A misoginia ainda vigente
Analisando as origens helênicas da misoginia, perpassando pelo repertório ideológico e literário que a cultura romana nos legou, pode-se observar que no cristianismo nascente e a herança judaica presente na Bíblia se relacionam com a retórica clássica da misoginia e o mito de Pandora que é sistematicamente misturado com o de Eva.
Em inúmeras civilizações deu-se a desvalorização e o vitupério da mulher, afinal, a origem dessa prática situa-se no berço da civilização ocidental. Foi Antípatro de Tarso[1], um filósofo estoico que introduziu a palavra misoginia[2] para designar o desagrado e a desconfiança pelas mulheres, e o fez, curiosamente numa obra onde defendia o casamento (150 a.C.) Nem o aparecimento de considerações misóginas coincidira com o silêncio oficial da mulher que está repleto de ambiguidades e exceções.
Refletindo sobre as atitudes misóginas, particularmente, quanto às causas, Cícero definira com clareza nas Tusculanae Disputationes como em Codium Mulieris quando chegou classificá-la como aegrotatio animi, uma doença do espírito equiparável as outras doenças que poderiam parecer mais graves, tais como a misantropia, a negação da hospitalidade.
E, Cícero chegou a afirmar que entre tais doenças do espírito humano está o medo de coisas das quais se foge e odeia, in litteris: omnes aegrotationes animi ex quodam metu nascuntur earum rerum quas fugiunt et oderun[3].
O grande orador, filósofo e político romano Cícero não foi o primeiro nem o único a pensar desta maneira que era afinal resultante de análise racional da questão. Aliás, Cícero relatou que os gregos consideravam a misoginia como causada pelo ginofobia, isto é, o medo das mulheres. Tais como outras doenças como o desejo de glória, a paixão pelas mulheres que os gregos denominavam de philogyneia.
Porém, foi exatamente na Grécia Antiga que se ergueram os primeiros alicerces da razão e da então incipiente ciência que durante séculos iluminou a humanidade e, trouxeram também os tópicos fundamentais do retrato negativo da mulher que gozou de porvir florescente, sendo em suma, uma criatura frágil, irracional, luxuriosa, instável, perversa e ignorante.
Assim, o discurso misógino grego fora confirmado e continuado pelos romanos e, ainda, fora fortalecido pela auctoritas de sábios de outras origens culturais e religiosas, nomeadamente a judaico-cristã. Mesmo a aparente hostilidade do paganismo não impediu que a então nova ideologia prevalente de ser profundamente influenciada pela cultura clássica, a ponto de tais tradições se confundirem.
Observa-se que as figuras de Pandora[4] e Eva, além de mitos que simbolizam bem a misoginia traz o peso do masculino no mundo clássico e no mundo judaico-cristão, exemplificando tanto a influência da cultura clássica como a judaico-cristã no cenário cultural ocidental[5].
Homero, o primeiro autor grego conhecido, cristalizou, no século VIII a. C., e com o olhar do seu tempo, no fascinante ambiente da Grécia Micênica de quase meio milénio antes, a idealização sobre a mulher. Tanto que no mundo de Ulisses onde se combatia dez anos por uma mulher e, se errava pelo Mediterrâneo outros tantos dez anos para regressar aos braços de uma esposa, a misoginia não transparece.
Afinal, homem e mulher equiparavam-se na forma como são joguetes dos caprichos dos deuses, num tempo mítico em que mortais e imortais se misturavam. Num duelo poético e lírico.
Ainda assim, aparecem a fragilidade e a impotência da mulher em face da brutalidade dos heróis, lembremos os kakà érga de Aquiles[6], sedentos de glória e poder e dominados pelas paixões mais abjetas, eram gritantes: recorde-se a causa da ira de Aquiles[7] (Ilíada, I, 180-187), tema da Ilíada, e a angústia de Heitor perante o futuro de Andrômaca (Ilíada, VI 450-465).
Homero foi habilíssimo ao expor os excessos masculinos, quer para transformar suas personagens femininas em autênticas deusas, seja para imortalizá-las como símbolos dotados de diversas virtudes e sentimentos tão genuinamente humanos e intemporais que permanecem em emocionar os leitores mesmo depois de três milênios.
Na obra “Odisseia”, Penélope simboliza além da beleza, ciência doméstica e fidelidade, a sensatez absoluta e a inteligência astuta conforme admite o pérfido Antínoo[8]. Já em “Ilíada[9]“, Andrômaca protagoniza as primeiras representações de afeto e da dor humana pungente.
Homero, como autor sempre cortês, não criticava diretamente as mulheres mesmo as aparentemente fossem culpadas como Helena, antes apontava sublinhando a beleza espantosa que tornava irresistível e, ainda, sua dimensão de vítima dos caprichos dos deuses.
Foi na obra “Odisseia” que o poder da mulher é mais ostensivo e, Ulisses estando não tanto à mercê da ira de Poseidon, quanto também aos caprichos das deuses que o tentam reter, como é o caso de Atena que o guia e o protege, chegando a infundir-lhe beleza para que caia nas graças das mulheres, sua incansável errância resultado do desejo de voltar para Penélope[10], cuja mortalidade é mais fascinante que as ofertas da magnífica Calypso[11], a esplendida Nausícaa e de sua poderosa mãe, Aretê, que é realmente manda no reino. Enfim, é Penélope que nos seus próprios termos, testa e aceita Ulisses, mesmo depois de sua brutal exibição de força no massacre dos pretendentes.
O mundo homérico e os seus belos mitos sofreram numerosas alterações e interpretações na posteridade. Os poetas e autores seguintes, sobretudo os trágicos, elaboraram novas versões e interpretações de acordo com o gosto pessoal e as preocupações do seu tempo. O helenismo construiu paródias e atomizou as análises, culminando numa teia complexa e confusa, apenas dominada por mitógrafos envolvidos em discussões herméticas.
Algumas das personagens homéricas tal como Helena serão sujeitas a juízos pouco favoráveis, mas o seu poder evocativo, continua a despertar interpretações renovadas e inéditas, provando a inesgotável riqueza do divino aedo. Não deixa, entretanto, de ser curioso que o Ulisses de Eça de Queirós seja muito mais machista que o original . Vide http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/eca4.pdf
Dez anos tinham passado desde que Ulisses partira para a guerra de Tróia, da qual saiu, finalmente, vencedor. Porém, a sorte não tardou a findar pois, lamentavelmente, enquanto partia para a sua terra natal, o seu destino o arrastou (após inúmeras peripécias) para uma ilha praticamente deserta. Permanecera na ilha por sete anos. Era uma ilha que transbordava uma natureza em perfeita sintonia e harmonia, de uma beleza, paz e tranquilidade infindáveis e inefáveis.
Nesta reinava uma das cinquenta nereidas, Calypso, e algumas ninfas. No entanto, o descontentamento de Ulisses era notoriamente sentido: passava longas horas a divagar, sentado numa rocha, a invejar os valorosos guerreiros que pereceram nas batalhas a que ele resistira, e para sempre ficaram marcados nas memórias do homem e dos deuses, dos quais ele fora esquecido e abandonado.
A sua vida consistia em monótono ciclo de eventos, onde tudo lhe era concedido abundantemente tanto em quantidade como em qualidade. Um dia aparece Mercúrio (Hermes), o mensageiro dos deuses. Transmitiu-lhe um recado de Júpiter (Zeus) a Calypso que a obrigava a libertar Ulisses.
Face ao deus dos deuses (Zeus), Calypso obedeceu incontestavelmente. Esta entregou a Ulisses um machado de bronze e indicou-lhe as árvores propícias para a construção duma jangada. Ao quarto dia, a jangada tinha sido construída e abastecida de mantimentos. Ulisses parte da ilha para tentar regressar a Ítaca.
A história registra que entre o século VIII e VII antes de Cristo ocorreram na sociedade grega grandes mudanças que acarretaram um afastamento radical do mundo de Ulisses pois que deixara de ser possível ir para guerra por causa de uma mulher. O grande arauto da mudança foi Hesíodo, um camponês da Beócia que renegava a sociedade aristocrática e heroica de Homero e, também, as poderosas mulheres.
E, pela primeira vez se fez patente o medo masculino em face do fascínio inexorável que as mulheres exerciam sobre a força e a razão. E, Hesíodo verbalizou tal pavor de viés inconsciente, além de caracterizá-las como desavergonhadas, manipuladoras, mentirosas, interesseiras e curiosas…
E, assim, os homens se enxergavam como zangãos predatórios que tanto atormentavam o sofredor abelha-homem (Teogonia[12]), apresentou as mulheres como irresistivelmente sedutoras, pela beleza e comportamento, pela palavra diante do indefeso homem. E, tem uma justificação imbatível, pois tal poder lhes foi dado pelos deuses.
Hesíodo não se cansava de repetir a mulher é um belo mal (kalón kakón) disfarçado de bem (Teogonia, 585; Os trabalhos e os dias, 83) acima de tudo, uma praga contagiosa para a qual o homem não está preparado. E, pior: a segunda parte do castigo de Zeus é ser igualmente impossível viver sem ela (Teogonia 602-605).
O impacto de Hesíodo vai além de um retrato negativo da mulher, pois criou um mito sobre a criação da mulher que a diferenciou do homem e, ao denominá-la como outra estirpe ou raça, foi mais longe ao subverter os mitos antigos, de índole matriarcal, sobre benfazeja deusa Pandora e atribuiu-lhe a responsabilidade de sofrimento humano, quer devido à sua própria existência, quer pela curiosidade insaciável que a leva a soltar todos os males contidos no vaso que trazia de presente.
Eis que o novo mito assinalava a dimensão mitopoiética na sua realização máxima e terá repercussões extraordinárias fora do paganismo, é apresentado em duas versões com pequenas variações em “Os trabalhos e os dias” na Teogonia.
O ponto de partida de ambas é a vingança de Zeus que furioso por ter sido enganado por Prometeu que conseguira arranjar forma de lhe roubar o fogo, de modo a ajudar os humanos. A índole caprichosa e vingativa dos deuses antigos é patente, cegando o deus supremo ao ponto de dar gargalhada que todos estamos habituados a associar aos vilões tipicamente caricaturais, quando preveem o sucesso de um plano maléfico.
Em “Os trabalhos e os dias”, Zeus preparou uma praga que, paradoxalmente, será vista pelo homem como uma oferta agradável: “dar-lhes-ei um mal com que todos se vão regozijar em seu coração, ao rodear de amor o mal”.
É, portanto, desde o princípio, um engano. Zeus dá ordens precisas a Hefesto, Atena, Afrodite e Hermes. Hefesto forma uma jovem com barro e, Atena e outras deusas vestem-na e adornam-na irresistivelmente e, ainda, dá-lhe instrução em lavores.
Afrodite infunde-lhe sedução que causará dor ao homem, graça em torno da cabeça e o desejo irresistível e, mais, os cuidados que devoram os membros. Já Hermes transmite-lhe uma natureza desavergonhada e manipuladora, dotada de cínica inteligência e caráter volúvel.
