Finitude no infinito

 A obra “A negação da morte: Uma Abordagem psicológica da Finitude humana” da autoria de Ernest Becker que analisa um analisa de um ângulo multidisciplinar baseada na psicanálise[1], o problema da morte na vida humana que traça simultaneamente relação próxima e complexa.

 

Principalmente porque a norte é inescapável e tanta angústia nossa consciência. Becker que ganhou o prêmio Pulitzer de 1974 teve a pretensão de reunir e sistematizar, ao máximo o conhecimento sobre o problema da morte que fora produzido pelas diversas áreas do saber, indo da filosofia até a religião.

 

Partiu da premissa de que tanto a ideia da morte como a do medo inspira e persegue o animal humano[2] como nenhuma outra coisa e, representa uma proposição universal da condição humana.

 

Diferentes culturas humanas traçam sistema simbólicos complexos que possuem por função negar a realidade da morte, propiciando a ilusão de estarem impunes ao inexorável, como se pudesse deixar de carregar o fardo de sua constante e pesarosa consciência.

 

O próprio título da obra “A negação da morte”[3] já aponta para o conceito de mentira vital. Assim, a morte marca um papel crucial da existência e, nossos instintos tentem a negá-la por meio de artifícios psicológicos subconscientes de auto-engano e auto-ilusão.

 

Também o conceito de heroísmo é abordado e perpassa por trama. Definiu-se o heroísmo como uma atitude humana fundamental, quase arquetípica, diante do mundo e, principalmente da perspectiva da morte, chega-se a esboçar um ideal de coragem e sabedoria que varia bastante de acordo com as culturas e, serve de chave interpretativa de caráter psicológico, antropológico, segundo a qual nossa tendência principal no planeta é heroica e, por vezes, patética.

 

Não importa o heroísmo se é mágico, religioso, primitivo ou sofisticado, ou ainda, civilizado. De toda sorte é o sistema de herói mítico, no qual as pessoas se esforçam para adquirir o sentimento básico de valor, de sentido, para serem especiais no cosmos e, úteis para a criação, inabaláveis em seu significado.

 

Outro conceito relevante é a categoria psicanalítica de narcisismo, o que evidencia o quão absortos estamos em si mesmos e, que para cada um de nós, todos são sacrificáveis, exceto nós mesmos[4].

 

O narcisismo é a causa do egoísmo instintual, e que nos tornais associais e agressivos. Porém, o narcisismo é vital, pois há um grau prático de narcisismo que é indissociável da autoestima, de um sentimento básico de valorização de si mesmo.

A fora isto, sem o mínimo de vaidade e ilusão, sobre nossa condição e valor, afundaríamos no pântano profundo e sombrio da depressão. O narcisismo natural nos torna seres das quais os demais animais estão livres exatamente por não terem uma consciência individual, abstrata posto que inseridos automaticamente na inconsciente natureza, na ordem da generalidade e imersos no anonimato.

 

Segundo Becker, os adultos reproduzem um comportamento que aparece com maior nitidez, nas crianças, que é o desejo de afirmar-se como centro do universo, reconhecido e admirado por todos, a pretensão em ser o primeiro e o único, competindo por privilégios e atenções.

 

Tal carência da psiquê humana corresponde a um estatuto ontológico desejável, o que o autor nomeia de significância cósmica, que corresponde a um sentimento oceânico de ser parte dos planos da criação dotado de relevância e valor absolutos.

 

Um dos conceitos fundamentais para compreender o dilema existencial do homem é o conceito de heroísmo. Para Becker, esta é uma das verdades vitais que, mesmo sendo há muito tempo conhecida, nunca foi devidamente colocada como conceito central.

 

Para desenvolver a questão do heroísmo, Becker nos apresenta a ideia de narcisismo. Aliás, a conceituação de narcisismo traz um leque de acepções acerca do termo, desde distintas abordagens pioneiras e originais de Freud até as atuais, que são providas de autores de diferentes correntes psicanalíticas, em diferentes épocas e latitudes.

 

Becker fará referências ao narcisismo ligando-o a uma fase evolutiva, como no caso Schrever[5], de Freud, ou como é concebido na atualidade por muitas correntes psicanalíticas, as quais enfatizam a etapa primitiva da fusão simbiótica do bebê com a mãe, em um estado de indiscriminação e especularidade.

