Resumo: Analisar a responsabilidade jurídico-penal do psicopata em face do ordenamento brasileiro é tarefa árdua que abrange desde a definição de crime, até os elementos e a classificação dos crimes bem como a evolução das Escolas Penais. A semi-imputabilidade é conceito complexo que o presente texto pretende esclarecer.

Palavras-chave: Direito Penal. Crime. Culpabilidade. Imputabilidade, Semi-imputabilidade.

Abstract:  Analyzing the criminal-legal responsibility of the psychopath in the face of Brazilian law is an arduous task that ranges from the definition of crime to the elements and classification of crimes as well as the evolution of the Criminal Schools. half-imputability is a complex concept that the present text intends to clarify.

Keywords: Criminal Law, Crime. Guilty. Imputability. Half-imputability.

 

Introdução

 

Analisar a responsabilidade jurídico-penal do psicopata criminoso é tema que abrange diversos conhecimentos da Psicologia Jurídica, Psiquiatria Forense, a Criminologia e o Direito, primeiramente deve-se identificá-lo e, após, dispensar o devido tratamento tanto clínico como legal.

 

Para se definir o conceito de crime propriamente dito, há que se, percorrer os diversos conceitos e analisar a ótica sob a qual foram cunhados. Eugênio Zaffaroni[1] e Pierangeli lecionam que a teoria do delito ou a teoria do crime é parte da ciência do Direito Penal que se ocupa em explicar o que é delito em geral, ou seja, quais são as características que deve ter qualquer delito.

 

Doutrinariamente no estudo do crime há três conceitos, a saber: conceito material, conceito formal e conceito analítico.

 

Segundo o conceito material, define-se o crime como conduta humana a qual a própria sociedade trata com repulsa e que deseja a sua proibição com aplicação de sanção na esfera penal. Salientando que, nessa fase, não há a prévia intervenção do legislador.

 

Em verdade, é a própria sociedade que define as condutas ilícitas e informa ao legislador que deseja a sua transformação em crime. Mas, não é qualquer conduta, e sim, apenas as que propositadamente ou descuidadosamente vem a lesar ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para existência da coletividade humana e da paz social.

 

Segundo o conceito formal, o crime abarcaria os aspectos do conceito material, tendo a ressalva de que a intervenção legislativa seja anterior à criminalização da conduta.

 

Assim, considera-se crime a subsunção da conduta humana tida como proibida ao que o legislador então definiu como fato passível de aplicação de sanção penal.

 

Segundo o conceito analítico[2], adotado atualmente pelo Código Penal brasileiro que considera crime a prática de conduta humana proibida, legalmente tipificada anteriormente à prática da conduta (princípio da anterioridade da lei penal, art. 5º, XXXIX, CF/1988), sendo esta contrária à norma e submetida a juízo de censura pela sociedade humana.

 

E, mais, deve ser o agente praticante da conduta ilícita, uma pessoa imputável dotada de prévia consciência da ilicitude do fato, bem como que lhe seja exigível conduta diversa da a adotada no contexto do ocorrido. Onde se tem a famosa teoria tripartida, onde se considera crime a ocorrência de fato típico, ilícito e culpável.

 

Grande parte da doutrina penal brasileira diverge sobre o conceito analítico do crime. Exemplificando, Júlio Mirabete, Damásio de Jesus, Cleber Masson, entre outros, acreditam que o conceito analítico[3] consista apenas no fato típico (conduta humana subsumida) e ilícito (contrariedade à norma) ou simplesmente na teoria bipartida. Por outro lado, adotam a teoria quadripartida (fato típico, ilícito, culpável e punível os doutrinadores como Basileu Garcia, Emílio Dolcini, entre outros)

 

Porém, de forma prevalente na doutrina e na jurisprudência brasileira adota-se que o crime consiste no fato típico, ilícito e culpável, por ser a de maior receptividade dentre os experts no assunto.

 

Conceituou Nelson Hungria[4] que o crime consiste em um fato humano típico, ou seja, objetivamente correspondente ao descrito in abstrato pela lei, contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei contrapõe a pena (em sentido estrito) como sanção específica.

 

O sujeito ativo do crime, vulgarmente chamado de criminoso é a pessoa, e somente esta, não sendo possível a figuração ativa de animais ou coisas, tais como objetos inanimados, porquanto seja ausente a vontade física que pratica a conduta tipificada em lei, bem como quem pratica o delito nas condições de coautoria ou participação.

 

De modo resumido, conclui-se que, qualquer pessoa que concorra para a ocorrência do crime pode ser considerado o sujeito ativo de um crime.

 

Já o sujeito passivo é o titular do bem juridicamente tutelado, a saber, a vida, a honra, o patrimônio e, etc, que fora alvo da violação praticada pelo sujeito ativo.

 

Percebe-se que o objeto do crime corresponde ao bem jurídico, ou seja, ao interesse protegido pela norma penal. E, a guisa de exemplificação, indica-se: é a vida, no caso de homicídio, é a integridade corporal, nas lesões corporais, é o patrimônio, no caso de furto e roubo, é a honra no crime de injúria, são os costumes e a liberdade sexual da mulher, no caso de estupro.

 

O objeto material consiste no titular do bem jurídico ou propriamente no bem jurídico em si, sobre quem recai a ofensa. No caso de homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão[5] e não a vida; no furto é a coisa alheia móvel sobre a qual incide a subtração.

 

Ultrapassada tal fase, convém dissecar o estudo sobre os elementos que cercam o conceito de crime no direito penal brasileiro, expondo todas suas peculiaridades, teorias, diferenças[6] e analisando casos abstratos ou concretos.

 

É preciso compreender o que venha a ser fato típico e, qual a sua relevância para o Direito Penal, convém citar algumas conceituações preliminares.

 

Fato é a ação humana comissiva (produtiva) ou omissiva (não impeditiva), dotada de vontade e voltada a uma finalidade. Analisando estruturalmente, tem-se por fato típico com a existência concomitante dos seguintes elementos, a saber: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.

 

Fato típico corresponde a toda ação ou omissão penalmente relevante, seja dolosa ou culposa, que seja exteriorizada, livre e consciente, voltada a uma finalidade ilícita, ou seja, amoldada ao modelo legal.

 

Conduta é toda ação ou omissão, voltada a uma finalidade. E, resultado é toda e qualquer consequência da lesão de um bem jurídico tutelado, com a produção de alteração no mundo externo. O nexo causal reside na relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.

 

A tipicidade, por sua vez, é a subsunção do fato da vida real à norma penal.

 

Colaciona o artigo 13 do Código Penal brasileiro que o resultado do crime somente é imputável, a quem lhe deu causa. E, se considera ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

 

A teoria adotada pelo Código Penal brasileiro sobre o nexo causal é a de equivalência dos antecedentes, a qual dispõe que a ocorrência de quaisquer das condições que compõe o evento são causas do resultado, pois, se suprimida alguma, certamente o evento não ocorreria.

 

Em ressumo, a tipicidade é a subsunção perfeita da conduta humana aos tipos penais previstos (pois descrevem os fatos que, quando praticados), serão classificados como criminosos, ou incriminador (condutas proibidas) dispostos positivamente no Código Penal vigente.

 

O fato aparentemente típico pode ter a sua tipicidade suprimida quando da ocorrência de alguma causa excludente de tipicidade, tal como a do artigo 20 do CP que prevê erro[7] sobre elementos do tipo. Tem-se então a atipicidade da conduta.

 

Uma exemplo, quando Aroldo proprietário de um automóvel de montadora Xisto e o modelo Yakuza, cor preta, destrói automóvel de terceiro, idêntico ao seu, acreditando tratar-se de seu automóvel. E, nesse caso, Aroldo não estava impelido de vontade de praticar dano em detrimento do terceiro, mas sim, em prejuízo próprio.

 

Do exemplo, extrai-se o enquadramento no artigo 163 do CP (dano)[8]. Todavia, Aroldo está amparado pelo instituto do erro sobre elementos do tipo (elementar do tipo: dano que significa destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia) que é causa de excludente da tipicidade pela exclusão do dolo. Tendo em vista que o crime de dano não comporta a modalidade culposa, sobressair-se-á a atipicidade da conduta.

 

É indispensável que haja a ocorrência dos quatro elementos componentes do fato típico para sua configuração, sob pena de incorrer na atipicidade da conduta ou inocorrência de crime caso ausente algum destes.

 

A ilicitude é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típica[9] tornam-se ilícitas. Guilherme Nucci que ilícito é a contrariedade de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido.

 

Somente cumprirá o elemento da ilicitude se a conduta do agente for dotada de potencial significativamente lesivo ao bem jurídico protegido, evitando assim a aplicação da sanção penal por condutas que trazem em seu bojo um risco mínimo ou irrelevante de lesão, donde deverá ser aplicado, prima facie, o princípio da insignificância.

 

Somente cumprirá o elemento da ilicitude se a conduta do agente for dotada de potencial significativamente lesivo ao bem jurídico protegido, evitando assim a aplicação da sanção penal[10] por condutas que trazem em seu bojo um risco mínimo ou irrelevante de lesão, donde, deverá ser aplicado, prima facie, o princípio da insignificância.

 

No seio jurídico-penal, o ilícito é aquilo que é positivado e contrário à norma, subdividindo-se em duas espécies: a ilicitude formal e a ilicitude material.

 

A controvérsia entre ambas reside na ideia de que a ilicitude formal não depende de maior atenção quanto à reprovabilidade social da conduta e, por outro lado, a ilicitude material considera o sentimento comum de justiça. Refere-se basicamente ao chamado injusto penal.

 

O injusto penal[11] está intimamente relacionado ao citado sentimento comum de justiça da sociedade, podendo ou não ser ilícito. O que o difere do ilícito, já que este, como explanado, consiste na contrariedade do fato com relação à norma consolidada.

 

E, Fernando Capez explica amiúde: “O injusto, ao contrário do ilícito tem diferentes graus, dependendo da intensidade provocada pela repulsa provocada pela conduta”. Por exemplo, o estupro, embora tão ilegal quanto o porte de arma, agride muito mais o sentimento de justiça da coletividade.

 

Existe grande probabilidade de fato típico ser ilícito. Porém, tal premissa não é absoluta.

 

Tanto é verdade que, quando o agente pratica um fato aparentemente típico e ilícito, estando coberto pela existência de algumas excludentes de ilicitude, tem-se a tipicidade, porém, padece de ilicitude.

 

Imaginemos o exemplo, a seguir: Daniel é um policial de folga, presenciando uma cena de roubo com emprego de arma de fogo praticado por Berenicio contra Carlos, usando os meios moderados, mediante uso de própria arma de fogo repele a injusta agressão atual sofrida por Carlos (legítima defesa de terceiro – artigo 25 do CP).

 

Um conceito neoclássico de crime ou neokantismo entende que todos os elementos do conceito clássico do delito foram progressivamente sofrendo um processo de transformação.

 

E, sob a grande influência da filosofia de valores neokantiana, as mudanças começaram pelo conceito de ação, que passou a ser ligado ao de comportamento humano. E, ainda sob este novo aspecto, a ação deveria ser compreendida como comportamento voluntário, a realização de vontade, o comportamento conforme o arbítrio, ou simplesmente, o comportamento humano que produz um efeito no mundo exterior (teoria causal-valorativa de ação).

 

O conceito de ação deveria ser substituído pela realização do tipo. Pois a tipicidade como meramente descritiva sofreu profundas modificação com a descoberta de elementos normativos do tipo[12]. A antijuridicidade deixou de ser mero ataque formal a norma jurídica para ser entendida como materialmente dotada de nocividade social, um juízo de desvalor sobre o fato.

 

Foi a aspiração ideológica dos neokantianos que cunhou o conceito finalista de delito[13] e abriu a mais relevante transformação da sistemática penal até hoje ocorrida na dogmática do delito: a teoria finalista da ação.

 

Com o conceito finalista de delito elaborada no segundo quartel do século XX, principalmente em razão de Hans Wezel, estruturando sua tese na ação humana, que segundo o doutrinador alemão, pertence a uma categoria totalmente distinta de qualquer outro processo causal. O comportamento humano é, em verdade, o exercício de uma atividade final.

