do rol de legitimados para propor a ADPF, incluindo a legitimidade aberta, isto é, de qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público; b) requisitos da petição inicial e a característica subsidiária do instituto; c) possibilidade de medida liminar, por um quórum específico, bem como seus efeitos, como a suspensão de processos de jurisdição ordinária; d) possibilidade de decisão (quando a lei ou ato normativo for declarado inconstitucional), irrecorribilidade e cabimento de reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo STF.
Já, em maio de 1998, o projeto de lei inaugural recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação na Câmara dos Deputados, mas com a sugestão de sua aprovação na forma de emenda substitutiva, apresentada pelo relator do projeto, deputado Prisco Viana. Este substitutivo apresentado tinha direta inspiração no anteprojeto apresentado pela Comissão Especial instituída pelo Ministério da Justiça, com mínimas e não substanciais alterações, exceto por procura contemplar o projeto de lei inaugural, quanto à possibilidade de impugnar os dispositivos dos regimentos internos das Casas Legislativas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no que se refere à elaboração de atos normativos primários, vide o artigo 59 CFRB/1988.
Após a aprovação pela deliberação parlamentar foi substitutivo enviado à sanção presidencial e, foram vetados por serem considerados inconstitucionais, os dispositivos relacionados ao cabimento e efeitos da decisão da ADPF em face da interpretação ou aplicação dos regimentos internos do Legislativo, no processo de elaboração de normas. As razões de veto consistiram na impossibilidade de se facultar ao STF a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à matéria interna corporis.
Restaram, portanto, os dispositivos que haviam sido elaborados pela Comissão Especial, composta pelo próprio Poder Executivo.
Outro importante dispositivo também vetado, por razões de contrariedade ao interesse público uma legitimidade aberta para o ingresso do instrumento por qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público. Esta possibilidade, descartada pelo veto presidencial, possibilitaria uma democratização do acesso à jurisdição constitucional, através da ADPF. Também esta ausência verificada prejudica, em boa parte, estabelecer paralelo entre o instituto pátrio e os incidentes de inconstitucionalidade estrangeiros.
Observa-se que com a regulamentação da ADPF, os órgãos do poder político, principalmente, o Poder Executivo, responsáveis pela elaboração da lei pretenderam concentrar o controle de todos os atos do Poder Público no STF, reduzindo assim o espaço para o exercício do controle difuso de constitucionalidade.
Porém, a lei ao integrar o ordenamento jurídico brasileiro ganhou vida autônoma e, para a defesa da Constituição e dos direitos fundamentais, deve o Tribunal Constitucional interpretá-la criticamente, aproveitando suas virtudes, fazendo valer os valores instituídos pelo texto constitucional brasileiro vigente.
No caso da interpretação dada ao novo instituto caminhe em prol da proteção de medidas governamentais, centralizando o debate judicial de atos do Poder Público no STF, o que se terá na verdade é um instrumento colocado à disposição do governo para fazer valer uma política a ser implementada.
Assim, na relação entre Estado versus indivíduo[4], que sucedeu a relação anterior soberano versus súdito, do Estado absolutista, ao invés do instituto estar inserido como meio de proteção de direitos fundamentais do indivíduo, criar-se-ia, um instituto de proteção dos interesses do Estado, sendo um autêntico incidente de inconstitucionalidade às avessas.
Conclui-se que na aplicação da ADPF, principalmente, quanto aos efeitos, deve o STF, explorando suas positivas características, procurar interpretá-la como instrumento destinado à proteção de direitos fundamentais, aproximando, pelo menos em sua finalidade, ao instituto pátrio de incidentes de inconstitucionalidade europeus. Só assim, o STF estará defendendo a própria Constituição, da qual é guardião e, ainda, o Estado Democrático de Direito por esta instituído.
Torna-se de interesse, não exaustivo, a partir de visão condicionada pelos princípios constitucionais e pela vontade da Constituição discutir alguns aspectos controversos da ADPF, a saber:
- aproveitamento de constitucionalidade da arguição incidental, a partir de uma interpretação conforme a Constituição, com a possibilidade de cautelar para suspender o andamento de processos na jurisdição ordinária que causa lesão ao direito fundamental; b) a verificação de um descumprimento como característica constitucional da arguição e seus consequentes reflexos na decisão final, impossibilitando a utilização do instrumento para ratificar a presunção de constitucionalidade doa to do Poder Público; e c) constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo legal que permite a modulação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade pelo STF.
