Direito Administrativo

O direito, mais por razões propriamente didáticas, é tradicionalmente dividido em dois grandes ramos, a saber: direito público e direito privado.

O direito público tem por objeto principal a regulação de interesses da sociedade como um todo, disciplina as relações entre a sociedade e o Estado, e das regulações das entidades e órgãos estatais entre si.

Conclui-se que o direito administrativo tutela o interesse público, só atingindo condutas individuais de forma indireta ou reflexa.

É traço marcante do direito administrativo a patente desigualdade nas relações jurídicas pelo direito regidas principalmente mediante prevalência do interesse público[1] sobre interesses privados.

O Estado na defesa do interesse público goza de certas prerrogativas que o situam em posição jurídica de superioridade ante o particular, evidentemente em conformação com a lei e respeitadas as garantias individuais já consagradas no ordenamento jurídico.

O estudo do Direito Administrativo a priori, propõe a distinção entre o Direito administrativo, de um viés, e as normas e princípios que neste se inserem, de outro. Atualmente, as normas são consideradas como pertencentes a tal ramo, existiram, desde o tempo em que o Estado ainda não havia se constituído propriamente, dotado com a fisionomia vigente.

De fato, ainda que despidos de qualquer sistematização, os ordenamentos jurídicos mais velhuscos já exibiam normas que pretendiam regular, conquanto timidamente, a relação jurídica entre o Poder constituído e os integrantes das sociedades de modo geral.

Em verdade, o Direito Administrativo só veio a lume com a instituição do Estado de Direito, isto é, quando o Poder criador do direito passou igualmente a respeitá-lo. E, tal fenômeno nasceu com os movimentos constitucionalistas, cujo início se deu no final do século XVIII.

Assim, com a sistemática, o Estado passava a ter órgãos específicos para o exercício da Administração Pública[2] e, consequentemente, foi necessário o desenvolvimento do quadro normativo disciplinador de relações internas da Administração e das relações entre esta e os administrados. Somente a partir do século XIX, que o mundo jurídico vislumbrou esse novo ramo jurídico, o Direito Administrativo.

Quando o regime vigente era o das monarquias absolutas, onde todos os poderes do Estado estavam enfeixados nas mãos do monarca, ao ponto de um deles, afirmar que encarnava o próprio Estado, eram muito frágeis as relações existentes entre o Estado e os súditos.

O brocardo célebre “L’Etat c’est moi”[3] não só acenava a concentração dos poderes sob o manto real. E, havia ainda, a divinização do poder monárquico, a ligação entre a religião e política tem origem juntamente com as primeiras organizações sociais conhecidas.

Desde quando os indivíduos passaram a se organizar, o argumento religioso esteve presente para validar determinados aspectos de suas respectivas culturas.

Importante relembrar que a figura do rei era presente na Idade Média, entretanto nesse momento da história havia uma fragmentação do poder dos reis, pois eram vários os reinos. A Idade Moderna viu a consolidação de vários reinos sob o único Estado Nacional e, a consequente fortificação da semântica do rei, reconhecidamente o soberano.

Com a teoria da separação de poderes[4] concebida por Montesquieu, o Estado distribuindo seu próprio poder político, permitiu que em sua figura se reunisse, simultaneamente, o sujeito ativo e passivo do controle público[5]. E, nesse contexto, foi possível criar normas e princípios próprios para a execução desse controle.

O desenvolvimento do quadro de princípios e normas voltados à atuação do Estado, o Direito Administrativo se tornou ramo autônomo dentre as disciplinas jurídicas. E, conforme destacou Vedel, agora a comunidade jurídica não mais se defrontava com normas derrogatórias do direito privado, mas, ao revés, surgiam normas diretamente direcionadas à solução de eventuais litígios originados das relações existentes entre o Estado e os administrados, formando um bloco apartado do direito privado.

O Direito Administrativo reconhecido como novo ramo autônomo propiciou aos países que o adotaram diversos critérios como foco de seu objeto e conceito.