 

Por sua vez, exemplificam Zaffaroni e Pierangeli in litteris: “Devemos ter presente que a antijuridicidade não surge do direito penal, mas de toda a ordem jurídica, porque a antinormatividade pode ser neutralizada por uma permissão que pode provir de qualquer parte do direito: assim, o hoteleiro que vende a bagagem de um freguês, havendo perigo na demora em acudir a justiça, realiza uma conduta que é típica do art. 168 do CP, mas que não é antijurídica, porque está amparada por um preceito permissivo que não provém do direito penal e sim do direito privado (art. 1.470 do CC/02)”.

 

Afora isso, há de se sublinhar que a lei penal admite o reconhecimento da exclusão do ilícito[14] baseado na analogia, nos costumes, e nos princípios gerais do direito, previstos no artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro que são chamadas de causas de justificação supralegais, não estando adstrito apenas às causas legais expressas no artigo 23 do Código Penal.

 

A culpabilidade se refere ao juízo de censura social em relação ao agente e ao fato. Noutros termos, é a censura do olhar social quando da ocorrência de um fato típico e ilícito, o qual se preenchido os requisitos intrínsecos, seguindo a cronologia penal, será também culpável, somente aí, será passível de aplicação de sanção penal.

 

A culpabilidade se refere a um juízo de reprovação social, incidente diretamente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, ou seja, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras do Direito.

 

Sintetizando, aduz Fernando Capez, in litteris:

“quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade[15] é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito”.

 

Segundo Hans Welzel[16] o conceito da culpabilidade acrescenta ao da ação antijurídica[17] tanto de uma ação dolosa quanto de uma não dolosa, um novo elemento, que é o que a converte em delito.  Todavia, esses conceitos não foram concebidos de forma célere. A evolução teórica do conceito da culpabilidade atravessou séculos até a forma atual.

 

Originalmente, cultuava-se a ideia de que apenas a punição sem causa (responsabilidade objetiva) bastava para caracterizar o que atualmente temos como os requisitos para o enquadramento do fato da vida real ao fato típico.

 

Pois, acreditava-se que a transgressão ao preceito ético ou moral provocava a cólera dos deuses, sendo a vingança um presente divino e que os infratores deveriam ser exemplarmente punidos. Observa-se que não havia, portanto, um critério racional nem mesmo limites para a punição. Pois uma vez infringida a paz e a ordem da sociedade, por qualquer que seja a forma da punição, surgia ipso facto o dever de “pagar pelos seus atos”.

 

Normalmente cita-se a Lei de Talião cujo lema era “olho por olho e dente por dente”, traduzindo assim, que qualquer que fosse o povo que transgredisse qualquer norma estatuída por aquela Lei, seria punido com o mesmo modus operandi que a infringiu. E, apesar de carregar resquícios selvagens do período primitivo, passou-se à individualização das transgressões de modo que fossem de caráter pessoal e proporcional à agressão sofrida, além de previamente fixada.

 

Apesar da passagem pelo período romano que trouxe sensíveis inovações quanto à responsabilidade dos chamados ofensores, com a introdução da noção de responsabilidade subjetiva que tanto exigia a ocorrência da culpa ou do dolo. Já com a entrada no período germânico trouxe a baila os ideais primitivos, tais como a vingança, a responsabilidade objetiva e a batalha de sangue.

 

A partir da Idade Média[18], através da influência cristã, com o jusnaturalismo e do direito canônico, passou-se a exigir muito além da frágil responsabilidade objetiva. E, para que fosse punido, o infrator, deveria agir com dolo ou culpa e, além disso, sua punição seria pessoal e proporcional à lesão praticada, ou seja, introduziu-se a noção de desconsiderar a responsabilidade objetiva e, no seu lugar, incluir a responsabilidade subjetiva.

 

Foi no período moderno que as penas injustas encontraram o seu fim, assim, juristas como Carmignani e Carrara, entre outros, pintaram um novo horizonte para a finalidade de aplicação de punições.

 

A propósito, Carmignani sustentava de forma contrária, ou seja, o direito de castigar não tem fundamento na justiça moral, mas sim, na necessidade política de manter-se a paz social. No que se refere à pena, defendeu que esta tem como função evitar delitos futuros e, não se vingar dos delitos passados, não adotando, uma concepção retribucionista, mas sim utilitarista.

 

Já para Carrara, o crime deve ser entendido como ente jurídico. E, a materialização de um crime depende simultaneamente de uma lesão ou ameaça de lesão ao direito de outrem e que essa tenha sido praticada por alguém que entende o que faz e é capaz de controlar suas vontades.

 

Assim, somente pode ser responsabilizado por crime aquele que é moralmente imputável, aquele que é possuidor da vontade inteligente e livre. E, um dos pensamentos de Carrara é o livre arbítrio[19].

 

Por derradeiro, as escolas positivistas italianas aduziram uma acepção até então não explorada pelos juristas e filósofos da época. E, os precursores como Cesare Lombroso e Raffaelle Garofalo “defendidam que a criminalidade derivava de fatores biológicos, contra os quais era inútil o homem lutar”. A pena não se relacionava com a ideia de castigo, era concebida como um remédio social aplicável a um ser doente.

 

Ultrapassada essa fase, o Código Penal Brasileiro vigente recepcionou a culpabilidade como fundamento da pena, levando em consideração a responsabilidade subjetiva, ou seja, dolo ou culpa.

 

Então, houve a necessidade de estabelecer critérios para a responsabilização do agente. Nascem as principais teorias acerca da responsabilização penal, a saber: a psicológica, normativa e normativa pura.

 

Para a teoria psicológica, o agente que pratica fato típico e ilícito impelido de dolo ou culpa e que seja imputável, é passível de ser considerado culpável. Observe que não existe menção ao requisito intrínseco da exigibilidade de conduta diversa[20], razão pela qual foi severamente criticada pelos penalistas.

 

Em confronto da teoria psicológica[21] com o fato da vida acima mencionado, nota-se que seria imputado ao gerente do banco a prática de fato típico e, por consequência, culpável, pois ele era imputável e pessoa sã.

 

Porém, tendo em vista que a exigibilidade de conduta diversa não integra o rol dos requisitos da culpabilidade, não seria possível o enquadramento da causa excludente de culpabilidade pela ocorrência da coação irresistível, atualmente[22] insculpida no artigo 22 do Código Penal.

 

Segunda a teoria normativa, abrange-se o conteúdo da teoria psicológica, acrescentando-se a reprovação social da conduta, incidindo sobre o agente que praticou o fato. Ademais, acresceu-se nessa teoria a necessidade da produção de provas no sentido de que esse agente deveria ter adotado ou que houvesse a possibilidade de se adotar conduta diversa da praticada (exigibilidade de conduta diversa[23]).

 

 

Enfocando o exemplo, o gerente do banco praticou um fato típico e ilícito, porém não culpável. Isso porque agiu sob o manto de uma excludente de culpabilidade, qual seja a inexigibilidade de conduta diversa da praticada. Ora, se não tivesse adotado tal postura, provavelmente seus familiares seriam vítimas de injustos nas mãos de sequestradores.

 

Divide-se a doutrina quanto ao modo de aferição de culpabilidade. Afinal, como mensurar a culpabilidade pelas características do agente ou pelas características do crime?[24]

 

Para a culpabilidade do autor, as correntes doutrinárias convergem para o sentido de que deve ser auferida através das características pessoais do infrator da lei.

 

E, então, levam-se em consideração apenas as circunstâncias estatuídas no artigo 59 do CP (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e o comportamento da vítima). Tem-se como critério de culpabilidade o caráter do agente

 

Para a culpabilidade do fato, censuram-se as características do agente, bem como o fato criminoso em si, mensurando-se a conduta pelo seu grau de lesividade, porém, sempre respeitando os requisitos primários para sua configuração, a saber: a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Essa é a corrente adotada pela doutrina penalista majoritária.

 

O Direito Penal atual[25] admite como critérios de aferição de culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

 

O elemento imputabilidade[26] advém do latim imputare que significa atribuir a alguém a responsabilidade de; a assacar, responsabilizar.

 

E, para Damásio Evangelista de Jesus[27], imputar significa atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Portanto, a imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de fato punível.

 

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, a imputabilidade é a capacidade psíquica e física pela qual se extrai o grau de discernimento e autodeterminação do agente frente a conduta típica e ilícita.

 

A imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. E, Nucci aperfeiçoa tal noção, in litteris:

“É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste na sanidade mental e maturidade”. .

 

O referido binômio recebe outra denominação higidez biopsíquica (sanidade mental somada à capacidade de apreciar a criminalidade do fato) e maturidade (desenvolvimento físico mental) que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas.

 

A culpabilidade[28] apresenta, pois dois momentos específicos, a saber: um cognoscitivo ou intelectual e outro de vontade ou volitivo, ou seja, a capacidade de compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme ao sentido, agregando que somente ambos os momentos conjuntamente constituem, pois a capacidade de culpabilidade.

 

Em resumo, para que seja imputável, deve o agente ser o portador de capacidade suficiente para ao tempo da ação ou da omissão tender ou, pelo menos, determinar-se de acordo com o entendimento do que é aceitável pela sociedade humana. É o indivíduo mentalmente são e consciente de seus atos.

 

Essa é a regra.

 

Assim, na falta completa de capacidade ou nas hipóteses em que esta seja reduzida ou limitada, o agente será considerado inimputável ou semi-imputável, conforme o caso concreto.

 

Ressalve-se que a semi-imputabilidade quando o agente que praticou a conduta típica e ilícita, estando afetado por perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não dispunha, à época da ação ou da omissão, total discernimento para compreender a ilicitude de sua conduta.

 

A capacidade cognoscitiva e/ou volitiva, nesse caso, deve apresentar-se reduzida ou bem limitada para que seja possível atribuir a semi-imputabilidade a um agente que cometeu fato típico e ilícito.

 

Ademais prevê o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, in litteris:

[…]

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

 

A perturbação da saúde mental, a doença mental que embora não retire do agente criminoso completamente a sua inteligência ou mesmo a sua vontade, perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de compreensão. E, nesse caso, provada que a capacidade de compreensão do agente é limitada o juiz atenuará a reprimenda de um a dois terços, quando da aferição da última fase em sua aplicação.

 

Considerando ainda, as peculiaridades do caso concreto, que o agente portador de capacidade de discernimento reduzida seja submetido à aplicação de medida de segurança. Há que se ressalvar que, para tanto, a capacidade cognoscitiva e intelectual deverá ser intensamente afetada, de modo que o indicado seja o tratamento curativo.

 

Em verdade, a maioria dos juristas crê na existência da semi-imputabilidade. Porém, nomes de peso na doutrina penalista lecionam a rejeição do meio-termo.

 

Ou o agente é imputável e responderá como se são fosse, ou é inimputável, sendo-lhe aplicada a medida de segurança. É o entendimento de Nelson Hungria, que consagrou “como os estados contrários são excludentes entre si, é logicamente impossível o meio-termo” [29].

 

 

Importante frisar, em tempo que não existe a categoria de semi-loucos ou semi-responsáveis, porém, existe sim, entre a zona de sanidade psíquica ou normal e a loucura, os estados psíquicos que representam uma variação mórbida, fazendo com que seus portadores sejam responsáveis, embora com menor culpabilidade, justamente por apresentarem uma capacidade reduzida de discernimento ético- social ou autoinibição ao impulso criminoso.

 

Extrai-se que os agentes que apresentarem os estados fronteiriços entre a normalidade e a loucura, são passíveis de responsabilização penal, ainda que de forma reduzida conforme prevê o artigo 26, parágrafo único do Código Penal.

 

E referente aos psicopatas[30], é mister acrescentar outras informações, a saber:

“No que concerne aos psicopatas […], o doutrinador Júlio Fabrini Mirabete preleciona, acerca do enquadramento destes indivíduos como semi-imputáveis: “Refere-se a lei em primeiro lugar à “perturbação da saúde mental”, expressão ampla que abrange todas as doenças mentais e outros estados mórbidos. Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único”.

 

De fato, coerente é a lição de Mirabete, no sentido de que os psicopatas se enquadram na classe dos perturbados mentalmente e, por consequência, dos semi-imputáveis, visto que têm plena capacidade cognoscitiva, porém, são dotados de perversão (desvio acentuado na personalidade que tem por finalidade atingir o caráter do sujeito, extrapolando o que é considerado normal) e despidos de sentimentos de afeto, carinho, e principalmente empatia, sendo incapaz de frear a impulsividade de praticar o ato criminoso, ou seja, são desprovidos de capacidade volitiva.