Segundo balizada doutrina sobre a Lei 9.882/1999 é possível extrair dos dispositivos legais que regulamentam o instituto uma classificação da arguição em autônoma (direta ou principal) e incidental (paralela ou incidente processual de constitucionalidade). A arguição autônoma possui características bem próximas a outros mecanismos que suscitam fiscalização concentrada e abstrata de constitucionalidade exercida pelo STF como ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão e, a ação declaratória de constitucionalidade.
Nesta espécie de arguição, o que se busca essencial é a defesa da ordem jurídica constitucional objetiva.
Já a arguição incidental, dependendo da interpretação que lhe for dada, pode encontrar semelhanças com os incidentes de inconstitucionalidade do direito estrangeiro (a Verfassungesbeschwerde alemã, a Beschwerde austríaca e o recurso de amparo espanhol), instrumentos que possibilitam a suspensão de processos que tramitam na jurisdição ordinária até a solução da controvérsia constitucional pelo tribunal guardião da Constituição.
Portanto, pressupõe processo anterior, submetido a qualquer juízo ou tribunal, envolvendo uma questão constitucional, cujo parâmetro de controle seja um preceito constitucional fundamental. Tal modalidade de arguição proporcionaria controle concentrado de constitucionalidade a partir de um caso concreto, encontrando como antecedente no direito brasileiro, neste aspecto, a representação de inconstitucionalidade interventiva que também segue um modelo de fiscalização concentrada e concreta, quando desobedecidos os princípios constitucionais sensíveis[5] (artigo 34, VII da CFRB/1988).
A espécie incidental decorreria de dispositivos assimetricamente colocados na Lei 9.882/1999, como o artigo 5, §3º a liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento do processo, e o artigo 6º, §1º poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a ADPF.
Sublinhe-se, ainda, que a espécie incidental, como a própria Lei 9.882/1999 regulamentadora da ADPF é objeto que está sendo impugnado por meio de ação direta de inconstitucionalidade 2231-DF[6], ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, no STF
Uma vez iniciado o julgamento de medida cautelar nesta ação direta de inconstitucionalidade, aos cinco dias de dezembro de 2001, o Ministro Néri da Silveira, relator, votou pelo seu deferimento, no tocante à arguição incidental, a fim de excluir a possibilidade de utilização deste instrumento nas controvérsias constitucionais concretamente já colocadas em juízo.
Assim, votou pela suspensão da eficácia do artigo 1º, parágrafo único I da Lei 9.882/1999, por identificar a modalidade com este dispositivo e consequentemente do artigo 5, §3º, do mesmo diploma legal[7], pois conforme seu entendimento a suspensão de processo ou dos efeitos de decisões judiciais não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas tão só por via de Emenda Constitucional.
Em seguida, o julgamento foi suspenso, com pedido de vista dos autos pelo Ministro Sepúlveda Pertence.
Apesar do voto cuidadoso do Ministro Néri da Silveira, que consubstancia uma garantia da formação livre e espontânea da convicção dos juízes e tribunais na jurisdição ordinária, ao considerar liminarmente inconstitucional a modalidade incidental de arguição, com seus possíveis efeitos, seria possível, a partir de uma interpretação conforme a Constituição, preservar sua constitucionalidade.
O objetivo de salvar a arguição incidental seria proporcionar à medida uma condição de incidente de inconstitucionalidade
segundo os moldes daqueles do direito europeu, em defesa dos direitos fundamentais, e não um incidente de inconstitucionalidade às avessas, em defesa de medidas governamentais que deve ser imediatamente descartado, por contrariar e violar os princípios e valores conquistados pela Constituição Federal brasileira de 1988.
Reconhece-se que o sistema complexo de constitucionalidade que foi adotado pela Constituição de 1988 contempla tanto o controle concentrado como o controle difuso de constitucionalidade, permitindo que se retire do seu texto um direito constitucional implícito à jurisprudência[8], no sentido de que uma posição final do Poder Judiciário sobre matéria de relevância constitucional seja tomada depois de determinado período, observando as tendências apresentadas pelos juízes e tribunais.
O STF atuando no controle concentrado de constitucionalidade, deve agir com moderação e parcimônia com o fito de não sufocar, prematuramente, a formação livre e espontânea da convicção dos juízes e tribunais na jurisdição ordinária. A concessão de medida cautelar e seus consequentes efeitos apenas estariam de acordo com a Constituição se tivesse por objetivo evitar ou reparar lesão a outro direito fundamental.
