DIREITO DE ARREPENDIMENTO

Como um dos institutos mais evoluídos no Código de Defesa do Consumidor, o direito de arrependimento encontra previsão no art. 49 desse caderno. Sua criação, ao contrário do que se podem pensar os fornecedores de produtos e serviços, veio com o intuito de garantir ao consumidor um contato pessoal, físico e inicial com o objeto que se adquire de modo que este possa ter certeza de que a oferta condiz com a aquisição.

Certo que a escolha é um dos direitos que permeiam a tutela consumerista, todavia, quando falamos de compra à distância, esse direito de escolha se vê prejudicado pela ausência do contato físico e real do consumidor com o respectivo produto ou serviço, razão pela qual se torna imprescindível que a Lei permita ao vulnerável a possibilidade de se arrepender nos casos em que não houver a satisfação da compra por parte do consumidor.

Trata-se também de um meio de defesa, onde o consumidor pode evitar eventuais práticas abusivas, ofertas enganosas e demais condutas que possam ferir-lhe outros direitos. Todavia, há que se concordar que, mesmo sendo o instituto tão brilhantemente efetivo, ainda provoca diversos questionamentos por parte de consumidor, fornecedor e judiciário.

As dúvidas vão surgindo na medida do avanço da tecnologia. Enquanto isso, o Judiciário tenta acompanhar o ritmo, formando entendimentos que possam atender às lacunas existentes no tema.

Aliás, no Brasil temos sérios problemas com o volume de leis e também com a ausência delas. Irônico ou não, precisamos sempre trabalhar novas normas para regular as relações, ao passo que muitas leis são criadas e permanecem sem qualquer aplicação útil.

Pois bem, no tocante ao direito de arrependimento, a letra da lei determina que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”, concluindo ainda que “se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.

Quanto ao termo “fora do estabelecimento comercial” o judiciário trouxe alguns anos depois, através de jurisprudência e com muita sensibilidade, a possibilidade de se estender o entendimento para compras realizadas por catálogo, ou seja, nos casos em que o consumidor encontra-se dentro do estabelecimento comercial e por um motivo ou outro não realiza a compra de maneira física, mas através de pedido em revista, panfleto, folder ou outro meio eletrônico que o fornecedor ofereça no momento, este também terá resguardado seu direito de arrependimento.

Ocorre que, dentre as tantas medidas legislativas tomadas no curso deste período pandêmico, viu-se o Projeto de Lei 1.179/2020 que, em seu texto originário, ameaça suspender os efeitos do dispositivo legal em questão, tendo em vista o aumento do e-commerce ocasionado pelo fechamento de grande parte do comércio físico.

Todavia, se mostra extremamente temerário que um direito tão essencial e, repita-se, com o objetivo de resguardar o consumidor de práticas abusivas, seja suspendido exatamente num período em que a comercialização está se dando quase que exclusivamente por meios eletrônicos.

Sem retirar o mérito do referido projeto legislativo, percebo que a intenção do ato foi positiva, no sentido de resguardar as relações de consumo e eventuais prejuízos para o fornecedor decorrentes do exercício do direito em comento, todavia, quando se aplica o dispositivo legal ao caso concreto, e este pode ocorrer sob diversos prismas e em diversas formas, traz-se um enorme risco ao consumidor que está adquirindo produto ou serviço por meio eletrônico, uma vez que este, se antes podia exercer seu direito constituído, cessando possível prática abusiva ou até mesmo visando desfazer uma relação que não lhe satisfez, com a aprovação do Projeto de Lei em discussão, não mais poderá, pelo menos até 30 de outubro (de acordo com o texto inicial), utilizar-se da tutela mencionada para se proteger.

Trata-se, portanto, de uma manobra arriscada que, em sendo executada, poderá trazer reflexos negativos às relações de consumo, como o aumento de demandas judiciais e extrajudiciais, além do recuo das vendas, uma vez que o consumidor se sentirá ameaçado em adquirir um produto ou serviço à distância sem o direito de desistir dele após o primeiro contato, gerando, assim um circulo vicioso que trará prejuízos ainda maiores que aqueles que se tentou evitar com a aprovação do PL aqui discutido.