 

A inimputabilidade tem lugar quando o agente que pratica a conduta típica e ilícita é totalmente incapaz de entender o caráter criminoso desta, por doença mental que suprima de forma absoluta o seu discernimento e sua capacidade volitiva, seja por critérios biológicos[31], como, por exemplo, a menoridade.

 

A doença mental para efeitos da aplicação da norma jurídica, é capaz de produzir inibições na inteligência ou na vontade humana, seja no momento da ação ou da omissão. Por outro viés, é de se ter presente que o conceito psiquiátrico de doença mental, embora sirva de fundamento para a formulação do conceito jurídico, nem sempre coincide exatamente com este.

 

Igualmente, não é de se confundir a perturbação da saúde mental, com a doença mental propriamente dita. Nas enfermidades psíquicas, há sempre uma perturbação da saúde mental, mas, tais perturbações nem sempre decorrem de uma doença mental, na concepção científica do termo.

 

O agente portador de doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, se incapaz ao tempo da prática do fato, não será apenado pela sua conduta, mas ser-lhe-á aplicada a medida de segurança ou qualquer outra sanção prevista em legislação especial, observando o caso concreto. Isso porque, se o indivíduo tem suprimida a sua capacidade de discernimento da infração praticada, não compreende o caráter ilícito de sua conduta.

 

São causas excludentes da culpabilidade[32] pela inimputabilidade a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26 do Código Penal) e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou de força maior (artigo 28, § 1º do Código Penal).

 

Define-se a doença mental, a patologia psíquica ou tóxica, de qualquer ordem, que seja capaz de suprimir a vontade e o entendimento do indivíduo acerca do fato e de seu conteúdo ilícito.

 

Fernando Capez cita patologias mentais tais como a epilepsia, condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia[33], paranoias, psicopatia, epilepsias em geral. Já como patologias de origem tóxica, cita-se, o alcoolismo, a dependência química, que podem acarrear a inimputabilidade.

 

Registre-se que o rol não se restringe somente às patologias mentais[34] e, se estende a qualquer uma que, ao tempo da ação ou da omissão, retire por completo a capacidade volitiva ou cognoscitiva do indivíduo.

 

No desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente tem a capacidade volitiva e cognoscitiva limitada e precária, sendo que ainda não alcançou a maturidade total, tanto intelectual como física. Os menores de dezoito anos, para fins penais, são considerados inimputáveis pela presunção de que seu desenvolvimento mental ainda esteja incompleto.

 

Porém, serão sujeitas a várias medidas estatuídas em legislação especial, tal como o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 27 do CP cumulado com a Lei 8.069/90) dentre estas, a imposição de medida socioeducativa.

 

Aliás, o Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece a diferença entre as medidas socioeducativas que são aplicáveis ao adolescente autor de ato infracional[35] (conduta descrita como crime ou contravenção penal), enquanto a pena somente pode ser aplicada ao maior de dezoito anos. O ECA rege as medidas socioeducativas enquanto que o Código Penal regula as penas.

 

Outra nítida diferença reside na finalidade. Pois a pena apresenta, resumidamente, três funções, a saber: a) retributiva (ao mal do crime impõe-se o mal da pena); b) preventiva (intimidar os membros da sociedade para que não pratiquem crimes); c) recuperativa (forma de corrigir, reeducar, recuperar socialmente o indivíduo).

 

Ademais se pode ainda apontar como distinção entre a pena e a medida socioeducativa o lapso temporal de cumprimento. O tempo de pena concretamente aplicada pode variar de poucos meses a vários anos, contudo, o tempo efetivo de cumprimento das penas privativas de liberdade não podem ser superior à trinta anos, conforme prevê o artigo 75 do Código Penal.

 

Ademais, o lapso temporal de cumprimento de medida socioeducativa deve ser breve sempre variando de acordo com o tipo de medida aplicada.

 

Por exemplo: a liberdade assistida o prazo mínimo é de seis meses, podendo ser prorrogado, conforme o caso concreto; a prestação de serviço à comunidade, por período temporal não excedente à seis meses; a internação por período máximo não excedente há três anos.

 

Andou bem a legislação pátria ao optar por não obrar a diferenciação entre a pena criminal e a medida socioeducativa, seguindo os princípios e diretrizes traçadas em convenções e tratados internacionais de proteção infanto-juvenil.

 

A legislação brasileira não considera a criança e o adolescente como penalmente imputável, mas sim, como inimputáveis. Na definição de Fernando Capez, imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, ou seja, a pessoa precisa ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal, bem como, ter totais condições de controle sobre sua vontade.

 

Deve-se entender “grosso modo”, a inimputabilidade como oposto da imputabilidade.

 

Os silvícolas não civilizados (aspecto mesológico) e os surdos sem capacidade de comunicação são exemplos típicos de inimputáveis pelo desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Os sonâmbulos, fora os casos de simulação, ao mergulharem no estado profundo de sono, permanece com a atividade motora ativa, porém desprovidos de capacidade volitiva. E, nesse caso, observadas as peculiaridades do caso concreto, os sonâmbulos podem ser classificados como inimputáveis se, à época da conduta delituosa, ostentava tais características.

 

Em síntese, se o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, terminará vez ou outra, praticando fato típico, antijurídico sem que possa por isso ser censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade.

 

A criminologia, por sua vez, enxerga o crime como um problema social, um verdadeiro fenômeno comunitário, abrangendo quatro elementos constitutivos: a incidência massiva na população (não se pode tipificar como crime um caso isolado); a incidência aflitiva do fato praticado (o crime deve causar dor a vítima e a comunidade); a persistência espaço-temporal do fato delituoso (é preciso que o delito ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no mesmo território e consenso inequívoco acerca de sua etiologia e técnicas de intervenção eficazes (a criminalização de condutas depende de uma análise minuciosa desses elementos e sua repercussão na sociedade.

 

Embora a criminologia e o Direito Penal estudem o crime, possuem enfoques diferentes, sendo o primeiro uma ciência empírica voltada para o fenômeno social, e a segunda, normatiza a conduta criminosa (conduta típica, ilícita e culpável), tendo assim, portanto, objetivos distintos.

 

Na criminologia, o objeto divide-se em quatro vertentes: delito, delinquente, vítima e controle social.

 

É certo que a figura do delinquente é o centro de todo interesse da criminologia e do Direito Penal, sendo enfocado tanto pelos filósofos, pensadores e estudiosos sobre a criminalidade.

 

Platão notava o crime como sintoma de uma doença cuja causa seriam a procura pelo prazer e a ignorância.

 

Já Tommaso Campanella[36], pensador renascentista, já observava que a distribuição desigual de riquezas entre os cidadãos era o fator que influenciava a criminalidade.

 

Thomas Hobbes, em sua visão, entendia que ao cometer um crime, o indivíduo transforma-se imediatamente em um inimigo.

 

Antes de Cesare Lombroso, nunca se teve a preocupação em estudar os aspectos psíquicos e biológicos do homem, com a sua obra intitulada “Tratado Antropológico do Homem Delinquente” ele determina através de anomalias e a fisionomia de homens, um tipo de criminoso. Porém, para criminologia atual, não se é dada mais a devida importância ao ser delinquente, ficando em segundo plano.

 

Desenvolvimento

 

O derradeiro objeto da criminologia é o controle social do delito que visa constituir um conjunto de mecanismos e sanções sociais que buscam submeter os indivíduos as normas de convivência social.

 

Há, portanto, dois tipos de controle que coexistem na sociedade humana, a saber: o controle social informal tal como a família, a escola, a profissão, religião, e, etc. e este controle podem ser ilustrados em alguns dispositivos constitucionais vigentes, como os artigos 205, 210, 214, 215 e 217. E, o controle social formal, que é exercido pela Polícia, Ministério Público, Forças Armadas, Justiça, Administração Penitenciária e, etc… mais rigoroso e de conotação de política criminal.

 

Cesare Lombroso é considerado o Pai da Criminologia Moderna, era médico psiquiatra, antropólogo e politico, sua experiência psiquiátrica fora influente em sua associação da demência com a delinquência. De seu trabalho no sistema penitenciário italiano nasceu sua obra mais famosa intitulada o “Tratado Antropológico do Homem Delinquente”, publicado em 1876, fruto de seu trabalho no sistema penitenciário italiano, onde autopsiou cadáveres de detentos e assim, criou um catálogo com as classificações sobre os criminosos.

 

Criminoso nato: influência biológica, estigmas, instinto criminoso, um selvagem da sociedade, o degenerado (cabeça pequena, deformada, fronte fugidia, sobrancelhas salientes, maçãs afastadas, orelhas malformadas, braços compridos, face enorme, tatuado, impulsivo, mentiroso e falador de gírias, etc.);

Criminoso louco: perverso, louco moral, alienado mental que deve permanecer no hospício;

Criminoso de ocasião: predispostos hereditariamente, são pseudocriminosos, como a ocasião faz o ladrão. Assumem hábitos criminosos influenciados por circunstâncias.

Criminoso por paixão: sanguíneo, nervoso, irrefletido, usa da violência para solucionar questões passionais e exaltadas.

 

Apesar de a tese lombrosiana ser muito criticada nos mais variados pontos, por ser carente de base empírica, já que nem o comportamento de outros seres vivos é extrapolável ao do homem e reprovando a sua classificação de delinquente nato e o significado que ele atribuiu aos estigmas, em seu entender degenerativo. Pois nem todos os criminosos apresentam tais anomalias, e, por outro lado, nem os não-criminosos estão livres desta. Entretanto, não é escorreito examinar o crime apenas sob a ótica de Lombroso, descartando outros fatores, com sociais e exógenos (devido às causas externas).

 

Enrico Ferri considerado o Pai da Sociologia Criminal Moderna, aduziu uma classificação diferente. Pois para este pensador, o delito não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual (o que contraria a tese antropológica de Lombroso), senão como qualquer outro acontecimento natural ou social resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais.

 

Distinguindo como principais fatores individuais (constituição orgânica do indivíduo, psíquica, características pessoais tais como raça, idade, sexo, estados civis e, etc.), fatores físicos como clima, estações e temperatura e os fatores sociais (densidade populacional, opinião pública, família, moral, religião e educação e, etc).

 

Portanto, entende-se que a criminalidade é fenômeno social como outros, que se rege por sua própria dinâmica, de forma que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos e a classe destes em certa sociedade, e, em momento concreto, se contasse com todos os fatores individuais, físicos e sociais e fosse capaz de quantificar a incidência de cada um destes.

 

Assim Ferri deduziu a seguinte classificação, a saber:

 

Criminoso Nato: Degenerado, com os estigmas de Lombroso, atrofia do senso moral.

Criminoso Louco: Além dos alienados, também os semi-loucos ou fronteiriços.

Criminoso Ocasional: Eventualmente comete crimes; “o delito procura o indivíduo”.

Criminoso Habitual: Reincidente na ação criminosa, faz do crime sua profissão; seria a grande maioria, a transição entre os demais tipos. Começaria ocasionalmente até degenerar-se.

Criminoso Passional: age pelo ímpeto, comete o crime na mocidade. Próximo do louco, tempestade psíquica.

 

Ferri propugnou pela justiça da ordem social e pela necessidade de sua defesa a todo custo, incluindo o sacrifício dos direitos individuais, da segurança e da própria humanidade das penas.

 

Dando preferência pelo sistema de medidas de segurança (livres do formalismo e da obsessão pelas garantias individuais dos juristas) e pela sentença indeterminada e inclusive a admissão, ainda que só em alguns casos, da pena de morte.

 

A classificação de Raffaelle Garofalo que foi representante do positivismo criminológico, chamado na época de Nova Escola (Scuola Nuova) entendia que o crime devia ser abordado pelo viés antropológico e psicológico.

 

Seu estudo era baseado no crime natural que definia como o prejuízo para a parte dos sentimentos altruístas fundamentais de piedade ou probidade na medida em que são de propriedade de uma comunidade e indispensáveis para a adaptação do indivíduo à sociedade.

 

Classificou os criminosos em:

Criminosos Assassinos: São delinquentes típicos; egoístas, seguem o apetite instantâneo, apresentam sinais exteriores e se aproximam dos selvagens e das crianças.

Criminosos Enérgicos ou Violentos: Falta-lhes a compaixão; não lhes falta o senso moral; falso preconceito; há um subtipo, os impulsivos (coléricos).