O poeta insistiu repetidamente no poder da palavra, invocando mentiras e palavras sedutoras, insuflou-lhe a voz, mas aqui um verbo perverso, que brota paradoxalmente da divindade. Realça deste modo, a dimensão enganadora da fala feminina, só solucionável pela imposição do silêncio.
No final da construção da nova criatura, é-lhe atribuído o nome de Pandora, explicado pelo fato de todos os deuses terem contribuído com algo: é um dom de todos deuses (significado etimológico de Pandora), embora signifique uma ruína para os homens.
Pandora é oferecida por Hermes ao pouco perspicaz Epimeteu (etimologicamente, aquele pensa depois), que esquece a recomendação do seu previdente irmão Prometeu e aceita, rendido, o belíssimo dom. Com ela vem um outro presente: um pithos que era um jarro fechado[13], que não uma caixa, essa imprecisão foi resultante de um erro de tradução de Erasmo com tremendos efeitos na representação verbal e iconográfica do mito.
Pandora abre, ato contínuo, a tampa, deixando escapar os males a que a humanidade tinha sido poupada antes da entrada em cena da criatura maléfica e curiosa: fome, doenças, guerra, trabalho árduo, velhice… Restou a esperança, porque Zeus não a deixou sair, o que se presta a várias possibilidades interpretativas.
Ao final do período arcaico, deu-se uma mudança na cultura grega dotada de efeitos extraordinários, pois o pensamento mítico é substituído pelo domínio da razão e, a primazia de Homero como fonte de todo conhecimento fora ocupada pela Filosofia, abrindo-se enorme guarda-chuva que abrangia todas as áreas do saber, incluindo a ciência. O homem é o centro das preocupações intelectuais e morais e, a mulher é penalizada pela sua diferença em relação à nova medida de todas as coisas.
E, foi também afastada da posição central que ocupara como símbolo de beleza e causa de paixão. O amor grego se tornara a suprema forma de afeto. A concepção de filosofia do século V segundo a qual a contemplação da beleza masculina levava a emoções sublimes subalternizou ainda mais a mulher.
A extraordinária grandeza dos filósofos gregos teve efeitos profundos e, as suas ideias sobre a mulher, agora fundada numa alegada análise científica, ficarão gravadas por milênios. É o caso das célebres afirmações de Aristóteles sobre a inferioridade das mulheres em obras como o De Generatione Animalium ou História Animalium, títulos latinos que revelam muito sobre o impacto futuro.
Na seara literária, a preocupação pelo homem e suas circunstâncias afirmou a tragédia como a expressão artística fundamental e, apesar de as mulheres estivessem proibidas de representar, muitas das personagens principais eram femininas precisamente as encantadoras e infelizes heroínas, agora analisadas noutros pontos de vista.
Em verdade, a tragédia expõe as perspectivas morais sobre a mulher, principalmente mostrando os excessos que poderiam ocorrer, se não houvesse um forte controle legal e social sobre a mulher.
Durante a Grécia Clássica, particularmente sobre Atenas, a mulher era definida por oposição ao homem, sobretudo em três dicotomias, a saber: escravidão versus liberdade, incontinência versus autocontrole e apetites e emoções corporais versus racionalidade. Consequentemente, o homem era livre e cidadão, enquanto que a mulher era escrava das paixões e não usufruía de quaisquer direitos políticos, tendo ainda os direitos legais e econômicos reduzidos.
Na tragédia clássica, de acordo com Roger Just, os perigos femininos são enquadrados em dois aspectos fundamentais, a saber: o inimigo interno, manifesto na ferocidade vingativa que resulta da insegurança e da impotência (Eurípedes, Íon); passando pela excessiva expressão da dor e da fraqueza que ameaçam a cidade (Ésquilo, Sete contra Tebas); até à obediência a leis divinas que leva à desobediência às leis humanas e à desgraça (Sófocles, Antígona).
E a Selvagem Externa das figuras míticas monstruosas, normalmente femininas, às potnia theron (bruxas da Odisseia[14]), de matriz mediterrânea, passando pela loucura bárbara (Eurípedes, Medeia[15]), ébria (Eurípedes, Bacantes, Ésquilo, Menades) e amorosa (Eurípedes, Hipólito, Ésquilo, Agamnemnon).
A fora os dramas extremos e catárticos que aconselhavam o controle absoluto, na vida diária, a mulher acabava por assumir papel e um poder bem considerável. E, mais patentes em figuras como Aspásia e no relato de Iscômaco a Sócrates[16] no Oikonomicos de Xenofonte.
Porém, mesmo neste caso, mantém-se a perspectiva paternialista. Iscômaco, na linha do uso de inspiração hesiódica, casara, aos trinta anos, como uma jovem de cerca de quinze anos, saída diretamente do gineceu materno, depois a instruíra durante alguns anos até a deixá-la capaz de, na prática, tomar conta da administração da res familiaris, de modo a que ele se dedicasse complementasse à vida política.
Será com este mesmo paternalismo que quinhentos anos depois, os contemporâneos de Trajano apreciarão o seu casamento com bem jovem Plotina.
Observa-se que na obra “Teogonia” o relato é mais breve e enfatizou a construção do instrumento de vingança de Zeus em Hefesto e Atena que é a deusa dos olhos brilhantes que, apesar de ser mulher, saiu diretamente da cabeça de Zeus, sem qualquer intervenção feminina, o que não deixa de ser muito simbólico e semântico.
Sem nomear a bela criatura nem relatar o modo como ela chega aos homens, Hesíodo passa para a definição da mulher nos seus traços mais terríveis e, apresenta o segundo castigo com que Zeus puniu o homem: “se tentarem fugir à desgraça do casamento, morrerão abandonados e os parentes, antes indisponíveis, ficarão com os bens. Assim, a mulher consagra em ser um duplo castigo, porque se sofre com ela e sem ela”.
De fato, a grande e notável influência de Hesíodo na Grécia Clássica condicionou tanto a imagem como os direitos da mulher e, ainda, os costumes do casamento.
Era pacífico o entendimento sobre a necessidade de controlar totalmente a mulher, impondo-lhe o recolhimento e silêncio, para não poder exercer seus dotes de sedutora quer pela aparência, quer pela palavra e, tirando-lhe qualquer direito civil, para que não tivesse capacidade econômica e de intervenção pública. Pois era controlada por um tutor, o kyrios. Todavia, continua a ser a mulher a transmitir a linhagem dos cidadãos.
Ainda a partir da obra de Hesíodo, começaram a surgir escritos lapidares que vão constituir o repertório misógino que a posteridade levará até à caricatura.
O primeiro autor é o obscuro Semonides de Amorgos, poeta jâmbico que viveu na época resplandecente da era clássica. Dos fragmentos de sua obra é famoso Jambo das Mulheres, que retrata ambiente popular e jocoso bem típico da poesia jâmbica e, aponta uma lista de tipos e, portanto, defeitos femininos associados a um animal específico. A saber, porca, raposa, cadela, terra, mar, burra, gata, égua, macaca e abelha. In verbis:
Diferente o deus fez o caráter da mulher,
no início. Uma fê-la da porca de longa cerdas;
em sua casa tudo está repleto de imundice,
em desordem ou a rolar pelo chão.
Ela própria, suja, com roupas não lavadas,
sentada no meio do esterco, engorda. (Brasete, 2005)
Apesar de tudo, aparece um animal bom – a abelha, símbolo masculino para Hesíodo, correspondendo certamente a um tipo de mulher positivo.
Estudiosos afirmam a existência do retorno e da senda de Sócrates como um movimento senão feminista, pelo menos, defensor de certa igualdade de capacidade dos sexos. Tal perspectiva terá sido principalmente defendida por discípulos menos célebres de Sócrates, como Antístenes, fundador da escola cínica[17] e, Ésquines de Sfetos, grandes admiradores de Aspásia[18]. E, o apontado par filosófico modelo é constituído por Crates de Tebas e Hipárquia, pregadores itinerantes da escola[19].
Mesmo Aristóteles, mais tarde, acabará por valorizar o casamento como philia, encetando um processo que só no tempo de Plutarco atingirá o seu termo, equiparando-se ao eros. Nas artes plásticas com Praxíteles, a beleza do corpo feminino recomeça a ombrear com o masculino, num processo que só no tempo de Plutarco atingirá o seu termo[20].
No âmbito da tragédia, segundo as palavras de Medeia e do coro das Coríntias (Eurípedes) também assinalam algo quanto mais não seja, e à semelhança das famosas obras aristofânicas (Lisístrata e Assembleia de Mulheres) que a condição feminina era um tema relevante. Medeia[21], se bem que de credibilidade diminuída por ser bárbara e bruxa e estar fora de si tal como um leão (uma selvagem externa) ousou fazer um retrato objetivo da condição de mulher:
De tudo o que tem vida e pensamento, somos nós, mulheres, as criaturas mais miseráveis. Em primeiro lugar necessitamos, gastando mais dinheiro do que ele merece, comprar um marido e conceder um dono ao nosso corpo – mal ainda mais forte do que o outro. Quando a vida doméstica se torna pesada a um marido, ele vai procurar lá fora alívio para o seu coração e volta-se para um amigo ou camarada da sua idade. Nós, porém, não podemos ter olhos senão para um único ser.
Dizem que vivemos uma existência sem perigos, dentro de casa, ao passo que eles combatem com a lança. Pobre raciocínio! Antes queria lutar três vezes debaixo do broquel que dar à luz uma única vez. (Eurípides)
Mais à frente, assume que as mulheres eram por naturezas incapazes de praticar o bem, as Coríntias imediatamente lhe apontaram uma luz ao fundo do túnel da condição feminina. Os homens têm agora desígnios pérfidos, já não é duradora a fé jurada pelos deuses.
O nosso comportamento terá bom renome por um desvio de opinião. Virá um dia em que será honrado o sexo feminino: sobre as mulheres já não pesará uma fama injuriosa. (Eurípedes[22])
Finalmente o progresso na condição feminina que atravessa o helenismo e atinge o auge no século II da nossa era, é patente nos Moralia de Plutarco, nomeadamente nas Condutas meritórias das mulheres, um repertório de heroínas enquadráveis num continuum encetado por Homero.
Plutarco voltará (nas Histórias e em outras obras, como o Amatorius) ao tema da igualdade dos sexos no que diz respeito aos méritos. A άρετή é uma designação genérica que inclui uma série de virtudes: σύνεσις – inteligência ao serviço do bem; φρόνημα – nobreza de sentimentos; άνδρεϊος – coragem e valentia; φρόνησις – prudência; δίκαιος – sentido da justiça; φίλανδρος – fidelidade no amor; μεγαλόφρων – grandeza de ânimo; φιλάνθροπος – piedade/bondade.