Em França, permanece a noção de que o objeto desse direito consiste nas leis reguladoras da Administração. Na Itália, a corrente prevalente prevê o Direito Administrativo como limitado aos atos do Poder Executivo. E, outros critérios surgem, como o critério de regulação dos órgãos inferiores do Estado e o dos serviços públicos. À medida em que esse ramo jurídico evoluía, verificou-se que sua abrangência se tornava mais irradiadora, de forma a alcançar o Estado internamente e a coletividade a que se destina.

São variados os conceitos encontrados pelos doutrinadores de Direito Administrativo e, alguns consideram apenas as atividades administrativas em si mesmas, já outros preferem destacar os fins desejados pelo Estado.

Carvalho Filho, porém, aborda que o Direito Administrativo com a evolução que o impulsa contemporaneamente, tem dois focos principais, a saber; um de caráter interno, que existe entre as pessoas administrativas e entre os órgãos que as compõem; e, outro, de caráter externo, que se forma exatamente entre o Estado e a coletividade em geral.

Conclui-se ainda considerados os diferentes conceitos dos doutrinadores, que o Direito Administrativo como sendo o conjunto de normas e princípios que, visando sempre o interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a quem devem servir.

O Direito Administrativo brasileiro fora fortemente influenciado pela experiência francesa. E, as causas de interesses da Administração francesa, não são julgadas pelo Judiciário, mas por complexo autônomo de órgãos administrativos.

E, por isso, a França busca um critério específico capaz de identificar os temas peculiares ao direito da administração pública constitui um problema fundamental para definir as competências do Poder Judiciário e do contencioso administrativo. Além, do critério definidor do objeto do Direito Administrativo foi o indispensável para o reconhecimento do status de ramo jurídico autônomo.

Mazza citando Diógenes Gasparini afirma que podem ser consideradas como seis as principais correntes jurídicas dedicadas a apontar um critério unitário para a conceituação do Direito Administrativo e, consequentemente, a definição de seu objeto.

  1. Critério legalista: que considera o Direito Administrativo como resumo ou conjunto da legislação administrativa existente no país. Repara-se que tal critério é nitidamente reducionista, pois desconsiderou o fundamental papel da doutrina na identificação dos princípios básicos informadores do ramo;

 

  1. Critério do Poder Executivo que consiste em identificar o Direito Administrativo como o complexo de leis disciplinadoras da atuação do Poder Executivo. E, tal critério é inaceitável posto que ignora a função administrativa[6] que também pode ser exercida fora do âmbito do Poder executivo, como ocorre nas tarefas administrativas desempenhadas pelo Legislativo e pelo Judiciário (função atípica) e também cometidas a particulares através de delegação estatal (é o caso de concessionários[7] e permissionários do serviço público).

 

  1. Critério das relações jurídicas com base nesse critério, pretendeu-se definir o Direito Administrativo como a disciplina das relações jurídicas existentes entre a Administração Pública e o particular. A insuficiência do critério é óbvia, posto que todos os ramos do Direito Público possuem relações semelhantes, e, afora isso, muitas atuações administrativas não se enquadram no padrão convencional de um vínculo interpessoal, conforme é o caso da expedição de atos normativos e da gestão de bens públicos.

 

  1. Critério do serviço público que é muito usado entre autores franceses na metade do século passado, tal critério considerada que o Direito Administrativo tem como objeto da disciplina jurídica dos serviços públicos. O critério atualmente é insuficiente, na medida em que a Administração Pública moderna desempenha muitas atividades que não podem ser consideradas prestação de serviço público, conforme é o caso do poder de polícia e das atuações de fomento (incentivo a determinados setores sociais).

 

  1. Critério teleológico ou finalístico que considera o Direito Administrativo deve ser conceituado a partir da ideia de atividades que permitem ao Estado alcançar seus fins. Essa concepção é inconclusiva em razão da dificuldade em definir com precisão quais são os fins do Estado.