Ladrões ou neurastênicos: Não lhes falta o senso moral; falta-lhes probidade (atávicos às vezes; pequenez, face móvel, olhos vivazes, nariz achatado etc.).

 

A principal contribuição da criminologia de Garofalo foi a sua filosofia de castigo[37], dos fins da pena e sua fundamentação, bem como as medidas de prevenção e repressão da criminalidade.

 

Partindo da premissa de que com a natureza elimina a espécie que não se adapta ao meio, também o Estado deveria eliminar o criminoso por não se adaptar à sociedade e às exigências da convivência social sadia.

 

Para Garofalo, a pena deve estar em função de características concretas de cada delinquente, sem que sejam válidos os outros critérios convencionais como o da retribuição ou a expiação, a correção ou inclusive a prevenção.

 

Opôs-se à suposta finalidade correcional ou ressocializante do castigo por considerar que impede o substrato orgânico e psíquico que existe na personalidade criminosa e tampouco estimou acertada a ideia da prevenção como fundamento da pena, porque, conforme seu juízo, esta não permite determinar o quantum do castigo.

 

As Escolas Penais surgiram por influência do Iluminismo que teve como principais expoentes Voltaire, Rousseau e Montesquieu que teceram inúmeras críticas à legislação criminal da época que se situada em meados do século XVIII, aduzindo-se a necessidade de individualização da pena, de redução das penas cruéis, e requerendo-se a proporcionalidade[38].

 

E, nesse sentido colacionou Aníbal Bruno que as escolas penais são corpos doutrinários, mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação ao fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal. E, se formaram e se distinguiram umas das outras.

 

A Escola Clássica se tornou muito conhecida, por trazer os pensamentos iluministas, tendo como precursores Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Giovanni Carmignani.

 

Partiam de duas teorias, a saber: o jusnaturalismo que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano e do contratualismo, onde o Estado surge a partir de um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva.

 

Os princípios em que se fundamentam a Escola Clássica são: o crime é um ente jurídico, não é uma ação, mas sim, uma infração, a punibilidade[39] deve ser baseada no livre-arbítrio, a pena deve ter caráter de retribuição pela culpa moral do delinquente, de modo a prevenir o delito com celeridade, sendo utilizado o método e raciocínio lógico-dedutivo.

 

Em resumo, a ação criminosa deverá ser julgada conforme o benefício que traga ou não à sociedade e que traga menos ou mais prazer ao criminoso.

 

A Escola Positiva foi capitaneada por Cesare Lombroso, Raffaelle Garofalo e Enrico Ferri e surgiu como crítica e alternativa à chamada Criminologia Clássica. No entanto, a Escola apresentou duas direções opostas, a saber: a antropológica de Lombroso e a Sociológica de Ferri que acentuam a relevância etiológica do fator individual e do fator social em suas respectivas explicações do delito.

 

Para a Escola Positivista o delito é concebido como fato real, histórico e natural, não como uma fictícia abstração jurídica. Sua nocividade deriva não de mera contradição da lei que ele significa, mas das exigências da vida social, que é incompatível com certas agressões que expõem a perigo suas bases.

 

Seu estudo e compreensão são inseparáveis do exame do delinquente e da sua realidade social. Interessa ao Positivismo a identificação do crime e suas causas como fenômeno, concedendo prioridade ao estudo dos criminosos, conforme o exame do próprio fato.

 

A Escola Sociológica alemã ou de política criminal tem seu bojo na noção da pena intimidativa para os criminosos normais, a fim de inibir as reiteradas ações criminosas e a medida de segurança para os anormais.

 

Possuem como ideais a análise da realidade criminal, dirigida, a busca das causas do crime, a desdramatizarão e a relativização do problema do livre arbítrio, o que conduz ao dualismo penal que compatibiliza penas e medidas de segurança, baseadas na culpabilidade e periculosidade[40], afastando assim dos clássicos que pretendem lutar contra o crime sem analisar suas causas e dos positivistas, na media em que conserva as garantias individuais e os direitos dos cidadãos.

 

A escola de política criminal teve seus expoentes como Franz Von Liszt, Adolphe Prins e Von Hammel.

 

A terza scuola, ou terceira escola procurou conciliar a Escola Clássica e a Escola Positivista. Mas, não aceitavam a ideia da responsabilidade criminal dos inimputáveis.

 

Manuel Carnevale, Bernardino Alimena e Impallomeni partiam dos seguintes pressupostos, a saber:

 

Distinção entre imputáveis e inimputáveis. Responsabilidade moral baseada no determinismo (quem não é capaz de reconhecer o caráter ilícito, receberá medida de segurança). Crime como fenômeno social e individual. Pena com caráter aflitivo, cuja finalidade é a defesa social.

 

De qualquer forma, analisando as Escolas Penais, há três aspectos que se destacavam: as biológicas, as psicológicas[41] e as sociológicas.

 

A biológica tratou de localizar e identificar em alguma parte do corpo ou no seu funcionamento o fator diferencial que explica a conduta delitiva, que é entendida como consequência de alguma patologia, disfunção ou transtorno orgânico.

 

A psicológica buscou a explicação do comportamento delitivo nos processos psíquicos anormais (psicopatia) ou nas vivências subconscientes que tem sua origem no passado remoto do indivíduo.

 

Já a sociológica que busca a explicação através do fenômeno social que é a interação social do homem, por meio da cultura, da natureza e familiar.

 

A psicopatia é figura que atualmente transita no imaginário das pessoas. E aparece muito comumente em filmes, séries e livros, tal agente delinquindo, entretanto poucos sabem sobre sua real origem, conceito e suas características.

 

Nem sempre um criminoso é psicopata e nem todo psicopata tem tendências criminosas. Não é fácil diagnosticar um psicopata, bem como não existe tratamento para seu transtorno, banalizando assim o termo, onde tudo pode se referir a psicopatia e acaba infligindo a população insegurança e medo.

 

O Transtorno de Personalidade Antissocial é o nome técnico da psicopatia. A personalidade é o que nos difere de outras pessoas, ou seja, nossas vivências e o meio onde vivemos, bem como os fatores hereditários, nos definem como um ser individual, nunca seremos iguais ao outro, mesmo que sejamos irmãos gêmeos, tenhamos a mesma criação, seremos diferentes individualmente.

 

Segundo o Manual diagnóstico e estatístico (DSM- IV TR, 2003) da American Psychiatric Association refere-se a transtorno de personalidade quando traços significativos da personalidade do indivíduo o tornam inflexível ou desadaptado em diferentes ambientes ou situações. A personalidade é apenas parte de um complexo psíquico, descoberto por Freud.

 

Aliás, para Freud o aparelho psíquico é dividido em três parts, a saber: o id, o ego e o superego.

 

O id corresponde aos instintos e impulsos, sendo totalmente inconsciente. Este é o lado irracional, ilógico e amoral. Consiste no conjunto de reações primitivas da personalidade, que compreende os esforços para conseguir a satisfação biológica imediata, sem avaliar as consequências.

Tenta impor seus desejos de satisfação imediata e irrestrita.

 

O ego é o que mede os impulsos do ID, tenta conciliar os esforços e as demandas com as exigências da realidade, permitindo ao sujeito olhar-se a si próprio. O ego apresenta uma função adaptativa e está presidido pelo princípio da realidade.

 

O superego é a expressão da interiorização das interdições e exigências da cultura e da moralidade, representada pelos pais.

 

É neste que se inscreve a lei primária, que é interna e propicia a cada pessoa valorar o que é bom ou mau, certo ou errado.

 

Formado pela vivência da criança com seus pais, que passam a noção de lei, transgressão e culpa, bem como o afeto e carinho.

Dentro da normalidade, o superego tem uma função essencial, que é a de cuidado e proteção, mostrando ao EGO o que é moralmente aceitável ou perigoso a integridade da vida.

 

Em síntese, o Transtorno de Personalidade é um padrão persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvirtua acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é estável ao longo do tempo e ainda provoca sofrimento psíquico ou prejuízo ao funcionamento da personalidade.

 

Registram-se vários tipos de transtorno de personalidade, segundo o CID 10[42] (Código Internacional de Doenças) [43]:

 

1 – Transtorno Paranoide: predomina a desconfiança, sensibilidade excessiva a contrariedades.

Esses indivíduos recusam qualquer responsabilidade por seus próprios sentimentos e atribuem a responsabilidade a outros. Costumam ser hostis, irritáveis e coléricos.

2 – Transtorno Esquizoide: Predomina o desapego, ocorre desinteresse pelo contato social. Os indivíduos com esse transtorno são vistos como excêntricos isolados ou solitários.

3 – Transtorno Antissocial: É um padrão persistente de desconsideração e violação dos direitos dos outros, podendo incluir comportamentos antissociais e delinquentes.

Prevalece a indiferença pelos sentimentos alheios, podendo adotar comportamento cruel e baixo limiar para descarga de atos violentos. Será destrinchado num próximo tópico.

4 – Transtorno Emocionalmente Instável: Marcado por manifestações impulsivas e imprevisíveis. Apresenta dois subtipos: impulsivo e borderline.

O impulsivo é caracterizado pela instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos. Já o borderline, além da instabilidade emocional, revela perturbações da autoimagem, com dificuldade de definir suas preferências pessoais, com consequente sentimento de vazio.

5 – Transtorno Histriônico: Prevalece egocentrismo, a teatralidade e a superficialidade.

A personalidade exuberante e coexiste com uma incapacidade de manter relacionamentos de longa duração.

6 – Transtorno Narcisista: É um modelo de grandiosidade, com excessiva necessidade por admiração, falta de empatia, reação inadequada a críticas, relacionamento explorador direcionado para satisfazer as necessidades de seu ego. Acreditam ser únicos de qualquer forma.

7 – Transtorno Esquivo: Prevalece a sensibilidade excessiva a críticas, com sentimentos de tensão e apreensão, com tendência a retraimento social por se sentir incapaz.

8 – Transtorno Dependente: É um padrão de comportamento submisso e aderente incapaz de tomar decisões sem aconselhamento e apoio, relacionado a uma necessidade excessiva de proteção e cuidados. Costumam subordinar suas próprias necessidades ás de outrem.

 

As características do psicopata passaram por diversas fases, quando este transtorno foi conhecido por diferentes nomes tais como a insanidade sem delírio, a insanidade moral, delinquência nata, sociopatia, e, atualmente, como Transtorno da Personalidade Antissocial.

 

A psicopatia não é considerada como doença mental, mas sim, um desvio de personalidade que assomado aos sintomas, neste se vê o total desvio da moral, total falta de afeto e ausência de remorso para com outros indivíduos.

 

No seu universo, seu ID prevalece por todo o seu mecanismo de consciência, pois o seu superego tem um falha, tornando-o assim um ser desprovido de qualquer empatia.

 

Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva em sua obra “Mentes Perigosas, o Psicopata mora ao lado”, descreveu o psicopata, in litteris:

 

Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro.

 

São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros “predadores sociais”, em cujas veias e artérias correm um sangue gélido.

 

Assim, podemos concluir que o psicopata pode ser tanto um homem como uma mulher, independente de raça, cor, religião ou mesmo status social. E, pode literalmente, morar ao lado. Jorge Trindade, porém, aduz que o Transtorno de Personalidade Antissocial é predominante em sujeitos do sexo masculino, sendo mais aparente no final da adolescência ou início da vida adulta, tendendo a ficar estável, por volta dos quarenta anos.

 

Felizmente chegou-se a um consenso a respeito das principais características do psicopata, que giram em torno da personalidade, tais como:

 

Relacionamento com os outros: Na relação interpessoal, costumam serem arrogantes, presunçosos, egoístas, dominantes, insensíveis, superficiais, manipuladores.

 

Afetividade: são incapazes de estabelecer vínculos profundos e duradouros com os outros; não possuem empatia, remorso ou sentimento de culpa.

 

Comportamento: São agressivos, impulsivos, irresponsáveis e violadores das convenções e das leis, agindo com desrespeito pelos direitos dos outros.

 

Nem todos os psicopatas são criminosos, e as características retromencionadas se referem aos criminosos.

 

Sublinhe-se que o transtorno não seja considerado doença mental, e sim, um transtorno de personalidade antissocial está estritamente ligado com a personalidade, que é o déficit de controle de emoções ou mesmo de diferenciar o certo do errado.

 

Os psicopatas possuem plena ciência dos seus atos (a parte cognitiva ou racional é perfeita), ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e porque estão agindo dessa maneira. A deficiência destes está no campo dos afetos e das emoções.

 

O instrumento mais adequado para avaliar a psicopatia humana e identificar fatores de risco de violência é um teste[44] denominado PCL – R (Psychopathy CheckList-Revised) [45] criado pelo psiquiatra Robert Hare que levou em consideração as dezesseis características psicopáticas que o Dr. Hervey M. Cleckley traçou que definem o perfil psicopata, sendo estes:

 

Charme superficial e boa inteligência; Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; ausência de manifestações psiconeuróticas; falta de confiabilidade; insinceridade; falta de remorso ou vergonha; comportamento antissocial e inadequadamente motivado; julgamento pobre e dificuldade para aprender com experiência; egocentricidade patológica e incapacidade para amar; pobreza geral nas relações afetivas; especifica falta de insight; falta de responsividade na interpretação geral das relações interpessoais; comportamento fantástico com o uso de bebidas; raramente suscetível ao suicídio; interpessoal, trivial e pobre integração da vida sexual; e falha para seguir planejamento vital.

 

Leciona Jorge Trindade, o teste é utilizado em forma de escala usando as características de Cleckley, porém constam de vinte itens que são pontuados conforme a adaptação do indivíduo, a cada traço. Cada item da escala é pontuado de acordo com uma escala numérica ordinal de três pontos, tendo em vista o grau em que o comportamento conduz com as descrições do item.

 

Uma elevada pontuação no PCL-R sugere a possibilidade elevada de reincidir na conduta criminosa, sendo que o ponto de corte para identificar psicopatia é tradicionalmente trinta pontos. Índices menores, entre quinze e vinte e nove, indicam traços sugestivos de personalidade psicopática.

 

Assim, para Jorge Trindade, a Escala de Hare[46] é de expressiva valia para constituir uma ajuda técnica para que magistrados possam adotar medidas legais, com maior segurança em suas decisões.

 

Não há de se cogitar que o psicopata seja um doente mental, pois doença mental para efeitos da norma jurídica penal, apresenta-se como estado morboso da psiquê, capaz de produzir profundas inibições na inteligência ou na vontade, no momento da ação ou da omissão.

 

O que separa a psicopatia da doença mental é a capacidade de entendimento do que seja certo ou errado.

 

Afinal, o doente mental tem amparo no artigo 26 do CP, entretanto, o psicopata por parte da doutrina é reconhecido como fronteiriço ou semilouco, pois se situa entre a loucura e a normalidade e pode ser amparado pelo mesmo artigo do CP e ainda ser internado por medida de segurança ou ainda ser considerado imputável e vir a sofrer a sanção penal como a pena privativa de liberdade.

 

Se o doente mental (em decorrência de sua patologia ou aquilo que momentaneamente ou permanentemente o afetou) é internado por medida de segurança para um tratamento psiquiátrico, porque ainda se considera a ressocialização do indivíduo, o que é feito do psicopata, que pode ser considerado semi-imputável. Ele não estigma os mesmos preceitos dos indivíduos imputáveis ou inimputáveis, pois as penas e castigos não o afetam.

 

Tampouco é recomendado o uso de tratamento psicológico para eles. Jorge Trindade ainda corrobora in litteris:

“até o presente momento, a ciência não dispõe de um tratamento ótimo para controlar os psicopatas, prevalecendo a crença generalizada de que não há nada que se possa fazer para resolver definitivamente o problema”.

 

Assim Trindade ainda aduz que: os psicopatas não aderem voluntariamente a nenhum tipo de tratamento e, se, quando o fazem, é apenas obter benefícios e vantagens secundárias, ficando claro o quanto é difícil para o Direito enquadrá-lo em qualquer sanção.

 

Segundo o artigo 149 do Código de Processo Penal, havendo fundadas dúvidas sobre a higidez mental do acusado, o magistrado determinará sua submissão ao competente exame médico-legal, junto a um psiquiatra forense, perito[47] do juízo que será o responsável por tecer o laudo pericial acerca das condições psiquiátricas do acusado à época do crime, determinando dessa forma, se ele era responsável, parcialmente responsável ou irresponsável pelos atos ora praticados, ou seja, verificar o juízo de culpabilidade a ser dispensado ao indivíduo que praticou um crime.

 

A dúvida sobre higidez mental do acusado deverá ser séria, relevante e com indicativos mínimos de plausabilidade, a fim de possibilitar a instauração do incidente de insanidade mental.

 

E, nesse sentido ratifica a jurisprudência do STJ de autoria do Ministro Og Fernandes, in verbis:

“Consoante entendimento desta Corte Superior, o exame a que se refere o art. 149 do Código de Processo Penal é imprescindível apenas quando houver dúvida fundada a respeito da higidez mental do acusado, tanto em razão da superveniência de enfermidade no curso do processo ou pela presença de indícios plausíveis de que, ao tempo dos fatos, era incapaz de entender o caráter ilícito da conduta ou determinar-se de acordo com esse entendimento”.

 

A autoridade policial, mediante representação e o MP, curadores, ascendentes ou descendentes, irmãos, cônjuges do acusado poderão requerer a instauração de incidente de insanidade mental, porém somente a autoridade judiciária poderá ordená-lo ou determiná-la de ofício.

 

E uma vez deflagrado o incidente de insanidade mental, será baixada uma portaria com nomeação de curador, diante da indicação de quesitos do Ministério Público e da defesa.

 

A ação penal permanecerá sobrestada até a conclusão final do perito, nos termos do artigo 149, segundo parágrafo do CPP, retomando seu curso após a juntada de laudo pericial de verificação da higidez mental do acusado, sendo formado então auto em apartado apensado ao processo principal, nos exatos termos do artigo 153 do CPP.

 

Conclusão

 

O laudo deverá abarcar a identificação do periciando, a síntese de seu quadro clínico[48], e, por fim, deverá o perito atestar a ausência ou presença de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto que acometeu o periciando ao tempo da ação ou da omissão e no momento da perícia.

 

No caso de ser positiva, há que se determinar se a capacidade volitiva e/ou cognoscitiva do agente estava comprometida ou não e, havendo comprometimento, se este era (é) parcial ou total.

 

O perito tem o prazo de quarenta e cinco dias para entregar o laudo do juiz, sendo possível a dilação desse prazo, nos casos em que comprovarem a sua necessidade (artigo 150, primeiro parágrafo do CPP).

 

É importante ressaltar que, nos casos em que o acusado não apresenta quadro de doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto à época da ação ou omissão delituosa, mas manifesta alguma patologia mental de forma superveniente, ou seja, já no curso da ação penal, o processo permanecerá suspenso até que o acusado se reestabeleça, nos termos do artigo 152 do Código de Processo Penal.

 

Cito, por exemplo, o caso de Wagner Silva, acusado e processado por atirar contra policiais militares que adentravam ao Morro de Dona Marta, no Estado do Rio de Janeiro, a fim de assegurar a mercancia de entorpecentes. Wagner foi atingido por um disparo de fuzil na cabeça que, segundo a mídia, foi oriundo dos policiais militares.

 

Como consequência dessa tragédia, perdeu massa encefálica e ficou permanentemente impedido de realizar tomografias por ocasião da impregnação de chumbo em seu corpo.

 

Ante a piora em seu quadro neurológico, o acusado foi interditado civilmente e submetido a exame de sanidade mental em sede processual penal. Deste modo, foi determinada a suspensão do processo criminal, até o seu restabelecimento, sob a justificativa de que “como se verificou através de perícia cientificamente conclusiva sobre sua doença mental – de nada valerá uma pena ou medida que não se adequar à realidade de saúde mental do paciente”.

 

Há de se citar também, para fins de prova pericial de higidez mental em matéria criminal, a prova emprestada de ação civil de interdição não se presta para comprovar a insanidade mental do acusado. Isso se deve ao fato de que os critérios adotados pelo perito em relação ao periciando naquela ocasião são exclusivamente usados para aferir a capacidade do acusado para a prática dos atos da vida civil, não se prestando à aferição de culpabilidade penal.

 

Aliás, o STJ já se pronunciou a esse respeito, numa decisão da autoria da Ministra Laurita Vaz:

 

“A conclusão do laudo pericial ora acostado aos autos, produzido no processo de interdição civil do acusado, é valido apenas em relação aos atos de sua vida civil, não sendo capaz de isentá-lo da culpabilidade penal. Tal dúvida somente será solucionada após a realização correta do incidente de sanidade mental do acusado […]”.

 

E, em havendo dois laudos divergentes, deverá prevalecer o que seja mais vantajoso ao acusado, mesmo no âmbito penal militar, in litteris:

“APELAÇÃO. DESERÇÃO. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. INCONGRUÊNCIA DE LAUDOS PERICIAIS. PREVALÊNCIA DO LAUDO MAIS BENÉFICO AO ACUSADO. AGENTE NÃO DISCERNIMENTO DA ILICITUDE DO ATO DE DESERTAR. CONFIGURAÇÃO DA AUSÊNCIA DE CULPABILIDADE. ABSOLVIÇÃO. Ao militar que se submete a exame de insanidade mental, o qual gerou dois laudos periciais divergentes, impõe-se, nesses casos, reconhecer a prevalência do laudo mais vantajoso em seu favor. Na espécie, reconheceu-se que o agente agiu de forma típica e ilícita, mas faltou-lhe a culpabilidade, ante a ausência de dois de seus elementos, que seriam a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude, porquanto sofre de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de cocaína, o que compromete sua capacidade de autodeterminar-se em relação à conduta delitiva e a incapacidade para compreender a gravidade do ato cometido. Nesse aspecto, sobressai-se o decreto absolutório. Decisão unânime”.

 

Atente-se que caso a doença ou a perturbação da saúde mental tenha início quando da execução da pena privativa de liberdade, esta poderá ser substituída pela medida de segurança, conforme os termos do artigo 183 da Lei de Execuções Penais. É dotado de legitimidade para requerer tal substituição o Ministério Público, a Defensoria Pública ou a Autoridade Administrativa.

 

Sobre o estabelecimento adequado para o tratamento do reeducando acometido por patologia ou perturbação da saúde mental, indica o artigo 108 da Lei de Execuções Penais, combinado com o artigo 41 do CP, que o condenado (…) será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

 

A doutrina expõe que há duas alternativas do Juízo da Execução nos casos em que a doença ou a perturbação da saúde mental apresenta-se transitória ou permanente:

 

Doença transitória: aplica-se o art. 41 do CP, ou seja, o condenado deve ser transferido para hospital penitenciário, sem necessidade de substituição da pena por medida de segurança.

 

Com a recuperação de sua higidez mental, o acusado deverá voltar a cumprir o restante da pena, computando-se como tempo de cumprimento da pena o período de internação; Doença de caráter duradouro ou permanente: a pena privativa de liberdade deve ser convertida em medida de segurança, ex vi do art. 183 da LEP.

 

Com a substituição da pena por medida de segurança, seu cumprimento passará a ser regido pelas normas do cumprimento desta espécie de sanção penal e não mais pelas normas referentes à execução da pena privativa de liberdade.

 

Portanto, o legislador buscou amparar aquele agente que comete um ilícito e que, ostentando perturbação da saúde mental ou doença mental, tem a necessidade de receber do Estado uma pena compatível com o injusto praticado, para que ele possa compreender o teor dessa pena e, por fim, alcançar a finalidade precípua da pena a ressocialização, quando o caso concreto permitir.

 

A medida de segurança é aplicável aos inimputáveis, é espécie de sanção penal aplicada aos semi-imputáveis e inimputáveis não sofrem juízo de censura ou reprovabilidade da sua conduta, pois se tratam de agentes com senso cognitivo e volitivo diminuído ou suprimido.

 

A medida de segurança tem natureza preventiva, pois o delinquente será segregado a fim de impedir a reincidência criminal e curativa porque o Estado proporcionará tratamento adequado.

 

A medida de segurança, segundo a doutrina majoritária, tem uma característica terapêutica. É tratada como sanção penal, pois retira a liberdade de locomoção do indivíduo.

 

Ao revés da pena, que deve ser proporcional ao delito praticado pelo imputável, é baseada na periculosidade do infrator.