Todavia, este feminismo do moralista de Queroneia continua muito fiel à concepção tradicional dos gregos sobre o que deveria ser uma mulher honesta: a reserva, a fidelidade e a bondade continuam a ser as suas virtudes cardeais.
A mulher pode apresentar virtudes masculinas como o sangue-frio, a inteligência (política, inclusive), mas só em circunstâncias excepcionais, pois são apanágio do homem. A atitude ideal da mulher, a mais conveniente à sua natureza é sobretudo mostrar modéstia e apagamento.
As atitudes misóginas persistiram ao longo da época helenística a partir de certos tópicos de poetas arcaicos: conforme a famosa citação de Menandro que coloca a mulher, o mar e o fogo no mesmo nível como três males, a saber: fragmenta cormicorum graecorum.
Mas a manifestação máxima, pela quase abjeção da personagem e sobretudo pelo enorme impacto na Idade Média[23] e no Renascimento, ocorrerá no tempo de Plutarco: são os oxímoros escritos pelo filósofo silencioso Taciturnus Secundus.
Eis algumas definições de mulher: “uma depravação que controla o corpo, uma leoa na vossa cama, uma víbora vestida, um castigo cotidiano, um entrave à tranquilidade, o saque da nossa vida, uma guerra muito dispendiosa, uma besta maldosa, um instrumento para procriação, um mal necessário”. Todas as frases do Taciturnus reinarão na posteridade e veio ecoar na Idade Média Ocidental.
O império do varão, ou imperium viri, quer do pai, do marido sempre permitiu pelo menos até ao século I antes do Cristo, um controle de vida e morte sobre a mulher. Como em Atenas, era cidadã que transmitia o direito de cidadão, mas gozava de posição mais elevada devido ao estatuto de matrona, que conferia sanctitas.
Por outro viés, a mulher romana não estava adstrita ao lar, mesmo com a imposição de um tutor, os seus direitos econômicos eram bem mais amplos que os direitos que existiam em Atenas.
Lembremos que a civilização romana era predominantemente moral e, apesar de sua beleza importante, institui-se um sistema de virtudes que correspondia ao ideal feminino de mulher segundo o estatuto mais elevado, o da matrona, a saber: grauitas (compostura e autoridade) e comitas (afabilidade), industria (fiar a lã) parsimonia, sobrietas são acompanhadas pela sanctitas (inviolabilidade), mas a mais importante eram as pudicitia/castitas (modéstia e castidade), conforme não se cansaram de assinalar Sêneca[24] e Juvenal[25].
A revogação da Lex Oppia[26] fora um crucial acontecimento na progressiva libertação da mulher romana em razão dos costumes dos maiores, demonstrou não apenas a surpreendente capacidade de mobilização cívica das matronas, como também quanto uma parte da elite romana que se preocupava com condição delas.
A crise de crescimento provocada pela transformação de Roma numa potência mundial, que terá seu clímax no século I antes de Cristo. E, com a derrota dos cartagineses, último rival na hegemonia do mediterrâneo, desapareceu por muito tempo, as causas da vigência das chamadas virtudes tradicionais: a guerra ad portas.
E, outra grande causa que se prendia com as riquezas imensas e as ideias novas tal como o epicurismo que as conquistas da Grécia e do Oriente helenizado trouxeram a luxúria assaltou-se e vingou o mundo vencido, concluirá o moralista na Sátira VI.
A nata da sociedade de Roma no século I a.C. foi povoada de mulheres[27] que garantiam a própria imortalidade graças à literatura latina, o que corresponderiam atualmente à mídia televisiva.
Os seus retratos, muitas vezes feitos por rivais políticos ou amantes despeitados, transmitem imagem libertina, tal como escandalosa como Clódia, musa de Catulo, individualista como Terência, a mulher de Cícero, conspiradoras como Semprônia, aventureiras com Fúlvia, inimiga implacável de Cícero. Enfim, obrigadas a parecer honestas como a segunda mulher de César, e sistematicamente caluniadas como a sua amante estrangeira Cleópatra[28].
Parecia que, ao mesmo tempo que o imperium viri, as virtudes traçadas pelo mos maiorum estavam em grande parte perdidas. No entanto, encontram-se também, e precisamente na família de Augusto que seria assombrada pela estrepitosa queda da sua única filha, Júlia, que arrastou ao exílio Ovídio, o doctor amoris, matronas ricas e influentes mas tradicionais nos costumes: Aurélia, mãe de César; a imperatriz Lívia Drusila[29]; Antónia, filha do notório Marco António; Octávia, mulher deste e irmã de Augusto.
As virtudes da matrona, associadas cada vez mais ao pensamento estoico e depois ao Cristianismo, persistirão ao longo dos últimos séculos do Império do Ocidente.
Algo paradoxalmente, a evolução no sentido do aumento dos direitos cívicos da mulher, que atingirá o auge no século II, vai resultar do esforço de restauração das virtudes tradicionais da família romana, ameaçada quer pela liberdade de costumes, quer pela baixa natalidade.
É disso exemplo o direito das mães de três filhos a deixarem de ter tutor (sui iuris), instituído por Augusto. Na época áurea do império, durante a dinastia dos Antoninos[30], as romanas livres gozavam de direitos civis mais amplos que as gregas.
Apesar de nunca terem obtido prerrogativas políticas, o direito de possuírem e controlarem bens avultados, depois de legalmente contornada a posição do tutor, permitiu a numerosas mulheres, sobretudo das franjas mais elevadas da sociedade, uma condição privilegiada – situação nada pacífica para alguns, como Juvenal atesta (Sátira VI, v. 457), e que acarretou perseguições.
Outra evolução ocorreu no nível relacional a partir do século II nos círculos mais elevados do paganismo, apesar das críticas cristãs quanto à suposta depravação típica do paganismo, verificou-se a criação do conceito de casal, com uma posição de igualdade partilhada por ambos os membros.
E, tal nova dimensão de casamento é visível numa inscrição em verso, datada de 384, dedicada a Vettius Agorius Praetextatus para Aconia Fabia Paulina, sua esposa por quarenta anos: “Paulina, companheira do meu coração, fonte de modéstia, laço de castidade e amor puro e confiança nascido no céu, a quem confiei meus segredos escondidos na minha mente; presente dos deuses, que unem o leito marital com laços de amizade e pudor”.
Mesmo assim os estereótipos misóginos persistiram e ainda persistem. Realmente nos primeiros séculos do Império Romano que encontramos as vozes mais impactantes transmitidas à Idade Média, que as estimou e adaptou com quase devoção à sua forma mentis, e redescobertas pelo Renascimento. Destacam-se, pela sua influência na posteridade, Ovídio[31], Sêneca, o Estoico e, Juvenal.
Quando cogita da mulher no Cristianismo trata de Eva e da exegese minuciosa das poucas linhas do Genesis[32] em que a mãe da humanidade aprece. É a Virgem Maria que de algum modo redime e compensa o alegado crime de Eva. Todavia, tal não foi suficiente para perdoar e esquecer.
A narrativa hebraica que possui as profundas origens da região da Mesopotâmia, o Genesis apresentava duas versões da criação. A versão iavista foi a preferida pelos primeiros exegetas e apresenta uma visão muito hierarquizada que, em conformidade com a sociedade do tempo, destaca o homem.
Adão é criado primeiro e tem igualmente a primazia no uso da palavra: é ele, o nomoteta, ou seja, quem nomeia todos os seres criados por Deus, e que nomeará a primeira mulher. A prioridade cronológica de Adão torna desde logo a mulher secundária; além disso, ele é que foi criado à imagem (imago) de Deus, sendo por isso, a substância, de natureza essencial.
Vários exegetas atribuem à mulher apenas a semelhança, ou seja, a similitude por ter sido retirada da costela de Adão, portanto, ela é uma derivação da substância, um acidente, associado à divisão, à diferença, à degradação. Assim, Adão é o espírito, Eva a matéria, a carne, a aparência sedutora e enganadora dos sentidos em linha com Platão, mas também com a Pandora de Hesíodo[33].
As diferenças na criação de homem e mulher levam, por exemplo, Fílon de Alexandria a considerá-la talvez com influência do mesmo mito uma outra raça. Todavia, contrariamente à Pandora, Eva é uma necessidade de Adão, a ajudante – mais um traço subalternizante – que ele e Deus consideravam imprescindível.
Se o contexto da criação já tornava Eva inferior a Adão, o seu papel na tentação da serpente torná-la-á responsável pelo pecado uma novidade que vai muito além do horizonte pagão de Pandora que expulsou a humanidade do Éden e a submeteu a todas as desgraças (o que, para Santo Ambrósio[34], nem foi tão negativo assim). A serpente escolheu-a por interlocutora o que a tornou instrumentum diaboli – por saber que era o elo mais fraco.
A tradição exegética fez até não muito transparecer a ideia de que Adão não estava presente e fora vítima inocente da sedução de Eva. Na realidade, ele assistiu, passivamente, ao diálogo em que Eva menciona a serpente e a interdição enunciada por Deus ao consumo dos frutos da árvore e, satisfeita a razão com a resposta e recebendo dos seus sentidos a certeza da bela aparência e comestibilidade do fruto, colheu, comeu e deu a Adão. Aliás, a descoberta da nudez ocorre em simultâneo, e é em conjunto que tentam remediar a situação.
Pelo relato cristão, a influência do mito de Pandora é tão profunda que autores como Dora e Erwin Panofsky defendem que “The Fathers of the church are more important for the transmission – and transformation – of the myth of Pandora than the secular writers; in an attempt to corroborate the doctrine of original sin by a classical parallel, yet to oppose Christian truth to pagan fable, they likened her to Eve.”[35]
Caso exemplar é Tertuliano, que chega a apontar no De corona Militis (7, 3), que a grande diferença entre Pandora e Eva[36] para além de a primeira ser um mito, residia no local onde eram postos os ramos: na cabeça em Pandora, enquanto que as folhas serviram para tapar as partes pudendas em Eva.
Se realmente houve um Pandora, a quem Hesíodo menciona como a primeira das mulheres, a cabeça dela foi a primeira a ser coroada pelas Graças, quando recebeu presentes de todos os deuses, donde o nome de Pandora (a que recebeu todos os dons).
Mas Moisés, um profeta e não -pastor, descreve-nos Eva, a primeira mulher, como tendo as suas vergonhas mais naturalmente cingidas com folhas do que as têmporas com flores. Pandora, portanto, não existiu. (De Corona Militis)
A fúria misógina de Tertuliano atinge o seu auge em textos como o De cultu feminarum, que pretende regular o comportamento e aparência das filhas de Eva e de que se reproduz infra um excerto em latim, para melhor se apreciar o efeito trovejante das repetições e aliterações: “Et Euam te esse nescis? Viuit sententia Dei super sexum istum in hoc saeculo: uiuat et reatus necesse est. Tu es diaboli ianua; tu es arboris illius resignatrix; tu es diuinae legis prima desertrix; tu es quae eum suasisti, quem diabolus aggredi non ualuit; tu imaginem Dei, hominem, tam facile elisisti; propter tuum meritum, id est mortem, etiam filius Dei mori habuit”. (Tertullien, De l’ornement des femmes, livre I, 1-2).
Tradução: A prática que você não conhece? Mas ele vive do gênero da opinião que neste mundo: Deus salve a dívida necessária. Você é a porta da frente do diabo; Você é uma árvore que desenrola; você é o primeiro desertor do divino; você é aquele pelo qual ele foi leal a você, aquele a quem o Diabo não foi capaz de comprometer; Você imagina o homem, tão facilmente enganado; Por causa do que você merece, que é a morte, até o filho de Deus teve que morrer. ” (Tertuliano, De ornement des femmes, Livro 1, 1-2).
Tertuliano[37] não admite a remissão da alegada culpa de Eva e afirma a inocência do homem, cuja força de caráter levou o Diabo a optar por abordar o elo mais fraco.
Ela seduziu o indefeso homem, traindo-o e atuando como instrumentum diaboli. Além de acusar Eva e todas as mulheres de terem cometido o primeiro pecado, desertando da lei divina e, lembremos que a deserção era crime capital, Tertuliano vai além: acusa a mulher de ser a causa da morte de Jesus Cristo[38].
Apesar de ser um texto mais dirigido para o cristianismo, Tertuliano glosa de algum modo o mito forjado por Hesíodo trazendo as metáforas iniciais, com a porta e o selo, apresentam semelhanças claras com a abertura da tampa do recipiente (pithos) de Pandora.
Mas o que impressiona mais nesta diatribe é a violência[39] do ataque à mulher, cujos ecos soarão ao longo dos tempos, ajudando a fixar palavras e linhas de pensamento.
O Cristianismo do final do Império Romano do Ocidente trouxe a convergência das tradições que partilham o pensamento misógino, potencializado em face da herança clássica na experiência dos doutores da Igreja. São Jerônimo[40] foi crítico feroz da mulher, que chama mais amarga que a morte, armadilha em que se deixa prender o pecador, o princípio de todos os males, através do qual a morte entrou neste mundo, almas preciosas dos homens.
Do mesmo modo, a herança do Cristianismo nascente apresenta avanços na condição da mulher, reconhecendo pelo menos a sua igualdade espiritual.
O âmbito individual é de fato de grande relevância: formadores de opinião como Juvenal e Tertuliano que na parte final da vida se tornou herético, afetados de misoginia[41] profunda, acabaram por ter um peso muito superior que pensadores como Plutarco[42] devido ao que agora se chama soundbyte[43], entrando com muita facilidade na cultura popular da Idade Média.
A misoginia assim como o patriarcado não são exclusividade de nenhuma religião. E, estão presentes em quase todas essas. Veja essa benção matinal judaica, in litteris: “Bendito és Tu Adonai, nosso Deus, Rei do Universo que não me fez mulher”. No budismo, exige-se que as mulheres tratem o filho como seu chefe e o marido como fosse seu deus.
As túnicas vermelhas e as cabeças raspadas dos monges de Mianmar são conhecidas em todo mundo, mas pouquíssimo se comenta sobre o grande número de monjas no país, atualmente estimado em mais de sessenta mil. Afinal, o que Buda pensava sobre as mulheres? Basta perceber que a ordem de monjas até recentemente não é plenamente aceita e reconhecida em muitos países.
Em nenhum dos três ramos do budismo asiático as mulheres têm igualdade em relação aos homens. No Theravada, a ordem feminina de monjas ficou extinta até recentemente e, ainda não é plenamente reconhecida em alguns países.
No budismo tibetano Vajrayana, a situação é parecida, com o Dalai Lama afirmando que a decisão de restabelecer a ordem feminina é da Sangha e, não dele pessoalmente. Mesmo no mahayana do leste asiático, onde a ordem feminina sobreviveu, porém, são geralmente os homens na liderança dos grandes templos e ou organizações.
Das grandes religiões tradicionais, as que concederam mais oportunidades religiosas às mulheres foram o Cristianismo e o Movimento Bhakta do Hinduísmo.
Mesmo assim, elas tiveram o direito apenas à santidade, ou seja, de se tornarem santas ou devotas exemplares, mas não o direito à ordenação ou à iniciação, portanto, nunca puderam se tornar sacerdotisas.
Por isso, ouvimos falar de santa Juliana de Norwich (1342-1416), de santa Teresa de Ávila (1515-1582), de santa Bernadette Soubirous (1844-1879) e de outras no Cristianismo. Também, de Andal (séculos VII e VIII a.C.), de Jana Bai (m.1350), de Mira Bai (1498-1547, de Sarada Devi (1853-1920) e de outras santas da tradição Sant Mat (Caminho dos Santos) na Índia.
O sacerdócio sempre foi um ofício de predomínio dos homens, porém, as antigas religiões da Grécia e de Roma ordenavam mulheres como sacerdotisas, como exemplos temos as Pítias (Dillon, 2002: 73-106) e as Virgens Vestias (Staples, 1998: 129-56 e Takacs, 2008: passim) respectivamente.
O hinduísmo é um conjunto de tradições repleto de deusas. Além das mais comumente adoradas (Durga, Kali, Parvati, Lakshmi, Saraswati, Mahadevi, etc.), existe também uma quantidade de deusas de adoração apenas regional espalhada por toda a Índia que, se então acrescida, torna o panteão incalculável.
Das grandes e expressivas religiões vivas, é a que mais conserva cultos às deusas. Existe uma corrente especialmente voltada para a adoração do aspecto feminino da divindade (shakti), o Shaktismo da tradição tântrica (Kinsley, 1987 e Bhattacharyya, 1987: 315-69).
Enfim, as devotas indianas compuseram poesias e canções devocionais (bhajans), praticaram austeridade e meditação, afirmaram terem alcançado experiências de transe místico, se tornaram santas e até deusas (exemplo: Andal), daí que hoje são adoradas por milhares de devotos, porém nenhuma foi ordenada como sacerdotisa.
Enfim, a vinculação feminina ao judaísmo, cristianismo bem como a outras religiões é um evidente sinal de mulheres que usaram a religião como meio para negociar seu próprio lugar na sociedade humana. E, mesmo que os espaços ocupados por estas não estivessem isentos de ambiguidades, elas souberam utilizá-los como marco de reflexão sobre seu valor pessoal e legitimar sua conquista de autonomia e de direitos.
Buscando uma conclusão no mínimo prosaica, inspirada em Botelho, o surgimento das novas oportunidades femininas dentro das religiões acena, em verdade, a um fato similar ao que expressa bem o dito popular: “fugir do espeto para cair na brasa”.
Referência
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[1] Foi um filósofo estoico, discípulo e sucessor de Diógenes da Babilônia na escola estoica, além de ter sido professor Panécio de Rodes. Muito pouco se sabe sobre sua vida, exceto que era discípulo e sucessor de Diógenes da Babilônia na escola estoica em Atenas. Plutarco comenta sobre ele com Zenão de Cítio, Cleantes e Crísipo de Solis, como sendo um dos principais filósofos estoicos. E, Cícero cita-o como sendo notável por sua perspicácia. Parece ter assumido a liderança durante a sua vida nas disputas constantes e recorrentes entre a sua escola e a Academia, embora seja dito que se sentiu tão desigual em argumento em comparado ao seu contemporâneo Carnéades em debates públicos, que ele se limitou a escrita. Concebeu silogismos de uma só premissa.
[2] Misoginia é o ódio ou desprezo pelo sexo feminino, trata-se de palavra de origem grega, sendo paralela a misandria e antônima de filoginia. A misoginia por vezes até se confunde com machismo ou androcentrismo que são fenômenos dos quais faz parte, mas são mais abrangentes e supraculturais, além de atemporais. Relaciona-se com crenças na inferioridade da mulher e a desconsideração de experiências femininas no ponto de vista masculino.
[3] Eles fogem de todas as doenças da mente, e daquelas coisas que nascem de um certo medo e do ódio. A misoginia seria o mais velho preconceito do mundo e Jack Holland argumentou que não há provas cabais de misoginia na mitologia do mundo antigo. Na mitologia grega acordo com Hesíodo, a raça humana já tinha experimentado, uma existência autônoma pacífica como um companheiro para os deuses antes da criação das mulheres. Quando Prometeu decide roubar o segredo do fogo dos deuses, Zeus fica furioso e decide punir a humanidade com uma “coisa má para seu prazer”. Esta “coisa má” é Pandora, a primeira mulher, que carregava um frasco (geralmente descrito-incorretamente como uma caixa), que lhe foi dito nunca aberto. Epimeteu (o irmão de Prometeu) é oprimido por sua beleza, ignora advertências Prometheus sobre ela, e se casa com ela. Pandora não pode resistir a espreitar dentro do frasco, e abrindo-o, ela libera para o mundo todo mal; de trabalho, doença, velhice e morte.
[4] A jarra (pithos) nada mais é que uma simples ânfora: um vaso muito grande, que serve para guardar grãos. Este vaso só fica cheio através do esforço, do trabalho no campo, seu conteúdo então simboliza a condição humana. Por consequência, será a mulher que a abrirá e a servirá, para alimentar a família. A mentalidade politeísta vê Pandora como a que deu ao homem a possibilidade de se aperfeiçoar através das provas e da adversidade (o que os monoteístas chamam de males). Ela lhe dá assim a força de enfrentar estas provas com a Esperança. Na filosofia pagã, Pandora não é a fonte do mal; ela é a fonte da força, da dignidade e da beleza, portanto, sem adversidade o ser humano não poderia melhorar.
[5] A mulher na Idade Moderna ocupava um papel que oscilava entre dois extremos, a saber: o da mulher ideal e religiosa ou da mulher subversiva que representava exatamente o mal encarnado na Terra. Porém, a figura mal vista e maléfica da mulher já era registrada desde a Bíblia, no Jardim do Éden, onde Eva fora a primeira a desobedecer a Deus ao comer fruto proibido e incitou Adão a quebrar a regra também, mostrando a figura do mal e instituindo o pecado e a desordem na sociedade. Em verdade, nenhum seguimento religioso da época poupava insultos ou culpabilidade sobre a figura da mulher.
[6] A morte é um problema dos vivos. E, na Antiguidade grega não era diferente. Ainda que o fim da vida fosse compreendido como alteridade por excelência, procurava-se modos de se lidar com esse delicado momento, sabendo que este outro deveria ser agregado ao corpo social. Ao analisar os ritos fúnebres e do seguir ou não as normas prévias estabelecidas na sociedade com relação à morte, evidencia a mediação existente entre a vida e a morte, os vivos e os mortos e os vivos e os deuses, funcionando tanto como um instrumento de coesão social quanto como um pretexto de exacerbação de tensões em meio a sociedade. Eles significavam uma honra necessária a ser prestada ao morto e, também, uma necessidade para o vivo. Não obstante, por ser um herói e, ainda mais, o maior dos aqueus, ele deve se redimir de suas faltas a fim de reaver seu estatuto heroico, mesmo que isso só ocorra ao fim da Ilíada. Inclinando-se à vontade divina, aos pedidos dos deuses e à súplica de Príamo, o Pélida concorda em devolver o corpo do inimigo troiano, iniciando ele próprio os cuidados merecidos ao morto. A partir disso, Aquiles consegue se livrar da sua condição de outro, redimindo suas kakà erga e conseguindo sua reinserção social. Segundo Redfield, a história de Aquiles é de um homem que em determinados momentos rompe com as normas de sua sociedade. Todavia, ao fim, ele é novamente incluído nesta e a validade de suas normas é a reafirmada.
[7] O herói grego enfrenta Agamémnon por causa de uma escrava troiana, a qual integrava o espólio de guerra. Na divisão destes bens, a serva cabe a Aquiles, mas o rei a toma para si. Este episódio provoca a ira de Aquiles, que se recusa a combater. Esta decisão enfraquece o exército grego e os troianos adquirem vantagens.
[8] Antínoo foi favorito e catamita (companheiro jovem ou pré-adolescente em uma relação de pederastia entre dois homens no mundo antigo) do imperador romano Adriano. Adriano era trinta e quatro anos mais velho que Antínoo (um adolescente), enquadrando-se a relação no modelo pederástico dos catamitas da Grécia Clássica, quatro séculos antes, da qual Adriano era admirador, embora tal prática não fizesse parte dos costumes romanos. Aparentemente a relação não gerou qualquer tipo de escândalo na altura. Em outubro de 130, durante uma visita ao Egito, Antínoo morreu afogado no rio Nilo, mas as circunstâncias em que o evento ocorreu são pouco claras. Poucas semanas após a morte de Antínoo, Adriano decretou a sua deificação. O imperador ordenou a construção de uma nova cidade perto do local da sua morte, Antinoópolis, no Alto Egito, perto de Hermópolis (atualmente o local é denominado Sheikh Ibada). A divindade tutelar da cidade era um deus sincrético, resultado da fusão de Antínoo com Osíris.
[9] Outro herói descrito na Ilíada como desviante dos códigos de conduta apresentados pelo aedo é Páris. Conforme os estudos de Renata Cardoso de Sousa, verificamos que “é comum encontrarmos designações não tão heroicas a Páris vindo de helenistas contemporâneos”, como “afeminado” e “frouxo”, “não heroico” e “o mais desmerecido dos filhos de Príamo”. No entanto, não são apenas nas obras destes estudiosos que verificamos essas críticas ao príncipe troiano: Homero igualmente as faz através de suas personagens, que rechaçam os atos indignos do guerreiro em campo de batalha e também sua até ao ter rompido com o ritual de hospitalidade. Para Sousa, “o motivo principal é o fato de ele ter causado a guerra de Troia, mas Homero traz, além disso, a ideia de ele não ser um guerreiro tão bom assim, o que gera reprimendas também”.
[10] Penélope era esposa de Ulisses, filha de Icarius e Periboea. Esperou por Ulisses mais de vinte anos: antes, durante e depois da guerra de Tróia e mesmo sendo muito cortejada, nunca duvidou que seu esposo voltaria para ela. Seu pai Icarius pediu para que se casasse novamente e ela, como queria continuar esperando por seu esposo, disse que se casaria quando terminasse de tecer uma colcha. Então, durante o dia ela tecia e durante a noite ela desmanchava. Assim o fez até o dia em que uma das servas descobriu o que ela fazia e assim teve que terminar a colcha. Penélope teve a ideia de propor ao seu pai que se casaria com quem conseguisse atirar uma flecha da forma como Ulisses atirava, nenhum pretendente conseguiu até que Ulisses disfarçado de mendigo matou todos os pretendentes e voltou para Penélope. Referência: DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. “Penélope”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/mitologia/penelope.htm. Acesso em 03 de setembro de 2020.
[11] Calypso na mitologia grega era ninfa do mar, mui sedutora e caprichosa. Segundo Hesíodo seria uma das Oceânides, filhas dos titãs Oceano e de Tétis, e vivia numa gruta, na encosta de uma montanha na ilha de Ogígia. Frequentemente era apontada como filha de Atlas com uma deusa qualquer, e, segundo Pseudo-Apolodoro, seria uma das Nereidas, filha de Nereu e Dóris. A entrada de sua morada era cercada por sagrado bosque, onde havia uma fonte, igualmente sagrada. Os seus filhos mais importantes e, geralmente, sendo apontados como filhos de Odisseu, eram Nausítoo e Nausínoo e Latino. Etimologicamente o nome da ninfa significa esconder, encobrir ou ocultar o que é oposto de Apocalipse que significa revelar, o que sugere que Calypso foi uma deusa da morte originalmente.
[12] Teogonia (em grego: Θεογονία [theos, deus + gonia, nascimento] – THEOGONIA, na transliteração), também conhecido por Genealogia dos Deuses, é um poema mitológico em 1022 versos hexâmetros escrito por Hesíodo no século VIII-VII a.C., no qual o narrador é o próprio poeta. O poema se constitui no mito cosmogônico (descrição da origem do mundo) dos gregos, que se desenvolve com geração sucessiva dos deuses, e na parte final, com o envolvimento destes com os homens originando assim os heróis. Nesse mito, as divindades representam fenômenos ou aspectos básicos da natureza humana, expressando assim as ideias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo.
[13] Pode-se perguntar quanto ao sentido da lenda de Pandora: por que uma caixa, ou jarra, contendo todos os males da humanidade conteria também a Esperança? Na Ilíada, Homero conta que, na mansão de Zeus, haveria duas jarras, uma que guardaria os bens, outra os males. A Teogonia de Hesíodo não as menciona, contentando-se em dizer que sem a mulher, a vida do homem não é viável, e com ela, mais segura. Hesíodo descreve Pandora como um “mal belo” (καλὸν κακὸν/kalòn kakòn). O nome “Pandora” possui vários significados: panta dôra, a que possui todos os dons, ou pantôn dôra, a que é o dom de todos (dos deuses). A razão da presença da Esperança com os males deve ser procurada através de uma tradução mais acurada do texto grego. A palavra em grego é ἐλπίς/elpís, que é definida como a espera de alguma coisa; pode ser traduzida como esperança, mas essa tradução seguramente é arbitrária. Uma tradução melhor poderia ser “antecipação”, ou até o temor irracional. Graças ao fechamento por Pandora da jarra no momento certo, os homens sofreriam somente dos males, mas não o conhecimento antecipado deles, o que provavelmente seria pior.
[14] Circe era, na mitologia grega, uma feiticeira, em versões racionalizadas do mito, uma especialista em venenos e drogas. Também aparecia como uma Deusa ligada à feitiçaria, assim como sua mãe Hécate. Circe é considerada a Deusa da Lua Nova, do amor físico, feitiçaria, encantamentos, sonhos precognitivos, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria e caldeirões. Circe era filha do deus Hélios e da ninfa Perseis, irmã de dos deuses Perses, Pasifae e Aietes. Também podendo ser filha de Hécate e Hélios. No decurso de suas perambulações, o herói Ulisses (personagem épico da Odisseia de Homero, também conhecido como Odisseu) e sua tripulação desesperada desembarcam na praia da ilha de Eana, onde vivia Circe, filha do Sol. Ao desembarcar, Ulisses subiu a um morro e, olhando em torno, não viu sinais de habitação, a não ser um ponto no centro da ilha, onde avistou um palácio rodeado de árvores. Ulisses enviou à terra 23 homens, chefiados por Euríloco, para verificar com que hospitalidade poderiam contar. Ao se aproximarem do palácio, os gregos viram-se rodeados de leões, tigres e lobos, não ferozes, mas domados pela arte de Circe, que era uma feiticeira poderosa. Todos esses animais tinham sido homens e haviam sido transformados em feras por seus encantamentos. Do lado de dentro do palácio vinham sons de uma música suave e de uma bela voz de mulher que cantava. Euríloco a chamou em voz alta, e a deusa apareceu e convidou os recém-chegados a entrar, o que fizeram de boa vontade, exceto Euríloco, que desconfiou do perigo. A deusa fez seus convivas se assentarem e serviu-lhes vinho e iguarias. Quando haviam se divertido à farta, tocou-os com uma varinha de condão e eles se transformaram imediatamente em porcos, com “a cabeça, o corpo, a voz e as cerdas” de porco, embora conservando a inteligência de homens. Por fim seus companheiros apelaram para seus sentimentos mais nobres, e ele recebeu a censura de boa vontade. Circe ajudou nos preparativos para a partida e ensinou aos marinheiros o que deveriam fazer para passar sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias. As sereias eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros se sentiam irresistivelmente impelidos a se atirar ao mar, onde encontravam a morte. Circe aconselhou Ulisses a cobrir com cera os ouvidos de seus marinheiros, de modo que não pudessem ouvir o canto, e a amarrar-se a si mesmo no mastro dando instruções a seus homens para não libertá-lo, fosse o que fosse que ele dissesse ou fizesse, até terem passado pela Ilha das Sereias.
[15] Na mitologia grega, Medeia (em grego: Μήδεια, transl.: Médeia) era filha do rei Eetes, da Cólquida (atualmente, a Geórgia), sobrinha de Circe (aparecendo, ainda, como filha de Circe e Hermes ou como irmã de Circe e filha de Hécata) e que foi, por algum tempo, esposa de Jasão. É uma das personagens mais terríveis e fascinantes da mitologia, ao envolver sentimentos contraditórios e profundamente cruéis, que inspiraram muitos artistas ao longo da história – na escultura, pintura, teatro, cinema, ópera… Os mitos e personagens que envolvem Medeia têm sido classificados por alguns autores como narrativas e elementos-chave respeitantes ao limiar cultural e civilizacional que separa, por um lado o mundo primitivo das culturas pelásgicas dos xamãs, das divindades ctónicas, dos matriarcados arcaicos e da Deusa-mãe e, por outro, os novos desafios e paradigmas abertos pela Idade do Bronze. O mito de Medeia insere-se no ciclo narrativo dos Argonautas que nos chegou até hoje, de forma mais completa, na obra Argonautica de Apolónio de Rodes (século III a.C.) que se baseou em material disperso, a que tinha acesso na famosa biblioteca de Alexandria. Medeia (em grego, ΜΗΔΕΙΑ – MĒDEIA, na transliteração) é uma tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C. Nela foi apresentado o retrato psicológico de uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Medeia representa um novo tipo de personagem na tragédia grega, como esposa repudiada e estrangeira perseguida, ela se rebela contra o mundo que a rodeia, rejeitando conformismo tradicional. Tomada de fúria terrível, mata os filhos que teve com o marido, para vingar-se dele e automodificar-se. É vista como uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal. A Medeia foi apresentada nas Grandes Dionísias de 431 a.C. juntamente com mais duas tragédias e um drama satírico que se perderam. Não era a primeira peça de Eurípides, mas é talvez a mais antiga das tragédias dele que conservaram até ao presente. Considerada chocante para os seus contemporâneos, Medeia foi a última das peças apresentadas no festival Dionísico de 431 a.C. Não obstante, a peça continuou a fazer parte do repertório teatral de tragédias e experimentou um interesse renovado com o surgimento do movimento feminista, atendendo ao tema da decisão de uma mulher, Medeia, sobre a sua própria vida num mundo dominado pelos homens. A peça manteve-se como a tragédia grega mais frequentemente encenada ao longo do século XX. Medeia teve a primeira encenação em 431 a.C. no festival de Dionísio. Neste festival, todos os anos, três dramaturgos competiam entre si, cada um escrevendo uma tetralogia, tendo Eurípides apresentado além de Medeia três peças que se perderam: as tragédias Filotetes e Díctis e a sátira Theristai. Em 431 a.C., a competição foi entre Eufórion (o filho do famoso dramaturgo Ésquilo), Sófocles (o principal rival de Eurípides) e Eurípides. Eufórion ganhou, e Eurípides foi o último classificado. A forma da peça difere de muitas outras tragédias gregas pela sua simplicidade: todas as cenas envolvem apenas dois atores, Medeia e outra pessoa. Estes encontros servem para destacar o talento e a determinação de Medeia em manipular poderosas figuras masculinas para atingir os seus próprios fins. A peça é também a única tragédia grega em que um assassino de familiares ficar impune no final e o único sobre o assassínio de crianças em que a ação é executada a sangue frio e não em estado de insanidade temporária.
[16] Sócrates afirmou que a natureza da mulher não é em nada inferior à do homem, com a excepção do discernimento e da força. Mas Sócrates refere-se ao discernimento que se apoia no saber de experiência e educação, algo a que as gregas naturalmente não podiam almejar, dada a sua reclusão e pouca instrução; a inteligência – σύνεσις – é para ele inata.
[17] O cinismo (em grego antigo: κυνισμός kynismós, em latim cinicus) foi uma corrente filosófica fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates e como tal praticada pelos cínicos (em grego antigo: Κυνικοί, latim: Cynici). Para os cínicos, o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a natureza. O primeiro filósofo a definir o cinismo foi Antístenes, ex-aluno de Sócrates no final do século V a.C. Ele foi seguido por Diógenes de Sinope que levou o cinismo aos seus extremos lógicos e passou a ser visto como o arquétipo de filósofo cínico, sua autarkeia (autossuficiência) e a apatheia perante as vicissitudes da vida eram os ideais do cinismo. O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano no século I quase se tornando um movimento de massa, e assim, os cínicos eram encontrados pedindo e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas ideias ascéticas e retóricas. Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo a significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas e como caraterização de pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos empreenderam uma cruzada de escárnio antissocial e assim mostrar as frivolidades da vida social.
[18] Aspásia ou Aspasia (em grego antigo: Ἀσπασία /as.pa.sí. aː/; ca. 470 a.C. — ca. 400 a.C. foi uma pensadora grega nascida na cidade de Mileto, na Ásia Menor. Ela era uma imigrante influente da Atenas da Era Clássica, foi amante e parceira do estadista Péricles. O casal teve um filho, Péricles, o Jovem, mas os detalhes completos do estado civil do casal são desconhecidos. Segundo Plutarco, sua casa se tornou um centro intelectual em Atenas, atraindo os escritores e pensadores mais importantes, incluindo o filósofo Sócrates. Há também sugestões em fontes antigas de que os ensinamentos de Aspásia influenciaram Sócrates. Aspásia é mencionada nos escritos de Platão, Aristófanes, Xenofonte, Antístenes, Ésquines Socrático e outros.
Embora tenha passado a maior parte de sua vida adulta na Grécia, poucos detalhes de sua vida são totalmente conhecidos. Muitos estudiosos creditaram representações cômicas antigas de Aspásia como proxeneta e prostituta, apesar de sua implausibilidade inerente. O papel de Aspásia na história fornece insights cruciais para a compreensão das mulheres da Grécia antiga. Muito pouco se sabe sobre as mulheres de seu período. Um estudioso afirmou que “fazer perguntas sobre a vida de Aspásia é fazer perguntas sobre metade da humanidade”.
[19] Vários outros filósofos inferiorizaram as mulheres. Além de Platão e Aristóteles, poderíamos citar o filósofo alemão Kant (1724-1804), dentre outros. Carvalho (2004) afirma que Kant, na obra Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, teria defendido que as mulheres são, por natureza, incapazes de teoria, de princípios e de abstração. E aquelas que contrariassem essa natureza se dedicando à ciência, deveriam usar barba. Não foram os filósofos que inventaram a discriminação da mulher. No entanto, segundo Carvalho, os escritos dos filósofos que inferiorizam as mulheres se apoiam em situações concretas de desigualdade entre os sexos, comuns nas sociedades de suas épocas, e, por outro lado, buscam legitimar, ao nível da teoria, a suposta superioridade masculina. Esses filósofos buscam “provar” que as mulheres são naturalmente inferiores, para que ninguém ouse questionar. As discriminações sofridas pelas mulheres estão apoiadas num pressuposto de conceitos que as justificam: todas as diferenças entre os sexos masculino e feminino seriam naturais e imutáveis. Essa posição pode ser chamada de essencialismo genérico, ela justifica a dominação masculina como sendo justa e necessária.
[20] Aristóteles, por exemplo, apresenta uma descrição nada lisonjeira da natureza feminina. Sua função, praticamente isolada, seria a reprodução. Ademais, seria a mulher marcada pela fraqueza, falta de energia dinâmica, uma espécie de virtualidade no aguardo das vontades e iniciativa do homem, este sim proativo em relação à indolente passividade feminina. Em sua categorização e divisão de naturezas particulares de cada ser, Aristóteles reserva à mulher um papel claramente subalterno e condicionado à obediência ao homem. O filósofo aponta que os bárbaros confundem e igualam a mulher ao escravo e que isso deriva do fato de que ambos (mulher e escravo), por natureza, não têm “o instinto de mando”. Embora faça uma diferença e coloque a mulher acima do escravo, segue numa hierarquia de submissão no seio da família idealizada em “A Política”.
[21] Os dois fragmentos restantes da tragédia Medeia estão escritos em triâmetro iâmbico e anapesto, respectivamente; as famosas Metamorfoses estão escritas em hexâmetro dactílico, e são conhecidas como “métrica épica” a exemplo da Eneida de Virgílio e da Ilíada e Odisseia de Homero. Vivia uma vida boêmia, sendo admirado por toda a Roma antiga como um grande poeta. No ano 8 d.C., foi banido de Roma pelo imperador Augusto. Não é sabida a causa do banimento, mas muito provavelmente o seu envolvimento num escândalo com Júlia, a neta do imperador, e o facto provável deste ter achado imoral seus conselhos em Ars Amatoria deve ter contribuído para o acontecimento. Antes de morrer, preparava aquela que seria sua última obra, Haliêutica, sobre a arte da pesca; Caio Plínio Segundo acreditava que este era mais um ato de diversão de Ovídio, que não tinha qualquer interesse pelo tema tratado. Ovídio faleceu no ano XVII em Tomis (atual Constança na Romênia). Hoje, o país considera Ovídio o primeiro poeta romeno.
[22] Eurípides (também grafado Eurípedes; do grego antigo: Εὐριπίδης) (Salamina, ca. 480 a.C. — Pela, Macedônia, 406 a.C.) foi um poeta trágico grego, do século V a.C., o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia grega clássica, que ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina. Tratou dos problemas triviais da sociedade ateniense de seu tempo, com o intuito de moderar o homem em suas ações, que se encontravam descontroladas e sem parâmetros, pois o que se firmava naquela sociedade era uma mudança de valores de tradições que atingiam diretamente no modo de pensar e agir dos homens gregos. Em termos dramatúrgicos Eurípedes adicionou o Prólogo à peça, no qual “situa a cena” (apresenta o que se vai passar). E criou também o “deus ex machina” que servia muitas vezes para fazer o final da peça. Pouco se sabe sobre essa ideia, contudo muitas pessoas chegaram a considerar Eurípides como machista, pois ele enaltecia demais as mulheres de uma forma que as vezes exagerava no drama ou nas explicações para seus atos, fazendo com que as mulheres pudessem parecer “loucas”. Porém essa não era a intenção dele, a real intenção era que elas parecessem bravas, admiráveis, inabaladas. Embora premiado poucas vezes (cinco) nos concursos trágicos de Atenas (Dionísias Urbanas, Lenéias), (apesar de ter escrito cerca de 92 peças), no final do século V a.C., desfrutou de grande popularidade nos séculos subsequentes, é atualmente muito mais popular que Ésquilo ou Sófocles. Os recursos dramáticos que utilizou em suas tragédias, notadamente as posteriores a 420 a.C., influenciaram diversos gêneros dramáticos posteriores, entre eles a “Comédia Nova”, o drama (e também o melodrama) e a novela. Apresentou as suas primeiras tragédias na Grande Dionisíaca de 445 a.C., mas só venceu a primeira competição em 441 a.C. O enredo de suas tragédias foi muitas vezes aproveitado por dramaturgos modernos, como Racine, Goethe e Eugene O’Neil. Eurípedes foi o último dos três grandes autores trágicos da Atenas clássica (os outros dois foram Ésquilo e Sófocles). Especialistas estimam que Eurípedes tenha escrito 95 peças, embora quatro delas provavelmente tenham sido escritas por Crítias. Ele foi autor do maior número de peças trágicas da Grécia que chegaram até nós: dezoito no total (de Ésquilo e Sófocles sobreviveram, de cada um, sete peças completas). Hoje, é amplamente aceito que Rhesus, tida como a décima nona peça completa, possivelmente não seja de Eurípedes. Fragmentos, alguns substanciais, da maioria das outras peças também sobreviveram.
[23] Joana d’Arc em sua armadura e que foi queimada publicamente por se vestir como homem e lutar na Guerra dos Cem Anos. No dia 30 de maio de 1431, a jovem francesa Joana D’Arc, nascida na comuna de Domrémy-la-Pucelle, foi queimada em praça pública ao ser acusada de heresia e feitiçaria por um tribunal eclesiástico inglês e francês. Na época, ela tinha somente 19 anos. O impasse político e a disputa por territórios entre os dois reinos resultaram em sangrentas batalhas e na divisão das duas populações. A Inglaterra não parava de conquistar novos territórios franceses, enquanto o governo da França não conseguia estabilidade: a coroa transitou entre Felipe VI, Carlos V, Carlos VI e Carlos VII. Ao mesmo tempo em que Carlos VII tentava se impor contra o reino inglês e os borguinhões, parcela de franceses do condado da Borgonha que apoiava os rivais, D’Arc era somente uma criança. Mas isso não a impedia de vivenciar a guerra. Como contou em seu julgamento, o lugar em que ela cresceu era marcado por crianças brigando entre si e algumas ganhavam até feridas e machucados ensanguentados. Em certa ocasião, seu vilarejo foi até incendiado. É importante lembrar que o conceito de “infância” e “adolescência” sequer existia no século 15. Os jovens eram tratados como adultos em miniatura.