Isto porque uma das características dos direitos fundamentais é a limitabilidade, isto é, possíveis espaços de tensão entre os direitos fundamentais devem ser resolvidos adotando um regime de cedência recíproca, usando tanto o princípio da unidade da Constituição como o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
Assim, a modalidade incidental da arguição poderia ser útil como instrumento para transportar ao STF uma controvérsia constitucional, antecipando sua decisão quando a demora para solução pudesse ocasionar dano irreparável a uma das partes, vítima da violação a um direito, no caso fundamental.
A partir desta interpretação seria possível preservar a norma infraconstitucional, com a devida ressalva de que seu uso só encontraria fundamento de validade na Constituição caso o preceito constitucional interessado, mediante representação, solicitar a propositura da arguição ao Procurador-Geral da República nos termos do artigo 2º, §1º da lei.
Portanto, inclusive, os efeitos proporcionados pelo artigo 5, §3º foram utilizados na ADPFnº10-AL, sendo deferida liminar em arguição de descumprimento, suspendendo a vigência dos dispositivos do regimento interno do Tribunal de Justiça de Alagoas que estabelecia uma ação de reclamação para a preservação da competência do mesmo Tribunal e a garantia de suas decisões.
Deve-se atentar para a verificação de um descumprimento como característica constituição para ADPF e o reflexo nos efeitos por esta proporcionados. Afinal, o descumprimento é espécie do gênero inconstitucionalidade, o que significa deixar de cumprir, não satisfazer, não realizar, no caso de não satisfazer, não realizar um preceito constitucional fundamental.
Antes, adverte-se que a inconstitucionalidade não é conceito exclusivo do mundo normativo, podendo estar, também, relacionada ao ato de efeito concreto que descumpre a Constituição Federal brasileira vigente.
Aliás, Alfredo Buzaid[9] já lecionava que diz-se inconstitucional todo ato ou indiretamente contraria a Constituição Federal brasileira. A ofensa resulta da simples inconciliabilidade com esta.
Portanto, a inconstitucionalidade[10] designa uma incompatibilidade com a Constituição, comportando as variações como o descumprimento,
a contrariedade (art. 102, III, a) e a própria inconstitucionalidade (artigo 97, artigo 102, I, a e artigo 125, §2º da CFRB/1988). Mas, todos estes termos utilizados pelo constituinte apresentam em comum, um conceito jurídico-negativo, isto é, apontam para inadequação de um objeto impugnado com um preceito ou princípio constitucional que goza de supremacia no ordenamento jurídico.
A partir da arguição, a constatação de um descumprimento, fazendo parte de seu próprio nomen juris, conforme se atesta pela simples leitura artigo 102, § 1º CFRB. Sendo que a finalidade da ADPF é delimitada pelo texto constitucional, ou seja, é verificar uma contrariedade, incompatibilidade de um ato do Poder Público com um precito constitucional fundamento, ou seja, o descumprimento consagra uma inconstitucionalidade.
Sua principal característica na ADPF em comparação com a ação direta de inconstitucionalidade genérica, pois, ambas objetivam verificar a inconstitucionalidade, a incompatibilidade de um ato do Poder Público, seja concreto ou normativo na arguição de descumprimento ou apenas normativo na ação direta de inconstitucionalidade com a Constituição Cidadã.
É da própria essência do instituto a verificação do descumprimento e não do cumprimento de preceito constitucional fundamental, portanto, pode-se concluir que não é competente para reafirmar a constitucionalidade de determinado ato, como se faz na ação declaratória de constitucionalidade.
A arguição, diferentemente do que pretende o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao argumentar que: poderá ocorrer, assim, a formulação de pleitos com o objetivo de obter a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, toda vez que da controvérsia judicial instaurada possa resultar sério prejuízo à aplicação da norma, com possível lesão a preceito fundamental da CFRB, não é instrumento idôneo para obter a declaração de constitucionalidade de um objeto[11] impugnado. A declaração de constitucionalidade não é traço constitucional da ADPF.
Para arguição, portanto, diferentemente, do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade genérica e com a ação declaratória de constitucionalidade, não se pode pretender dar natureza dúplice ou ambivalente, pois esta pretende verificar o descumprimento, tão-somente, da CFRB/1988.