 

O sistema vicariante[49], recepcionado pelo Código Penal Brasileiro, extinguiu o sistema duplo binário de aplicação de pena aos semi-imputáveis (ou semi-responsáveis[50]).  O sistema duplo binário consistia em aplicar tanto pena como medida de segurança ao sujeito que se revelasse responsavelmente limitado.

 

No sistema atual (vicariante), o juiz deverá, conforme o caso concreto, decidir pela aplicação da pena comum (caso reste provado que o semi- imputável era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta ou determinar-se de acordo com esse entendimento) ou medida de segurança[51], caso em que for demonstrada a sua total incapacidade de entender a ilicitude ou determinar-se de acordo com esse entendimento e seja recomendado o tratamento terapêutico. Não é possível a cominação das duas sanções.

 

Entre as espécies de medida de segurança, estão a internação e o tratamento ambulatorial (artigo 96 do Código Penal).

 

A internação é semelhante à ao regime fechado na execução de pena corporal, permanecendo o condenado em Hospital de Custódia e Tratamento, ou estabelecimento adequado (inciso I).

 

Por outra órbita, o tratamento ambulatorial remonta a “uma pena restritiva de direitos, obrigando o sentenciado a comparecer, periodicamente, ao médico para acompanhamento”.

 

É imprescindível não esquecer que o Código Penal Brasileiro é de 1942 enquanto que nossa Constituição Federal vigente, que é a norma máxima é de 1988, sendo que vários crimes tipificados no Código padecem de inconstitucionalidade[52], por não terem sido receptados pelo texto constitucional em vigor.

 

É curial que exista uma filtragem constitucional na aplicação das leis, já que a Constituição Federal é norma fundante das outras, dando validade para as normas hierarquicamente inferiores[53].

 

Referências:

 

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. I – Parte Geral. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

COELHO, Alexs G.; PEREIRA, Thaís A.. MARQUES, Fabiano G. A responsabilidade penal do psicopata à luz do ordenamento jurídico penal brasileiro. Imputabilidade versus semi-imputabilidade. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59573/a-responsabilidade-penal-do-psicopata-a-luz-do-ordenamento-juridico-penal-brasileiro  Acesso em 3.2.2019.

FURQUIM, Gabriel Martins. A estrutura do conceito de tipo de injusto. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/estrutura-conceito-tipo-injusto/ Acesso 3.2.2019.

GUIMARÃES, Rodrigo Suzana. Tipo Total de Injusto e Processo constitucional. A teoria dos elementos negativos do tipo e sua repercussão no ônus da prova no processo penal. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_GuimaraesRS_1.pdf Acesso em 4.2.2019.

HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós. Porto Alegre: Artmed, 2013.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1949, p. 505, apud CUNHA, Rogério Sanches. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120). Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

KER, Bianca Líbia Ferreira; SILVA, Amaury. Psicopatia e o Direito Penal Brasileiro: qual a resposta penal adequada? Disponível em: http://www.fadivale.com.br/portal/revista-online/revistas/2016/PSICOPATIA_E_O_DIREITO_PENAL_BRASILEIRO.pdf Acesso em 4.2.2019.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

SOUZA, Luma Gomides de. Serial Killer. Discussão sobre a imputabilidade. São Paulo: Baraúna, 2010.

 

[1] Eugenio Raúl Zaffaroni é jurista e magistrado argentino. Foi Ministro da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014. E, desde 2015 é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor emérito e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, é também doutor honoris causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal do Ceará, pela Universidade Católica de Brasília e pelo Centro Universitário FIEO. É vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal. Possui teorias amplamente difundidas no Brasil, tendo publicado livros em português, como autor, com José Henrique Pierangeli e com Nilo Batista. É defensor de um pensamento que define como “realismo marginal jurídico-penal”. Muitos o consideram defensor do garantismo, entretanto esta confusão é feita porque, até meados da década de 1980, Zaffaroni ainda pensava o Direito Penal como legítimo instrumento de controle social, em vista da eficiência das penas criminais para ressocializar o punido. O garantismo é um sistema sociocultural que estabelece instrumentos jurídicos para a defesa dos direitos fundamentais e consequente defesa do acesso aos bens essenciais à vida dos indivíduos ou de coletividades, que conflitem com interesses de outros indivíduos, outras coletividades e, sobretudo, com interesses do Estado. O garantismo se vincula ao conceito de Estado Democrático de Direito, modelo político-jurídico destinado a limitar e evitar a arbitrariedade do poder punitivo estatal. Entretanto, possui matriz positivista e, embora carregue em si o minimalismo penal como um de seus postulados, pensa o poder punitivo como um instrumento legítimo e, em alguns casos, eficiente.

[2] Conceito Analítico de Crime → Fato Típico, Antijurídico e Culpável. Sob a ótica da teoria analítica tripartida de crime, este somente existe quando estão presentes seus três elementos fundamentais: Crime = Fato Típico + Antijuridicidade + Culpabilidade.

[3] O Prof. Luiz Alberto MACHADO esclarece que “o conceito analítico do crime vem sofrendo profundo reexame do mundo jurídico-criminal. A mais ou menos pacífica e tradicional composição tripartida (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade) tem trazido inquietações, seja pela estrutura interna desses elementos, com a transposição de fatores de um para outro, seja pela atual tentativa de retorno a uma concepção bipartida.”.

[4] Nélson Hungria Guimarães Hoffbauer (1891-1969) um dos mais relevantes penalistas brasileiros, com diversas obras publicadas, Foi desembargador do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal, delegado de Política e, culminando sua carreira de jurista, ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1951 a 1961. Formou-se pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  Tornou-se livre-docente em Direito Penal na mesma Universidade. Lecionou durante anos na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como professor de Direito Penal. Foi um dos revisores do anteprojeto do Código Penal de 1940 (Decreto-lei n.º 2.848, de sete de dezembro de 1940), e um dos seus principais comentadores (Comentários ao Código Penal, Revista Forense, Rio de Janeiro, publicados na década de 1950). É conhecido pelo epíteto de Príncipe dos Penalistas Brasileiros. Foi autor de um anteprojeto de reforma do Código Penal de 1940, que teve boa influência na reforma penal portuguesa e foi bastante elogiado pelos juristas brasileiros.

 

 

[5] Ação ou omissão: Significa que o crime sempre é praticado através de uma conduta positiva (ação), comissiva. Ou, através de uma conduta negativa (omissão). É o não fazer. A inércia. Tanto é criminoso o fato de o marginal esfaquear uma pessoa até matá-la (ação), como o fato de uma mãe, por preguiça ou comodidade, não retirar de cima da mesa de sua casa (omissão) o veneno para matar baratas, que foi posteriormente ingerido pelo seu filho de três anos, provocando-lhe a morte, enquanto aquela, assistia a sua novela preferida.

[6] Conforme Cezar Roberto Bittencourt, quatro são as diferenças principais entre a pena e a medida de segurança: a) As penas têm caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva;

  1. b) O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade;
  2. c) As penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente.;
  3. d) As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo.

[7] A vetusta dicotomia entre erro de fato e erro de direito acabou por superada. Em seu lugar, Welzel introduziu, de um lado, o erro de tipo, excludente do dolo e, de outro, o erro de proibição, quando negada a consciência da ilicitude. No tratamento do erro de proibição, foram inseridos os critérios da evitabilidade e da inevitabilidade, sendo que somente no erro de proibição inevitável haveria o completo afastamento do juízo de culpabilidade (teoria estrita da culpabilidade).

[8] Cuida-se da proteção ou tutela de bens alheios públicos ou particulares, móveis ou imóveis, no sentido de preservação de suas qualidades intrínsecas e integridade material, no todo ou em parte. Não se exige no tipo o escopo de obtenção de vantagem econômica.

[9] Típica: Significa que a ação ou omissão praticada pelo sujeito, deve ser tipificada. Isto é, descrita em lei como delito. A conduta praticada deve se ajustar a descrição do crime criado pelo legislador e previsto em lei. Pois, pode a conduta não ser crime, e, não sendo crime, denomina-se: conduta atípica (não punida, tendo em vista que não existe um dispositivo penal que a incrimine).

[10] Prof. MAGALHÃES NORONHA, “a pena não integra o delito, por ser este seu pressuposto. Tê-la como constitutiva do crime é considerar como elemento da causa o efeito.”… “A pena vem a ser, então, um efeito do delito. É sua consequência ou resultado.” E, realmente, este é o entendimento da doutrina dominante.

[11]Injusto penal é a terminologia dada ao tipo quando, em sua verificação analítica (fato típico/antijurídico/culpável), o intérprete analisou a tipicidade e a antijuridicidade, sem ater-se ao estudo da culpabilidade. A conceituação legal de injusto é importante tanto no plano teórico como no prático. O objeto da ciência jurídico-penal é o Direito Penal positivo, não podendo a elaboração doutrinal da teoria jurídica do injusto desconhecer a existência da definição legal, repercutindo de forma decisiva nos momentos-chave da teoria do injusto.

[12] A teoria dos elementos negativos do tipo surgiu na Alemanha, ao fim do século XIX por obra de Adolf Joseph Matthaus Merkel, professor da Universidade de Estrasburgo, como uma variação da concepção de tipo cultuada por Mezger, segundo a qual o tipo é portador, também, de toda carga valorativa que o injusto supõe.

[13] Teoria finalista da ação é uma teoria de Direito Penal que estuda o crime como atividade humana. Como principal nome e considerado criador pode-se citar o alemão Hans Welzel, que a formulou na Alemanha na Década de 1930. A teoria finalista da ação contrapõe-se à teoria causalista da ação, também chamada teoria causal ou teoria clássica da ação.  A principal diferença repousa no fato de que a teoria causalista considera que, para que uma conduta configure uma infração penal,  basta que preencha os requisitos a seguir, em ordem de importância: a conduta do agente; o nexo causal; o resultado; tipicidade da conduta; a ilicitude; a culpabilidade;  a imputabilidade do agente; a exigibilidade de conduta diversa o dolo ou a culpa. Segundo essa teoria, deve-se analisar todos os elementos anteriormente citados, ficando por último aquilo que é menos importante:  verificar se o agente agiu com dolo ou culpa. Isto ocorreu pois Liszt, autor da teoria causal da ação, queria dar cientificidade à sua teoria, e o dolo é subjetivo, intrínseco a consciência do agente que praticou a conduta, e não se tem como provar qual foi o pensamento do agente no momento em que praticou a conduta. Ela se fixa no resultado, o qual gera necessariamente uma responsabilização. Segundo a teoria finalista da ação, a infração penal só se constitui com conduta tipificada, antijurídica e culpável.  A culpabilidade é pressuposto elementar sem o qual não se configura a infração, como na teoria causal, a única diferença é que na  teoria finalista da ação considera-se inicialmente a consciência do agente, o que ele pensou no momento de praticar a conduta,  se houve ou não intenção, e na teoria causal considera-se isto em última análise, pois não há como provar o pensamento do agente, e isto efetivamente diminui o caráter científico da Teoria. A conduta é composta de ação/omissão somada ao Dolo perseguido pelo autor,  ou à culpa em que ele tenha incorrido por não observar dever objetivo de cuidado. Antes da proposição dessa teoria, a Teoria Clássica, adotada até a reforma do Código Penal de 1984 no Brasil, considerava elementos da conduta apenas a ação/omissão e o resultado.

[14] As causas de extinção da punibilidade (leia-se: da pretensão punitiva ou da pretensão executória) não afetam o injusto penal (isto é, o fato materialmente típico e antijurídico), mas sem sombra de dúvida eliminam o terceiro requisito do fato punível (a punibilidade), não podendo o Estado a partir daí praticar qualquer ato persecutório contra o agente. Ocorrida uma causa de extinção da punibilidade torna-se impossível aplicar contra o agente penal ou mesmo medida de segurança (CP, art. 96, parágrafo único). Aliás, nem processado ele pode ser (CPP, art. 43, II).

[15] Segundo de Juarez Cirino dos Santos: “O problema central da culpabilidade é o problema do seu fundamento – o chamado fundamento ontológico da culpabilidade –, acentuado pela redefinição de culpabilidade como reprovabilidade: a capacidade de livre decisão do sujeito. A tese da liberdade de vontade do conceito de culpabilidade e, por implicação, do conceito de punição, é indemonstrável. Se pena pressupõe culpabilidade, e a reprovação da culpabilidade assenta em fundamento indemonstrável, então a culpabilidade não pode servir de fundamento da pena. Por isso, o juízo de culpabilidade deixou de ser um juízo ontológico, que descreveria uma qualidade do sujeito, para ser um juízo normativo, que atribui uma qualidade ao sujeito”.

