Resumo:

 

Analisar a biografia de Monteiro Lobato nos faz concluir que foi grande crítico da influência europeia sobre a cultura brasileira. E, se dedicou aos problemas da sociedade brasileira, sendo um nacionalista exacerbado, pois defendida sua pátria, cultura de seu povo e seus costumes. Produziu mais de cinquenta obras, utilizando linguagem simples e acessível capaz de expressar as tensões sociais, políticas e econômicas daquela época. E, lutou pessoalmente através da imprensa, pelo saneamento básico, pela exploração do petróleo e o ferro, pela educação e saúde do país. Apesar de todas as qualidades e defeitos, foi vítima alvejada pelo império do politicamente correto que nos conduz a conclusões e censuras equivocadas.

 

Palavras-Chave: Monteiro Lobato. Racismo. Crítico. Nacionalista. Politicamente Correto.

 

 

 

Sob a ditadura do politicamente correto[1], consolidou-se a censura as obras de Monteiro Lobato. Censuradas porque ainda se verifica por diversos entendimentos, que apesar de mantida sua distribuição e circulação, as mesmas devem conter notas explicativas e, mesmo advertência explícita com a finalidade de melhor contextualizar o tempo e espaço em que foram escritas.

 

Os críticos de Monteiro Lobato utilizaram-se de passagens famosas de obras infantis como “Caçadas de Pedrinho” e “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, sobre as quais existem referências ao negro com estereótipos carregados de preconceito e racismo.

 

Assim, os críticos recomendam o banimento dessas obras, bem como postulam melhor capacitação dos educadores para que possam utilizá-las de forma adequada conforme os nobre princípios da Educação. Portanto, tornou-se obrigatória a presença de nota explicativa nas obras, principalmente, com referência as questões étnico-raciais.

 

As obras de Lobato, como por exemplo, as alusões aos atributos de Tia Nastácia e de tantas outras personagens que marcaram as suas obras e, de certa forma, formaram a própria História do Brasil. As narrativas literárias são relevantes também para o estudo do Direito e da sociedade mais até que a maioria dos tratados e manuais existentes.

 

Enfim, sob o império do politicamente correto, até a derrubada da estátua de Voltaire já foi realizada. Não por acaso que nos regimes totalitários, há sempre a justiça de plantão a decretar a prisão de algum escritor, ou jornalista, a fim de manter a ordem pública e a paz social… E, o valor simbólico de tudo é bastante robusto.

 

O que nos faz lembrar, por exemplo, da obra de George Orwell, onde o Ministério da Verdade, há quem seja encarregado de eliminar registros, documentos e quaisquer evidências que contradissessem as verdades proferidas pelo Grande Irmão.  Há sempre quem tenha a tarefa de reescrever a história da nação segundo a doutrina do partido e, a manipulação de manchetes e notícias que são reeditadas, traduzindo a clara manipulação dos fatos. Observem que a existência de fake news não é recente…

 

Preocupa-me o que dirão daqui uns quinhentos ou seiscentos anos do que fazemos hoje… o que falarão a respeito da justiça contemporânea e o judiciário, principalmente, a respeito do sopesamento de princípios constitucionais e de toda axiologia dinâmica e frugal que praticamos.

 

Insisto em concordar com Lenio Streck e André Karam Trindade em seu artigo intitulado “A perseguição jurídica a Monteiro Lobato” e dirigido aos que insistem em denegrir o autor, sendo equivocada a seletiva censura imposta, afinal, precisamos superar a hermenêutica que tanto nos amedronta nesse corrente século.

 

A polêmica sempre esteve presente na vida e obra de Monteiro Lobato, basta lembrar que na Semana de Arte Moderna, de 1922, ele escreveu uma crítica contra a pintura de Anita Malfatti, quando era incompreendida. Ainda na Era Vargas, Lobato opôs-se ao governo porque defendia a exploração de petróleo.

 

Lobato foi ferrenho crítico do movimento modernista e, tudo iniciou com sua resenha a respeito da segunda exposição individual da pintora Anita Malfatti que voltara de viagem dos EUA, onde passou um biênio estudando as principais correntes artísticas. O que para Lobato significava um risco temerário para o desenvolvimento de arte genuinamente brasileira. Por conta dessa rivalidade, Monteiro Lobato foi considerado um autor pré-modernista.

 

Os já alcunhados “valores lobatianos” de pensar, agir, e de se posicionar eram constantes na família e creio que ecoaram também entre seus leitores. E, trata-se do gosto pela leitura, da capacidade de pensamento crítico, do amor à arte, ao desenho e à pintura e de uma imaginação e criatividade poderosas, além do empreendedorismo e do gosto pela aventura.