 

O grande estilo de Becker ao descrever o narcisismo humano em bases biológicas, ou melhor, salientando e expondo a sua natureza animal, citando a evolução, o instinto de preservação dentro do organismo que, através de incontáveis eras, aprendeu a lutar contra a violação de sua integridade, gerando uma identidade físico-química associada a um senso de poder e atividade confiante.

 

Este senso de valia própria é o que denominamos de autoestima que no homem se dá de forma simbólica, através do narcisismo humano se alimentando de símbolos, sua ideia abstrata de si mesmo sendo suportada por sons, palavras, imagens, no ar, na mente e no papel.

 

O que o homem mais precisa é se sentir seguro em seu amor-próprio. É neste sentido que o natural anseio do homem pela atividade e expansão orgânicas pode ser sustentado, ilimitadamente, no rei dos símbolos e, com isso, passar à imortalidade, isto é, incorporar a eternidade em si mesmo sem mover um membro físico, pois o mundo está dentro do homem, um organismo solitário.

 

Somos um animal mortal, de infância extensa que tem produção simbólica. Todas as religiões da história humana se dedicavam ao problema do paradoxo existencial, como suportar o fim da vida. E, religiões[6] como o hinduísmo e o budismo realizavam o truque engenhoso de fingir não querer renascer, que é uma espécie de mágica negativa: alegar que não quer aquilo que mais se quer. Quando a filosofia assumiu o lugar da religião, também assumiu o central problema da religião, e a morte tornou-se a autêntica musa da filosofia, desde seus primórdios na Grécia até Heidegger e o existencialismo moderno.

 

De qualquer modo, além de expressar um problema pedagógico ou cultural, conduzido por educação adequada, a grande necessidade ou significância cósmica é, segundo Becker um dado antropológico cultural, relacionado diretamente com o medo da morte e a firma percepção da própria nulidade na economia do universo.

 

Filosoficamente, Becker se baseia no fato de que o homem não possui uma “essência”, ou seja, algo fixado em sua natureza como uma qualidade ou substância peculiar especial, como postularam durante muito tempo a teologia ou a metafísica[7].

Ao se tentar encontrar essa suposta essência racional do homem, apenas nos deparamos com uma consciência angustiada, incorporada provisoriamente a fim corpo orgânico.

 

Becker enfatiza o dilema existencial humano que nomeia como uma condição de individualidade dentro da finitude. Assim se encontra dividido entre a finitude e a necessidade física do seu ser, e a dimensão da infinita possibilidade que temos com a consciência reflexiva, seu universo simbólico, sua capacidade de abstração e imaginação.

 

Sua inspiração principal em pensadores como Pascal e Kierkegaard nos leva a entender a condição paradoxal, pois temos uma consciência dilacerada, como sendo a causa do fardo experiencial humano.

 

Pois é incapaz de suportar o peso esmagador da realidade, que lhe parece indiferente e hostil aos nossos sonhos, esperanças e expectativas. O ego é formado em tensão com aquilo que Freud chama de princípio de realidade e, se desenvolve, desde cedo, as barreiras para impedir que a  aniquilação nos paralise completamente, tornando-os parte da cadeia alimentar e presas fáceis de predadores e outras ameaças e que está estruturado sobre camadas de proteção simbólica contra as contingências que tanto nos ameaçam.

 

Becker se recusa a aceitar que estejamos submetidos a uma realidade que o transcende e sobre a qual não tenha nenhum controle. O homem resta definitivamente dividido em dois, a saber: tem consciência de sua situação ímpar e de destaque na natureza, sendo dominador, porém, ao final, retorna à terra, uns sete palmos de terra para apodrecer e desaparecer para sempre.

 

O ego se constitui como defesa neurótica contra o desespero provado pela vontade da condição humana. Segundo Becker, o sentimento de si mesma é o medo, o homem, mesmo adulto, carrega em si, ainda escamoteado o terror profundo que a criança sente perante os mistérios e os perigos da vida.

 

É um covarde inveterado que se engana sobre suas forças e capacidades, da sua importância e valor, para não sucumbir ao completo desespero em um mundo que pode engolfá-lo a todo momento.

 

Np fundo, o homem se sabe frágil impotente, ignorante e sem a força necessária para se tornar o deus que desejaria ser. Em verdade, o ser humano não possui autonomia ontológica, recebendo do exterior suas ideias, crenças e valores e, também os significados e até sua identidade mesma.

 

O problema da negação da morte leva Ernest Becker ao encontro ao filósofo dinamarquês Kierkegaard que produziu importantes ensaios sobre o problema existencial da morte.

 

A premissa de Kierkegaard[8] para o problema da consciência da morte é o mito bíblico da Queda que, aponta para o paradoxo existencial que é comum tanto na psicologia como na religião.

Afinal, a angustia da morte é a mais intensamente humana.

 

Estudiosos em Psicologia e ciências afins apontam estratégias para manter a saúde mental em meio à atual pandemia de covid-19. É verdade que a população mundial enfrenta de forma geral um medo devido à possibilidade de morrer após o contágio do vírus e um agravamento de sintomas, algo reforçado constantemente, conforme se registra o expressivo número de mortos que vem aumentando.

 

O medo que desenvolvemos do vírus é algo natural sendo impossível de ser evitado. E, o lado positivo do medo está justamente em cuidar da vida, não se colocando em situações de risco. Já o lado negativo se dá quando o medo causa muito sofrimento e, até impede a continuidade da vida.

 

Há de se alertar que se trata de uma situação inédita e assustadora e, devido ao isolamento, gera sensações como o receio de perder o emprego ou oportunidades relevantes na vida, ou mesmo perder relações afetivas.

 

Apesar de ser importante se manter bem informado através de meios de comunicação confiáveis, deve-se se evitar o excesso dos noticiários pois pode gerar maior pavor e ansiedade.  O essencial é manter uma rotina dentro de casa, mas também buscar novos projetos para preencher o tempo vago pelo isolamento social.

 

Também com a telemedicina e telepsicólogo é possível obter ajuda profissional pela internet e aliviar a pressão emocional provocada pelo isolamento.

 

Afinal, é preciso encarar o medo e compreendê-lo. Já com relação à angústia, o melhor e recomendado antídoto é a palavra. Leandro Karnal apontou novas possibilidades no estoicismo[9], um ramo da filosofia que entende que as emoções destrutivas são derivadas de julgamentos equivocados do ser humano. In verbis: “Ninguém deve ter medo da morte porque você nunca vai se encontrar com ela. Os estoicos são muito bons para serem lidos nessa época”.

Referências

BECKER, Ernest. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro: Editora Record, 1973.

KIERKEGAARD, S. A. O Desespero Humano (Doença até a morte). In: Monteiro, A.C. (trad.). Os Pensadores. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1979.

KIERKEGAARD, S. A. Temor e Tremor. In: Monteiro, A.C. (trad.). Os Pensadores. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1979.

KIERKEGAARD, S. A. O conceito de angústia. Petrópolis: Vozes, 2010.

KIERKEGAARD, S. A. Migalhas Filosóficas: ou um bocadinho de João Clímacus. 2ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

FARAGO, F. Compreender Kierkegaard. Petrópolis: Vozes, 2006.

SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do amor, metafísica da morte. Tradução Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

______________. O mundo como vontade e como representação. Tradução Jair Barboza. São Paulo, Editora da Unesp, 2005

Notas de rodapé

[1] A Psicanálise foi criada pelo neurologista austríaco Sigmund Freud, com o objetivo de tratar desequilíbrios psíquicos. Este corpo teórico foi responsável pela descoberta do inconsciente – antes já desbravado, porém em outro sentido, por Leibniz e Hegel -, e a partir de então passou a abordar este território desconhecido, na tentativa de mapeá-lo e de compreender seus mecanismos, originalmente conferindo-lhe uma realidade no plano psíquico. Esta disciplina visa também analisar o comportamento humano, decifrar a organização da mente e curar doenças carentes de causas orgânicas.

[2] Existem muitos mistérios a respeito da evolução do homem e, a razão para nosso nariz de formato inusitado é um deles. Outro mistério do animal humano é a nudez, ou nossa aparente nudez.

Diferentemente dos antropoides, não somos cobertos por uma capa de pelos espessos. O pelo do corpo humano é abundante, mas extremamente fino e curto, de modo que, para todos os fins práticos, estamos nus. Provavelmente, isso tem algo a ver com a segunda característica interessante de nosso corpo: a pele é copiosamente coberta por milhões de microscópicas glândulas sudoríparas.

A capacidade do animal humano de suar é inigualada no mundo primata. Isto quanto a nossa aparência; e quanto ao comportamento do animal humano? Nossos membros superiores, liberados de ajudar na locomoção, possuem um alto grau de habilidade manipulativa. Parte dessa habilidade repousa na estrutura anatômica das mãos, mas o elemento crucial é, sem dúvida, o poder do cérebro.

