Resumo

As diversas formas de família já subsistem desde os primórdios, iniciando de forma mais abrangente, depois se restringindo e “pudorizando”, chegando aos tempos atuais com olhares e composições mais acolhedores à diversidade. A Constituição Federal de 1988 de forma pioneira abriu precedente para as demais legislações, em especial o Código Civil, a fim de tutelar os direitos desses novos núcleos familiares e lhes garantir igualdade diante do casamento. Dessa forma muito se garantiu às famílias diversas do casamento: alimentos, direito previdenciário, direito sucessórios, dentre outros. Infere-se a supremacia do afeto ante ao formalismo e solenidade, não mais tendo a formalidade como cerne da família, mas sim o afeto que os une. Muitos passos rumo ao futuro já foram dados, no entanto é necessária uma maior atenção e velocidade do poder legislativo para acompanhar as mudanças, porque não dizer diárias, que o Direito de Família vem sofrendo, pois o que na verdade realmente importa não é como a família é formada, mas sim pelo que ela se forma.

Palavras-chave: Família. Direito Civil. Constituição Federal. Mudança. Afeto.

Abstract: The various forms of family have subsisted since the beginning, beginning more comprehensively, then restraining and “modulating”, reaching present times with more welcoming looks and compositions to diversity. The Federal Constitution of 1988 pioneered a precedent for other legislation, especially the Civil Code, in order to protect the rights of these new families and guarantee them equality before marriage. In this way many families of the marriage were guaranteed: food, social security, inheritance law, among others. The supremacy of affection is infused with formalism and solemnity, no longer having formality as the core of the family, but rather the affection that unites them. Many steps towards the future have been made, but more attention and speed is needed from the legislature to keep up with the changes, not to say on a daily basis, that Family Law is suffering because what really matters is not like family is formed, but by what it is formed.

 

Keywords: Family. Civil right. Federal Constitution. Change. Affection.

 

Sumário: Introdução; 1. Desenvolvimento; 1.1 Direito Brasileiro; 1.2. Família Eudemonista; 1.3. Família Matrimonial ou Formal; 1.4. Família Informal; 1.5. Família Monoparental; 1.6. Família Reconstituída; 1.7. Família Anaparental; 1.8. Família Pluriparental; 1.9. Família Substituta; 1.10. Família Homoafetiva; 1.11. Família Poliafetiva; Conclusão; Referências.

 

Introdução

A amplitude do conceito Família se deu a partir da Constituição Federal de 1988, que hoje, não se limita ao casamento apenas, mas também à União Estável, Monoparentalidade, Família Substituta, Anaparental entre outras.

Com o passar do tempo, a Família adquiriu novas formas e características e por isso discute-se sobre sua organização, contrapondo-se opiniões em relação à sua legitimação, entendendo o seu caráter essencial em face do interesse do Estado moderno.

A interpretação dessa nova realidade está embasada nos vínculos afetivos, pois independentemente de uma solenidade, a família se estrutura com base no afeto entre seus entes, não importando a forma ou o meio como o qual se constituiu.

Apesar da Constituição Federal ter iniciado o processo de reconhecimento de outras famílias se não as constituídas pelo casamento, o ordenamento jurídico ainda está muito aquém na tutela dos direitos dessas famílias diversas. Pouco são os olhares dos legisladores à esta ótica, no entanto este cenário vem sofrendo mudanças visto que muitos são os julgados a favor destes modelos familiares.

 

1.Desenvolvimento

1.1 Direito Brasileiro

Todas as pessoas pertencem uma família, e é por esta razão que este ramo do Direito tem tamanha importância, uma vez que trata intimamente das relações pessoais. Desta feita e de forma ampla, família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo, sanguíneo ou não, e que procedem de um tronco ancestral comum ou unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins. (GONÇALVES, 2014).

O Direito de Família, diferentemente do Direito Patrimonial, possui um fim social, afetivo e não caráter pecuniário. Destarte, seu descumprimento não gera perdas e danos, assim como o Direito Patrimonial, mas sim sanções ligadas diretamente ao vínculo pessoal, como por exemplo a destituição do poder familiar ou o divórcio.