 

É indispensável contextualizar o momento histórico da época e depois colocar Lobato dentro do momento social em que viveu. Inegavelmente o país foi colonizado e que os colonizadores escravizaram índios brasileiros e, trouxeram ainda os escravos africanos. E, dessa confluência de raças e culturas formou nosso país, adentrou em nossa consciência e nossas estruturas sociais.

 

Entre 2000 a 2010 houve ação contra a obra “Caçadas de Pedrinho”, onde o acusavam de ser racista. A ação resultou na decisão de colocar em catálogo que o livro deveria ser mediado por um adulto. Ao reler os livros, concordei com a decisão.

 

As obras infantis de Lobato contêm expressões, frases e descrições que não podem passar, mas que servem para abrir a discussão sobre o preconceito, entre outros temas. Enfim, não há mais espaço nem tolerância para piadas racistas, homofóbicas ou misóginistas. Não basta mais afirmar que não é racista, é necessário se posicionar como antirracista e, por isso, se propõe atualizar o legado deixado por Lobato. O que foi feito por sua bisneta.

 

Independente disso, o preconceito[2] estrutural profundo é existente e vigente no país, e entender que viver com igualdade significa também respeitar as diferenças.

 

Paradoxalmente, apesar de defender a arte puramente brasileira, foi considerado um americanista, pois era conhecedor e quiçá admirador das conquistas e valores norte-americanos. E, o encanto surgiu justamente em razão de sua viagem aos EUA entre 1926 a 1930 e, chegou até atuar na União Cultural Brasil- EUA. Depois, se demitira, pois viu todo o vigor econômico se transformar em opressão na América Latina.

 

Lobato era um crítico ao governo de Vargas e, o que o fez se aproximar perigosamente das ideias comunistas, chegou enviar cartas à Getúlio Vargas criticando sua gestão sobre o petróleo brasileiro, e por isso, fora condenado a seis meses de prisão por injúria ao Estado. Depois desse tempo, foi convidado a se unir ao Partido Comunista da época, mas recusou. Não queria entrar para vida política brasileira[3]. Cogitam alguns que seu maior defeito era um nacionalismo ideológico quase extremista.

 

Após acompanhar pesquisas sobre a saúde pública no bairro carioca de Manguinhos, Lobato transformou o personagem Jeca Tatu num símbolo importante para o saneamento básico no Brasil. Procurou através de contos, anúncios e quadrinhos conscientizar a população do problema sanitário e ainda pressionar a elite para promover o atendimento do serviço ao povo.

 

Convém recordar que a figura do Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato, chamou a atenção de Rui Barbosa que o citou em discurso em plena campanha presidencial de 1918, como um protótipo do caipira brasileiro, abandonado à miséria pelos poderes públicos. Assim, a divulgação de Jeca Tatu chegou a todo o país, para alguns um tipo exagerado e, para outros, absolutamente fiel.

 

Jeca Tatu foi modelo de caipira não idealizado e, está presente no livro Urupês, da saga criada por Lobato para adultos. Revela painel composto por quatorze narrativas, a real situação do trabalhador campestre de São Paulo, o que não era agradável para as autoridades políticas da época e, também, para os intelectuais.

 

Jeca Tatu era o retrato produzido pelo abandono do Estado, vivendo à mercê de enfermidades típicas de países atrasados, míseros e sofredores de atraso econômico. Trazia uma visão realista e longe das utopias que moldavam o caboclo brasileiro naquela época.

 

Monteiro Lobato foi politicamente perseguido tanto que chegou a mudar-se para Argentina onde viveu por um ano. Em 1947 regressou ao Brasil e, morreu no ano seguinte em decorrência de problemas cardíacos. Em sua homenagem, o dia 18 de abril, que é o dia de seu nascimento, é comemorado o Dia Nacional do Livro infantil.

 

Registre-se que em 30 de junho de 2010, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação acatou solicitação encaminha pela Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial que dizia respeito a denúncia feita à Ouvidoria da SPPIR por Antônio Gomes da Costa Neto questionando a utilização pela Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, de livro que veicularia preconceitos e estereótipos contra grupos étnico-raciais.

 

Logo, a denúncia galgou visibilidade, pois o mesmo livro, da Editora Globo, era distribuído pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola e tido por muitas décadas como obra de referência em escolas públicas e particulares de todo Brasil. E, diante disso, os Conselhos CEB e CNE produziram pareceres que foram alvo de controvérsia midiática.

 

Monteiro Lobato, segundo revelou o estudo publicado em 2013, era racista. Uma conclusão precipitada e pouco coerente. Como escritor era próximo dos médicos Renato Kehl e Arthur Neiva que tanto difundiram o conceito de eugenia no Brasil e, também fora membro da Sociedade Eugênica de São Paulo.