Assim, é da natureza constitucional do instituto, que se percebe já nas poucas palavras dedicadas pelo texto constitucional vigente, investigar se o objeto apreciado, qualquer ato do Poder Público, concreto ou normativo, posterior ou anterior à Constituição descumpre preceito fundamental decorrente da Constituição e não qualquer preceito constitucional.
Desta forma, a arguição julgada improcedente significa que o ato em análise não descumprimento preceito fundamental constitucional, embora possa ter contrariado outro preceito constitucional que não seja fundamental. Portanto, a arguição não enseja a ratificação de presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, como ocorre com a ação declaratória de constitucionalidade.
Esta inata distinção do instituto, sem dúvida, traz consequências aos efeitos gerados pelas decisões que o mesmo proporciona. Interpretada assim, à luz da CFRB, a ADPF pode ser caracterizada como instrumento de defesa da própria Constituição Federal, principalmente, dos direitos fundamentais nesta elencados.
Em um Estado Democrático de Direito não poderia haver outra interpretação dada ao instituto. A própria noção de Constituição é contrária a esta interpretação, pois tem por origem a defesa e preservação de direitos fundamentais contra abusos, arbitrariedades cometidas pelos órgãos do governo e que são detentores do poder político do Estado.
Assim, o STF ao se transformar em instância única, e não última, de fiscalização e confirmação de atos do Poder Público seria transformá-lo em órgão autoritário e ilegítimo do poder, hipótese contrária ao princípio democrático que norteou o Constituinte de 1988.
O artigo 11[12] da Lei 9.882/1999 permite ao STF por dois terços de seus membros (8 membros) tendo em vista a segurança jurídica[13] ou em excepcional interesse social, restringir ou modular os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, para uma eficácia ex nunc (da decisão de inconstitucionalidade em diante, preservando os efeitos já produzidos até então), ou pro futuro (fixando termo para que o ato passe a ser considerado inaplicável).
O referido dispositivo de questionável constitucionalidade, porque os efeitos da decisão do controle de constitucionalidade devem ser retirados do próprio texto constitucional e não de lei ordinária que, sem critérios objetivos, concede a um órgão constituído determinar as consequências de suas decisões de inconstitucionalidade, mesmo sendo este órgão, a mais alta Corte Judicial brasileira.
Ainda, que não seja o texto expresso do dispositivo legal, reconhece-se inicialmente que a inconstitucionalidade é declarada, ou seja, trata-se de decisão declaratória do descumprimento de um preceito constitucional pelo ato sindicável do Poder Público. O provimento pretendido nas ações que provoquem o controle concentrado de constitucionalidade é declaratório e não desconstitutivo ou constitutivo negativo.
Destaque-se que a natureza do provimento judicial vincula os efeitos temporais das decisões. O processo declaratório tem de pôr fim a declaração da existência ou inexistência de um estado, no caso, de um descumprimento de preceito fundamental por ato do Poder Público, o qual é preexistente ao provimento judicial que reconhece o vício. Já, o processo desconstitutivo, se fosse ocaso, acarretaria a revogação do ato considerado inconstitucional.
Sendo declaratório o provimento judicial, o ato do Poder Público é nulo, pois não retira da Constituição o seu fundamento de validade. E, desta forma, considerando a supremacia da Constituição, o ato é absolutamente inválido. Não há que se cogitar em anulabilidade pois o ato é nulo desde seu nascimento. Há uma superioridade hierárquica das normas constitucionais que as fazem preponderar sobre as normas e os infraconstitucionais.
A declaração de nulidade acompanha a decisão da ADPF, com pedido procedente, produzindo efeitos retroativos, ex tunc, ao momento do nascimento do ato, porque não são admitidos como válidos os efeitos produzidos pelo ato declarado inconstitucional.
O legislador ordinário ainda que utilizando a chamada segurança jurídica ou excepcional interesse social pretendeu contrariar o princípio constitucional implícito de nulidade das leis e atos normativos inconstitucionais.
E, na história constitucional pátria, só há semelhança com o artigo 96 da Constituição brasileira de 1937, a polaca, regra do Estado Novo, in litteris:
“No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal”.
No atual ordenamento jurídico brasileiro norma com tais características deveria ser prevista constitucionalmente, através de Emenda à Constituição, e nunca pelo legislador ordinário, sob pena de inconstitucionalidade do dispositivo legal.
