No fundo idealizamos a espécie humana. A violência é eixo definidor das relações humanas. E, foge ao controle e se redimensiona com a mesma engenhosidade com a qual buscamos os limites à destruição. Hobbes havia pensado a guerra de todos contra todos era parte constitutiva das sociedades humanas. Concluiu tal pensamento justamente em Paris enquanto era tutor do futuro Rei Carlos II, quando ambos fugiam da violenta guerra civil que assolava a Inglaterra. Existia um mundo hostil e repleto de cólera.

Hobbes defendeu que para evitar a total destruição, surgia o Estado, a entendida que conteria todos por monopolizar a violência. O Leviatã que dá título à obra mais conhecida de Hobbes, foi somente publicada dois anos depois de seu retorno da França, representava o maior monstro de todos os oceanos. A anomalia aquática era uma metáfora bíblica, que estava no tipo do poder das criaturas, e com seu tamanho e potência, estabeleceria a paz possível. A guerra de todos contra todos seria, enfim, detida pelo Estado forte, o leviatã.

Mesmo nos textos sagrados há tradicionalmente, páginas violentas e sangrentas, contendo ainda a incitação ao ódio, o esforço de muitas religiões é na direção de controlar a natureza degenerada da espécie humana.

Na lógica de Walter Benjamin, precisamos conter a violência é porque, sem a mordaça, a tendência da boca humana é mesmo gritar e morder. A tradicional utilidade das entidades religiosas e organizadas é concentrar o mal e a violência em atividades e ideias que possam ser focadas nas quais a destruição não se alastre.

Mesmo numa cruzada ou auto de fé, o que foi popular na Idade Moderna, há muitos espetáculos de luta, que ridicularizam as vítimas, acidentes na estraga, filmes de guerra, histórias trágicas e, tudo mais que funciona e dinamiza a catarse sedutora da violência.

Ao analisarmos o nazismo como a encarnação mais perfeita da violência, todos os horrores do holocausto endossam tal ideia. E, conforme afirmava o famoso oficial nazista em seu julgamento por crimes de guerra, nos anos de 1960, Hannah Arendt refletiu que o mal não era algo assim tão excepcional que atacaria seres sádicos e malévolos. O mal, infelizmente, era banal.

E, Adolf Eichmann fora o alvo da cientista política, mostrava-se como um bom pai de família e exemplar na convivência social cotidiana. Era um homem calmo dominantemente, organizado, e ordinário em muitos aspectos, apesar de ter sido responsável pelo óbito de centenas de milhares de seres humanos.

Assim, a ação era monstruosa realizada por um indivíduo comum. Enfim, na obra Eichmann em Jerusalém traduz claramente que a violência está bem próxima de nós.  Os norte-americanos denominam a blue line que é metáfora sobre a cor azul do uniforme do policial, apontando a tênue linha que separa a sociedade ordeira da barbárie violenta.

A polícia, a lei o sistema de costumes e regras morais garantidos pela punição corresponde ao reforço dessa fronteira delicada que divorcia, de

forma invisível, a coesão social do horror. Enfim, a sociedade humana caminha em paz tal como um elefante numa loja de cristais. É curioso como um rio de ódio flui de forma perene sob as águas que, superficialmente, são calmas. Basta um gesto, uma frase que tudo desaba.

E a pulsão de morte freudiana ressuscita o caráter primitivo do ser humana. A força catártica gera explosões de violência e são uma constante na história da humanidade. Enfim, há poucos momentos de harmonia na história e, tocar avena e tanger a harpa em pleno campo florido com cordeiros é apenas mais um sonho árcade. Pelo menos, não morremos hoje, o que já é um alívio. Porém, jamais uma redenção.