 

Consigne-se, em tempo, que Monteiro Lobato foi o primeiro escritor na literatura infantil a utilizar personagens de nossa cultura, folclóricos e de histórias tradicionais, particularmente, contadas no interior do Brasil. Como é o caso da Cuca e do Saci Pererê.

 

Em seu livro o “Picapau Amarelo”, o autor misturou personagens do universo real com seres ficcionais, fossem nacionais e internacionais. Também reverenciou a mitologia grega, caso de Pégaso e Quimera e, ainda, os clássicos da literatura europeia como Dom Quixote.

 

Lobato era, no mínimo uma figura contraditória, pois como editor, publicou obra de Lima Barreto, que era um autor negro, quando ninguém queria fazê-lo. E, mesmo com a reedição de “Narizinho Arrebitando”, com a retirada de trechos racistas, não apaga a marca do preconceito presente na obra de Lobato. Enfim, sua obra deve continuar disponível para leitura, como exemplo de uma época e, de um país que ainda precisar superar o racismo e suas consequências.

 

Toda celeuma com as obras de Monteiro Lobato envolveu diversas instâncias da sociedade brasileira, notadamente, as questões sobre censura e o direito à liberdade de expressão. Em 1996, os herdeiros de Monteiro Lobato tomaram a iniciativa de sugerir à Editora Brasiliense, até então a única detentora das obras, a reformulação dos livros e da coleção infantil, a fim de que apresentassem aspecto mais moderno com relação as ilustrações coloridas e nova paginação.

 

E, as tratativas continuaram em 1997, porém fracassaram, porque a editora não efetuou o investimento necessário. Em 2007, por meio de acordo com os herdeiros, o STJ estabeleceu a rescisão contratual definitiva e concedeu à Editora Globo os direitos exclusivos sobre a obra de Monteiro Lobato, até 2018, ano em que o legado do autor entrou para o domínio público, pois já se passaram setenta anos de sua morte.

 

As conclusões sobre o racismo de Lobato têm um viés profundamente maniqueísta, ignorando as ambivalências, contradições que possam estar presentes na escrita do autor. Em outro livro, intitulado “O Presidente Negro”, Lobato descreveu um conflito racial no futuro, após a eleição de um negro para a Presidência dos EUA, e, por meio de um alter ego, defendia o desaparecimento da raça negra por meio de esterilização de seus membros.

 

Atente-se, ainda, que a grande variedade de definições de raças, ao longo do tempo de atividade intelectual de Lobato, tornou as avaliações sobre sua obra e opiniões mais complexas. Em verdade, não tinha mentalidade racista, mas fazia denúncia pungente dos maus-tratos infligidos à uma menina da raça negra. Assim, conclui-se, que um racista autêntico jamais denunciarei tal fato em um conto.  Afinal, quem denuncia, não compactua com o mal apontado.

 

Precisamos julgar o autor pelos padrões vigentes da época em que viveu, e não da época em que vivemos, pois se assim for, Shakespeare seria censurável, pois criou personagem que é protótipo de judeu usurário e desalmado (Fagin, em Mercador de Veneza), Otelo, o Mouro de Veneza é uma das mais comoventes tragédias de Shakespeare e, abordou temais universais tais como ciúme, traição, amor, inveja e racismo. Aliás, os sinais de racismo permeiam toda a peça, como na fala de Iago, o inimigo secreto de Otelo, em conversar com o pai de Desdêmona: – “agora mesmo, neste momento, um velho bode negro está cobrindo vossa ovelha branca”…, ou mesmo, Charles Dickens que criou outro personagem judeu que explorava crianças, ensinando-as a roubar (em Oliver Twist).

 

Sem contar, o famoso livro de Agatha Christie (1890-1976) fez tanto sucesso como “O caso dos dez negrinhos”, foi publicado em 6 de novembro de 1939, obtendo expressivo êxito comercial, mas é lembrada as vezes, por ter se inspirado numa cantiga de roda do século XIX, por isso, a obra já foi tachada de racista e causou polêmica em países como a Alemanha. A mesma Alemanha que promoveu a destruição dos judeus, culminando na morte aproximadamente de seis milhões de judeus durante o Holocausto de 1941 a 1945.

 

Questiona-se ainda, Huckleberry Finn seria racista? Foi essa pergunta feita na tese de doutorado na USP pela tradutora Vera Lúcia Ramos. Não é. A obra, em verdade, ataca o racismo. Há a caracterização positiva do negro, explica

a tradutora, o termo “nigger” cumpre o papel de denúncia. Aliás, Mark Twain explicita a maneira desrespeitosa de como os negros eram tratados. Enfim, Mark Twain continua sendo um dos mais amados autores dos EUA e Huckleberry Finn uma das obras mais polêmicas.

