1 – INTRODUÇÃO

Atualmente, ao revés do entendimento firmado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais que entendeu que não se aplica a multa prevista no art. 475-J do CPC ao Processo do Trabalho, pois, no que diz respeito à execução trabalhista, não há omissão na CLT a autorizar a incidência subsidiária da norma processual civil e que, ainda que assim não fosse, eventual lacuna seria preenchida pela aplicação da Lei nº 6.830/80, a qual tem prevalência sobre as regras do CPC, em sede de execução, conforme determinado no art. 889 da CLT, muito ainda se discute em relação à aplicabilidade ou não do art. 475-J na seara trabalhista.

Neste sentido, a possibilidade ou impossibilidade de intimação do devedor para pagamento sob pena de aplicação de multa de 10% (dez por cento) na fase de execução trabalhista ainda não é questão que tenha restado unânime na jurisprudência dos Tribunais Regionais, em que pese o atual entendimento do Colendo TST.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, que passará a viger no ano de 2016, tal contenda se torna ainda mais polêmica, quando se analisa o artigo respectivo ao já mencionado art. 475-J, qual seja, o art. 523 do CPC/2015 bem como o art. 15 do novel Código de Processo Civil.

2 – DA APLICAÇÃO DO ART. 475-J DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Primeiramente, é importante ressaltar que o argumento para a atual não aplicação do art. 475-J do Código de Processo Civil versa basicamente sobre o fato de que, conforme alhures mencionado, não há omissão na CLT a autorizar a incidência subsidiária da norma processual civil.

Ora, em desfavor de tal fundamentação, observe-se que, tendo em vista que as novas disposições do CPC trazidas pela Lei n. 11.232/2005, buscam a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, adequando-se ao disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, a aplicabilidade do art. 475-J na seara trabalhista é perfeitamente possível e, até, recomendável, ante sua compatibilidade incontestável com os princípios norteadores do processo do trabalho, destacando-se, inclusive, que a omissão preconizada no artigo 769 da CLT deve ser entendida, também, em seu aspecto principiológico.

Neste sentido, vejamos o posicionamento da doutrinadora Cinara Bueno Santos Pricladnitzky:

“Demonstrada a correlação das inovações realizadas na esfera processual civil com as necessidades sociais, bem como com a concretização de direitos fundamentais, mostra-se inafastável a aplicação do artigo 475-J do CPC, introduzido pela Lei nº 11.232/2005, ao processo trabalhista. Da mesma forma, verificando-se, na jurisdição trabalhista, a tutela de pretensões alimentares, veiculadas por partes hipossuficientes, maior razão se identifica para aplicar, naquela esfera, o referido dispositivo legal, que imprime efetividade e celeridade à obtenção concreta do direito material.

Por fim, o argumento da doutrina tradicional, segundo o qual não haveria lacuna a ser preenchida pela referida norma, deixa de prevalecer diante da constatação da existência de lacunas ontológicas e axiológicas, verificadas no sistema processual trabalhista, as quais podem ser supridas com o método da heterointegração.” (PRICLADNITZKY, 2011)

O fato de a CLT não ser omissa quanto ao procedimento a ser utilizado em caso de não pagamento do valor devido ou de falta de garantia da execução, não impede a aplicação do art. 475-J do CPC no processo.

Ademais, conforme ressaltado anteriormente, as disposições do art. 475-J do CPC são compatíveis com o processo trabalhista, já que se encontram em perfeita consonância com os princípios e normas processuais que visam dar efetividade na celeridade da satisfação integral do crédito trabalhista, cujo caráter é eminentemente alimentar.

Insta frisar que a multa prevista no art. 475-J do CPC é aplicada por analogia ao processo do trabalho com base na previsão constitucional quanto à duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, CF/88) e no princípio trabalhista da proteção ao trabalhador, principalmente por se tratar de demanda envolvendo rubrica de natureza alimentar. Portanto, deixando o devedor de adimplir com a obrigação no prazo estipulado não há que se falar em não aplicabilidade da multa prevista no artigo 475-J do CPC.

