Segundo dados da “Pesquisa de Percepção dos Impactos da Covid-19 nos setores Cultural e Criativo do Brasil”, realizada pela Unesco em parceria com o Fórum Nacional da Cultura, Sesc e USP e cujo espectro abarca os meses de junho (quando da entrada em vigor da Aldir Blanc) e setembro do ano passado, 69,4% dos trabalhadores do setor cultural eram pessoas físicas, contra 30,6% de pessoas jurídicas. Dessas pessoas físicas, 55,12% são autônomos ou informais e dos trabalhadores organizados em empresas, 42,89% são microempreendedores individuais. Esses dados já mostram a cara e a vulnerabilidade do setor, composto, quase que majoritariamente, por artistas: 38,8%, ou seja, pessoas que, de repente, se encontraram face a um duplo problema: a perda de renda e a necessidade de organizarem-se do ponto de vista jurídico, tendo, certamente, pouca ou nenhuma experiência no setor.
No ano de 2019, estimou-se, segundo dados do Ipea, que 5,8% do total de ocupados no país fossem ligados ao setor cultural. Não conseguimos encontrar este dado atualizado para o ano passado, mas, consoante à própria Unesco, cerca de 44% das organizações culturais demitiu a totalidade de seus empregados; houve uma redução de 43,16% de contratação de serviços culturais, com relevante impacto no setor de feiras e festivais. Isso significa uma óbvia retração da participação do setor no Produto Interno Bruto nacional.
No caso capixaba, os números, infelizmente, também não são muito animadores. No nosso Estado, segundo dados da Unesco com recorte dado pela Secult, 76,5% dos trabalhadores culturais são pessoas físicas, majoritariamente autônomos e informais, com percentual de 67,74%, contra 23,5% de pessoas jurídicas, majoritariamente microempreendedores ou representantes de coletivos ou comunidades. A capital ainda contém a situação hegemônica de 24% de participação nesse bolo, tendo como mais relevante o setor de música, tanto em participação de pessoas físicas (com 37,7%) quanto pessoas jurídicas (com 8,2%).
Como no caso nacional, no Espírito Santo, a função de artista é a mais desempenhada, com 35,48%. A participação do trabalho cultural na renda familiar é de 24,19% entre 40 a 50% do lar, o que é bastante relevante e também preocupante: nos períodos de março a abril de 2020 e de maio a julho do mesmo ano, foi registrada uma perda total de receita para a maioria dos participantes, respectivamente: 53 e 54,3%. No período de novembro de 2020 a janeiro de 2021, 29,63% dos profissionais da cultura disseram ter amargado perda de 100% de renda, percentual bastante relevante, levando em consideração, sobretudo, que pouco mais da metade dos profissionais dessa cadeia, no Estado, conseguiram migrar para o virtual (64,52%), contra 45% no caso nacional, no primeiro trimestre do ano passado.
É indubitável e praticamente impossível falar de setor cultural brasileira sem citar a Lei Aldir Blanc. Porém, um dado da pesquisa da Unesco nos chama a atenção: segundo o relatório do órgão, 7,11% dos atores culturais obtiveram, como fonte de renda, incentivos fiscais. O número é bastante pequeno se se considerar que, no Brasil, 55,89% dos profissionais das áreas auferem receita da prestação de serviços. Cremos, portanto, que por trás de uma cifra tão pequena, grandes questões podem ser colocadas: em primeiro lugar, o desconhecimento da classe quanto às leis de incentivo cultural e seu mecanismo, criando, muitas vezes, uma burocracia tal que mais desestimula que convida à participação; em segundo lugar, a falta de divulgação ou a divulgação cheia de ruídos de comunicação. Cremos, no entanto, em recrudescimento, opinião que deixamos em um artigo anterior. Esperamos, assim, que, com a imunização da população, os efeitos da Aldir Blanc e os editais que começam a aparecer aqui e ali, tenhamos uma reversão, ainda que inicialmente tímida, desse quadro.