 

A premiada Ruth Rocha, uma das mais lidas autoras de literatura infantojuvenil, argumenta que a obra de Lobato é tão magnífica que se defende sozinha. E, afirma, com razão, que literatura não é pedagogia e descabe censura. O professor Luís Camargo, um dos autores de Monteiro Lobato: livro a livro, que foi agraciado com o Prêmio Jabuti em 2009, considera triste esse episódio, e toma uma premissa estreita. Ao invés de discriminar Lobato, seria melhor enfatizar as obras que contemplam a estima das crianças negras.

 

Razão tem Ziraldo que afirma explicitamente que o politicamente correto é ridículo. Eles querem que chame anão de “pessoa verticalmente prejudicada”. Talvez, quem não saiba ler contextualizadamente, deva ser chamado de pessoa de “alfabetização prejudicada”.

 

 

 

 

Referências:

 

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Acesso em 06.11.2021.

 

BOLDORINI, Marília Garcia; MORAES, Talza Mara Rauen. Monteiro Lobato: racista ou retratista de seu tempo? Disponível em:  http://natal.uern.br/periodicos/index.php/DDL/article/view/1441Acesso em 05.11.2021.

 

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FERES JÚNIOR, João; NASCIMENTO, Leonardo Fernandes; EISENBERG, Zena Winona. Monteiro Lobato e o Politicamente correto. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/dados/a/r8hZK3PfdQ4fVXN4nW9ZCSs/?format=pdf&lang=pt     Acesso em 5.11.2021.

FUKS, Rebeca. 7 Obras importantes de Monteiro Lobato comentadas. Disponível em: https://www.culturagenial.com/obras-importantes-monteiro-lobato-comentadas/   Acesso em 5.11.2021.

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LOBATO, Monteiro (1947). “Velha praga”. In: LOBATO, Monteiro. Urupês. 2. ed. São Paulo: Brasiliense.

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VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Monteiro Lobato da Minha Infância. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/monteiro-lobato-da-minha-infancia/

Acesso em 5.11.2021.

[1] O termo “politicamente correto” foi usado com pouca frequência até última parte do século XX, porém essa expressão apareceu na Suprema Corte dos EUA, em 1793 durante julgamento de um processo político. O termo foi usado por negros ativistas, pela esquerdam feministas e membros do movimento estudantil. Era inicialmente usado por minorias, e tinha conotação irônica. Já nos anos noventa, deixou de ser termo usado pelas minorias. Quando a nova direito adotou o termo para criticar principalmente professores e acadêmicos dizendo que eram radicais em seus discursos e que quem não seguia tais regras era hostilizado e punido. Era contrário ao chamado marxismo cultural. Alguns comentaristas de esquerda afirmam que os conservadores adotaram o termo como estratégia para desviar a atenção sobre questões mais substantivas de discriminação e coo parte de ampla guerra cultural contra o liberalismo nos EUA. A expressão “politicamente correto” se firmou na língua inglesa como parte de uma ofensiva da direita estadunidense nas chamadas guerras culturais dos anos 1980 e 1990. Embora haja ocorrências da expressão em textos da New Left (a Nova Esquerda), foi naquelas batalhas que o termo passou a funcionar como designação de um suposto autoritarismo policialesco da esquerda no uso da linguagem. A esfera do politicamente correto abrangeria classe, raça, gênero, orientação sexual, nacionalidade, descapacitação e outros marcadores de subalternidade. Mas, sem dúvida, o exemplo paradigmático sempre foi racial.

[2]  Durante longo tempo, Monteiro Lobato foi considerado pela crítica como defensor da comunidade negra e afrodescendente no início do século XX, período marcado por intensas tensões devido à abolição da escravatura e a mudança de regime política. Analisando a biografia de Lobato percebe-se que toda sua trajetória intelectual passou por diversas fases. A possibilidade de adesão do autor às formulações de Galton vai em contra os posicionamentos em defesa de que sua produção literária valorizou o negro num período em que a sociedade o considerava inferior, através de equiparação de valores sociais, da valorização da cultura popular e do protagonismo, o qual bem representaria uma ambiguidade existente em seu pensamento intelectual.

[3]     Ao contrário de muitos intelectuais e artistas de sua época, Lobato não buscou cargos no governo, nem se exilou no exterior. Além disso, não renunciou a sua veia satírica e mordaz, principalmente quando na crítica à burocracia. Seu livro Memórias da Emília é provavelmente seu livro mais transgressor, desde as atitudes da boneca de pano, agora autora, que duvida, já nas primeiras linhas da narrativa, da veracidade do gênero autobiográfico, que escolhe, até a exposição, de forma original, de seus conceitos, conforme explica para Dona Benta, o que entende por verdade, a saber: Verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia.