por Camila Mattos Simões e
Naiane Valéria de Souza
Da leitura do Título VII (Da prova), em especial o Capítulo V e VI, do Código de Processo Penal conclui-se que qualquer pessoa pode ser vítima ou testemunha em processo criminal, no entanto, há determinadas situações que merecem tratamento diferenciado quanto à oitiva, seja pela capacidade, idade, parentesco ou ofício.
Tendo como parâmetro o artigo 227, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; o artigo 12, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; o artigo 28, §1° e o artigo 100, parágrafo único, inciso VI, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outros, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Recomendação sob n° 33, de 23 de novembro de 2010, na qual sugere aos tribunais a criação de serviços de escuta especializada e depoimento especial.
Após anos de omissão legislativa foi criada a Lei nº 13.431/2017 que regulamenta o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, vítima ou testemunha de violência. Destarte ao aludido diploma legal para os procedimentos de escuta especializada e depoimento especial. O primeiro trata-se de uma entrevista restrita sobre possível caso de violência (artigo 7°), ao passo que o segundo é a oitiva extrajudicial ou judicial com o intuito investigativo (artigo 8°), sendo ambos “realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade” (artigo 10).
Percebemos ainda, que na escuta especializada a condução é feita por profissionais multidisciplinares, inexistindo disposição legal de quantidade de entrevistas. Em contrapartida, o depoimento pessoal ocorrerá em uma oportunidade, possuindo “status” de prova antecipada (artigo 11, “caput”), contudo repetível, pois poderá a criança ou adolescente ser submetida a novo procedimento, desde que “justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal” (artigo 11, §2°).
Quando uma criança ou adolescente, vítima ou testemunha de ato de violência, nós, como sociedade, falhamos na proteção. O Estado (leia-se autoridade policial ou judicial), por sua vez, na ânsia de elucidar o crime, desconsidera que esses fatos possam desencadear uma sequência de abalos emocionais de efeitos nefastos que podem perpetuar pela vida.
Diariamente crianças e adolescentes amargam a experiência de serem protagonistas ou coadjuvantes de histórias horror. Submeter esses a diversas entrevistas ou oitivas é reviver o sofrimento e intensificar a dor, bem como possibilitar o surgimento de falsas memórias.
A título de exemplo, salientamos as dificuldades enfrentadas pelo Estado para colocar em prática o atendimento especializado, humanizado e acolhedor nas dependências das delegacias e fóruns que exige a Lei Maria da Penha. Seria fantasioso pensar que esses mesmos estabelecimentos públicos possuem todo aparato necessário para atender as necessidades das crianças e adolescentes. Cenário lamentável, prejuízos incalculáveis!
É preciso cautela na condução dos trabalhos. A integridade e o bem estar da criança e do adolescente não podem ficar em segundo plano sob a justificativa de que a elucidação dos fatos é primordial no processo criminal, ignorando disposto do Estatuto da Criança e Adolescente que determina que esses são sujeitos de direitos, e não como meros objetos que modificamos ao nosso bel prazer.