Para Carlos Roberto Gonçalves:

“O direito de família constitui o ramo do direito civil que disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco, bem como os institutos complementares da tutela e curatela, visto que, embora tais institutos de caráter protetivo ou assistencial não advenham de relações familiares, têm, em razão de sua finalidade, nítida conexão com aquele.” (GONÇALVES, p.17).

Assim sendo, vamos elencar alguns “modelos” de família existentes no Brasil, muitos deles sem regulamentação ainda,

 

1.2. Família Eudemonista

Eudemonista, expressão de origem Grega, com significado de felicidade. Seu embasamento é a felicidade e a realização plena de seus membros, alcançadas através do afeto e respeito mútuo. Desse modo conceitua Andrade:

“Eudemonista é considerada a família decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua, como é o caso de amigos que vivem juntos no mesmo lar, rateando despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como se irmãos fossem, razão para qual os juristas entendem por bem considerá-los como formadores de mais de um núcleo familiar.”

O afeto passa a ter valor jurídico, e essa tendência afetiva cria o conceito de família Eudemonista, portanto a tutela se dará nessas relações familiares com o fito de salvaguardar os valores humanos.

Nossa jurisprudência assim acompanha as modificações e o surgimento de novos modelos de família:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – NOVOS CONTORNOS DA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA, SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA – DIREITO DE VISITAS – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DESABONEM A CONDUTA DO PAI – BEM ESTAR DA CRIANÇA. – Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo. – A melhor doutrina e a atual jurisprudência, inclusive deste próprio Tribunal, estão assentadas no sentido de que, em se tratando de guarda de menor, “o bem estar da criança e a sua segurança econômica e emocional devem ser a busca para a solução do litígio” (Agravo nº 234.555-1, acórdão unânime da 2ª Câmara Cível, TJMG, Relator Des. Francisco Figueiredo, pub. 15/03/2002). – Também na regulamentação de visitas, deve ser considerado o bem estar da criança, prevalecendo aquilo que vai incentivar seu desenvolvimento físico, social e psíquico da melhor maneira possível, garantindo, sempre, seus direitos e sua proteção. – Recurso desprovido. (TJ-MG – AI: 10115120014515001 MG , Relator: Eduardo Andrade, Data de Julgamento: 07/05/2013, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/05/2013).

 

1.3. Família Matrimonial ou Formal

“Matrimonio é o pacto pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda vida ordenado ao bem dos cônjuges e a geração e educação dos filhos” (definição em dicionário). Este tipo de família se consagra através do casamento e, a adoção obrigatória de formalidades.

No Direito Civil, segundo Gonçalves (2014), casamento, pelos seus efeitos, é o mais importante de todos. Embora existam relações familiares fora do casamento, ocupam estas plano secundário e ostentam menor importância social. O casamento é o centro, o foco de onde irradiam as normas básicas do direito de família, sendo estudado em todos os seus aspectos, desde as formalidades preliminares e as de sua celebração, os seus efeitos nas relações entre os cônjuges, com a imposição de direitos e deveres recíprocos, e nas de caráter patrimonial, com o estabelecimento do regime de bens, até a sua invalidade por falta de pressupostos fáticos, nulidade e anulabilidade, além da questão da dissolução da sociedade conjugal, com a separação judicial e o divórcio. Ainda conceituando, diz Tartuce (2014), que o casamento pode ser conceituado como a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto.

Este modelo familiar é um negócio jurídico solene e formal, tutelado pelo Código Civil a partir dos artigos 1.511 e seguintes, indo desde a habilitação até a sua invalidação.

 

1.4. Família Informal

A informalidade da família está na sociedade desde sempre, aliás, foi dela que decorreu a família formal, o matrimonio, no entanto esta foi por muito tempo marginalizada. Seu surgimento se dá de forma espontânea nas relações pessoais criando a união estável. Com o passar dos tempos e a evolução dos costumes sociais, a união estável foi posta constitucionalmente ao lado da família do casamento, a merecer a proteção do Estado (MADALENO, p. 49).

Diferentemente do casamento, a união estável não apresenta formalidades para a constituição ou qualquer solenidade. Diante da grande incidência de famílias criadas neste formato, houve a necessidade de regulamentação de determinados direitos oriundos dessas relações, e para tanto clamou-se ao judiciário uma posição. Além da Constituição Federal, o Código Civil trouxe disciplinado a União Estável no seu artigo 1.723:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Ademais, a jurisprudência acompanhou a ascensão de direitos reconhecidos as famílias informais, como vemos:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL. NÃO COMPROVAÇÃO DA COMUNHÃO DE ESFORÇOS PARA FORMAÇÃO DE PATRIMÔNIO COMUM. DESNECESSIDADE. 1. O fato de o casal não ter adquirido nenhum bem durante o período de convivência não afasta a possibilidade de reconhecimento da união estável, visto que a comunhão de esforços para a formação de patrimônio comum não é requisito necessário para a sua caracterização, nos termos do art. 1.723 do CC e da jurisprudência desta Corte Superior. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 04/09/2014, T4 – QUARTA TURMA). (grifo nosso).

Mesmo diante das facilidades de constituição deste tipo de família, pela desnecessidade de formalidades, ainda sim, são necessários alguns requisitos para a sua configuração.

O primeiro e fundamental é o objetivo de constituir família, o affectio maritalis, o casal deve ter o animus, a intenção de constituir família. Tal requisito pode ser provado através da prole, contrato de convivência, coabitação etc.

O próximo requisito é a convivência duradoura, tempo este não estipulado, mas analisado pelo juiz em cada caso concreto.

Dando seguimento, estamos diante da convivência contínua, que decorre do requisito anterior. Nota-se a preocupação em evitar a quebra da estabilidade, portanto um breve desentendimento ou interrupção não são suficientes para descaracterizar tal requisito.

Ainda relacionado à convivência, temos o requisito da convivência pública, ou seja, não pode ser clandestino, pelo contrário, há de ser público e notório.

Outro requisito a se observar é o desimpedimento, onde somente pessoas desimpedidas (mesmos critérios do casamento), é que podem constituir união estável.

Insta frisar que além da desnecessidade de bens adquiridos pelo casal, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou através da súmula 382 a dispensabilidade de convivência do casal no mesmo lar, ou seja, sob o mesmo teto. Isto caracteriza ainda mais a espontaneidade e informalidade desta espécie de família.

 

1.5. Família Monoparental

A primeira vez que expressão família Monoparental surgiu foi em 1981 na França, em um estudo publicado pela INSEE. Já no Brasil, esta “modalidade” familiar está prescrita no parágrafo § 4° do artigo 226 da CF/88 “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, desmitificando a ideia de família bilateral, homem e mulher como modelo social familiar. Seu surgimento se dá de diversas formas seja ela por uma separação em que os filhos ficam com um dos pais ou até mesmo por uma gestação independente, o que ocorre aqui é uma escolha de modelo de família.

Fabio Ulhoa (2012) classifica a monoparentalidade em paternal ou maternal, “no primeiro caso, a comunidade familiar é integrada pelo pai e seus descendentes; no segundo, pela mãe e seus descendentes”, e em voluntária ou involuntária “naquela, a monoparentalidade é resultado de uma decisão livre e consciente do pai ou da mãe, como no caso do celibatário que adota um filho; enquanto nessa última, as circunstâncias da vida conduzem a família ao estado monoparental, como na viuvez prolongada”.

A expressão monoparentalidade ressalta a presença de somente um dos pais como titular do vínculo familiar, o que não devemos confundir com vínculos matrimoniais desfeitos onde os filhos ficam sob a guarda de um dos pais, pois o poder familiar ainda é inerente a ambos.

As principais constituições de monoparentalidade são o divórcio ou separação, adoção, a união livre, mães solteiras, inseminação artificial e a viuvez.

 

1.6.  Família Reconstituída

O nome família reconstituída, por si só explica seu conceito, onde pessoas oriundas de família formal ou informal, se reestabelecem em uma nova relação afetiva, com necessariamente um de seus membros possuindo prole do relacionamento anterior, dando vez as figuras do “padrasto” da “madrasta” e “enteados”. Tal constituição familiar tem previsão do Código Civil:

“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.”

Não se deve entender a família reconstituída como uma revisão da família anterior, é uma nova formação familiar em que o tempo se encarrega do afeto e da confiança geralmente já inatos na vinculação biológica. Essas famílias reconstituídas trazem consigo relações complexas e sobre as quais o Direito brasileiro precisa dar mais atenção (MADALENO, p. 92), pois apesar da Lei 11.924/09 (Lei que autoriza o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta) permitir a inclusão do sobrenome do padrasto/madrasta aos enteados, outros elementos do Direito de Família (alimentos, visitas, etc) ainda se encontram à margem da legislação.