No entanto, em alguns casos concretos, é cediço que a aplicação às cegas do efeito retroativo pode, ainda, gerar situações de inconstitucionalidade, também não admitidas pelo sistema constitucional brasileiro, podendo observar nas decisões do Supremo Tribunal Federal alguns temperamentos na aplicação do efeito ex tunc.
A possibilidade de modulação dos efeitos temporais da decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não justifica o art. 11 da lei n.º 9882/1999. Na realidade o que se pode observar dos exemplos fornecidos pela jurisprudência é a presença de dois valores constitucionais, aparentemente contrários, os quais são sopesados, extraindo de cada um a máxima eficácia possível, de acordo com o princípio da unidade da Constituição.
Não é possível simplesmente, como pode ser subentendido da interpretação do art. 11 da Lei n.º 9882/1999, que o Supremo Tribunal Federal tenha poderes para, mesmo com um quórum qualificado, considerar aplicável, por um determinado período, um ato que descumpre preceito constitucional fundamental, pois isto importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.
A consideração de determinados efeitos produzidos pelo ato considerado inconstitucional deve sempre estar acompanhada de valores contemplados na Constituição e, ainda, também considerados fundamentais, ou seja, de mesma hierarquia axiológica se comparada ao preceito violado pelo ato infraconstitucional.
Desta forma, o Supremo Tribunal Federal não estará convalidando ato infraconstitucional contrário à Constituição, mas estará aplicando a própria Constituição. E, para assim fazer não há razão que justifique a necessidade de um quórum qualificado (dois terços dos membros do Tribunal), até mesmo porque o art. 97 da Constituição (cláusula de reserva de plenário) exige tão somente o voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a aplicação da Constituição.
Para garantir sua liberdade de aplicar a Constituição, afastando pressões políticas futuras, as quais poderiam estar consubstanciadas em abstrações como hipotética “segurança jurídica” e “excepcional interesse social”, é necessário que o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade do art. 11 da lei n.º 9882/1999.
É indispensável que a interpretação do real e possível significado da ADPF esteja condicionada aos fundamentos democráticos que ensejaram a criação do Estado brasileiro, notadamente, o Estado Democrático de Direito. O objetivo do novo instrumento traduz-se em maior proteção da Constituição Federal vigente e dos direitos fundamentais. Independentemente da intenção do Poder Público ao disciplinar o instituto por meio da Lei 9.882/1999, o que trouxe contornos próprios, devendo ser interpretada como instrumento à disposição da proteção dos preceitos fundamentais. É possível deduzir pela lei regulamentadora duas espécies de arguição, uma autônoma e outra de caráter incidental.
A arguição autônoma proporciona, através de um controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, a defesa da ordem jurídica constitucional objetiva, permitindo o surgimento de um processo objetivo em defesa da Constituição. A arguição incidental pressupõe um controle concentrado de constitucionalidade a partir de um caso concreto.
A fim de preservar a constitucionalidade desta espécie de arguição, afastando um óbice que seria a garantia da formação livre e espontânea da convicção dos juízes e tribunais na jurisdição ordinária, torna-se necessário reduzir seu parâmetro de verificação aos direitos fundamentais (interpretação conforme à Constituição) e, desta forma, esse instrumento poderia proporcionar a defesa dos direitos fundamentais, segundo os moldes dos incidentes de inconstitucionalidade europeus.
Trata-se de característica constitucional do ADPF que verificará a contrariedade, descumprimento ou incompatibilidade do ato do Poder Público com o preceito constitucional fundamental. Assim, não se pode aferir natureza dúplice, pois não é meio idôneo para verificar o cumprimento da Constituição, portanto o instrumento não pode servir para reafirmar a constitucionalidade de um ato do Poder Público.
O parâmetro de verificação da arguição de descumprimento são os preceitos fundamentais decorrentes da Constituição e não toda a Constituição Federal vigente. A arguição julgada improcedente significa que o ato impugnado não descumpriu um preceito fundamental, embora possa ter contrariado um preceito constitucional não fundamental, desta não podendo retirar maiores efeitos.
A disposição legal, o artigo 11 da Lei 9.882/1999 que permite ao STF modular os efeitos temporais da decisão final da ADPF da decisão final na ADPF não pode contrariar princípio constitucional, mesmo que implícito, qual seja a sanção de nulidade decorrente da declaração de inconstitucionalidade.