A comunicação é um traço vital de todo o mundo animal. Insetos sociais como as térmitas possuem um sistema de comunicação que é, sem dúvida, essencial para seus trabalhos complexos: sua linguagem não é verbal, mas se baseia na troca de substâncias químicas entre os indivíduos e em certos tipos de sinalização com o corpo. Para o animal humano, a linguagem corporal é ainda muito importante, mas a voz passou a ser o canal principal para o fluxo de informações.

Diferentemente de qualquer outro animal, temos uma linguagem falada, a qual é caracterizada por um amplo vocabulário e por um complexo estrutura gramatical. A fala é um meio sem paralelos para a troca de informações complexas. E também uma parte essencial das interações sociais da mais social de todas as criaturas: o Homo sapiens sapiens. In: LEAKEY, Richard E., A evolução da humanidade, São Paulo, Melhoramentos, 1981, pp. 18-20.

[3] A Negação da Morte (em inglês: The Denial of Death) é uma obra de 1973 sobre psicologia e filosofia por Ernest Becker, em que o autor se baseia nos trabalhos de Søren Kierkegaard, Sigmund Freud, Norman O. Brown e Otto Rank. Recebeu o Prêmio Pulitzer de Não-Ficção Geral em 1974, dois meses após a morte do autor.

Assim, esses projetos de imortalidade são considerados um fator fundamental para o conflito humano, como em guerras, fanatismo, genocídio e racismo. Outro tema ao longo do livro é que os “sistemas de heroísmo” tradicionais da humanidade, como a religião, não são mais convincentes na era da razão. No entanto, ele argumentou que a perda da religião deixa a humanidade com recursos empobrecidos para ilusões necessárias.

A ciência tenta servir como um projeto de imortalidade, algo que Becker acredita que nunca poderá fazer, porque é incapaz de fornecer significados agradáveis e absolutos para a vida humana.

O livro afirma que precisamos de novas “ilusões” convincentes que nos permitam nos sentir heroicos de maneiras agradáveis. Becker, no entanto, não fornece nenhuma resposta definitiva, principalmente porque acredita que não existe uma solução perfeita. Em vez disso, ele espera que a percepção gradual das motivações inatas da humanidade, a saber, a morte, possa ajudar a criar um mundo melhor.

[4] Ernest Becker dedicou-se à compreensão da condição humana afirmando ser o medo da morte a instalação do terror as bases psicológicas do homem.  A partir dessa constatação, produziu um trabalho constituído por revelar uma síntese de pensamentos com base na filosofia kierkegaardiana, na psicanálise freudiana e de seus colaboradores, destacando Otto Rank e a uma visão darwinista evolutiva caracterizando sua interdisciplinaridade.  Acreditava ser necessária a percepção do ser e da sociedade para a base geradora de conhecimento verdadeiro na descrição da motivação que nos leva à nossa condição.

Para tanto, sugeriu ser o medo da morte e a sua negação fatos fundamentais universais para toda atividade da vida humana, e o heroísmo produzido a partir desse medo, é o principal problema humano. Usa como ponto de partida a problemática do heroísmo na sociedade contemporânea e mostra a negação da finitude na cultura moderna.

Assim, na busca pela transcendência, a humanidade cria símbolos que a distancia, cada vez mais, da percepção da sua realidade enquanto espécie. O mal aparece devido ao surgimento da violência e da aniquilação humanas, que nascem dessa dinâmica de negação da mortalidade.

[5] O caso de Daniel Paul Schreber foi um dos casos mais emblemáticos de Sigmund Freud, já que o pai da psicanálise nunca teve um encontro com Schreber. Sua análise sobre o caso foi publicada em Notas psicanalíticas sobre um relato de paranoia em 1911, depois da leitura do livro de Schreber, Memórias de um doente dos nervos (1903). Daniel Schreber nasceu em julho de 1842 em uma renomada família alemã.

O seu pai, Daniel Gottlieb Schreber ganhou notoriedade com teorias educativas muito rígidas e baseadas na ginástica, ortopedia e higienismo. O seu objetivo era criar um novo homem. Em 1884, Daniel Paul Schreber apresentou sinais de distúrbios mentais. Schreber ocupava uma posição de destaque, sendo presidente da corte de apelação e renomado jurista. Seu distúrbio ocorreu após a sua derrota para ser candidato do partido conservador. Sendo tratado pelo neurologista Paul Flechsig foi internado duas vezes.