 

1.7. Família Anaparental

Este modelo familiar com base no afeto se concretiza com a ausência dos genitores. A utilização do sufixo “ana” traz a ideia de privação dos pais. Assim explica Sergio Resende de Barros:

“São as famílias que não mais contam os pais, as quais por isso eu chamo famílias anaparentais, designação bastante apropriada, pois “ana” é prefixo de origem grega indicativo de “falta”, “privação”, como em “anarquia”, termo que significa falta de governo.”

Apesar de não está descrita na Constituição Federal, a família anaparental encontra amparo no judiciário, como vemos no Recurso Especial julgado pelo STJ publicado em 2012:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE.ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMÍLIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado – maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 – ECA -, renumerado como§ 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar. Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam afiliação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a chamada família anaparental – sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2, do ECA. Recurso não provido. (STJ – REsp: 1217415 RS 2010/0184476-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/06/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2012). (grifo nosso).

Perceba que nesta modalidade de família, não existe a verticalidade, ou seja, não se faz presente a figura de nenhum tipo de ascendente, além disso sua configuração não necessariamente advém de laços familiares, ela pode ser constituída por irmãos órfãos, como também por amigos que se unem para viverem a vida.

Sua determinação não ocorre somente pelo agrupamento de pessoas, é requisito fundamental para anaparentabilidade a afetividade, a estabilidade e a publicidade, sem esses requisitos não se configura esta espécie de núcleo familiar.

 

1.8. Família Pluriparental

Maria Berenice Dias nos explica este modelo familiar:

“A convivência familiar dos parentes colaterais recebe o nome de família pluriparental. Não importa a igualdade ou diferença do grau de parentesco entre eles. Assim, tios e sobrinhos que vivem em família constituem uma família pluriparental. Igualmente, os irmãos e até os primos que mantêm convivência familiar, são outros exemplos.”

Seu ponto de ignição ocorre com desfazimento de outro modelo familiar, portanto ela resulta do fim de uma união estável, do divórcio ou de uma viuvez, onde famílias distintas e “desfeitas” se refazem de uma nova forma.

Semelhantemente às famílias anaparentais, o pluriparentalismo não está abarcado na Constituição Federal, tendo sua previsão no Projeto do Estatuto das Famílias:

“Art. 69. (…)

  • 2.° Família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais.”

Tal modelo familiar, também chamado de família mosaico, tem o afeto como elemento fundamental à subsistência. Pode ser considerado um tipo familiar de difícil estabilização pelo fato de seus componentes serem egressos de outras relações familiares, por ser uma nova forma de constituição de família.

 

1.9. Família Substituta

Com previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD) – Lei 8.069/90, a família substituta tem o fito de substituir a família natural (laços sanguíneos), seja temporariamente ou de forma permanente, tanto de crianças quanto de adultos.

O ECRIAD trata da família substituta como forma excepcional:

“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” (grifo nosso).

A excepcionalidade de que trata o artigo anterior se justifica pela preferência estabelecida no mesmo diploma legal (art.19 § 3°) de inserção da criança ou adolescente na família biológica, somente em não sendo possível, é que insere-se o menor em família substituta.

Este tipo familiar mais voltado à proteção da criança e do adolescente, pode ser apresentar de três formas, como ventila o artigo 28 do ECRIAD:

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.” (grifo nosso).

A guarda, não se faz presente somente nos casos de família substituta, ela também ocorre nos casos de dissolução da sociedade conjugal. No entanto no que tange à família substituta, sua previsão legal está nos artigos 33 a 35 do ECRIAD, em que menores encontram-se em situação irregular. Aquele que assume o múnus da guarda, chamado guardião, assume a educação, os encargos materiais e morais do menor, como prevê o Estatuto:

“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.”

O instituto da tutela com sua devida previsão no artigo 1.728 do Código Civil, se faz necessária quando ocorre o falecimento dos genitores do menor ou em razão de sua declaração de ausência, ou ainda pela destituição do poder familiar. Ulhoa (2012), assim explica a tutela:

“Quando o menor fica órfão de pai e mãe, alguém deve se responsabilizar por ele. Alguém que o proteja, dirija-lhe o restante da criação e educação e zele por seus interesses. Em razão da falta de capacidade civil, o órfão continua a necessitar de representante (enquanto impúbere) ou assistente (quando púbere), para a prática de negócios jurídicos. Finalmente, se possui patrimônio, a criança ou adolescente precisa de alguém capaz para administrá-lo. Essa pessoa que se responsabiliza pelo menor órfão de pai e mãe é chamado tutor; a criança ou adolescente sob seus cuidados chama-se tutelado ou pupilo.”

Adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha (Gonçalves, 2014). Essa forma de colocação em família substituta rege-se pela Lei. 8.069/90, com diversos requisitos, como por exemplo a diferença mínima de 16 anos entre o adotado e o adotante, dentre outros. Esse instituto gera efeitos patrimoniais (direito a alimentos e a sucessão) e pessoais (direito a nome e submissão ao poder familiar).

 

1.10. Família Homoafetiva

Este com certeza é o “modelo” de família que mais ganha destaque no direito de civil em especial no direito de família.

DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVA) ROMPIDA. DIREITO A ALIMENTOS. POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. PROTEÇÃO DO COMPANHEIRO EM SITUAÇÃO PRECÁRIA E DE VULNERABILIDADE. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. ALIMENTOS PROVISIONAIS. ART. 852 CPC. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. ANÁLISE PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. 1. No Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo, sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e repúdio à discriminação de qualquer natureza. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família; por conseguinte, “este reconhecimento é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”. 3. A legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais, trazendo efetividade e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade, autodeterminação, proteção das minorias, busca da felicidade e ao direito fundamental e personalíssimo à orientação sexual. 4. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias, sendo o alicerce jurídico para a estruturação do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inseparável e incontestável da pessoa humana. Em suma: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se for garantido o direito à diferença. 5. Como entidade familiar que é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (ADI n. 4277/DF e ADPF 132/RJ), pelos mesmos motivos, não há como afastar da relação de pessoas do mesmo sexo a obrigação de sustento e assistência técnica, protegendo-se, em última análise, a própria sobrevivência do mais vulnerável dos parceiros. 6. O direito a alimentos do companheiro que se encontra em situação precária e de vulnerabilidade assegura a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o mínimo existencial, com a preservação da dignidade do indivíduo, conferindo a satisfação de necessidade humana básica. O projeto de vida advindo do afeto, nutrido pelo amor, solidariedade, companheirismo, sobeja obviamente no amparo material dos componentes da união, até porque os alimentos não podem ser negados a pretexto de uma preferência sexual diversa. 7. No caso ora em julgamento, a cautelar de alimentos provisionais, com apoio em ação principal de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, foi extinta ao entendimento da impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que “não há obrigação legal de um sócio prestar alimentos ao outro”. 8. Ocorre que uma relação homoafetiva rompida pode dar azo ao pensionamento alimentar e, por conseguinte, cabível, em processo autônomo, que o necessitado requeira sua concessão cautelar com a finalidade de prover os meios necessários ao seu sustento durante a pendência da lide. 9. As condições do direito de ação jamais podem ser apreciadas sob a ótica do preconceito, da discriminação, para negar o pão àquele que tem fome em razão de sua opção sexual. Ao revés, o exame deve-se dar a partir do ângulo constitucional da tutela da dignidade humana e dos deveres de solidariedade e fraternidade que permeiam as relações interpessoais, com o preenchimento do binômio necessidade do alimentário e possibilidade econômica do alimentante. 10. A conclusão que se extrai no cotejo de todo ordenamento é a de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família (ADI n. 4277/DF e ADPF 132/RJ), incluindo-se aí o reconhecimento do direito à sobrevivência com dignidade por meio do pensionamento alimentar. 11. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1302467 SP 2012/0002671-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 03/03/2015, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2015) (grifo nosso)

Mesmo afastando o entendimento da homoafetividade como doença, este modelo de família ainda se encontra à margem do tratamento dado pela Constituição. A pioneira no reconhecimento dessas uniões homossexuais foi a Dinamarca, em 1989, quando aprovado um projeto de lei inovador autorizando o reconhecimento do registro de uniões homoafetivas com direitos semelhantes ao do casamento, como por exemplo, previdência e sucessão, inclusive possibilitando ao casal a troca de sobrenome entre si. Perceba, porém que, esse pioneirismo não atingiu a adoção de filhos pelos casais homoafetivos.

