SUSPENSÃO DO ARTIGO 29 PELO STF

Na última semana, o Plenário do STF suspendeu os efeitos do art. 29 da MP 927/2020, o qual estabelecia que os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Contudo, isso não significa que, a partir de agora, o empregador será automaticamente responsável caso algum empregado contraia o vírus.

De acordo com o Ministro Alexandre de Moraes, o art. 29 deveria ser suspenso por ofender o direito de inúmeros trabalhadores que atuam em atividades essenciais, os quais estão expostos ao coronavírus – como, por exemplo, profissionais da saúde.

Como se observa, o Ministro supracitado destaca a possibilidade de se considerar a COVID-19 como doença ocupacional no caso dos trabalhadores de atividades essenciais. Porém, não parece razoável que a configuração do coronavírus como doença ocupacional ocorra de modo automático.

De acordo com o princípio da alteridade (art. 2º da CLT), os riscos do empreendimento correm por conta do empregador. Nesse sentido, cabe a este adotar as medidas de higiene necessárias para manter o ambiente de trabalho salubre. Tal regra já vem consagrada na Consolidação das Leis do Trabalho e, nesse período de pandemia, a aplicação da norma se apresenta, com muito mais razão, crucial.

Assim, cabe ao empregador tomar as providências necessárias para evitar o contágio entre os empregados, como, por exemplo, distribuir máscaras de proteção, fornecer álcool em gel para limpeza das mãos, higienizar constantemente o local de trabalho e distribuir cartilhas educativas a respeito da COVID-19. Referidas atitudes se mostram ainda mais necessárias quando o próprio ambiente de trabalho oferece risco elevado de contágio, a exemplo dos hospitais.

Desta feita, caso o empregador não se mostre diligente quanto às medidas de prevenção de contágio sobreditas, de modo a colocar em risco a saúde dos respectivos empregados, mostra-se razoável que seja responsabilizado por doença ocupacional. Afinal, seria impensável que o empregado que trabalha em serviço essencial seja obrigado a laborar em local que não segue minimamente as normas de higiene amplamente divulgadas pelo governo. Nesse caso, haverá presunção do nexo causal, ou seja, presume-se que o dano causado à saúde do empregado decorreu do exercício de suas atividades laborais.

Tal entendimento, de igual forma, poderia incidir nas hipóteses em que o empregador, não atuando em atividades essenciais, contraria as medidas de quarentena determinadas pelos governos estaduais e municipais e mantém ativa as respectivas atividades, ou também, na hipótese em que, mesmo o empregador atuante em atividades não essenciais, mas com a permissão de funcionamento pelo governo, não adote as precauções de higiene necessárias para se evitar a propagação do vírus, pelo período que durar o estado de calamidade pública.

Nesse caso, estando configurada a doença ocupacional – inserida no art. 20 da Lei nº 8.213/91 –, incidiria para o empregado os direitos inerentes a ela: afastamento nos primeiros 15 dias por conta do empregador e auxílio pago pelo INSS a partir do 16º dia de afastamento, além de 12 meses de estabilidade no emprego, não podendo o empregado ser dispensado sem justa causa.

Nessa linha, como já afirmado, a responsabilização automática do empregador não se mostra razoável, assim, não há como se aceitar que qualquer trabalhador que apresente sintomas de coronavírus requeira direitos decorrentes de doença ocupacional.

Ora, a COVID-19 é de fácil contágio e pode ser transmitida em qualquer lugar, inclusive, pode o empregado ser contaminado dentro da própria casa, por membros da família que tiveram contato com outras pessoas. Além disso, há a possibilidade de o empregado, por sua própria negligência, não tomar as medidas de proteção corretas fora do ambiente de trabalho. Nesse sentido, transferir para o empregador, pura e simplesmente, a responsabilidade de uma doença ocupacional se o empregado for diagnosticado com a enfermidade em questão é desproporcional.

Tal situação geraria para o empregador um ônus impossível, qual seja, comprovar que o contágio do empregado não ocorreu no ambiente de trabalho – configuraria, assim, prova diabólica.

Dessa forma, a decisão pela suspensão do art. 29 da MP 927/2020 se apresenta como meio de proteção aos trabalhadores que atuam em atividades essenciais e como forma de salvaguardar a saúde dos trabalhadores dos demais setores contra a negligência do empregador no ambiente de trabalho – o que se mostra coerente com as normas celetistas e com os princípios da proteção ao trabalhador, da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Contudo, não parece razoável deslocar para o empregador a responsabilidade de assumir toda e qualquer ocorrência de coronavírus como doença ocupacional, devendo-se, portanto, analisar o caso concreto quanto às medidas de higiene e proteção adotadas no local de trabalho. Assim, é possível estabelecer equilíbrio na relação entre empregado e empregador: este cumpre seu papel em proporcionar ambiente de trabalho salubre, e aquele cumpre seu papel em seguir as regras de higiene e de prevenção do contágio, dentro e fora do ambiente de trabalho.