A decisão de mérito na arguição tem eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Público, como dispõe o art. 10, § 3º, da Lei.
Diferentemente da ADC, cujo efeito vinculante está previsto no próprio texto constitucional (art. 102, § 2º), a vinculatividade das decisões definitivas de mérito na arguição está prevista na norma infraconstitucional, abrindo caminho para o questionamento da constitucionalidade desta disposição.
A modulação[14] dos efeitos temporais deverá sempre estar acompanhada por valores contemplados pelo texto constitucional e que também sejam fundamentais[15].
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[1] Cumpre advertir que no julgamento da ADI 2.231-MC/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, Ministro Néri da Silveira, relator, em face da generalidade da formulação do parágrafo único do artigo 1, considerou que esse dispositivo autorizaria, além da arguição autônoma de caráter abstrato, a arguição incidental em processos em curso, a qual não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão só, por via de emenda constitucional, e, portanto, proferiu o voto no sentido de dar ao texto a interpretação conforme à CFRB a fim de excluir de sua aplicação controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo (Inf. 253/STF). Em 07.01.2021 o processo fora redistribuído ao Ministro Luís Roberto Barroso. (vide in: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1828554 ).
Apesar de ainda não julgada a referida ADI, em razão dos precedentes do STF, a tese adotada, há apenas o voto do Ministro Néri da Silveira, proferido em 05.12.2002, certamente, não irá prosperar, até porque existem precedentes nos quais a Corte aplicou a hipótese de ADPF incidental. Em 21.6.2018, aos Ministros acordaram em converter o julgamento cautelar em diligência para instrução do feito e julgamento final do mérito, sinalizando o total esvaziamento. Do requisito da urgência, já que passados mais de dezessete anos da decisão monocrática do Ministro Néri da Silveira. Quanto ao conceito de preceito fundamental pode ser tanto a Constituição Federal, como a lei infraconstitucional deixaram de conceituar o preceito fundamental, cabendo mesmo tal missão à doutrina e, em derradeira instância, ao STF. Até o presente momento, os Ministros do STF não definiram, com precisão, o que entendem por preceito fundamental. Em alguns casos, disseram o que não é preceito fundamental.
[2] Seguindo-se algumas sugestões da doutrina para conceituar preceito fundamental, Cássio Juvenal Faria aponta que os preceitos fundamentais seriam aquelas normas qualificadas, que veiculam princípios e servem de vetores de interpretação das demais normas constitucionais, como por exemplo, os princípios fundamentais do Título I (artigos 1 ao 4); os integrantes da cláusula pétrea (artigo 60, §4º); os chamados “princípios constitucionais sensíveis” (artigo 34., VII); os que integram a enunciação de direitos e garantias fundamentais (Título II); os princípios gerais da atividade econômica (artigo 170) e, etc. Enfim, são os grandes preceitos que informam o sistema constitucional e que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa do alicerce da manifestação constituinte originária.
[3] Segundo o artigo 4º da Lei 9.882/1999 não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outo meio eficaz de sanar a lesividade. O STF tem decidido dar à ADPF caráter subsidiário, ou seja, esta só será aplicada quando não puder ser questionado o ato através de qualquer outra ação. Todavia existem opiniões divergentes em relação à determinação de quais seriam tais ações. Uma das correntes afirma ser a ADPF subsidiária em relação a qualquer ação de controle de constitucionalidade, é a opinião adotada por alguns ministros do STF. E, afirma que a existência de qualquer outa ação que possa suprir a lesividade implicaria na impossibilidade de se propor uma ADPF. Porém, na opinião do Ministro Carlos Velloso essa aplicação máxima do princípio da subsidiariedade reduziria excessivamente a utilidade prática da ADPF. In litteris: (…), sempre existirá, no controle concentrado ou difuso, a possibilidade de utilização de ação ou recurso a fim de sanar lesão a preceito constitucional fundamental. Então, se o Supremo Tribunal Federal der interpretação literal, rigorosa, ao § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, a arguição será, tal qual está ocorrendo com o mandado de injunção, posta de lado. De outro lado, o Supremo Tribunal Federal, na construção da doutrina dessa arguição, deverá proceder com cautela, sob pena de consagrar, por exemplo, a ação direta de inconstitucionalidade de ato normativo municipal em face da Constituição Federal, inclusive dos atos anteriores a esta. E isto o constituinte não quis, nem seria suportável pelo Supremo Tribunal, dado que temos mais de cinco mil municípios. (…) A questão, ao que penso, não está solucionada em definitivo e o Supremo Tribunal Federal certamente voltará ao tema, devendo considerar, repito as palavras ditas anteriormente, que, praticamente, sempre existirá, no controle difuso, ações e recursos que poderiam ser utilizados a fim de sanar a lesividade. Para que serviria, então, a arguição de descumprimento de preceito fundamental? (VELLOSO, citado por MOREIRA, 2003). Ainda existe outra corrente doutrinária que defende ser o princípio da subsidiariedade aplicável apenas em relação às demais ações diretas de controle de constitucionalidade, uma vez que a tutela jurisdicional da ADPF tem caráter objetivo e não pode ser alcançada por ações de cunho subjetivo. Não se pode acreditar que as ações subjetivas tenham o mesmo alcance que as objetivas, uma vez que aquelas têm efeito interpartes e essas possuem efeito erga omnes.
