A era dos extremos
Foi exatamente a passagem do século XIX para o século XX que representou o momento de apreensão que começariam a impactar a todos.
Antes, os países capitalistas ocidentais que eram vistos como expressivas superpotências e que conseguiam manter suas economias em progresso crescente e permanecerem intactas por longo tempo. Porém, o século XX acenou com o declínio da civilização ocidental deixando impactantes rastros.
O renomado historiador Eric Hobsbawn[1] trouxe nova visão crítica sobre o século XX e descreveu como sendo o mais terrível dos séculos e o mais veloz de todos, um século de guerras, de nascimento e fenecimento de utopias de conhecimentos mais ao mesmo tempo, do predomínio de ignorância e medo.
Nesse caos de conceitos e comportamentos, a história tomava certos rumos, se apartando da história dita oficial e, se concentrando nas novas possibilidades de seu campo historiográfico.
Afinal, a visão historiográfica[2] modificou a forma de lidar com o conhecimento histórico entre uma confiança ilimitada na informação da fonte, pois, nesse mesmo período surge nova ferramenta que são as fontes, que orientará no campo do historiador.
O breve século XX e seus efeitos pelo mundo, nos remonta as ideias de medo da guerra quando ainda não faziam parte de debates acalorados no meio político e no campo da História.
Foram as avassaladoras transformações da segunda metade do século XIX e ainda os movimentos ocorridos na Europa envolvendo diversos grupos sociais distintos e que eclodiram a partir de 1848, o que ficou conhecido como a Primavera dos Povos.
Percebe-se que os conflitos sociais criaram a zona revolucionária era igualmente heterogênea. Em França estava o tabuleiro do jogo não era meramente o conteúdo político e social desses Estados, mas sua forma ou sua essência.
O grande anseio por mudanças alimentou atmosfera capaz de gerar revoluções vitoriosas. E, o espaço significativo destas no contexto europeu formou o ambiente propício para dar início a Primeira Grande Guerra Mundial.
O fator condicionador para essa guerra foi a exploração do desenvolvimento europeu em outros países da América e da Ásia, a construção de grandes impérios, a disputa por territórios, o que inclui também a disputa dos alemães por colônias, tornando-se um equilíbrio delicado entre as potências europeias.
Antes dessa guerra emergiu diferentes doutrinas sociais tais como o socialismo, comunismo e o fortalecimento do capitalismo. Marx e Engels acreditavam que os socialistas deveriam criar partido político para educar os trabalhadores, fazendo-os conhecer os princípios do socialismo científico para poder refletir por iniciativa própria e de modo peculiar.
De sorte que a disputa territorial seria igualmente uma disputa para a implantação de suas ideologias[3] sociais nos países conquistados. Depois, quando adveio o período de paz, mas em que todos estavam se dedicando a produção de armas, era uma franca corrida armamentista dos governos.
E, note-se que desde meados do século XIX, o nacionalismo exacerbado e o imperialismo formaram os principais fatores que motivaram essa corrida e, posteriormente, que levou a eclodir à guerra.
A partilha de terras no continente africano e asiático gerou um período de “falsa paz”, angariando muitos distúrbios entre as nações europeias. Enquanto os ingleses e franceses dominaram e se contentavam com poucos territórios de baixo valor, “a Alemanha reivindicava territórios na África e o Japão em regiões da Ásia onde os alemães poderiam viver”.
Este descontentamento permaneceu até o começo do século XX e, foi um dos motivos da guerra, pois estas duas nações queriam mais territórios para explorar, divulgando suas ideias sociais e aumentar seus recursos.
Em verdade, o cenário para a guerra estava pronto e, o século XX assumiu rumos, que segundo Hobsbawn que começa em 1914 com a primeira grande guerra[4]. E, gradualmente a Europa fora se dividindo em dois blocos antagônicos de grandes nações, o que resultou num conflito maior pelas disputas territoriais no mundo.
Enfim, o breve século XX veio adquirindo formas e foi arquitetando mais um grande conflito, a segunda grande guerra[5] mundo, o que levou a extremos a formação de diferentes ideologias ortodoxas e, caracterizando-se por ser uma época de implementação de ditaduras de diferentes matizes políticas e econômicas, tais como o comunismo soviético[6] e o chinês e os militarismos[7] repressores de direita na América Latina, passando também pelos totalitarismos nacionalistas como o fascismo europeu e tantos outros movimentos que massacraram sob a desculpa de valores e pretexto para obter o maior grau de dominação possível.
O século XX foi o exato momento em que o homem demonstrou sua força e como também muito questionou os seus plenos poderes. A tecnologia, as ideologias, a política e a economia ficaram acenando que tudo é terrivelmente transitório[8].
O homem do século XXI[9] ainda tem muito a aprender com o século dos extremos, perscrutando as causas e consequências que ainda reverberam seus efeitos em plena contemporaneidade.