[16] Wezel separa o que ele chama de censurabilidade da ação censurável, sendo aquela a valoração da vontade de ação, ou seja, a incidência de um juízo de reprovabilidade na ação valorada, e esta é a vontade de ação incidida por esse juízo.

[17] Antijurídica: Significa que a conduta positiva ou negativa, além de típica, deve ser antijurídica, contrária ao direito. É a oposição ou contrariedade entre o fato e o direito. Será antijurídica a conduta que não encontrar uma causa que venha a justificá-la. Nas palavras do Prof. Damásio de Jesus: “A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis especiais).”.

[18] O Direito Penal Medieval foi notadamente caracterizado por sua crueldade. As pessoas viviam numa situação de extrema insegurança, pois o juiz era dotado de plenos poderes, inclusive podendo aplicar penas que não fossem previstas em lei. As penas, repise-se, eram aplicadas arbitrariamente, conforme a livre determinação do juiz. Não havia qualquer observância à ideia de proporcionalidade, isto é, o juiz poderia aplicar, por exemplo, a mesma pena para uma pessoa que furtou um alimento e para outra que assassinou toda uma família. A insegurança imperava e trazia o sentimento de terror para a sociedade.

[19] Em Direito Penal, por muito tempo se discutiu a respeito da liberdade de vontade como elemento necessário ao sistema sobretudo no que diz respeito ao conceito de culpabilidade – observando-se, no entanto, ser o problema fundamental  do livre-arbítrio humano, não a questão acerca da liberdade de agir, isto é, se o homem pode fazer o que ele quer,  mas, sim, a liberdade de querer, portanto, se ele pode querer o que ele quer. Ademais, a problemática foi brilhantemente sintetizada por Bitencourt, ao afirmar que “o livre arbítrio como fundamento da culpabilidade tem sido o grande vilão na construção moderna do conceito de culpabilidade e, por isso mesmo, é o grande responsável pela sua atual crise”. As pesquisas desenvolvidas pela neurociência reclamam por uma nova visão ou imagem do homem, orientada pela superação da concepção tradicional do homem, enquanto responsável pelo seu próprio fazer, de forma que tal concepção seja  substituída pela do homem que pode conviver sem conceitos como responsabilidade e culpabilidade, na medida em que  estes conceitos seriam aplicáveis somente quando se dispusesse de livre-arbítrio.

[20] Fatos há que exigem do agente uma ação in continenti, uma inopinada reação à quadra a qual se encontra, onde por vezes, deverá atuar fora dos arquétipos fixados pelo ordenamento jurídico. O direito não exige do homem condutas heroicas ou sacrifícios sobrehumanos, permitindo-lhe agir em determinados casos de maneira contrária à lei. Mas, frise-se, a permissão para trilhar caminhos díspares ao ordenamento deve ser limitada a determinadas situações excepcionais, sob pena de lançar ao atascadeiro e à zombaria todo o sistema jurídico. A possibilidade de agir diversamente é um elemento da reprovabilidade, onde se podia exigir do agente que se atesse ao Direito, no entanto, o agente mesmo sendo imputável e conhecedor do ilícito não podia agarrar-se ao Direito. A culpabilidade, assim, é um juízo de valoração.

[21] O Código Penal Português, em seu artigo 26, traz a definição de imputabilidade e, implicitamente, adota o critério Psicológico quanto à aferição da inimputabilidade nos consignando que “Somente podem ser criminosos os indivíduos que têm necessária inteligência e liberdade”.

[22] Por outro viés, o Direito Penal do Inimigo foi construído para tratar de pessoas que manifestam comportamentos delituosos mais graves, tais como: os crimes sexuais, a criminalidade econômica, o tráfico de drogas, a criminalidade organizada e o terrorismo.  O sujeito ativo desses tipos penais, no dizer de Jakobs “se afastou, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa”, e por este motivo deverá ser considerado como inimigo, isto é, uma não pessoa, pois para Jakobs é um “indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”.

[23] A inexigibilidade de conduta diversa foi um elemento da exclusão da culpabilidade desenvolvida pela jurisprudência tedesca do início do século passado. O doutrinador alemão Frank já havia introduzido esse elemento na culpabilidade, fundando assim a teoria psicológico-normativa onde a culpabilidade também se consistiria na imputabilidade e na culpa lato sensu. Dois episódios julgados pelo então Tribunal do Reich (Reichgericht) serviram de paradigma à elaboração da fundamentação da não exigibilidade de outra conduta: o caso Leinenfänger e o Klapperstorch.

[24] A culpabilidade, enquanto conceito de exceção, assenta na ideia de presunção de livre-arbítrio e, por conseguinte, em uma presunção de normalidade. As exceções referidas acima, cuja inexistência autorizam a censura penal da culpabilidade, necessariamente afetam a capacidade de compreensão da ilicitude ou a capacidade de autodeterminação do indivíduo, portanto, só se pode dizer que um homem é livre, quando não lhe incidir alguma das causas de exclusão da culpabilidade. De acordo com isso, presume-se “normal” o sujeito em relação ao qual não incidir alguma destas exceções.

[25] O sistema biopsicológico é adotado pelo Direito Penal Brasileiro mesmo antes da reforma da Parte Geral do Código Penal materializada por intermédio da Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Código Penal materializada por intermédio da Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984.

[26] Contudo, existe de pronto a necessidade de se fazer uma advertência. Não se pode confundir responsabilidade penal com imputabilidade. Entende-se por responsabilidade a condição do agente poder ser punido por suas ações. Para se configurar a responsabilidade penal necessário é a presença de três requisitos, sendo eles: imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Desde logo se conclui que a imputabilidade distingui da responsabilidade por ser antecedente lógico desta última, ou seja, só existe responsabilização penal se o criminoso estiver revestido da imputabilidade.

[27] O maior expoente da teoria finalista da ação em nosso meio, Prof. Damásio Evangelista de Jesus, sustenta que a culpabilidade não é elemento ou requisito do crime. Ela somente funciona como pressuposto da pena; e que o juízo de reprovabilidade não incidiria sobre o fato, mas sim sobre o sujeito. Não se tratando de fato culpável, mas de sujeito culpável. Culpabilidade seria um juízo de reprovação que recairia sobre o sujeito que praticou o delito, desta forma, a culpabilidade seria uma condição de imposição de pena.

[28] Sem dúvida, a culpabilidade é o conceito mais debatido e questionado da teoria do delito. Segundo Zaffaroni e Pierangeli, ainda que em toda teoria do delito esteja presente o homem, é na culpabilidade que o enfrentamos mais do que nunca. Segundo Cirino dos Santos, “o problema central da culpabilidade é o problema do seu fundamento – o chamado fundamento ontológico da culpabilidade – acentuado pela redefinição da culpabilidade como reprovabilidade: a capacidade de livre decisão do sujeito”. Portanto, a culpabilidade tem como postulado uma determinada concepção de homem, residindo aí o problema central desse elemento da teoria do delito, uma vez que a tese da liberdade da vontade pressuposta pelo conceito é indemonstrável. Logo, pode ser percebido que o conceito de culpabilidade baseado no poder de agir de outra maneira é um conceito alicerçado em premissas de difícil sustentação. Para Bitencourt, “o livre-arbítrio como fundamento da culpabilidade tem sido o grande vilão na construção moderna do conceito de culpabilidade e, por isso mesmo, é o grande responsável pela sua atual crise”.

[29] Afirmou ainda que “o crime é”, antes de tudo, um fato, entendendo-se por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), como também o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado.

[30] É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego psyche= mente; e pathos = doença). No entanto, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixada na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos nem apresentam algum tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo).

[31] Diante da situação da não completude do critério psicológico e biológico, as legislações penais modernas, em boa parte das nações, adotam o terceiro e último sistema, que consiste no critério Biopsicológico.  Dentre as nações que adotam o referido sistema, podemos citar: Alemanha, Itália, Suíça e Argentina. Consiste o Critério biopsicológico em uma mescla dos sistemas antes expostos, sendo denominados por alguns doutrinadores como critério biopsicológico-normativo.  Neste, é afastada a imputabilidade caso o agente no tempo da ação possua anomalia mental, e em decorrência de tal anomalia, não possa apreciar a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com essa apreciação. Para tanto se exige que a causa geradora esteja prevista em lei e que, além disso, esteja presente no momento consumativo do suposto delito.

 

[32] A questão-chave da culpabilidade se tornou ainda mais acesa e debatida recentemente, em função do livre-arbítrio estar sendo fundamentalmente posto em questão em função dos desenvolvimentos recentes no campo da neurociência. De forma sintética pode ser dito que a neurociência está sustentando uma “nova imagem do homem” na qual as concepções de culpabilidade e responsabilidade não teriam mais lugar, uma vez que tais conceitos somente poderiam ser considerados caso houvesse, de fato, livre-arbítrio.  De acordo com Jurgen Kruger (físico e neurocientista), o livre-arbítrio como qualquer outro processo neurológico pode estar vinculado causalmente a uma diversidade de precursores materiais e, por conseguinte, não mais seria livre.

[33] Esquizofrenia é bem discutida no direito penal, porque o infrator conhecido como esquizofrênico é considerado tanto como inimputável, quanto como semi-imputável. O doente mental tem que ser diagnosticado por ser uma doença psiquiátrica, identificando um quadro de alta desorganização cerebral. Essa doença não existe cura. O esquizofrênico perde o contato totalmente com a realidade, tendo esta realidade sendo distorcida, perdendo a coerência nas associações das coisas.

[34] Veja a incidência de algumas doenças mentais e os tratamentos. Depressão. É sentimento de tristeza intensa, profunda e persistente, desproporcional ao acontecimento. O tratamento é através de uso de medicamento a base do tratamento que pode ser complementado com psicoterapias. A incidência é de seis a dez por cento da população. Distúrbio de ansiedade generalizado é nervosismo e preocupação intensos, duradouros e frequentes com permanências de pelo menos de seis meses. A incidência é em torno de 3,4 por cento. O tratamento é feito a base de ansiolíticos e psicoterapia podem aliviar a disfunção. Distúrbio do pânico é a ansiedade extrema, com sintomas físicos como dores no peito, falta de ar, agitação, sudorese e palpitações. A incidência é em torno de 3,5 por cento. O tratamento nos casos mais leves pode existir recuperação sem medicação. E, nos casos mais graves, indica-se remédios controlados e terapia intensa. Transtorno bipolar consiste em episódios de depressão alternados com episódios de exaltações euforia. Tem a incidência em torno de um por cento. O tratamento é feito através de antidepressivos, com controle rígido dos efeitos sobre o humor. Também são usados remédios estabilizadores do humor. Esquizofrenia é a perda de contato com a realidade, com alucinações, delírios, alteração de desempenhos e motivação diminuída. Tem incidência em torno de um por cento. E o tratamento consiste no uso de medicamentos antipsicóticos, psicoterapia e a reabilitação com atividades de apoio comunitário.

 

[35] Ato infracional é o ato condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes. Só há ato infracional se àquela conduta corresponder a uma hipótese legal que determine sanções ao seu autor. No caso de ato infracional cometido por criança (até 12 anos), aplicam-se as medidas de proteção. Nesse caso, o órgão responsável pelo atendimento é o Conselho Tutelar. Já o ato infracional cometido por adolescente deve ser apurado pela Delegacia da Criança e do Adolescente a quem cabe encaminhar o caso ao Promotor de Justiça que poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 (doravante ECA) (Revista Jurídica Consulex, n° 193, p. 40).

[36] A filosofia para Campanella é interpretar a natureza, que é onde Deus colocou sua expressão. Além de nós mesmos devemos conhecer a natureza, mas conhecer a si mesmo não é uma obrigação para conhecer a natureza, pois toda natureza sabe que existe e sente em si mesma a sua existência. Esse saber-se existente é uma característica inata das coisas naturais. Além do saber inato da própria existência as coisas sabem também que existem outras coisas diferentes de si, esse conhecimento da existência de outras coisas vem do contato. As pessoas não sentem o calor ou o frio, sentem a modificação que sofrem em si mesmas causadas pelo contato com o calor ou com o frio. Quando conhecemos algo somos também modificados por esse algo, esse algo nos transforma e deixamos de ser o que éramos. A coisa que conhecemos transfere para nós algo que não tínhamos, nós ganhamos conhecimento, mas ao mesmo tempo perdemos, pois morreu em nós algo e no local desse algo foi colocada parte da coisa que conhecemos. Todas as coisas, inclusive as materiais como as pedras, tem a capacidade de sentir, pois todas tem em si um espírito que também é material. O homem se distingue do restante das coisas materiais por ter, além da alma material, também uma alma espiritual que nos é dada por Deus.