[4] A Rede Sustentabilidade, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Cidadania e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 964, 965, 966 e 967, respectivamente) questionando decreto do presidente da República, Jair Bolsonaro, de 21/4/2022, que concedeu graça constitucional (indulto individual) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). As ações foram distribuídas à ministra Rosa Weber.
[5] A utilização do termo “sensíveis” é de Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946, t. II, p. 55. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 564, expõe que “o termo sensíveis está aí no sentido daquilo que é facilmente percebido pelos sentidos, daquilo que se faz perceber claramente, evidente, visível, manifesto; portanto, princípios sensíveis são aqueles clara e indubitavelmente mostrados pela Constituição, os apontados, enumerados. São sensíveis em outro sentido, como coisa dotada de sensibilidade, que, em sendo contrariada, provoca reação, e esta, no caso, é a intervenção nos Estados, exatamente para assegurar sua observância”.
[6] ADI 2231 DF Tribunal Pleno 21.06.2018. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem no sentido da conversão do julgamento em diligência para a devida instrução do feito, retornando os autos ao sucessor do Ministro Néri da Silveira (Relator), nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli, Redator para o acórdão. Impedido o Ministro Gilmar Mendes, ausente neste julgamento. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 21.6.2018.
[7] O artigo 5 da Lei 9.882/1999 estabelece que o STF, por decisão de maioria absoluta de seus membros, ou seja, de pelo menos seis ministros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, contudo, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum, do Tribunal Pleno. O relator poderá, ainda, ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dia. A liminar pode ser na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
[8] São exemplos verificáveis na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a) não invalidação de atos praticados por funcionário investido em cargo público, por força de lei inconstitucional (funcionário de fato), quando inexistir prejuízo, a fim de proteger a aparência de legalidade dos atos em favor da boa-fé de terceiros; b) proteção da coisa julgada, estabelecida como direito fundamental no art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal, não afetando a norma concreta da sentença ou acórdão (a decisão com trânsito em julgado faz lei entre as partes), pois consiste em limite à retroatividade da lei e à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade, salvo as sentenças penais com base em norma penal desfavorável (art. 5.º, XL, da Constituição Federal).
[9] Alfredo Buzaid expõe que: “(…) que a lei inconstitucional não tem nenhuma eficácia, desde o seu berço e não a adquire jamais com o decurso do tempo. Se tôda a doutrina da inconstitucionalidade se funda na antinomia entre a lei e a Constituição, e se a solução adotada se baseia no princípio da supremacia da Constituição sôbre a lei ordinária, atribuir a esta uma eficácia transitória, enquanto não fulminada pela sentença judicial, equivale a negar durante êsse tempo a autoridade da Constituição… Lei inconstituicional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio” (Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 130 ss.).
[10] Assim, quanto ao objetivo, deve ser entendido que a ADIN busca apenas a expulsão da lei ou ato inconstitucional do ordenamento jurídico, enquanto a arguição, com a declaração de inconstitucionalidade, destina-se a pedidos de natureza preventiva e corretiva em relação aos preceitos fundamentais, buscando mais que o expurgo da norma. Essa conclusão destaca-se dos termos em que a Lei atribui a possibilidade de concessão de medida liminar para a suspensão do andamento de processos ou a suspensão dos efeitos de decisões judiciais e ainda da suspensão de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição, salvo as decorrentes da coisa julgada (art. 5º, § 3º), uma vez que esta é atacável apenas pela via rescisória.