Em 1893, Schreber foi promovido a presidente do tribunal de apelação de Dresden. Sete anos depois foi interditado e teve os seus bens colocados sob tutela. Após isso escreveu o seu livro, Memórias de um doente dos nervos que foi lançado em 1903.

Em seu livro, Schreber apresenta um sistema delirante de uma pessoa perseguida por Deus. Seu discurso apontava para uma existência terrível: sem estômago, laringe, perseguições de pássaros etc. Ele se transformaria em uma mulher que engravidaria de Deus. (In: Roudinesco, E. & Plon, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.).

[6] O budismo nega o eu eterno. Os seres morrem e renascem abandonando a ideia do que foram. Buda dizia que o corpo morto é uma carroça quebrada e não se deve arrastar uma carroça quebrada, ou seja, devemos nos desapegar dessa forma. O budismo japonês não nega nem afirma categoricamente esse processo.  Já o candomblé compreende diversas vertentes. Respondo pelo candomblé contemporâneo, que agrega conceitos de filosofia, psicologia e tradições orientais.

Sob tal perspectiva, se o indivíduo leva uma vida imbuída de verdade, o pós-morte será uma extensão de suas ações, portanto, uma passagem confortável, sem julgamentos.  Tal passagem pode ser facilitada também pela influência dos orixás – entidades que representam o vento, o mar, a mata e assim por diante – e que lhe servem de guias espirituais. Acreditamos no processo evolutivo da reencarnação e na existência de reinos espirituais, para onde se encaminham os mortos, dedicados a cada tradição religiosa.

O fundamento da fé na ressurreição se encontra no fato de Deus ter ressuscitado seu filho, Jesus. Morrer e ser ressuscitado significa chegar a uma ampliação plena da cognição, de tal maneira que, só na morte, a pessoa tenha a possibilidade de conhecer, com clareza total e absoluta, o significado e as consequências de sua vida vivida, no nível individual, socio-estrutural, histórico e cósmico. De acordo com a doutrina espírita, o espírito – a essência do ser – continua vivo depois da morte, que só atinge o corpo. O que encontramos do outro lado reflete o que realizamos na Terra. É uma consequência justa, baseada no merecimento.

Desencarnação é o processo de libertação do espírito. No entanto, este pode ficar apegado a dores, paixões, vícios, materialismo, preocupações. Os muçulmanos acreditam que todos nascem puros e inocentes, com uma beleza inata e a capacidade de progredir e adquirir conhecimento. No entanto, possuímos o livre-arbítrio. Ao mesmo tempo em que temos uma tendência natural para o bem, somos livres e capazes de crueldade e injustiça.

Sendo assim, quem professa a fé islâmica será responsabilizado por todos os seus pensamentos e ações no Dia do Juízo, quando o mundo será enrolado como um pergaminho e todos serão julgados por Deus. Aqueles que apresentarem bons atos serão recompensados com o paraíso, os outros irão para o inferno – conceitos puramente metafóricos. A verdadeira natureza do céu e do inferno só é conhecida por Deus.

A crença no Dia do Juízo significa que a morte não é o fim da vida, mas um portal para a vida eterna. Portanto, os muçulmanos percebem o tempo como sendo contínuo, desse mundo para o próximo; e o tempo passado aqui moldará a natureza do tempo eterno.

Em suma, a salvação – neste mundo e na vida depois da morte – está em praticar boas obras e promover tudo o que seja nobre, justo e digno de louvor.  Na Índia, quando uma pessoa morre, seu corpo é levado pelos parentes para o Rio Ganges. Lá ocorre a cremação, num ritual repleto de detalhes. Para os indianos, a pessoa não é o corpo, mas a alma, que parte para outra dimensão.

 

Por isso, cantam e festejam. Dependendo do mérito conquistado em vida, o espírito passará um período no loka – uma espécie de céu. Esgotadas as credenciais, tem de retornar à instância física.

No trajeto, assimila o que necessita vivenciar na próxima estada – o espírito percorre as dimensões mentais e emocionais e vai conhecendo os desafios que terá de enfrentar na vida nova. Nasce, portanto, imbuído da missão que vem cumprir na encarnação atual, resgatando uma parcela dos erros cometidos no decorrer das vidas anteriores. E regressa para as famílias alinhadas a seu mérito (ou demérito) espiritual, mental e emocional.

