Agravo de Instrumento Contra Decisão de Embargos de Declaração

Caso interessante foi decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.725.612 – RS (2018/0039371-1), através do voto da Ministra (relatora) Nancy Andrighi, a merecer ser passado à limpo neste singelo artigo.

Na maior parte das vezes os votos dos ministros dos Tribunais Superiores constituem verdadeiras aulas de direito, e neste caso não foi diferente. Diretamente ao ponto, o julgado em apreço explorou caso bastante peculiar:

  1. Determinada empresa de transporte aéreo, em ação coletiva, restou condenada ao pagamento de indenização por dano moral;
  2. Foi postulado o cumprimento provisório da sentença pela sociedade que representa a coletividade de pessoas;
  3. O juiz da causa despachou intimando a requerida para o cumprimento provisório da sentença, que estipulara indenização por dano moral a 27 pessoas em valor individual arbitrado em R$ 14.661,78;
  4. Deste despacho houve apresentação de Embargos de Declaração pela empresa condenada, discutindo a necessidade de liquidação da sentença, antes da instauração da fase de cumprimento propriamente dita;
  5. Os embargos de declaração foram rejeitados;
  6. A parte embargante interpôs recurso de Agravo de Instrumento;
  7. Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não conheceu do Agravo de Instrumento, entendo que o despacho em comento não é impugnável na via deste recurso, ao passo que os argumentos da defesa do executado devem ser aduzidos em sede própria, Impugnação ao Cumprimento de Sentença;
  8. Apresentados novos embargos, estes foram rejeitados, sendo então interposto o Recurso Especial com alegação de violação dos artigos 1.022, I e II e 1.015, do CPC; negativa de prestação jurisdicional por entender que naquela espécie não havia outra maneira de atacar a falta da fase de liquidação do julgado que não fosse o Agravo de Instrumento.

A partir disto, o que decidiu o STJ? De plano, fez uma incursão na atual lei adjetiva, artigo 203, para mencionar que os pronunciamentos judiciais afeiçoam em sentenças, decisões interlocutórias e despachos de mero expediente.

No que se refere aos despachos, como em essência não visam mais do que impulsionar o feito sem levar danos às partes, tecnicamente não estariam sujeitos a recurso, na forma do artigo 1.001 do CPC, porque também o magistrado poderia, depois, declarar inepta a petição vestibular da execução.

Ato adiante, consignou que com a entrada em vigor do novo CPC, passou a ser regramento sine qua non o requerimento expresso do credor à fase de cumprimento de sentença, não sendo mais passível que esta fase seja instaurada por impulso oficial do juiz, ou seja, por despacho.

Seguindo-se, asseverou que a defesa do devedor contra a pretensão da execução nos casos de título executivo judicial é a Impugnação ao Cumprimento de Sentença, ocasião em que pode ser suscitada a matéria alusiva a inexigibilidade do título ou da obrigação, em atenção ao artigo 535, III, haja vista que o artigo 786, cumulado com o artigo 803, I, todos do CPC, estabelecem os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade como indispensáveis ao título executivo, as quais são matérias de ordem pública que também podem compor a defesa do executado através da conhecida Exceção de Pré-Executividade, que não tolera dilação probatória.

Ou seja, eventualmente o devedor pode cindir a sua defesa, contudo, ciente de que as matérias abordadas na aludida Exceção não podem ser revisitadas em sede de Impugnação ao Cumprimento de Sentença, ante o fenômeno da preclusão.

Por isso, o desfecho do caso concreto foi justamente o de provimento unânime do Recurso Especial, para que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul conheça do Agravo de Instrumento da empresa executada e sobre ele se pronuncie, haja vista que a matéria atinente à liquidez do título poderia ser conhecida até de mesmo de ofício, e embora tenha sido suscitada em sede de Embargos de Declaração contra despacho, e a decisão que os julgara: “possui carga decisória, haja vista possuir o condão de gerar danos e prejuízos ao interesse da recorrente”. (negritamos)

Neste aspecto, a elucidação bastante pertinente extraída do voto da ministra relatora foi o seguinte: “nos termos da jurisprudência desta Corte, o tema não poderia ser revisitado por ocasião da impugnação ao cumprimento de sentença, ante a ocorrência de preclusão. Por este motivo, apesar de a questão ter sido decidida em embargos de declaração opostos contra mero despacho, o Tribunal de origem deveria ter conhecido e examinado o mérito do agravo de instrumento interposto pela recorrente, merecendo reforma, portanto, o acórdão recorrido nesse ponto”. (negritamos)

Em conclusão, temos a seguinte premissa decisória neste caso: por ter sido abordada a matéria atinente à liquidez do título indispensável à execução em Embargos de Declaração, mesmo contra despacho que instaurava o cumprimento provisório da sentença, o pronunciamento que sobre eles foi proferido teve carga decisória porque adentrou à matéria, gerando risco ao recorrente, que não poderia – por preclusão – rediscuti-la em Impugnação ao Cumprimento de Sentença, daí a pertinência do Agravo de Instrumento interposto, e da necessidade do seu julgamento meritório pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Referência.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Negativa de Prestação Jurisdicional. Fundamentação. Ausente. Deficiente. Súmula 284/STF. Cumprimento Provisório de Sentença. Pronunciamento Judicial. Intimação Para Pagamento. Natureza. Despacho. Art. 203 do CPC/15. Embargos de Declaração. Matéria. Liquidez da Obrigação. Requisito de Exequibilidade. Art. 783 do CPc/15. Conteúdo do Ato Judicial. Carga Decisória. Agravo de Instrumento. Recurso Especial nº 1.725.612 – RS (2018/0039371-1). Relatora: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 02 jun. 2020. DJE 04/06/2020.