 

  1. Critério negativista que diante da hercúlea e complexa missão de identificar o objeto próprio do Direito Administrativo, alguns doutrinadores chegaram a sustentar que o ramo somente poderia ser conceituado por exclusão, isto é, seriam pertinentes ao Direito Administrativo as questões não pertencentes ao objeto de interesse de nenhum outro ramo jurídico. Tal modo de analisar o busilis é igualmente insatisfatório por usar um critério negativo que é cientificamente frágil para estabelecer a conceituação.

 

Tem, atualmente, predominado a adoção do critério funcional, segundo o qual o Direito Administrativo é o ramo jurídico que estuda a disciplina normativa da função administrativa, independentemente de quem esteja encarregado de exercê-la, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário ou particulares que atuem mediante delegação estatal[8].

O Direito Administrativo é ramo científico que estuda parcela de normas componentes do ordenamento jurídico, a saber: as normas disciplinadoras do exercício da função administrativa. O objeto imediato do Direito Administrativo são os princípios e normas que regulam a função administrativa. O Direito Administrativo é o direito comum dos ramos do Direito Público.

Há dois pressupostos fundamentais do Direito Administrativo, a saber: 1º: a subordinação do Estado às regras jurídicas, característica surgida apenas com o advento do Estado de Direito; 2º: a existência de divisão de tarefas entre os órgãos estatais. De forma que a noção do Estado de Direito e a Tripartição de Poderes possuem o status de conditio sine qua non para a existência e desenvolvimento do Direito Administrativo.

É relevante entender que o estudo contemporâneo do Direito não mais admite a análise divorciada e estanque de um ramo jurídico. Em verdade, o Direito é um só, e formado pelas relações que podem ter diferente natureza. De sorte que o Direito Administrativo tangencia outras disciplinas.

É cediço que se insere no ramo do Direito Público, tal como ocorre com o Direito Constitucional[9], Direito Penal, Direito Processual, o Direito Eleitoral e outros. Já no ramo do Direito Privado situam-se o Direito Civil e o Direito Comercial ou Empresarial.

A maior intimidade do Direito Administrativo é mesmo com o Direito Constitucional. Pois que seja o lado dinâmico daquele. Na Constituição brasileira vigente há diversos princípios da Administração Pública (artigo 37), as normas sobre servidores públicos (artigos 39 a 41) e as competências do Poder Executivo (artigos 84 e 85). Na Lei Magna jaz os institutos como a desapropriação, das concessões e permissões de serviços públicos, dos contratos administrativos[10] e licitações e da responsabilidade[11] extracontratual do Estado, entre outros.

O Direito Administrativo também se relaciona com o Direito Processual por haver a figura do processo, apesar de que incidem princípios próprios de cada disciplina, mas existem inevitáveis interseções entre os processos administrativos e judiciais. Tal como o direito ao contraditório e à ampla defesa que incide tanto numa seara como na outra.

Nos processos administrativos de natureza acusatória são ainda aplicáveis alguns postulados e normas do direito processual pena.  Já na seara do processo civil prevê que o Estado é considerado como parte da relação processual,  onde lhe são outorgadas algumas prerrogativas, tal como ter prazo em dobra para todas as manifestações processuais (art. 183 CPC); sujeição ao duplo grau de jurisdição obrigatório (apesar de existirem algumas exceções) da sentença proferida em face de União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como da que juga procedentes embargos à execução fiscal  (vide artigo 496, I e II do CPC) só tendo eficácia a decisão após a apreciação pelo tribunal.

Já a relação com o Direito Penal se concretiza através de vários elos e um destes é a previsão dos crimes contra a Administração Pública (artigos 312 a 326 do CP) e a definição de sujeitos passivos desses delitos, conforme o artigo 327, caput e §1º do Código Penal.

A conexão também se faz presente através de normas penais em branco, cujo conteúdo pode completar-se com as normas administrativas.

Igualmente o Direito Tributário traz conexões e relações íntimas pois uma destas é que a outorga ao Poder Público o exercício do poder de política, atividade tipicamente administrativa e remunerada por taxas e conforme prevê os artigos 77 e 78 do Código Tributário nacional. Tem-se que as normas sobre a arrecadação tributária se inserem dentro do âmbito do Direito Administrativo.