[37] O castigo foi e ainda é uma espécie de “purificação” na visão comum, indispensável como meio de assegurar o retorno do sofrimento imputado pela ofensa e a criação do “bode expiatório” que reprimirá os desejos de potenciais ofensores pela ratificação do poder de supressão dos desvios de comportamento causadores de ofensas.

[38] O princípio da proporcionalidade encontra-se implícito no art. 59 do Código Penal, que determina a fixação da pena-base no quantum “necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”. Tendo início no séc. XVIII com Beccaria e os iluministas, o princípio da proporcionalidade relaciona-se à busca de limitação do poder punitivo estatal. É também chamado de princípio da proibição do excesso.

[39] A doutrina penal ainda confunde os três momentos do ius puniendi. A punibilidade, entendida como possibilidade de aplicação de uma pena, refere-se à pretensão punitiva (que é o segundo momento do ius puniendi).  A punibilidade compreendida como direito de ameaçar com pena constitui o primeiro momento. Nesse sentido não é efeito do crime ou consequência do crime (como alguns autores afirmam), senão parte integrante dele (quando concebido como fato punível, repita-se). Punibilidade não é a mesma coisa que pena. A pena é consequência do crime, não a punibilidade (entendida como possibilidade de ameaçar um fato com pena).

[40] O conceito de periculosidade, de acordo com Palomba, “é o conjunto ou as circunstâncias que indicam a possibilidade de alguém praticar ou tornar a praticar um crime”. É, portanto, um conjunto de características pessoais e sociais do indivíduo, avaliado através de vários parâmetros, não podendo ser vinculado apenas à gravidade da doença mental.

[41] Neste sentindo Francisco Campos, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, criticou o critério psicológico na exposição de motivos da Parte Geral original do Código Penal de 1940, publicada no diário oficial da União no dia 31 de dezembro de 1940: “O método psicológico não indaga se há uma perturbação mental mórbida: declara irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja qual for à causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato (momento intelectual) e determinar-se de acordo com essa apreciação (momento volitivo)”.

[42] O defeito de personalidade encontra ambiente propício para suas manifestações nos variados ambientes de uma sociedade que cada vez mais cultiva valores individualistas e consumistas. Conforme a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial e Saúde (CID-10 F60. dois), o transtorno de personalidade se caracteriza por um desprezo da obrigações sociais e pela falta de empatia do sujeito para com os outros. A organização entende que o transtorno afeta o comportamento de maneira que não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições, reconhecendo ainda no psicopata uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, o que faz com que ele não seja naturalmente levado à prática de crimes violentos. […]

[43] A Classificação Internacional de Doenças (CID10) conceitua os transtornos de personalidades como “consistentes em perturbação grave da constituição caracteriológica e das tendências comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da personalidade, sendo quase sempre associada à ruptura pessoal e social”. Os portadores de transtorno de personalidade não possui aptidão para estabelecer relacionamentos pessoais, não sendo por isso considerado doença, mas uma perturbação da saúde mental. Para a psiquiatria os portadores de transtornos de personalidade, psicopatia, não estão completamente afastados dos fatos a ponto de não responder por seus atos criminosos.

[44] A psiquiatra forense Hilda Morana, responsável pela tradução, adaptação e validação do PCL para o Brasil, além de tentar aplicar o teste para identificação de psicopatas nos nossos presídios, lutou para convencer deputados a criar prisões especiais para eles. A ideia virou um projeto de lei que, lamentavelmente, não foi aprovado.

[45] 1. Boa Lábia: O psicopata é bem articulado e ótimo marqueteiro pessoal. Como um bom ator em cena, conquista a vítima bajulando e contando histórias mirabolantes de si. Com meia dúzia de palavras difíceis, se passa por sociólogo, médico, filósofo, escritor, artista ou advogado.

  1. Ego Inflado: Ele se acha o cara mais importante do mundo. Seguro de si, cheio de opinião, dominador. Adora ter poder sobre as pessoas e acredita que nenhum palpite vale tanto quanto suas ideias.
  2. Lorota desenfreada: Mente tanto que às vezes não se dá conta de que está mentindo. Tem até orgulho de sua capacidade de enganar. Para ele o mundo é feito de caças e predadores, e não faria sentido não se aproveitar da boa-fé dos mais fracos.
  3. Sede por Adrenalina: Não tolera monotonia, e dificilmente fica encostado num trabalho repetitivo ou num casamento. Precisa viver no fio da navalha, quebrando regras. Alguns se aventuram em rachas, outros nas drogas, e uma minoria, no crime.
  4. Reação Estourada: Reage desproporcionalmente a insulto, frustração e ameaça. Mas o estouro vai tão rápido quanto vem, e logo volta a agir como se nada tivesse acontecido – é tão sem emoções que nem sequer rancor ele consegue guardar.
  5. Impulsividade: Embora racional, não perde tempo pesando prós e contras antes de agir. Se estiver com vontade de algo, vai lá e consegue tirando os obstáculos do caminho. Se passar a vontade, larga tudo. Seu plano é o dia de hoje.
  6. Comportamento Antissocial: Regras sociais não fazem sentido para quem é movido somente pelo próprio prazer, indiferente ao próximo. Os que viram criminosos em geral não têm preferências: gostam de experimentar todo tipo de crime.
  7. Falta de Culpa: Por onde passa, deixa bolsos vazios e corações partidos. Mas por que sentir mal se a dor é do outro e não dele? Para o psicopata, a culpa é apenas um mecanismo para controlar as pessoas.
  8. Sentimentos Superficiais: Emoção só existe em palavras. Se namorar será pelo prazer e pelo poder sobre o outro, não por amor. Se perder um amigo, não ficará triste, mas frustrado por ter uma fonte de favores a menos.
  9. Falta de Empatia: Não consegue se colocar no lugar do outro. Para o psicopata as pessoas são apenas objetos para usar para o seu próprio prazer. Não ama: se chegar a casar-se e tiver filhos, vai ter a família como posse, não como entes queridos.
  10. Irresponsabilidade: Compromisso não lhe diz nada – tende a ser um mau funcionário, amante infiel e pai relapso. Porém, como a família e amigos são uma fonte de status, para cada erro já tem uma promessa pronta: “Eu mudei. Isso não vai acontecer de novo.”.
  11. Má conduta na infância: Seus problemas aparecem cedo. Já começa a roubar, usar drogas, matar aulas e ter experiências sexuais antes dos 12 anos. Seu sadismo não poupa nem mesmo coleguinhas, irmãos ou animais.

0 = Um santo

3 = População geral

13 = Média dos criminosos

18= Psicopata

24 = O demônio.

[46] O PCL – R, que é o primeiro exame padronizado exclusivo para o uso no sistema penal do Brasil, pretende avaliar a personalidade do preso e prever a reincidência criminal, buscando separar os bandidos comuns dos psicopatas. A autora defende em sua tese que não é o tipo de crime que define a probabilidade de reincidência, e sim a personalidade de quem o comete. Assim, os estudos visando à adaptação e validação desse instrumento para a população forense brasileira, bem como sua comercialização para os profissionais da área, há muito urgiam ser viabilizados no Brasil.

[47] Para os fins médico-legais, e, nuclearmente, da imputabilidade, o perito deve sempre assegurar-se se, no momento do delito, subsistia ainda no delinquente a capacidade de querer livremente, ou seja, a capacidade de escolha, e, sobretudo, de inibir-se, de resistir, de modo a poder também renunciar a concretar o ato criminoso, ou, ao contrário, se adentrou uma vontade patológica, levada a exprimir-se através de automatismos e impulsos.

[48] A distinção entre um transtorno psiquiátrico propriamente dito (eixo I do DSM-IV) frente aos transtornos da personalidade (eixo II) reveste-se da maior importância, por suas consequências práticas e teóricas. Considerada portadora de uma “doença”, a pessoa passa a merecer considerações diagnósticas, tratamento, e cuidados sociais. Rotulada como portadora de um “distúrbio da personalidade”, a pessoa passa muitas vezes a ser alvo do nihilismo terapêutico e vítima de preconceitos morais. Na melhor das hipóteses, passa a ser vista simplesmente como “uma pessoa bizarra”, acautelando-se os demais frente às suas “atuações” e “manipulações”, principalmente se o diagnóstico for de um dos seguintes transtornos:” borderline”, antissocial, narcísico e histriônico. Segundo Akiskal,14 cerca da metade a dois terços dos pacientes classificados como “borderline” pertenceriam ao grupo das doenças do humor (afetivas), sendo, em sua maioria, integrantes do “espectro bipolar”. Muitos desses pacientes caracterizam-se por ter uma biografia assaz tumultuada, cujo traço mais estável é a instabilidade nas relações afetivas, no trabalho, e na vida em geral. Frequentemente, essas pessoas passam da “calmaria” afetiva à “tempestade” das automutilações e das tentativas de suicídio. O abuso e a dependência de drogas frequentemente se associam ao quadro.

[49] Sistema vicariante, ou “de substituição”, pois substitui a pena pela medida de segurança. Porém, vale lembrar que, anteriormente era possível essa aplicação simultânea ou sucessiva ao sentenciado, isso em conformidade com o Código Penal de 1940, o sistema que vigorava era o duplo binário, também denominado de dualista, ou seja, aplicava-se a pena e a medida de segurança em conjunto, ou cumulativamente.

[50] Não obstante, percebeu-se que para alguns doutrinadores e na jurisprudência o entendimento majoritário assegura que o psicopata se qualifica com a imputabilidade diminuída, ou seja, semi-imputável, que não são totalmente inimputáveis, e assim, são julgados de acordo com o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, e quando houver necessidade, observado também o disposto no artigo 96 do referido código, decorrentemente, a orientação do CNJ.

[51] A medida de segurança é uma providência do Estado, fundamentada no jus puniendi, imposta ao agente inimputável ou semi-imputável que pratica um fato típico e ilícito, com base no grau de periculosidade do mesmo. Medida de segurança é toda a reação criminal, detentiva ou não detentiva, que se liga à prática, pelo agente, de um fato ilícito típico, tem como pressuposto e princípio de medida a sua periculosidade e visa finalidades de defesa social ligadas à prevenção especial, seja sob a forma de segurança, seja sob a forma de ressocialização.

[52] A inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato tem sido cada vez mais discutida no cenário atual, até porque com a evolução da sociedade e a tendência de um minimalismo penal, esses tipos penais têm sido cada vez mais questionados, inclusive no seu âmbito constitucional. Exemplo claro desse problema, é o caso do motorista que ingere bebida alcoólica e preenche a tipicidade formal do artigo 306 do CTB, qual seja, igual ou superior a 6 (seis) decigramas de Álcool por litro de sangue. Contudo justamente por ter bebido, redobra sua atenção e o cuidado, não fazendo nada de diferente se sóbrio estivesse. De outro lado, considere um motorista que faz uso da mesma substância, contudo sem preencher a tipicidade formal, mas ao dirigir realiza manobras e expõe o bem jurídico (segurança viária) a perigo concreto.

[53] Para contestar a adequação constitucional do tipo penal incriminador de desacato fora dado pelo STF, quando sua quinta turma assentou, em dezembro de 2016, a contrariedade dessa norma às convenções internacionais de direitos humanos. Para o relator do caso, ministro Ribeiro Dantas, “a criminalização do desacato está na contramão do humanismo porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”.2 A hierarquia entre agentes públicos e particulares, portanto, está em flagrante descompasso com a ordem democrática inaugurada em 1988 – a qual alberga, em caráter supralegal ou de emenda constitucional, normas internacionais de direitos humanos das quais o Brasil venha a ser signatário. Considerou-se que a penalização do desacato, na prática, equivale a um cerceamento da liberdade de expressão em uma de suas dimensões mais relevantes, ao contribuir para silenciar ideias e opiniões que questionem e critiquem o modus operandi e o status quo da atividade pública.