Almas evoluídas nascem na mais alta casta, a dos brâmanes, representada por sacerdotes e filósofos. O grupo logo abaixo cai na casta dos xátrias, composta de guerreiros e políticos. As almas menos nobres vão para a casta dos comerciantes, os vaishas, e, por último, para a casta dos trabalhadores, os shudras.

Quando a alma atinge um patamar espiritual elevado e consegue finalmente se desapegar do mundo material, mental e emocional, passa a ter um entendimento perfeito das coisas, sem ilusões. Aí não precisa mais encarnar. A grande maioria dos indianos aceita essa sina plenamente. Entende que está onde está por mérito e, se ascender, passando por todas as instâncias no decorrer de sucessivas encarnações, haverá uma grande ordem social. Do contrário, imperará a desordem.

O judaísmo prega que todos os mortos serão ressuscitados na Era Messiânica (quando o Messias chegar à Terra). Mas a ideia da reencarnação também está presente nos livros judaicos, embora os rabinos falem muito pouco sobre ela.

Para a cabala – conjunto de princípios espirituais anterior às grandes religiões monoteístas -, a alma é imortal. Antes de nascer, assinamos uma espécie de contrato por meio do qual nos comprometemos a enfrentar determinadas situações desafiadoras que podem trazer tristezas e dificuldades, provações que contribuem para nosso aperfeiçoamento.

Quando morremos, revisamos o que fizemos ou não na Terra antes de estar aptos a retornar. Há três níveis de alma que vão pouco a pouco se alojando no corpo. O mais “baixo”, chamado nefesh, entra primeiro; o intermediário, ruach, aos 12 ou 13 anos; e o mais elevado, neshama, aos 20 anos.

[7] Aliás, o discurso sobre a morte na filosofia de Arthur Schopenhauer procurou mostrá-la sob dois pontos de vista, a saber: o da representação (ponto de vista objetivo) e o da vontade (ponto subjetivo), onde o filósofo pretendeu defender a tese da indestrutibilidade de nossa essência. O pensador procurou cogitar sobre a rejeição do suicídio e da aparente consolação que marcaria sua metafísica da morte.

Schopenhauer procura ilustrar esta ideia com a metáfora do pôr-do-sol: temos a impressão que o grande astro desaparece diariamente no horizonte, mas é mera aparência, pois ressurge com o mesmo vigor no dia seguinte – a metáfora, acusa o filósofo, fora plagiada por Goethe.

[8] “Morrer constitui um dos saltos mais notáveis que possa haver”, afirmou Kierkegaard. Conforme afirmou Maurice Blanschot: “Se é verdade que a experiência da morte atravessa a existência humana do início ao fim, talvez, a morte ao nosso alcance seja o que torna a vida possível, o que propicia ar, espaço, movimento e alegria. Para Kierkegaard, também, a morte talvez seja esta possibilidade.

Para Kierkegaard a morte não se confunde com uma passagem ou com um episódio. Pelo contrário, a morte envolve um processo que acompanha o homem durante todo o seu curso vital e que implica uma esperança que a própria vida não comporta: o “morrer para o mundo”. Kierkegaard enunciará duas visões de morte.

A da morte ontológica, que surge a partir da desestabilização da síntese que constitui a natureza humana e que necessariamente conduz à vida angustiada, presa na falta de ser e que persevera na busca desenfreada de uma cura impossível. E ada morte existencial, que implica a morte para o mundo, a morte que permite tornar-se o que se é. “Morrer para o mundo é o remédio”.

[9] Há uma carta ensina como desenvolver a calma mental e rejeitar o medo da morte. Sêneca começa comparando um homem que se torna sábio com um rapaz que atinge a maioridade.

Diz que é igualmente tolo desprezar a vida e temer a morte, e a tranquilidade pode ser alcançada aprendendo que não há motivo para temer a morte, que está sempre conosco. Memento mori é uma expressão latina que significa algo como “lembre-se de que você é mortal”, “lembre-se de que você vai morrer” ou traduzido literalmente como “lembre-se da morte”.

Temer à morte seria a mais profunda contradição humana já que também não aguentaríamos o fardo da imortalidade (própria aos deuses): ciclos sucessivos de dor, sofrimento, perdas de entes queridos, doenças crônicas e toda espécie angústias que assombram o homem em vida. Desse modo, o aprender a morrer é parte integrante do saber-viver.