Também tangencia o Direito do Trabalho em alguns pontos pois primeiramente as normas reguladoras da função fiscalizadora das relações laborais e que estão integradas ao Direito Administrativo. Sendo permitido o recrutamento de servidores pelo regime trabalhista, aplicando-se preponderantemente a essa relação jurídica as normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Também existe ainda as relações entre o Direito Administrativo com o Direito Civil e o Direito Comercial ou Empresarial, principalmente quanto a teoria civilista de atos e negócios jurídicos, dos contratos que se aplicam supletivamente aos contratos administrativos, conforme prevê o artigo 34 da Lei 8.666/1993. Além do Estado poder criar empresas públicas e sociedades de economia mista para prover a exploração da atividade econômica.

A Lei de Falências (Lei 11.101, de 09.02.2005) a seu turno, exclui do regime falimentar aquelas entidades administrativas. E, por derradeiro, é de se observar que para as relações que alguns novos ramos jurídicos, tal como o Direito Urbanístico, que objetiva o estudo, pesquisa e as ações de política urbana que contém normas tipicamente administrativas.

O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) que dispõe de diversos instrumentos próprios desse ramo, como as licenças, as obrigações urbanísticas, o estudo prévio de impacto de vizinhança e, etc.

Parece viger um certo consenso entre os doutrinadores a respeito do significado da expressão Administração Pública.

E a inicial dificuldade é o fato que exista extensa gama de tarefas e atividades que compõem o objetivo do Estado. E, ainda, o próprio número de órgãos e agentes públicos incumbidos de sua execução. Precisamos lembrar que Administração Pública não coincide com Poder Executivo.

Atualmente, a Administração Pública designa o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício, da função administrativa, independentemente se são pertencentes ao Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, ou a qualquer outro organismo estatal, tal como o Ministério Público e as Defensorias Públicas.

Já administração pública, escrita com iniciais minúsculas ou poder executivo são expressões que designam a atividade consistente na defesa concreta do interesse público.

Quando a expressão é escrita com letras maiúsculas significa um conjunto de agentes e órgãos estatais, e quando grafada com letras minúsculas, a expressão designa a atividade consistente na defesa concreta do interesse público. E, por isso, é importante sublinhar que os concessionários e permissionários de serviço público exercem administração pública, mas não fazem parte da Administração Pública.

Outra expressão muito utilizada é Fazenda Pública para designar o Estado em juízo, ou seja, as pessoas jurídicas governamentais quando figuram no polo ativo ou passivo de ações judiciais, assim como órgãos despersonalizados dotados de capacidade processual especial.

E, em decorrência do supraprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado, a legislação processual brasileira reconhece determinadas prerrogativas especiais para a Fazenda Pública, que somente são aplicadas às pessoas jurídicas de direito público, conforme ocorre, por exemplo as prerrogativas listadas na Lei 9.494/1997.

É relevante reduzir a abrangência do conceito de Fazenda Pública para nele incluir somente as pessoas jurídicas de direito público interno, quer da Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, quer da Administração Pública Indireta (autarquias, fundações públicas, associações públicas, agências reguladoras e agências executivas além dos órgãos públicos despersonalizados dotados de capacidade processual especial (Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunais de Contas, Mesa do Senado e, etc).

Portanto, o conceito de Fazenda Pública engloba: a) entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios); b) órgãos públicos com capacidade processual especial (Ministério Público, Defensorias, Tribunais de Contas etc.); c) autarquias, fundações públicas, agências reguladoras, agências executivas e demais espécies do gênero autárquico; d) empresas estatais prestadoras de serviços públicos (exemplo: Correios e Metrô).

Deve-se lembrar que existem três tarefas fundamentais da Administração Pública moderna, a saber, são: poder de polícia,

serviço público e fomento.

Em verdade, todas as funções compreendidas sob o título de atividades interventivas já faziam parte das três tarefas precípuas clássicas da Administração moderna, ou seja, são atividades que podem ser perfeitamente enquadradas como poder de polícia, serviços públicos ou fomento.

