Já não é novidade que o Código de Processo Civil de 2015 rompeu com a sistemática do diploma legal anterior ao condicionar o manejo do agravo de instrumento às hipóteses de decisões interlocutórias expressamente elencadas em seu art. 1.0151, sendo elas as que versam sobre: tutelas provisórias; mérito do processo; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte; rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução, e; redistribuição do ônus da prova.

Destaca-se que tal restrição não se aplica às decisões interlocutórias proferidas em sede de liquidação ou cumprimento de sentença, tampouco em processos de execução e de inventário, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.015, o que evidencia que, nesses casos, não existe limitação de interposição do agravo de instrumento em razão da matéria tratada no decisum.

Dessa feita, o regime de delimitação dos cenários de cabimento do agravo de instrumento somente se impõe à fase processual de conhecimento, o que já foi objeto de apreciação e consolidação de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça, no bojo do julgamento do REsp 1.803.925/SP2. 03925 / SP

Vê-se nitidamente, pois, a opção do legislador em estabelecer, a priori, uma relação taxativa (numerus clausus) de casos de decisões interlocutórias, estas proferidas na fase cognitiva, em que se permite o manuseio de agravo de instrumento para impugná-las.

Contudo, a tentativa legislativa de elencar todas as hipóteses em que seria possível o manejo do referido recurso se revela um tanto quanto problemática, notadamente porque, como se sabe, a quantidade de matérias que deveriam ser objeto de irresignação pela via do agravo de instrumento que surgem no mundo real é deveras superior às expressas no texto legal. E isso porque, obviamente, na conjuntura factual existente, as relações interpessoais e jurídicas são muito mais dinâmicas, aceleradas e diversas do que aquelas pensadas e dispostas nas normas estáticas postas no ordenamento.

Por essa razão, o Superior Tribunal de Justiça adotou o posicionamento de que a taxatividade do art. 1.015 do CPC seria mitigada3, isto é, de que a interposição do agravo de instrumento é admitida sempre que verificada a urgência lastreada na ineficácia de um julgamento da matéria somente ao final, em sede de apelação (Tema Repetitivo nº 988/STJ).

Veja-se, a título de exemplo, o caso de uma decisão interlocutória que declina da competência em favor de outra unidade judiciária. Faz sentido aguardar até o momento posterior à sentença para, em sede de apelação ou de contrarrazões de apelação, impugná-la? Sendo que, no caso de acolhimento da tese recursal, todos os atos praticados no juízo incompetente seriam considerados nulos?

A resposta para ambas as perguntas é negativa. A anulação de etapas do processo, como consequência do provimento de apelações que discutam irregularidades observadas durante a fase de conhecimento, e que nela não foi sanada em razão da irrecorribilidade imediata, afronta diretamente os princípios da efetividade, celeridade e economia processuais.

Nessa senda, a restrição da recorribilidade imediata das decisões interlocutórias, instituída no CPC/15 com o elenco taxativo de hipóteses em que cabível a interposição de agravo de instrumento (art. 1.015 daquele codex), não reflete o mundo fenomênico dos processos judiciais. E mais, vai de encontro às diretrizes constitucionais e processuais que confluem para a justa, célere e efetiva resolução dos litígios levados ao Poder Judiciário.

Assim, com vistas a preservar a intenção legislativa de limitação do manejo do agravo de instrumento sem perder de vista a realidade e a pluralidade do mundo dos fatos, imperiosa se faz a interposição do agravo de instrumento em face daquelas decisões interlocutórias que, em razão da matéria versada, efetivamente demandam uma reanálise na mesma fase processual em que fora proferida, sob pena de desperdício de atos e trâmites processuais.

Referências:

1 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015.

2 Decisões interlocutórias em liquidação, cumprimento, execução e inventário são recorríveis por agravo de instrumento. STJ, 12 set. 2019. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Decisoes-interlocutorias-em-liquidacao–cumprimento–execucao-e-inventario-sao-recorriveis-por-agravo-de-instrumento.aspx>. Acesso em: 10 abr. 2020.

3 STJ define hipóteses de cabimento do agravo de instrumento sob o novo CP. STJ, 01 mar. 2020. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-define-hipoteses-de-cabimento-do-agravo-de-instrumento-sob-o-novo-CPC.aspx>. Acesso em: 10 abr. 2020.