Outrossim, entende-se que a regra do artigo 880 da CLT por muitas vezes não supre as necessidades da execução contemporânea, posto que, intima-se o devedor a quitar o débito em 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de penhora, e tão somente isso, não existindo a previsão de qualquer outra penalidade para a situação (corriqueira, como notoriamente verificado nas execuções trabalhistas) de descumprimento da ordem de pagamento, não restando no referido artigo a previsão de qualquer sanção ao devedor (além da própria penhora) pelo descumprimento da determinação judicial, restando lacuna nítida no referido procedimento.

Ora, o devedor, intimado a quitar o débito, não querendo fazê-lo, e tendo pleno conhecimento de como funciona o procedimento de penhora, pode simplesmente retirar os valores depositados em sua conta bancária (ou ocultar seus bens), e, quando da penhora, nenhum valor ou bem é encontrado, restando inócua a medida, bem como impune o devedor, posto que da única ‘penalidade’ prevista no referido artigo (a própria penhora), se esquivou, não sofrendo, no entanto, nenhuma penalidade.

O objetivo do legislador, ao introduzir a multa prevista no artigo 475-J do CPC, foi dar maior efetividade às execuções, sendo plenamente aplicável ao processo do trabalho, a teor do art. 769 da CLT, em face do caráter alimentar do crédito exequendo no processo trabalhista, tratando-se de verba de natureza alimentar, que reclama satisfação rápida e eficaz da condenação.

3 – DOS ARTS. 15 E 523 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DA POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA MULTA DE 10% NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Denota-se que o art. 15 do Novo Código de Processo Civil traz novação considerável ao Processo do Trabalho, posto que afirma expressamente que:

“Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Neste sentido, denota-se no referido artigo uma estranha inversão. Normalmente, é a Lei Especial, sendo que, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT o é, que faz remissão à Lei Geral, que é o caso do Novo Código de Processo Civil, a fim de que para aplicação desta aos casos omissos.

O referido artigo, portanto, dispõe, na Lei Geral, que é o Código de Processo Civil, sobre a aplicação deste, de forma supletiva e subsidiária, aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, os quais o são, conforme alhures mencionado, regulados por leis especiais.

Nesta senda, pode-se dizer que tal previsão cria um problema para o processo trabalhista posto que, ao prever tão somente os casos em que há uma lacuna legal, sem mencionar compatibilidade entre as regras, pode-se criar três cenários diversos.

Neste sentido, o Professor Leone Pereira, em evento realizado no dia 28 de abril de 2015 pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e pelo Sindicato das Sociedades de Advogados (SINSA), arguiu em síntese, que cenários poderiam ser estes, senão vejamos:

  • O Juiz do Trabalho não aplicar nada do Novo CPC;
  • O Juiz usar somente o CPC, não utilizando mais a CLT;
  • Cada Vara do Trabalho aplicar a seu modo os ditames do Novo CPC, gerando assim, insegurança jurídica.

Contudo, segundo a professora Tereza Arruda Alvin Wambier (2015, p. 75), de tal dispositivo decorre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil também em situações em que não há omissão, exemplificando com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, cuja regulação deverá (e já é) ser obedecida também na jurisdição trabalhista.

Como se sabe, antes do novel Código de Processo Civil a viger em 2016, tinha-se apenas a regra do art. 769 da CLT ordenando a aplicação do “direito processual comum” como fonte subsidiária.

Entende-se que a correta aplicação do novel código deve dar-se de forma parcial, sem o cenário devastador apresentado pelo Ilustre Professor Leone Pereira, posto que o que o novo código busca certamente não é o ‘caos’, mas a solução para inúmeros problemas enfrentados por todos os operadores do direito, sejam eles magistrados, servidores ou advogados.

Seguramente, a aplicação supletiva e subsidiária do novo Código no processo trabalhista modificará de forma revolucionária o procedimento na justiça do trabalho, em especial na fase executória.

Ora, o argumento utilizado a fim de proibir a aplicação da multa do art. 475-J do atual CPC (o qual se dará na forma do art. 523 do Novo CPC)é a de que existem dispositivos específicos destinados a tratar da liquidação e da execução de sentença (artigos 876 a 892).

Contudo, como sempre mencionado, tais dispositivos, especial o já referido artigo 880 da CLT se omite quanto à penalidade para o descumprimento da ordem de pagamento, havendo disciplinado as consequências de tal resistência, contudo tão somente parcialmente.

Desta forma, tal omissão, com a possibilidade de aplicação supletiva do Código de Processo Civil, poderá ser solucionada por meio da inclusão da multa de 10% (dez por cento) do artigo 523 do Novo Código de Processo Civil.