Neste diapasão, a Dinamarca foi precursora abrindo precedente para que diversos países adotassem a mesma postura quanto ao reconhecimento da união entre casais do mesmo sexo. Em 1993 a Noruega editou lei neste sentido, em 1995 a Suécia oficializou os mesmos direitos previstos na lei dinamarquesa. Posteriormente a Islândia oficializou as uniões e a África do Sul deu status de garantia constitucional a opção sexual, seguindo a corrente, França (1998), Holanda (2001), Portugal (2001), Bélgica (2003), Argentina (2003) e Espanha (2005) também reconheceram a família homoafetiva.

O casamento como sendo a união entre homem e mulher vem sendo afastado aos poucos e se consolidando com entendimentos jurisprudenciais e julgados. O Ministro Luis Felipe Salomão do STJ, brilhantemente se posicionou quanto a união Homoafetiva no julgado REsp 1.183.378-RS, 4ª T., j. 25-10-2011:

“O pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a “especial proteção do Estado“, e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os “arranjos” familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união”.  (grifo nosso).

As inúmeras decisões judiciais atribuindo consequências jurídicas a essas relações levou o STF a reconhece-las como união estável, com iguais direitos e deveres. A partir desta decisão passou a Justiça a admitir a conversão da união homoafetiva em casamento. De imediato o STJ admitiu a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, sem que se precise antes formalizar a união para depois transformá-la em casamento. Até que o CNJ proibiu que seja negado acesso ao casamento e reconhecida a união homoafetiva como união estável. (DIAS, p. 238).

 

1.11. Família Poliafetiva

Diversas são as nomenclaturas dadas a este núcleo familiar: poliamor, família poli-amorosa. Diferente da bigamia, a família poliafetiva consiste na formação de uma única entidade familiar, todos sob o mesmo teto.

As características são semelhantes ao casamento, no entanto há pluralidade de componentes, estamos vivendo uma democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados. Cada vez mais as pessoas têm o direito de escolha e podem transitar de uma comunidade de vida para outra ou construir a estrutura familiar que lhe pareça mais atrativa e gratificante. Traição e infidelidade estão perdendo espaço. (DIAS, p.241).

 

Conclusão

Ao final, observa-se que o ponto interessante é que a existência do animus de constituir família, e principalmente o afeto acontecem independentes do padrão de família tutelado, assim a vontade de se sujeitar aos deveres e gozar dos direitos e dos frutos que a família proporciona independe de qual “tipo” de família você tem.

A CF/88, a Lei 10.406/2002, a Lei 8.069/90, dentre outras Lei, projetos de Lei/Estatuto e julgados contribuíram e contribuem para que se preenchessem as lacunas quanto à tutela das famílias hoje existentes.

No entanto, mesmo com tanta mudança, ainda se faz necessários um olhar mais abrangedor no Código Civil e na Constituição Federal para os modelos familiares notórios na nossa sociedade.

 

Referências

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, família, sucessões, volume 5 / Fábio Ulhoa Coelho. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico] / Maria Berenice Dias – 4. Ed – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral – de acordo com a Lei n. 12.874/2013 / Carlos Roberto Gonçalves. – 12. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família – de acordo com a Lei n. 12.874/2013 / Carlos Roberto Gonçalves. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MADALENO, Rolf, 1954 – Direito de família / Rolf Madaleno. – 7.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TARTUCE, Flávio.  Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

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Advogada, especialista em Direito de Família e Sucessões, pós graduanda em Direito Público, ambas pela faculdade Legale. Atualmente ocupo o cargo de Presidente da Comissão de Família, Infância e Juventude da 17ª Subseção OAB Serra. Atuo majoritariamente na área de Família, mas também milito no ramo de Consumidor, Cível e Previdenciário. Proprietária de um canal no youtube, em titulado de "Bárbara Holz", onde converso sem "juridiquês" com o objetivo de levar conhecimento, informação e direito a todas as pessoas de simples e descomplicada.