IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

1- Os Princípios da Administração Pública e o Estado Democrático de Direito.

O texto constitucional, em seu artigo 37, caput, estatui que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Nessa sequência, o artigo 4º, da Lei nº 8.429/92, disciplina: “os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. ” Assim, é incontestável que o princípio da legalidade se traduz como verdadeira norma fundamental da Administração Pública, pois confere maior segurança ao Estado Democrático de Direito.

Ao mesmo passo, combate o arbítrio daquele que chefia a máquina do Estado. A esse respeito, Emerson Garcia e Rogério Pacheco, descrevem:

Na medida em que o Estado deve submeter-se à ordem jurídica, todos os atos do Poder Público devem buscar o seu fundamento de validade no padrão normativo originário do órgão competente. Os atos administrativos devem ser praticados com estrita observância dos pressupostos legais, o que, por óbvio, abrange as regras e princípios que defluem do sistema; a atividade legislativa somente produzirá comandos normativos válidos em havendo harmonia com a Constituição da República. (GARCIA, et al, 2017, p. 108)

Além disso, ao lado do princípio da legalidade caminha o princípio da moralidade, assim, numa leitura com as lentes de Emile Durkheim a moral pode se identificar com o fato social, representando um conjunto de crenças, afetos e modos de conduta, chamados inclusive de “alma coletiva”, “consciência coletiva” ou “representações sociais”.

Essa “consciência coletiva” é exatamente o que significa moralidade. Um conjunto de crenças e valores compartilhados por uma sociedade humana que exerce coerção suficiente sobre o indivíduo capaz de compeli-lo a se conduzir nos moldes esperados pela referida “alma coletiva”. Quanto maior o grau de civilidade e experiência do indivíduo, maior seu entrosamento com os comandos da “alma coletiva”. A Constituição exige esse entrosamento do administrador público. Seus atos devem atender ao conjunto de normas morais que trafegam no inconsciente coletivo, assim a moralidade é muito mais que a probidade.

2- A Lei de Improbidade como instrumento do combate à corrupção administrativa.

Logo, neste cenário, a palavra corrupção pode ser definida como um fenômeno onde o agente público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, pelo simples fato de ser favorecido através de trocas de interesse. Neste contexto, surge a Lei de Improbidade Administrativa, considerada um dos principais instrumentos no combate à corrupção administrativa.

A característica marcante das ações de improbidade administrativa está no fato de que se trata de um ato ilícito, que ocorre na esfera administrativa, atingindo diretamente entre outros, os princípios elementares da Administração Pública, elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal, de tal forma, que falamos de um combate a corrupção na seara administrativa, e não penal. Porém, como todo o ilícito, este provém de um ato doloso ou culposo, e estas definições advém do Direito Penal, sendo a sua processualística toda baseada no Código de Processo Civil.

No que tange ao dolo, o entendimento do STJ e admitido como orientação para o poder judiciário em geral é que para a configuração de ato de improbidade administrativa é necessária a demonstração de que houve a intenção do administrador em descumprir a norma a que estava subordinado. As decisões falam em dolo genérico, conceito originado do direito penal que singelamente não exige intenção específica no descumprimento da norma.

Assim, não basta ao juiz uma mera atividade de subsunção em que um fato se enquadra num dispositivo legal. É necessário que o juiz aponte circunstâncias que revelem o entendimento intencional do agente público no descumprimento. Portanto, buscando igualmente no direito penal alguns conceitos para intercalar com a análise cível que se opera, preleciona o artigo 21 do Código Penal: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único: Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias ter ou atingir essa consciência. ”

Nesse sentido, a comprovação do dolo, pode ocorrer através de exposição de provas documentais, oitiva de testemunhas, prova pericial, porém até a edição da Lei n. 13.964/19, o cenário era de incerteza, uma vez que em seu artigo 17, §1º da Lei n. 8924/92 era vedada a realização de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade, o que gerava um descompasso normativo. É dessa opinião o doutrinador Rafael Carvalho Rezende de Oliveira, ao dizer que:

A proibição de resolução consensual de conflitos na improbidade administrativa, constante do art. 17, § 1º, da LIA, representa, na atualidade, um verdadeiro “soluço sistêmico” ou uma insinceridade institucional. Não se pode admitir a interpretação isolada do referido dispositivo legal, sem levar em consideração as demais normas jurídicas, que compõem o microssistema da tutela coletiva e do Direito Administrativo Sancionador, garantidoras da viabilidade da atuação consensual em casos semelhantes e, até mesmo, em situações que envolvem a restrição de liberdade dos indivíduos, tal como ocorre no campo do Direito Penal e Processual Penal. (OLIVEIRA, 2018, p.214)

Assim, através do Projeto Anticrime, foi inserida a autorização para a celebração do chamado acordo de não persecução cível, com o objetivo de desta forma, apresentar a possiblidade da inclusão da solução consensual dentro do contexto do ilícito da improbidade administrativa, conforme estabelecido no novo dispositivo referente ao art.17, §1º, da Lei n. 8429/92:

A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.

Ocorre que a definição de acordo de não persecução cível, ainda continua obscura, afinal quais as bases jurídicas deveriam ser seguidas!? Seriam as diretrizes do acordo de leniência? Do compromisso de cessação de conduta ou outra modalidade!? E a delação premiada, seria possível!? Logo, a previsão legal ainda não soluciona questões elementares sobre o tema, abrindo-se espaço para uma autocomposição sem qualquer regulamentação.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 18 mai. 2020.

BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa, de 02 de junho de 1992.Brasília, 1992 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm> Acesso em: 18 mai. 2020.

BRASIL. Lei n. 13964/19, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm> Acesso em: 18 mai. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 19 mai. 2020.

DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. 13.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987.

GARCIA, Emerson, ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A consensualidade no Direito Público sancionador e os acordos nas ações de improbidade administrativa. Revista Forense, Rio de Janeiro, Volume 427, p. 198 a 217, junho, 2018.