A interpretação do Direito Administrativo como sói possui linguagem prescritiva que é para disciplinar os comportamentos humanos, tornando possível a vida em sociedade e o progresso. O cumprimento de certas condutas pelo ordenamento jurídico é reforçado pela previsão de sanções.

A interpretação das regras do Direito Administrativo está sujeita aos princípios hermenêuticos gerais que são estudados pela Filosofia do Direito e, subsidiariamente, às regras interpretativas próprias do Direito Privado.

Atento às especiais características da função administrativa, Hely Lopes Meirelles indicou três pressupostos que devem ser  diretrizes para a interpretação de normas, atos e contratos de Direito Administrativo, especialmente quando utilizados princípios hermenêuticos privados para a compreensão de institutos administrativos.

A desigualdade jurídica existente entre a Administração e os administrados ao contrário do que ocorre no Direito Privado, a relação jurídica básica no Direito Administrativo é marcada pelo patente desequilíbrio entre as partes ou verticalidade da relação;

A presunção de legitimidade de atos da Administração, tal atributo tem o poder de inverter o ônus da prova sobre a validade do ato administrativo, transferindo ao particular o encargo de demonstrar eventual defeito do ato administrativo;

A necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público: a lei confere ao agente público, na competência discricionária, uma margem de liberdade para que decida, diante do caso concreto, qual a melhor maneira de defender o interesse público.

Essa pluralidade de comportamentos válidos e autorizados, presente na prática de atos administrativos discricionários, deve ser levada em consideração na interpretação das normas de Direito Administrativo, especialmente para compreensão dos limites traçados pela lei para o exercício de competências administrativas.

Uma vez observados esses três pressupostos, a interpretação de normas do Direito Administrativo é regida pelos princípios hermenêuticos da Filosofia do Direito, e, subsidiariamente,

do Direito Privado.

O Direito Administrativo pátrio assim como ocorre na maioria dos países, não está organizado em um diploma legal único. Infelizmente, nosso direito administrativo não está codificado. E, segundo Hely Lopes Meirelles citado por Carvalho Filho, existem três estágios pelos quais o ramo jurídico passa no sentido de futura codificação.

Na primeira fase, vige a legislação esparsa, de sorte que as normas estão distribuídas em diplomas legais diversos, sem haver qualquer tipo de sistematização. É o caso da situação vigente do Direito Ambiente no Brasil.

A segunda fase da consolidação é a da elaboração de codificações parciais, conferindo certa organização à disciplina normativa de temas pontuais dentro do ramo jurídico. E, em seguida, pode ocorrer que as leis mais relevantes do ramo jurídico serem agrupadas em um diploma legislativo único chamado de consolidação ou coletânea.

A consolidação não se caracteriza como um verdadeiro código, na medida em que lhe faltam a unidade lógica e a sistematização racional, impossíveis de se obter com a simples justaposição de leis distintas. No Brasil, nessa fase, se encontra o Direito do Trabalho.

A terceira fase é a da codificação, quando se dá uma organização, em diploma legislativo único, dos princípios e normas mais relevantes daquele ramo jurídico.

É o caso no Brasil do Direito Civil, Direito Processual Civil, do Direito Penal, entre outros. É importante frisar que a codificação não exclui a possibilidade de existirem tais leis extravagantes. O código reunirá os temas centrais, sem prejuízos de outros diplomas normativos, disciplinarem temas específicas, a partir das regras gerais codificadas.

Servem de exemplos, a situação do Direito Civil brasileiro, codificado na Lei 10.406/2002, mas com diversas leis esparsas, como a Lei de Locações (Lei 8.245/1991) e a Lei do Bem de Família (Lei 8.009/1990).

A codificação não tem necessariamente relação direta com o estágio evolutivo de determinado ramo. A ausência de um código não significa atraso ou falta de amadurecimento científico. A não codificação pode ser resultante de mera opção política do legislador.