Quanto ao artigo 769 da CLT que prevê tão somente os casos omissos como possíveis de ser o “direito processual comum” fonte do direito processual do trabalho, entende-se que, com o novel artigo 15 do CPC/2015, resta revogado o artigo 769 da CLT.

Explica-se.

Em primeiro lugar, conforme o brilhante Professor Edilton Meireles, o referido artigo 15 não se trata de regra tão somente de processo civil, e sim um dispositivo que regra o direito processual do trabalho, o processo judicial eleitoral e o processo administrativo, revogando, portanto, o artigo 769 da CLT.

Vejamos o entendimento exarado pelo Nobre Professor:

É sabido que a regra posterior revoga a anterior “quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (§ 1º do art. 2ª da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro).

CLT, em seu art. 769, regula a aplicação subsidiária do direito processual comum no processo do trabalho. Já o art. 15 do novo CPC passou a tratar da mesma matéria relativa a aplicação subsidiária de regras processuais ao processo do trabalho. Logo, estaria revogado o art. 769 da CLT.

Antes, conforme art. 769 da CLT, subsidiária era a regra do “direito processual comum”. Agora é o CPC. Antes, apenas se aplicava a regra subsidiária, o que pressupõe uma omissão absoluta. Agora, aplicam-se as regras do CPC subsidiária ou supletiva (MEIRELES, 2015).

Desta forma, a previsão constante no artigo 769 da CLT está revogada ante o previsto no artigo 15 do Novo CPC quando de sua vigência, posto que tal novo dispositivo regula a mesma exata matéria do artigo 769 da CLT.

Desta forma, ante a previsão constante do mencionado do artigo 15 do novo CPC, este passa a atuar também como fonte supletiva na execução trabalhista, suprimindo a lacuna constante do artigo 880da CLT, possibilitando de forma clara a aplicação da multa de 10% (dez por cento) hoje constante no artigo 475-J e que constará no artigo 523 do CPC à partir de sua vigência no ano de 2016.

Outrossim, em que pese o Novo Código de Processo Civil não haver disposto de forma expressa a revogação do artigo 769 da CLT, de forma alguma se pode concluir que a referida norma consolidada não foi objeto de revogação.

Entende-se neste sentido posto que, conforme o Ilustre Professor Meireles (MEIRELES, 2015) menciona, o artigo 9º da LC n. 95/98 que estabelece que enquanto regra dirigida ao legislador, é que este, ao dispor sobre matéria que redundará na revogação de outra regra, seja expresso, elencando as leis ou disposições que serão objeto de revogação, no entanto, quando diante da omissão do legislador em não apontar expressamente esses dispositivos, tal situação não afastará a incidência da regra da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42), que dispõe que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (§ 1º do art. 2º).

4 – CONCLUSÃO

Desta forma, ante o exposto, considerando que não se pode conceber a continuidade de aplicação dos regramentos celetistas concernentes à execução quando surge no cenário jurídico norma mais moderna, bem como em consonância com os princípios da celeridade processual e da razoável duração do processo, a possibilidade de aplicação do artigo 475-J do atual Código de Processo Civil, ainda que com entendimento contrário exarado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

No entanto, tal entendimento, com o advento do artigo 15 do vindouro Código de Processo Civil, tendo em vista a lacuna ontológica-axiológica existente no artigo 880 da CLT, não há dúvidas de que a norma a ser aplicada, no processo do trabalho, ainda que não integrante do corpo da CLT, mas do Novo CPC em seu artigo 523, pode e deve ser utilizada, considerando o previsto no artigo 15 do mencionado Novo Código de Processo Civil, tendo em vista que, com a revogação, por este artigo, do artigo 769 da CLT, é possível aplicar de forma supletiva o previsto no referido artigo 523, ou seja, a multa de 10% (dez por cento) em caso de desobediência da ordem judicial de pagamento.

Ademais, tal procedimento, encontra-se em maior consonância com a própria natureza do processo do trabalho, que há de ser célere e eficaz, tendo em vista que cuida de créditos de natureza alimentar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et alii. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 75.

Publicado originalmente na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Sétima Região – http://www.trtes.jus.br/portais/escola-judicial/publicacoes/leitor/590680476?Formato=html