Noções preliminares

 

Na esteira de inovações legislativas que vieram para tratar de situações atinentes as relações jurídicas surgidas no período da pandemia de covid-19 entrou em vigor a Lei Federal nº 14.017/2020, também conhecida como Lei Aldir Blanc a qual tem por objeto tratar de auxílio emergencial ao setor de cultura. No âmbito federal a Lei Aldir Blanc encontra-se regulamentada pelo Decreto de nº 10.464, de 17 de agosto de 2020.

 

Objetiva-se com o presente trabalho difundir os temas abordados na legislação de referência esclarecendo aos profissionais do setor de cultura e ao público geral as inovações legislativas introduzidas em nosso ordenamento através da norma citada.

 

A Lei nº 14.017/2020 (Lei Aldir Blanc)

 

A Lei nº 14.017/2020 “dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”, através da transferência de recursos financeiros aos entes federados em parcela única para que sejam aplicados de forma a propiciar apoio ao setor cultural.

 

As ações poderão ocorrer de diversas formas, dentre as quais: (i) renda emergencial mensal aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura; (ii) subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social; e (iii) editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.

 

Compete ao ente federativo beneficiado dispor sobre a maneira como a verba obtida será disponibilizada às entidades, empresas e cidadãos dada as especificidades locais. Contudo, a Lei Aldir Blanc prevê que ao menos 20% (vinte por cento) serão destinados às ações emergenciais previstas no inciso III, § 1º do caput do artigo 2º.

 

Aos Municípios foi consignado um prazo de 60 (sessenta) dias, a contar do recebimento do recurso, para a destinação da verba, sob pena de o recurso ser automaticamente revertido ao fundo estadual de cultura do Estado onde o Município se localiza ou, na falta deste, ao órgão ou entidade estadual responsável pela gestão desses recursos.

 

Aos trabalhadores da cultura (assim entendidos artistas, contadores de histórias, produtores, técnicos, curadores, oficineiros e professores de escolas de arte e capoeira) é garantida uma prestação mensal, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em 3 (três) parcelas sucessivas, à título de renda emergencial e que poderá ser prorrogado “no mesmo prazo em que for prorrogado o benefício previsto no art. 2º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020”.

 

Os requisitos legais para obtenção da renda emergencial encontram-se previstos no art. 6º da Lei 14.017/2020 e preveem o seguinte: (i) terem atuado social ou profissionalmente nas áreas artística e cultural nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à data de publicação desta Lei, comprovada a atuação de forma documental ou autodeclaratória; (ii) não terem emprego formal ativo; (iii) não serem titulares de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiários do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o Programa Bolsa Família; (iv) terem renda familiar mensal per capita de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou renda familiar mensal total de até 3 (três) salários-mínimos, o que for maior; (v) não terem recebido, no ano de 2018, rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); (vi) estarem inscritos, com a respectiva homologação da inscrição, em, pelo menos, um dos cadastros previstos no § 1º do art. 7º desta Lei; e (vii) não serem beneficiários do auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020.

 

Acerca da renda emergencial, a Lei Aldir Blanc dispõe, ainda, que: (i) O recebimento da renda emergencial está limitado a 2 (dois) membros da mesma unidade familiar; e (ii) A mulher provedora de família monoparental receberá 2 (duas) cotas da renda emergencial.

 

Em favor de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, dentre outras pessoas jurídicas, a Lei Aldir Blanc previu a instituição de subsídio mensal que poderá variar entre R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais), de acordo com critérios estabelecidos pelo gestor local.

 

Quanto aos critérios para a obtenção do subsídio mencionado, a Lei de regência prescreve que:

 

Art. 7º. (…)

 

  • 1º Farão jus ao benefício referido no caput deste artigo os espaços culturais e artísticos, microempresas e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais com atividades interrompidas, que devem comprovar sua inscrição e a respectiva homologação em, pelo menos, um dos seguintes cadastros:

 

I – Cadastros Estaduais de Cultura;

 

II – Cadastros Municipais de Cultura;

 

III – Cadastro Distrital de Cultura;

 

IV – Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura;

 

V – Cadastros Estaduais de Pontos e Pontões de Cultura;

 

VI – Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (Sniic);

 

VII – Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab);

 

VIII – outros cadastros referentes a atividades culturais existentes na unidade da Federação, bem como projetos culturais apoiados nos termos da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à data de publicação desta Lei.

 

  • 2º Serão adotadas as medidas cabíveis, por cada ente federativo, enquanto perdurar o período de que trata o art. 1º desta Lei, para garantir, preferencialmente de modo não presencial, inclusões e alterações nos cadastros, de forma autodeclaratória e documental, que comprovem funcionamento regular.