[11] E, considerou-se ser incabível na espécie a ADPF, dado que o veto constitui ato político do Poder Executivo, insuscetível de ser enquadrado no conceito de ato do Poder Público, previsto no artigo 1, da Lei 9.822/1999. Atente-se que uma vez estabelecida a regra de que o veto enquanto ato político não pode ser objeto de ADPF, devemos trazer a exceção da admissibilidade de ADPF contra o veto por inconstitucionalidade. Em um caso específico, durante o prazo constitucional de quinze dias úteis, previsto no artigo 66, §1º da CFRB/1988, o Presidente da República sancionou determinados dispositivos de projeto de lei que se materializaram, após a promulgação e publicação, no § 5º do artigo 3-B e no artigo 3º-F da Lei 13.979/2020 – lei para o enfrentamento da Covid-19, na redação dada pela Lei 14.019, de 2 de julho de 2020. Após três dias, o Presidente da República republicou o veto e inseriu os referidos dispositivos que haviam sido sancionados, doravante como vetados, segundo se justificou, o veto teria saído com incorreção na primeira publicação.
[12] O legislador pátrio no artigo 27 da Lei 9.868 e artigo 11 da Lei 9.882/1999 identificou que em certos casos, haverá conflito de valores constitucionais e, em face da relevância e alcance dos bens em confronto, autorizou a modulação de efeitos da decisão judicial. O Poder Judiciário diante do conflito in concreto de bens constitucional, resta autorizado a aplicar o princípio de proporcionalidade para encontrar justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados pela decisão judicial.
[13] A estabilidade da ordem jurídica e a previsibilidade não podem constituir obstáculos à mutação da compreensão judicial da ordem jurídica. Lembre-se do que disse o Juiz Wheeler, em Dwy versus Connecticut Co.: “A Corte que melhor serve ao direito é aquela que reconhece que as normas jurídicas criadas numa geração distante podem, após longo tempo, mostrarem-se insuficientes a outra geração; é aquela que descarta a antiga decisão ao verificar que outra representa o que estaria de acordo com o juízo estabelecido e assente da sociedade e não concede qualquer privilégio à antiga norma por conta da confiança nela depositada.
[14] A modulação é técnica, mecanismo jurídico desenvolvido para manipular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, que é realizada pela corte constitucional de um país em face de uma repercussão na ordem jurídica ou social. Sua origem remonta a decisões proferidas por cortes constitucionais no século passado. A concepção de modulação dos efeitos teve origem em 1965, quando a Suprema Corte americana apreciou o caso Linkletter versus Walker (leading case), afastando o alcance natural da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade (efeito ex nunc). Na ocasião, aquela Arte Corte concluiu que o efeito da declaração de nulidade do ato atacado não conduzia automaticamente para retroatividade de sua invalidade; ao contrário, dependia da análise de condutas, relações particulares, direitos que se tornaram adquiridos, status da finalidade de suas determinações prévias e política pública considerando a natureza da norma e sua aplicação anterior.
[15] A lição de J. J. Gomes Canotilho e os diversos mecanismos encontrados no direito comparado, é possível classificar a modulação dos efeitos da decisão judicial, segundo a natureza do efeito concedido pela decisão judicial, em: a)modulação objetiva – há a restrição dos efeitos da declaração judicial a certos atos ou suas consequências jurídicas, que são preservados, ainda que parcialmente, do alcance da decisão ;b) modulação temporal – ocorre com a mudança da eficácia no tempo da decisão judicial, que projeta seus efeitos em momento distinto ao que normalmente ocorreria; c)modulação manipulativa – permite que o Tribunal prolate uma decisão aditiva, acrescentando uma interpretação constitucional, ou substitutiva, alterando o entendimento do texto inconstitucional por outro constitucional. d) modulação em transição – o Tribunal deixa de declarar a constitucionalidade de uma lei, notificando o Parlamento para que redija outra norma, pois aquela pode vir a ser posteriormente declarada inconstitucional. Gilmar F. Mendes assinala que, nessa técnica, desenvolvida pela Corte Constitucional alemã, é reconhecido que “a lei ou a situação jurídica não se tornou ‘ainda’ inconstitucional e exorta que o legislador” faça a adequação necessária (apellents-cheiddug ou apelo ao legislador).