Reconhece-se que o Direito Administrativo brasileiro encontra-se na fase de codificação parcial, que seria um subestágio dentro da fase de consolidação, aliás, além de Carvalho Filho, endossa esse entendimento Hely Lopes Meirelles que aduziu: ” entre nós, os estágios antecedentes da codificação administrativa já foram atingidos e se nos afiguram superados pela existência de vários códigos parciais (tais como Código da Contabilidade Pública, Código de Águas, Código de Mineração, Código Florestal e, etc…)”.

Outra informação relevante é frisar que a falta de codificação não induz à ausência de autonomia. Assim, pode existir um ramo jurídico autônomo e não estar codificado, como é o caso do próprio Direito Administrativo.

Alvo de fervoroso debate é a questão relativa as vantagens e desvantagens da codificação do Direito Administrativo, a saber: A favor da codificação, podem ser levantados os seguintes argumentos: 1) favorece a segurança jurídica[12]; 2) cria maior transparência no processo decisório; 3) aumenta a previsibilidade das decisões; 4) beneficia a estabilidade social; 5) facilita o acesso da população para conhecimento das regras vigentes; 6) permite uma visão panorâmica do ramo; 7) oferece melhores condições de controle da atuação estatal.

Por outro lado, contra a codificação, alguns autores invocam os argumentos abaixo: 1) risco de estagnação do Direito; 2) gera a constante desatualização do código diante da aprovação de posteriores leis extravagantes; 3) a competência concorrente para legislar sobre Direito Administrativo impossibilitaria a codificação aplicável a todas as esferas federativas; 4) a grande diversidade de temas, dificultando o trabalho de compilação.

Por outro lado, os argumentos contrários à codificação do Direito Administrativo, há: a estagnação do Direito, desatualização constante, a competência concorrente e a grande diversidade de temas.

Deve-se ser favorável à codificação, pois além do endosso precioso de Hely Lopes Meirelles, há a experiência positiva do Código Administrativo de Portugal[13].

No Direito Administrativo somente a lei é a fonte primária e as demais fontes, chamadas de secundárias são a doutrina, jurisprudência e costumes.

A jurisprudência que é entendida como as reiteradas decisões dos tribunais sobre determinado tema, não tem a força cogente de uma norma criada pelo legislador, mas influencia decisivamente a maneira como as regras passam a ser entendidas e aplicadas.

No que se refere à Súmula[14] Vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal brasileira vigente, acrescentado pela Emenda 45/2004: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício, ou por provocação, mediante a decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.

Portanto, a Súmula Vinculante é de cumprimento obrigatório pela Administração Pública, revestindo-se de força cogente para agentes, órgãos e entidades administrativas.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto citado por Carvalho Filho, ao tratar sobre as fontes inorganizadas do Direito Administrativo, diferencia o costume da praxe administrativa. Pois para o doutrinador, o costume caracteriza-se pelo uso e a convicção generalizada da necessidade de sua cogência, a praxe administrativa é bastante burocrática e rotineira e adota por conveniência procedimental, desprovida do reconhecimento de sua indispensabilidade.

Geralmente, a praxe administrativa[15] não é considerada fonte do Direito Administrativo, mas pode ser utilizada como meio útil para solucionar casos novos, desde que não contrarie alguma regra ou garantia constitucional formalmente estabelecida.

Referências

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª edição. São Paulo: Atlas, 2019.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum. 2007).

LEITE, Gisele. Considerações sobre segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele leite/consideracoes-sobre-o-conceito-de-seguranca-juridica-no-ordenamento-juridico-brasileiro  Acesso em 23.01.2020.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006.

[1] Decorre que o interesse público, sendo conjunto de interesses individuais, nada mais é do que o próprio interesse dos particulares, no seu todo, numa máxima potência. Daí porque, são inerentes ao interesse público a sua supremacia, ou seja, posicionamento do conjunto acima  dos interesses individuais isolados, e a sua indisponibilidade, a saber, impossibilidade de ser manejado segundo subjetividade ou interesses de quem quer que seja, senão da vontade soberana do povo, expressada mediante as leis elaboradas pelos seus representantes devidamente eleitos para esta finalidade.