 

  • 3º O benefício de que trata o caput deste artigo somente será concedido para a gestão responsável pelo espaço cultural, vedado o recebimento cumulativo, mesmo que o beneficiário esteja inscrito em mais de um cadastro referido no § 1º deste artigo ou seja responsável por mais de um espaço cultural.

 

Registra-se que há vedação expressa para a concessão subsídio a espaços culturais criados pela administração pública de qualquer esfera ou vinculados a ela, bem como a espaços culturais vinculados a fundações, a institutos ou instituições criados ou mantidos por grupos de empresas, a teatros e casas de espetáculos de diversões com financiamento exclusivo de grupos empresariais e a espaços geridos pelos serviços sociais do Sistema S.

 

Note-se, ainda, que a obtenção de subsídio por espaços culturais e artísticos fica condicionada a garantia de que, em contrapartida, após o reinício de suas atividades, haja a realização de atividades destinadas, prioritariamente, aos alunos de escolas públicas ou de atividades em espaços públicos de sua comunidade, de forma gratuita, em intervalos regulares, em cooperação e planejamento definido com o ente federativo responsável pela gestão pública de cultura do local.

 

É importante apontar que o beneficiário deverá apresentar prestação de contas referente ao uso do benefício ao respectivo Estado, ao Município ou ao Distrito Federal, conforme o caso, em até 120 (cento e vinte) dias após o recebimento da última parcela do subsídio. É ônus dos entes federados assegurar a ampla publicidade e transparência à prestação de contas realizada.

 

Além da renda emergencial prevista no inciso I, art. 2º, da Lei 14.017/2020, é garantido aos trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural e às microempresas e empresas de pequeno porte o acesso à linhas de crédito específicas para fomento de atividades e aquisição de equipamentos; e condições especiais para renegociação de débitos, nos termos e condições previstos no artigo 11 deste diploma legal.

 

A Lei Aldir Blanc prevê, também, a prorrogação de prazos para aplicação de recursos e prestação de contas; a concessão de recursos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dos programas federais de apoio ao audiovisual (enquanto perdurar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020) e a dotação orçamentária para o custeio das medidas por ela previstas.

 

 

Decreto nº 10.464/2020 – Norma Regulamentadora

 

 

No intuito de regulamentar o instituto previsto na Lei Aldir Blanc, o Poder Executivo Federal editou O decreto nº 10.464/2020, prevendo o repasse, em parcela única, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios no exercício de 2020, o valor de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) para aplicação em ações emergenciais de apoio ao setor cultural.

 

O Decreto em comento confere aos Estados e ao Distrito Federal ônus de distribuir a renda emergencial mensal aos trabalhadores da cultura; enquanto acomete aos Municípios e ao Distrito Federal de distribuir os subsídios mensais para a manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social.

 

Infere-se deste diploma legal, ainda, que compete aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios elaborar e publicar editais, chamadas públicas ou outros instrumentos aplicáveis para prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural, dentre outras atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais, de forma a difundir a cultura em consonância com as medidas sanitárias compatíveis com o distanciamento social.

 

Em atenção a estrutura de organização política-administrativa insculpida em nossa ordem constitucional, o diploma citado prevê que o Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios editará regulamento com os procedimentos necessários à aplicação dos recursos recebidos na forma prevista neste artigo, no âmbito de cada ente federativo.

 

Da Renda Emergencial

 

Em favor dos profissionais do setor de cultura, se encontra prevista a concessão de renda emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), paga mensalmente, em três parcelas sucessivas, e estará limitada a: I – dois membros da mesma unidade familiar; e II – duas cotas, quando se tratar de mulher provedora de família monoparental.

 

Registra-se a possibilidade de que o benefício seja concedido, retroativamente, desde 1º de junho de 2020, bem como seja prorrogado pelo mesmo prazo que for prorrogado o benefício previsto no art. 2º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, limitado ao valor da parcela entregue pela União, ressalvada a faculdade dos entes federativos de suplementá-lo por meio de outras fontes próprias de recursos.

 

São requisitos para a obtenção da renda emergencial prevista na Lei Aldir Blanc que os trabalhadores da cultura com atividades interrompidas comprovem: I – terem atuado social ou profissionalmente nas áreas artística e cultural nos vinte e quatro meses imediatamente anteriores à data de publicação da Lei nº 14.017, de 2020; II – não terem emprego formal ativo; III – não serem titulares de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiários do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o Programa Bolsa Família; IV – terem renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários-mínimos, o que for maior; V – não terem recebido, no ano de 2018, rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); VI – estarem inscritos, com a respectiva homologação da inscrição, em, pelo menos, um dos cadastros a que se refere o art. 6º; e VII – não serem beneficiários do auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982, de 2020.

 

Do subsídio mensal

 

O subsídio mensal previsto na Lei Aldir Blanc destina-se as entidades  e pode variar entre o valor mínimo de R$ 3.000,00 (três mil reais) e máximo de R$ 10.000,00 (dez mil reais), de acordo com critérios estabelecidos pelo gestor local.

