“Deixei de fazer jornalismo cultural, tive meus motivos. E o graffiti passou a ter status há pouco tempo, por aqui. Muita gente respeita, muita gente despreza e muita gente ataca. Há quem diga que não passam de pichadores com roupas de grife”.
Fama Volat, Francisco Grijó.
Responda rápido, leitor(a): para você, grafite é arte? E pichação? Também? Qual a diferença entre um e outro? Tais perguntas estão longe de ter um consenso, até mesmo, no mundo artístico – que dirá no mundo jurídico! Pois deu até na mídia: um inquérito está em curso para saber se houve ou não crime ambiental em um enorme painel na lateral de um prédio em Belo Horizonte.
Trata-se da obra “Deus é mãe”, executada pelo artista paulista Robinho Santana, numa parede de quase 2.000 metros em um prédio no centro da capital mineira. A obra retrata uma mulher negra com uma criança no colo e outra nas mãos. A ação é resultado da edição 2020 do Circuito Urbano de Arte (Cura), festival de arte urbana local. Acontece que cinco artistas mineiros (Poter, Lmb, Bani, Tek e Zoto) foram convidados para uma intervenção, qual seja: uma moldura, na forma de pichação, o que ensejaria o enquadramento dos artistas no art. 65 da lei 12.408/11 (Lei de crimes ambientais), que diz:
“Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”. (grifamos)
O próprio dispositivo, porém, possui um segundo parágrafo, com a seguinte redação:
“Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” (grifamos)
Está, assim, instaurada a polêmica: a intervenção é ou não crime? É um campo minado saber quais os limites da arte e da não arte, sobretudo em uma época de “caça às bruxas” e demonização da classe. Jamais, em momento algum da História, houve quem pudesse estabelecer o quê, havendo, ao revés, exemplos fartos de autoritarismo e perseguição ao que seria contrário ao sistema. O dispositivo em comento, no entanto, parece deixar a cargo do Estado o que seria considerado artístico ou não. Tarefa perigosa: não nos esqueçamos do ocorrido em São Paulo, quando o prefeito Dória decidiu cobrir todos os grafites, ao arrepio dos artistas e de parcela da população que era a favor das intervenções.
É inegável que, no campo da arte, a questão das “faculdades de juízo”, como diria Kant, têm relevância. Porém, temerário relegar o gosto artístico a um único paladar. Não se pretende aqui, aliás, tentar solucionar a questão. Há, além de tudo, um componente temporal no que tange à percepção da arte e que, mesmo assim, pode não ser suficiente para gerar consenso (vide, por exemplo, a obra “A Origem do Mundo”, de Courbet). Cremos que são esses os casos que nem o Direito (quanto mais os Direitos Culturais) conseguem resposta. Em tempo: de um lado, um inquérito foi instaurado pelo Departamento Estadual de Investigação de Crimes contra o Meio Ambiente (Dema). Do outro, a curadora e idealizadora do Cura alega haver racismo na instauração, sobretudo por se tratar de uma figura retratando cidadãos negros. Este colunista está curioso pelo desfecho desta contenda.