Portanto, ao contrário do que dizem alguns, não há supremacia do interesse público sobre o privado, porque o interesse público é o interesse privado, qualificado por ser o interesse privado de um conjunto de indivíduos, de uma comunidade, e não destes vistos isoladamente. O que existe é supremacia do interesse público para a promoção dos interesses particulares.

[2] A Administração nunca precisa de autorização judicial para agir: as atividades da Administração Pública, em especial no que diz respeito à anulação e revogação de seus próprios atos, podem ser exercidas independentemente de ordem judicial.

[3] A frase acima é atribuída a Luís XIV (14 de maio de 1643 a 1° de setembro de 1715), historicamente reconhecido como o símbolo máximo do absolutismo,  era chamado também de o rei-sol, numa frase o significado de toda uma época e um modelo de estado: “L’Etat c’est moi”, traduzindo: “o Estado sou eu”,  pronto disse tudo. Também conhecido como Rei-Sol (no original le Roi Soleil), Luís XIV governou a França e Navarra entre 1643 e 1715. A frase proferida traduz o espírito de um período histórico onde havia uma centralização total do poder na figura do Rei.

A frase completa em questão teria sido: “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi” (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!). Para se ter uma ideia da importância do rei Luís XIV para a história da França convém lembrar que ele foi o autor de obras faraônicas como o Palácio de Versalhes (mandado construir em 1664). A obra é, por sinal, uma suntuosa demonstração do poder absolutista.

[4] Aspecto importante é o fato de que os Poderes tem funções preponderantes, mas não exclusivas. Desta forma quem legisla é o legislativo, existindo, entretanto, funções normativas, através de competências administrativas normativa no judiciário e no executivo.

Da mesma forma a função jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, existindo, entretanto, funções jurisdicionais em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo. O contencioso administrativo no Brasil não faz coisa julgada material pois a Constituição Federal vigente impõe que toda lesão ou ameaça a Direito seja apreciada pelo Judiciário (Artigo 5 inciso XXXV da CF).

Entretanto em sistemas administrativos como o Francês há no contencioso administrativo diante de tribunais administrativos, a coisa julgada material, o que significa dizer que da decisão administrativa não há possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário. Finalmente é obvio que existem funções administrativas nos órgãos dos três poderes.

[5] Toda atividade da Administração Pública está sujeita a controle judicial, exceto quanto ao mérito dos atos discricionários: em razão do princípio da sindicabilidade, a atuação da Administração Pública sempre pode sofrer controle no âmbito do Poder Judiciário. Entretanto, não cabe ao juiz ingressar na análise da conveniência e oportunidade (mérito) das decisões administrativas discricionárias, sob pena de ruptura do princípio da Tripartição de Poderes.

[6] A Administração Pública sempre pode agir de ofício: devido ao caráter dinâmico de suas atuações, a Administração Pública sempre pode atuar de ofício, sem necessidade de provocação da parte interessada.  Todo procedimento administrativo deve garantir contraditório e ampla defesa: por força do disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, os princípios do contraditório e da ampla defesa são aplicáveis a todos os tipos de procedimentos administrativos, tais como desapropriação, licitação, concurso público e processo administrativo disciplinar.

[7] Na prestação indireta de serviços públicos, a responsabilidade principal é do prestador, e o Estado responde subsidiariamente: nos casos em que o Estado delega a terceiros a prestação de serviços públicos, como ocorre nas hipóteses de concessão e permissão, a responsabilidade pelo ressarcimento de prejuízos decorrentes da atividade cabe diretamente ao prestador. Já o Estado funciona como um garantidor da indenização, um responsável subsidiário, podendo ser acionado no caso de o devedor principal não ter patrimônio suficiente para pagar a integralidade da dívida.

[8] Na prestação indireta de serviços públicos, a responsabilidade principal é do prestador, e o Estado responde subsidiariamente: nos casos em que o Estado delega a terceiros a prestação de serviços públicos, como ocorre nas hipóteses de concessão e permissão, a responsabilidade pelo ressarcimento de prejuízos decorrentes da atividade cabe diretamente ao prestador. Já o Estado funciona como um garantidor da indenização, um responsável subsidiário, podendo ser acionado no caso de o devedor principal não ter patrimônio suficiente para pagar a integralidade da dívida.