 

Para a obtenção do benefício a entidade que esteja com suas atividades interrompidas, deverá comprovar a sua inscrição e a homologação em, no mínimo, um dos seguintes cadastros: I – Cadastros Estaduais de Cultura; II – Cadastros Municipais de Cultura; III – Cadastro Distrital de Cultura; IV – Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura; V – Cadastros Estaduais de Pontos e Pontões de Cultura; VI – Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais; VII – Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro; e VIII – outros cadastros referentes a atividades culturais existentes no âmbito do ente federativo, bem como projetos culturais apoiados nos termos da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, nos vinte e quatro meses imediatamente anteriores à data de publicação da Lei nº 14.017, de 2020.

 

Outrossim, a entidade deverá apresentar autodeclaração, da qual constarão informações sobre a interrupção de suas atividades e indicação dos cadastros em que estiverem inscritas acompanhados da sua homologação, quando for o caso.

 

Anote-se que, após a retomada de suas atividades, as entidades de que ficam obrigadas a garantir como contrapartida a realização de atividades destinadas, prioritariamente, aos alunos de escolas públicas ou de atividades em espaços públicos de sua comunidade, de forma gratuita, em intervalos regulares, em cooperação e planejamento definido com o ente federativo responsável pela gestão pública cultural do local.

Informa-se que os gastos relativos à manutenção da atividade cultural do beneficiário poderão incluir despesas realizadas com: I – internet; II – transporte; III – aluguel; IV – telefone; V – consumo de água e luz; e VI – outras despesas relativas à manutenção da atividade cultural do beneficiário.

 

Dos empréstimos e da renegociação de dívidas

 

Dentre as inovações introduzidas pela Lei Aldir Blanc merece destaque, ainda, o fato de que as instituições financeiras federais poderão disponibilizar às pessoas físicas que comprovem ser trabalhadores da cultura e às microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que tenham finalidade cultural em seus respectivos estatutos linhas de crédito específicas para fomento de atividades e aquisição de equipamentos; e II – condições especiais para renegociação de débitos.

 

A legislação prevê, ainda, que os débitos relacionados às linhas de crédito previstas deverão ser pagos no prazo de até trinta e seis meses, em parcelas mensais reajustadas pela taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic, a partir de cento e oitenta dias, contados do final do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

 

Ressalta-se que o acesso às linhas de crédito e às condições especiais fica condicionado ao compromisso de manutenção dos níveis de emprego existentes na data de entrada em vigor do Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

 

Por fim, destaca-se que as condições especiais para renegociação de débitos deverão ser negociadas diretamente pelos interessados junto às instituições financeiras federais.

 

Conclusão

 

Quase um ano após a edição do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, em muitos lugares a realização de eventos artísticos e culturais ainda se mostra proibida, haja vista o avanço de novas mutações do vírus SARS-COV2.

 

Observa-se, portanto, que a Lei Aldir Blanc constitui instrumento essencial para a distribuição de renda e combate à situação de vulnerabilidade econômica a que ficaram expostos os profissionais do setor de cultura em razão de terem sido, talvez, os maiores prejudicados em razão das medidas sanitárias necessárias à mitigação da disseminação do coronavírus.

 

Salienta-se que a Lei Aldir Blanc atua em duas frentes, proporciona aos trabalhadores que obtenham uma que obtenham uma renda mínima que lhes permita ter condições mínimas para uma existência compatível com a dignidade da pessoa humana inserta no texto constitucional, bem como visa fomentar as entidades que atuam neste setor econômico aufiram recursos que lhes permitam dar continuidade em sua atividade.

 

Ademais disso, a Lei referida busca promover, aos profissionais e entidades, condições que lhes facilitem a negociação com instituições financeiras federais a fim de impedir ou minimizar o superendividamento daqueles, conferindo-lhes a possibilidade de uma negociação ampla de forma que possa melhor atender aos interesses dos envolvidos.

 

Deste modo, mostra-se prudente que o Poder Público divulgue e torne acessível aos interessados o conhecimento da citada lei e de tantos outros instrumentos que possam auxiliar o cidadão e as empresas a superar as dificuldades econômicas vivenciadas em nosso País.

 

Referências

 

ASSIS NETO, Sebastião de; JESUS, Marcelo de; MELO, Maria Izabel de. Manual de Direito Civil, volume único: 2. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em 01/02/2021.

 

BRASIL. Decreto nº 10.464/2020. Brasília: 2020. Regulamenta a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, que dispõe sobre as ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Decreto/D10464.htm >. Acesso em 01/02/2021.

 

BRASIL. Lei nº 14.017/2020. Lei Aldir Blanc. Brasília: 2020. Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm >. Acesso em 01/02/2021.