[24] Lúcio Aneu Séneca ou Sêneca (em latim: Lucius Annaeus Seneca; Corduba, ca. 4 a.C. — Roma, 65) foi um filósofo estoico e um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. Conhecido também como Séneca (ou Sêneca), o Moço, o Filósofo, ou ainda, o Jovem, sua obra literária e filosófica, tida como modelo do pensador estoico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia europeia renascentista. Sêneca foi simultaneamente dramaturgo de sucesso, uma das pessoas mais ricas de Roma, estadista famoso e conselheiro do imperador. Sêneca teve que negociar, persuadir e planejar seu caminho pela vida. Ao invés de filosofar da segurança da cátedra de uma universidade, ele teve que lidar constantemente com pessoas não cooperativas e poderosas e enfrentar o desastre, o exílio, a saúde frágil e a condenação à morte. Sêneca correu riscos e teve grandes feitos.
[25] Décimo Júnio Juvenal (em latim Decimus Iunius Iuvenalis; Aquino, entre 55 e 60 – Roma, depois de 127), foi um poeta e retórico romano, autor das Sátiras. Os detalhes da vida do autor são obscuros, embora referências aos seus textos feitas no final do século I e começo do século II fixem as datas mais remotas de seus textos. De acordo com o poeta Lucílio – o criador do gênero satírico romano – e também de tradições poéticas que incluem Horácio e Pérsio, Juvenal escreveu pelo menos 16 poemas em hexâmetro dactílico cobrindo de forma enciclopédica os fatos do mundo romano. Apesar de as Sátiras serem uma fonte vital para o estudo da Roma Antiga a partir de um vasto conjunto de perspectivas, as suas hipérboles e a sua maneira sarcástica de se expressar fazem com que a utilização de suas declarações seja um fato problemático, para dizer o mínimo. À primeira vista, a obra poderia ser entendida como uma crítica ao paganismo de Roma, talvez tentando garantir sua sobrevivência dentro da monástica cristã – um estrangulamento na preservação dos textos antigos, onde a maioria dos textos antigos foi perdida. O livro de Juvenal inspirou muitos autores, incluindo Samuel Johnson, que modelou seus poemas “London” (1738) na terceira Sátira e “The Vanity of Human Wishes (1749), na décima. As Sátiras também são a fonte de muitas máximas filosóficas bem conhecidas, incluindo: Sobre os romanos, que antes eram tão poderosos, tornaram-se escravos de prazeres corruptores e só precisam de pão e circo (panem et circenses 10.81; i.e. comida e diversão) Que – em vez de riqueza, poder, ou crianças – os homens devem orar por uma “mente sã num corpo sadio” (mens sana in corpore sano 10.356), Uma mulher valorosa como as sabinas é uma ave tão rara quanto um cisne negro ( Rara avis in terris nigroque simillima cycno 6.165) E propõe a questão de quem pode ser confiável, considerando a ideia de manter as esposas trancadas e sob vigilância: E quem vai vigiar os vigias? (Sed quis custodiet ipsos Custodes? 6.347-48).
[26] Instituída por Marcus Oppius, um tribuno da plebe durante o consulado de Quintus Fabius Maximus Verrucosus e Tiberius Sempronius Gracchus, a Lex Oppia foi a primeira de uma série de leis suntuárias e restringiu não apenas a riqueza de uma mulher, mas também sua exibição de riqueza. Especificamente, proibia qualquer mulher de possuir mais de meia onça de ouro, de usar uma vestimenta multicolorida (principalmente as de púrpura) ou de andar em um veículo puxado por animais na cidade ou em qualquer cidade ou dentro de uma milha, exceto no caso de festivais religiosos públicos.
[27] As mulheres da antiga Roma estavam divididas em várias classes sociais, assim como os homens. Uma mulher romana de nascimento livre filha de pais romanos era considerada uma cidadã romana (civis). Embora geralmente não exercessem cargos políticos, devido aos costumes romanos, mulheres ricas ou nascidas em famílias influentes podiam influenciar a política, seja através do patrocínio de seus candidatos favoritos, como fez Fúlvia ao usar a imensa fortuna para patrocinar agitadores políticos, ou através da propaganda, usando o prestígio de sua família para conseguir votos para seus candidatos.
Do ponto de vista religioso, elas tinham acesso a diversos cargos e sacerdócios religiosos, como o sacerdócio das virgens vestais, que possuíam, além de influência religiosa, também certa influência política. Elas dispunham de mais direitos e liberdades que outras mulheres da antiguidade. Tanto a filha como o filho estavam sujeitos ao patria potestas, que era o poder exercido por seu pai enquanto chefe de família. No início do império, a posição social de uma filha não diferia muito da posição de um filho. Se o pai morria sem estipular um testamento, as leis romanas garantiam o direito das filhas de receber a herança assim como os filhos, embora a legislação do século II a.C. o tenha tentado limitar um pouco, talvez para preservar o patrimônio da família. Mesmo do ponto de vista afetivo, as filhas parecem ter desfrutado de tanta consideração por seus pais quanto os filhos, embora fosse esperado que os filhos garantissem a posição da família na vida pública.
[28] Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.) desempenhou um papel importante enquanto governou o Egito, local cobiçado por ser cortado pelo Rio Nilo e, portanto, ser sinônimo de terras férteis. Durante o período da República Romana, Cleópatra se envolveu com Júlio César enquanto este buscava expandir os domínios romanos. E não parou por aí, pois após a morte de Júlio César, Cleópatra também teve um romance com Marco Antônio, que no momento fazia parte do Segundo Triunvirato que governava Roma — juntamente com aquele que se tornaria o primeiro imperador, Otávio Augusto. Percebendo o poder que Cleópatra exercia sobre figuras influentes, Otávio arquitetou a captura do casal buscando consolidar seu poder. Separados devido às circunstâncias desfavoráveis, ambos se suicidaram quando se viram encurralados.
[29] Lívia Drusila (59 a.C.-29) esposa do primeiro imperador de Roma, Otávio Augusto, era tida como uma mulher bastante equilibrada. Acredita-se que ela exercia uma enorme influência sobre seu marido, a quem era muito fiel, pois era comum vê-la sussurrando em seu ouvido. Ativa na vida política do Império, período marcado por relativa estabilidade, Lívia foi, com o tempo, considerada uma mulher que possuía as todas as qualidades que eram tidas como ideais pela sociedade romana. Além disso, foi a primeira mulher a aparecer em moedas provinciais.
[30] Dinastia dos Antoninos – Na dinastia dos Antoninos (96-192), Roma foi governada pelos imperadores Nerva, Trajano, Adriano, Antônio Pio, Marco Aurélio e Cômodo. Neste período, houve novamente a estabilidade e prosperidade para as classes dominantes de Roma. Durante o governo de Marco Aurélio, também chamado de “imperador filósofo”, iniciou-se o processo das invasões do território romano pelos bárbaros.
[31] Públio Ovídio Naso (em latim: Publius Ovidius Naso), conhecido como Ovídio nos países de língua portuguesa (Sulmona, 20 de março de 43 a.C. — Constança, Romênia, 17 ou 18 d.C.) foi um poeta romano que é mais conhecido como o autor de Heroides, Amores, e Ars Amatoria, três grandes coleções de poesia erótica, Metamorfoses, um poema hexâmetro mitológico, Fastos, sobre o calendário romano, e Tristia e Epistulae ex Ponto, duas coletâneas de poemas escritos no exílio, no mar Negro. Ovídio foi também o autor de várias peças menores, Remedia Amoris, Medicamina Faciei Femineae, e Íbis, um longo poema sobre maldição.
Também é autor de uma tragédia perdida, Medeia. É considerado um mestre do dístico elegíaco e é tradicionalmente colocado ao lado de Virgílio e Horácio como um dos três poetas canônicos da literatura latina. O estudioso Quintiliano considerava-o o último dos elegistas amorosos latinos canônicos. Sua poesia, muito imitada durante a Antiguidade tardia e a Idade Média, influenciou decisivamente a arte e a literatura europeias, particularmente Dante, Shakespeare e Milton, e permanece como uma das fontes mais importantes de mitologia clássica. Seu estilo tem caráter jocoso e inteiramente pessoal — às vezes o eu-lírico de seus poemas são o próprio Ovídio.
Escreveu sobre amor, sedução, exílio e mitologia. Estudou retórica com grandes mestres de Roma e viajou para Atenas e Ásia exercendo funções públicas com o objetivo de tornar-se um Cícero, mas, para desgosto do pai, resolveu dedicar sua vida à poesia. O dístico elegíaco é a métrica mais comum em seus poemas: os Amores Ars Amatoria, Remedia Amoris são longos poemas didáticos; os Fastos, sobre festivais romanos; o Medicamina Faciei Femineae, sobre cosméticos para mulheres; cartas fictícias escritas por heroínas mitológicas permeiam o enredo das Heroides; e todas suas obras restantes são escritas no exílio e sobre o exílio (Tristia, Epistulae ex Ponto, e Íbis).
[32] Uma aproximação deste mito de Pandora pode ser feita com a Queda de Adão e Eva, relatada no livro do Gênesis. Em ambos os mitos é a mulher, previamente avisada (por Deus, na Bíblia, ou, aqui, por Prometeu e por Zeus), que comete um erro irremediável (comendo o fruto proibido, na Bíblia, ou, aqui, abrindo a caixa, ou jarra, de Pandora), condenando assim a humanidade a uma vida repleta de males e sofrimentos. Todavia, a versão bíblica pode ser interpretada como mais indulgente com a mulher, que é levada ao erro pela serpente, mas que divide a culpa com o homem.
[33] Pandora era a filha primogênita de Zeus que, aos 9 anos de idade, recebeu de presente de seu pai o colar usado por Prometeu que foi retirado dele ao pagar a sua pena por roubar o fogo dos deuses. Pandora, então, arranjou uma caixa para pôr seu colar, a mesma caixa em que ela guardou a sua mente e as lembranças de seu primeiro namorado, cujo nome era Narciso. A caixa podia apenas guardar bens de todo o tipo, com exceção de bens materiais. Como o colar era um bem material, ele se autodestruiu. Para Pandora o colar tinha valor sentimental, o que a fez chorar por muitos dias seguidos sem parar. Como a caixa guardava lembranças com a intenção de sempre recordá-las ao “dono”, Pandora sempre se sentia triste. Tentou destruir a caixa para ver se ela se esquecia do fato, mas não funcionou, a caixa era fruto de um grande feitiço, que a impedia de ser destruída. Pandora então, aos 36 anos, se matou. Não aguentou viver mais de 27 anos com aquela “maldição”.
[34] Aurélio Ambrósio (em latim: Aurelius Ambrosius; ca. 340 – Mediolano, 4 de abril de 397), mais conhecido como Ambrósio, foi um arcebispo de Mediolano (moderna Milão) que se tornou um dos mais influentes membros do clero no século IV. Ele era prefeito consular da Ligúria e Emília, cuja capital era Mediolano, antes de tornar-se bispo da cidade por aclamação popular em 374. Ambrósio era um fervoroso adversário do arianismo. Tradicionalmente atribui-se a Ambrósio a promoção do canto antifonal, um estilo no qual um lado do coro responde de forma alternada ao canto do outro, e também a composição do Veni redemptor gentium, um hino natalino. Ambrósio é um dos quatro doutores da Igreja originais e é notável por sua influência sobre o pensamento de Santo Agostinho.
[35] “Os Padres da Igreja são mais importantes para a transmissão – e transformação – do mito de Pandora do que os escritores seculares; em uma tentativa de corroborar a doutrina do pecado original por um paralelo clássico, mas opondo a verdade cristã à fábula pagã, eles a compararam a Eva. ”
[36] Pandora foi a primeira mulher, criada por Zeus enquanto que Eva foi a primeira mulher criada por Deus. Em ambos os casos, o mundo onde eles viviam era completamente desprovido de pecados, de qualquer coisa que fosse nociva ao ser humano. E foi a curiosidade do proibido que condenou Adão e Eva, que foram expulsos por terem provado do “fruto proibido”, enquanto que no caso de Pandora, ao abrir a caixa para ver o que tinha dentro (e tinha sido orientada a não fazê-lo), ela espalhou toda sorte de problemas, doenças, pecados sobre a terra.
Foi Eva quem seduziu Adão para comerem desse fruto. E na mitologia, Pandora seduz Epimeteu, guardião da caixa, e após uma noite de amor, ela rouba a chave para abrir a caixa. A moral de ambas as histórias: “a curiosidade matou o gato”, mas existe uma moral machista também, de que a mulher utiliza de sua sedução para obter do homem o que quer. em ambos os casos, o que se teve foi a desgraça.
[37] Tertuliano (em latim: Quintus Septimius Florens Tertullianus; c. 160 — c. 220 (60 anos)) foi um prolífico autor das primeiras fases do Cristianismo, nascido em Cartago na província romana da África Proconsular. Ele foi o primeiro autor cristão a produzir uma obra literária (corpus) em latim.
Ele também foi um notável apologista cristão e um polemista contra a heresia. Ele organizou e avançou a nova teologia da Igreja antiga. Ele é talvez mais famoso por ser o autor mais antigo cuja obra sobreviveu a utilizar o termo “Trindade” (em latim: Trinitas) [a] e por nos dar a mais antiga exposição formal ainda existente sobre a teologia trinitária. É um dos Padres latinos. Algumas das ideias de Tertuliano não eram aceitáveis para os ortodoxos e, no fim de sua vida, ele se tornou um montanista. Dois livros endereçados à sua esposa confirmam que ele foi casado com cristã. No meio de sua vida (por volta de 207 d.C.), ele foi atraído pela “Nova profecia” do Montanismo e parece ter deixado o ramo principal da Igreja.
No tempo de Santo Agostinho, um grupo de “tertulianistas” ainda tinham uma basílica em Cartago que, nesta mesma época, passou para a Igreja. Não sabemos se esta é apenas uma outra denominação para os montanistas[b] e se significa que Tertuliano rompeu também com os montanistas e fundou seu próprio grupo. Tertuliano tinha um temperamento violento e enérgico, quase fanático, lutador empedernido e muitos dos seus escritos são polémicos. Este temperamento, impressionado com o exemplo dos mártires, que o levou à conversão, permite compreender a sua passagem ao montanismo. Jerônimo diz que Tertuliano morreu com idade bastante avançada, mas não há outra fonte confiável que ateste sua sobrevivência além do ano estimado de 220 d.C…
À despeito de sua cisma com a ortodoxia da Igreja, ele continuou a escrever contra as heresias, especialmente o Gnosticismo. Assim, através de suas obras doutrinárias que publicou, Tertuliano se tornou professor de Cipriano de Cartago e o predecessor de Santo Agostinho que, por sua vez, se tornou o principal fundador da teologia latina.
[38] Diferentemente do direito hebraico, o direito romano não possuía viés religioso e acusaram Jesus de crimes políticos: incitação ao não pagamento de tributos, sedição e declaração de ser rei.
[39] Pode-se afirmar que violência que a mulher sofre no seu dia a dia, está incorporada e enraizada no imaginário social coletivo da sociedade ocidental, dos homens e também das mulheres, que legitimam a subordinação do sujeito feminino ao domínio do poder masculino. Indo um pouco mais adiante é cabível apresentar que as repetições destas ideias e padrões dentro de uma sociedade colaboram não somente para a formulação de um material para um suposto Id, mas também passam a ser modelo para o ideal de ego para outros homens, outras pessoas, perpetuando o processo, conforme afirma Freud (2006a)
[40] Jerônimo (português brasileiro) ou Jerónimo (português europeu) (em latim: Eusebius Sophronius Hieronymus; em grego: Εὐσέβιος Σωφρόνιος Ἱερώνυμος), também conhecido por Jerônimo de Estridão, foi um sacerdote católico ilírio, destacado como teólogo e historiador e considerado confessor e Doutor da Igreja pela Igreja Católica. Filho de Eusébio, da cidade de Estridão, na fronteira entre a Dalmácia e a Panônia, é mais conhecido por sua tradução da Bíblia para o latim (conhecida como Vulgata) e por seus comentários sobre o Evangelho dos Hebreus, mas sua lista de obras é extensa.
São Jerônimo é reconhecido como santo pelos católicos, ortodoxos e anglicanos. Não é tido como santo para os luteranos, pelo fato de estes não canonizarem personalidades. Em Roma, Jerônimo estava rodeado por um círculo de mulheres bem-nascidas e bem-educadas, incluindo algumas oriundas das mais nobres famílias patrícias romanas, como as viúvas Leia, Marcela e Paula, com suas filhas Blesila e Eustóquia.
Como resultado da crescente inclinação destas mulheres pela vida monástica, da indulgente lascividade que imperava em Roma e mais a crítica feroz de Jerônimo ao clero secular, que não poupava ninguém, logo irrompeu um conflito contra o clero romano e seus aliados. Depois da morte de Dâmaso, seu patrono (10 de dezembro de 384), Jerônimo foi forçado a abdicar de suas funções em Roma quando um inquérito foi aberto pelos seus inimigos para investigar uma suposta relação inapropriada entre ele e Paula.
Além disso, sua condenação ao estilo de vida hedonista de Blesila levou-a a adotar práticas ascetas que acabaram afetando sua saúde e a tornaram tão fraca fisicamente que ela morreu apenas quatro meses depois de começar a seguir suas instruções. A maior parte da população romana ficou enfurecida com Jerônimo, acusando-o de causar a morte prematura de uma jovem tão altiva. Para piorar, sua insistência de que Paula não deveria lamentar a morte dela e suas reclamações de que o luto por ela era excessivo foram vistos como cruéis e polarizaram ainda mais a opinião pública contra ele.
[41] Há séculos, a misoginia tem dado as caras na história humana. Desde a Grécia Antiga, é possível identificar uma série de ideias que corroboravam a hipótese de que mulheres eram inferiores aos homens. Ao considerá-las “homens imperfeitos”, Aristóteles é um dos mais antigos pensadores a serem criticados, hoje, por suas ideias misóginas. E a lista não para por aí. Hobbes, Descartes, Rousseau, Hegel, Nietzsche e Freud também colaboraram de alguma forma para sustentar a ideia da inferioridade feminina e alimentar a repulsa por mulheres.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, por exemplo, criticou a “natureza feminina” diversas vezes em seus ensaios, como quando alegou que as mulheres eram “por natureza destinadas a obedecer”. Até mesmo Charles Darwin defendeu ideias como a de que mulheres, crianças e “selvagens” tinham cérebros menores e, consequentemente, menos intelecto. Apesar de já terem sido contestadas e derrubadas pela ciência, ideias como essa sustentam atos de violência e assédio até hoje.
[42] Plutarco (em grego clássico: Πλούταρχος; transl.: Ploútarkhos, IPA: [plŭːtarkʰos]) ou Lúcio Méstrio Plutarco (em latim: Lucius Mestrius Plutarchus (em grego, Λούκιος Μέστριος Πλούταρχος), ca. Queroneia, 46 d.C. – Delfos, 120 d.C., foi um historiador, biógrafo, ensaísta e filósofo médio platônico grego, conhecido principalmente por suas obras Vidas Paralelas e Morália. Além de suas funções como sacerdote do Templo de Delfos, Plutarco também foi um magistrado em Queroneia e representou sua pátria em várias missões em países estrangeiros.
Plutarco ocupava o cargo de arconte em seu município natal, provavelmente, apenas um projeto anual que, provavelmente, serviu mais de uma vez. Ele ocupou-se com todos os pequenos assuntos da cidade e realizava até as mais humildes tarefas. Plutarco era um platônico, mas também era aberto à influência dos Peripatéticos, tendendo em alguns detalhes até mesmo ao Estoicismo, apesar de sua polêmica contra os seus princípios. Ele rejeitou em absoluto somente o Epicurismo. Interessado em questões morais e religiosas, atribuiu pouca importância às questões teóricas e duvidou da possibilidade de algum dia estas questões serem resolvidas.
Em oposição ao materialismo estoico e ao “ateísmo” epicurista, alimentou a ideia de Deus que estava mais de acordo com Platão e adotou um segundo princípio (díade), a fim de explicar o mundo fenomenal. No entanto, ele buscou esse princípio não em uma matéria indeterminada, mas na maligna alma do mundo, que desde o início está ligada à matéria, mas no momento da criação era cheia de razão e fora arranjada por ela; assim, a alma do mundo foi transformada em alma divina do mundo, mas continuou a funcionar como a fonte de todo mal.
[43] O soundbite – Fenômeno comunicacional de (in)visibilidade política. A definição de soundbite, isto é, compreender o que é e como funciona o soundbite, é o problema central deste trabalho. No sentido de o tentar definir, procuramos dar resposta às perguntas reunidas no hexâmetro de Quintiliano, hoje aplicadas aos leads jornalísticos: quid (o quê), quis(quem), ubi (onde), quando (quando), cur (porquê) e quomodo (como).i) O que é um soundbite? – Uma tentativa de definição podemos tentar definir, de forma sucinta, o soundbite como uma pequena frase ou expressão sonante, retirada de um discurso político e repetida nos meios de comunicação. É uma frase de fácil memorização, cativante, que visa sintetizar a essência de todo um discurso.