[9] Constitucionalização de temas administrativos: com a promulgação da Constituição de 1988, houve a inserção de inúmeros temas de Direito Administrativo no próprio texto constitucional, retirando das entidades federativas a capacidade de disciplinar diversos temas fundamentais pertinentes à realidade administrativa. São exemplos de temas administrativos que foram constitucionalizados na CF/88:

a) desapropriação (arts. 5º, XXIV, 182 e 184); b) requisição (art. 5º, XXV); c) processo administrativo (art. 5º, LIV, LV e LXXVIII); d) organização administrativa (arts. 18 e ss.); e) princípios da Administração Pública (art. 37); f) cargos, empregos e funções (art. 37, I); g) concurso público (art. 37, III e IV); h) entidades descentralizadas (art. 37, XIX); i) improbidade administrativa (art. 37, § 4º); j) responsabilidade do Estado (art. 37, § 6º); k) servidores públicos (art. 39), entre outros.

[10] Personificação dos contratos administrativos: outra importante inovação na legislação administrativa brasileira é o surgimento de pessoas jurídicas especialmente criadas para gerenciar contratos administrativos. É uma tendência de personificação ou “pejotização” contratual. Inicialmente ocorreu com a previsão de criação da sociedade de propósito específico instituída para administrar as parcerias público-privadas (art. 9º da Lei n. 11.079/2004).

Em seguida, a mesma técnica de personalizar contratos administrativos foi adotada na Lei dos Consórcios Públicos (art. 6º da Lei n. 11.107/2005). Ao se criar uma nova pessoa jurídica, incumbida de administrar o contrato, caberá a ela a responsabilidade direta por eventuais prejuízos decorrentes da execução contratual. Desse modo, a personificação de contratos administrativos, ao centralizar a responsabilidade na nova pessoa jurídica, promove uma diluição nos riscos de responsabilização das entidades contratantes;

[11] Predominam no Direito Administrativo prazos de CINCO anos: conforme visto anteriormente, há uma tendência na legislação brasileira de padronização dos prazos, no Direito Administrativo e no Tributário. Praticamente todos os prazos existentes nesses dois ramos têm duração de 5 anos.

A responsabilidade na prestação de serviços públicos é sempre objetiva: que houver prestação de serviços públicos, a responsabilidade por danos causados ao usuário e a terceiros é objetiva, independentemente de quem seja o prestador.

[12] Nas palavras de José Afonso da Silva, “a segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída.

[13] Foi o primeiro código administrativo português, introduzindo o conceito na tradição administrativa de Portugal. O Código Administrativo foi na tradição administrativista portuguesa um diploma legal que reunia as normas referentes à organização administrativa do território e às competências, funcionamento e orgânica dos órgãos distritais e autárquicos. Após a entrada em vigor da Constituição Portuguesa de 1976, o Código Administrativo foi perdendo relevância, estando hoje em boa parte revogado ou derrogado.

[14] Nelson Nery Junior muito bem pontua neste sentido ao afirmar que a súmula é o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência dominante do tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados.

O legislador brasileiro, ao atribuir efeito vinculante, passou a dizer que as Súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal terão força obrigatória sobre as demais decisões de juízes e mesmo de Tribunais, e proíbe o julgador de interpretar e decidir questões do mesmo teor de maneira contrária ao já adotado pela Súmula.

[15] A praxe administrativa (procedimentos rotineiramente adotados nas repartições públicas) não se confunde com os costumes, pois não há seu elemento interno, a consciência de sua obrigatoriedade. Assim, não são fontes do Direito Administrativo.

Porém, em nome do princípio da boa-fé, é “recomendável à Administração Pública, em caso de mudança (…), dar aos possíveis interessados a devida divulgação quanto aos procedimentos a serem adotados no futuro” (Furtado, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum. 2007).