Referências
CARDOSO, Luísa Rita. Segunda Guerra Mundial. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/segunda-guerra-mundial/ Acesso em 19.5.2020.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.
____________. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 2008.
COSTA, Marcos. O Século XX em xeque: uma breve discussão teórica. Disponível em: https://www.temposinteressantes.com/2020/04/o-seculo-xx-em-xeque-uma-breve.html?m=0 Acesso em 19.5.2020.
HOBSBAWN, Eric. A era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
[1] Eric Hobsbawm (1917-2012) foi um historiador inglês, considerado um dos mais importantes no âmbito da historiografia contemporânea de orientação marxista. Durante muitos anos foi descriminado por suas convicções políticas.
Só a partir de 1960 começou a publicar seus primeiros trabalhos historiográficos e a partir de então começou seu reconhecimento internacional. Eric Hobsbawm se especializou no estudo da História Contemporânea. Entre seus livros destacam-se: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962), “A Era do Capital: 1848-1875” (1975) e “Era dos Impérios -1848-1914” (1984). As três obras abrangem o que ele denominou “longo século XIX”. Em 1994 publicou “A Era dos Extremos” onde o historiador analisa o período compreendido entre 1914, início da Primeira Guerra, e 1991, ano da queda da União Soviética e o fim dos regimes socialistas do Leste Europeu.
O livro tornou-se uma das obras mais lidas sobre a história recente da humanidade, foi traduzida em mais de 40 idiomas e recebeu muitos prêmios internacionais. “Em Tempos Interessantes” (2002) o autor discorre sobre o século XX onde relaciona fatos históricos com sua trajetória de vida, sendo considerada uma obra autobiográfica.
[2] A historiografia é obra da História, um escrito de natureza histórica. Separa-se o processo de desenvolvimento dos povos do seu estudo seja descrição ou reflexão: aquele é História, este pela Historiografia. A historiografia integra um processo epistemológico e espelha a produção intelectual de certo momento do passado.
[3] Segundo Marilena Chauí, a ideologia é conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar.
É, portanto, corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras e preceitos) de caráter prescritivo e regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção.
[4] Vários foram os fatores de eclosão da Primeira Guerra Mundial. Desde a década de 1870, um sentimento de nacionalismo estava se acirrando entre as principais potências europeias. A derrota da França para a Prússia, na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871, estimulou o revanchismo francês. Mas havia ainda outros conflitos decorrentes do nacionalismo. Na região dos Balcãs, por exemplo, vários grupos de distintas nacionalidades estavam sob o poder político de Impérios, como o Austro-Húngaro e o Turco-Otomano, criando hostilidades e projetando-se uniões nacionais, como a dos eslavos em torno da Sérvia.
[5] Compreender o que levou à eclosão do conflito implica lembrar as consequências da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, culminando com a derrota alemã e a assinatura, entre as potências europeias envolvidas, do Tratado de Versalhes, que, culpando a Alemanha pela guerra, declarou a perda de suas colônias e forçou o desarmamento do país. Diante desse quadro, o país derrotado enfrenta grande crise econômica, agravada pela chamada Crise de 1929. Iniciada nos Estados Unidos da América, que ao fim da Primeira Guerra tinham se estabelecido como a grande economia mundial e financiador da reconstrução da Europa devastada pela guerra, entraram em colapso econômico, levando consigo as economias de países dependentes da sua e agravando as dificuldades econômicas na Europa.
[6] O fim do comunismo soviético começou a partir do momento que Mikhail Gorbachev assumiu a liderança do partido comunista soviético em 1985. O início do “Império Soviético”, isto é, da superpotência conhecida como União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), começou no início dos anos 1920, após a guerra civil na Rússia provocada pela Revolução Bolchevique de outubro de 1917.
[7] Sobre a violência institucionalizada na América Latina, nos anos 1960 e 1970, tomando como referência os casos de Paraguai, Brasil, Uruguai, Chile e Argentina, que requerem um tratamento analítico, simultaneamente, individualizado e articulado, em que as analogias históricas se mostram úteis, não somente para identificar as similaridades, mas, do mesmo modo, situar as especificidades das experiências autocráticas.
[8] Modernidade líquida é termo cunhado pelo filósofo Zygmunt Bauman (1925-2017) para definir o mundo globalizado. A liquidez e sua volatilidade seriam características que vieram desorganizar todas as esferas da vida social como o amor, a cultura, o trabalho, etc. tal qual a conhecíamos até o momento.
[9] “A aparição da sociedade do conhecimento chega com a percepção que tem lugar no século XX. A informação precisava de ser interpretada e requeria, portanto, a presença de trabalhadores do conhecimento… os seres humanos, entendidos como animais sociais, participam nas interações sociais e compartilham o seu conhecimento pessoal em sistemas cada vez mais complexos. Este ecossistema de sentidos e valores construídos individualmente favoreceu durante a segunda metade do século XX, a criação do que hoje é conhecido como a gestão do conhecimento”.