“Fulano era o gerente de um determinado setor numa fábrica. Assim, ele era encarregado de comandar mais de vinte pessoas e assim o fazia com mão de ferro. E o fazia contabilizando os minutos que cada funcionário levava pra ir ao banheiro, fazia terror psicológico com eles, dizendo que se não batessem as metas seriam demitidos entre vários outros abusos. Ciclano, inconformado com isso, pediu demissão e procurou um advogado para ajuizar ação contra a empresa pelo ASSÉDIO MORAL sofrido. Meses depois, na sentença, o resultado disso: uma vultuosa indenização para Ciclano em razão do assédio cometido por Fulano.”
Isso poderia ser apenas uma historinha saída da minha cabeça, mas é a realidade de milhares de brasileiros e brasileiras todos os dias. Por diversas vezes, seja por desconhecimento ou por pura vontade de exercer o poder, a chefia das empresas extrapola o poder diretivo e disciplinar e acaba por cometer assédio moral contra seus funcionários.
A dúvida que pode pairar na cabeça de muitos é: qual o limite entre o poder diretivo e disciplinar do empregador e o assédio moral ao empregado?
A RESPOSTA, A GROSSO MODO, É O BOM SENSO.
Tomemos por exemplo a demissão. É facultado ao empregador admitir e demitir sem justa causa quem ele bem entender, desde que isso não resulte em demissão discriminatória. Dentro desse poder, o empregador pode demitir um funcionário que não esteja produzindo o suficiente ou não esteja empenhado em bater as metas. E é a forma como empregador exerce esse poder de demissão que vai nos dizer se houve ou não assédio moral ao empregado.
Imaginemos que José seja um vendedor numa loja de carros. Infelizmente nos últimos tempos ele não tem batido a meta de vendas estipuladas pela sua gerência. Observando isso, João, seu gerente, o chama para uma reunião. Nessa reunião são discutidas as metas e objetivos e João informa que, caso José não melhores os seus resultados, ele será desligado da empresa.
Num outro universo, cada vez que José não consegue fechar uma venda com algum cliente, João diz de forma sarcástica e ameaçadora que “se continuar daquele jeito ele ia parar no olho da rua”, causando uma enorme pressão e terror psicológico em José.
A diferença no tratamento, na forma de repassar a comunicação e até mesmo na forma de advertir o funcionário muitas vezes é o que vai diferenciar o exercício do poder diretivo e disciplinar de forma respeitosa, do assédio moral que fere, traumatiza e até mesmo adoece o empregado.
O QUE PENSAM OS TRIBUNAIS SOBRE ISSO?
Posto isso, temos decisões diversas nos tribunais do trabalho sobre isso:
ASSÉDIO MORAL. AMEAÇAS DE DEMISSÃO. DANO MORAL. RESCISÃO INDIRETA. O empregador pode, sem excessos, exigir do trabalhador o cumprimento de metas, eficiência, qualidade ou outras tantas características que representam os princípios ou os anseios da empresa. Em verdade, o empregador não comete ilícito quando expõe aos empregados com clareza, mas sem excessos de linguagem ou outra qualquer conduta nociva, que podem ser dispensados se não atenderem os anseios da empresa, como o cumprimento de metas de venda ou outra meta qualquer.[…]”
(TRT-2 10003580320145020607 SP, Relator: MARIA ELIZABETH MOSTARDO NUNES, 12ª Turma – Cadeira 5, Data de Publicação: 03/07/2014)
RECURSO ORDINÁRIO. DANO MORAL. CUMPRIMENTO DE METAS. AMEAÇAS DE DEMISSÃO. A ameaça de demissão por parte de superior hierárquico em razão do não cumprimento de metas configura abuso do poder diretivo, caracterizando a prática de ato ilícito capaz de produzir no trabalhador a lesão reclamada a título de dano moral.
(TRT-1 – AP: 00112206120135010074 RJ, Relator: JOSE ANTONIO PITON, Data de Julgamento: 14/06/2017, Segunda Turma, Data de Publicação: 22/06/2017)
ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO INADEQUADO E HUMILHANTE. AMEAÇA DE DEMISSÃO. O assédio moral é caracterizado pelas condutas abusivas reiteradas, por parte do empregador, direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, que afetem o estado psicológico do empregado, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho e no exercício das funções profissionais.[…]
(TRT-1 – RO: 01014459820165010082 RJ, Relator: ROBERTO NORRIS, Data de Julgamento: 20/05/2020, Quarta Turma, Data de Publicação: 29/05/2020)
ENTÃO O QUE PODE SER FEITO PELO EMPREGADO?
Existem alguns remédios jurídicos que podem ser aplicados nesses casos pelo empregado. Caso o empregado já tenha sido demitido, resta a ele pleitear em ação trabalhista indenização por danos morais advindos do assédio moral sofrido. Caso ainda esteja trabalhando, a solução é a ação trabalhista de rescisão indireta, disposto no art 483 da CLT:
E O QUE PODE SER FEITO PELA EMPRESA?
A empresa trabalha de forma preventiva, treinando e orientando seus gerentes e supervisores sobre como proceder no trato e principalmente na forma de advertir os funcionários. Um bom programa de Compliance corporativo pode ser uma boa solução para isso e evitar futuras ações judiciais e pagamentos de indenizações.
MAS FIQUE ATENTO!
O assédio moral não é encontrado apenas em casos de ameaça de demissão. Quaisquer comportamentos opressores do empregador que gerem transtornos emocionais ao empregado, podem se encaixar no assédio moral. Perseguição, discriminação, retirada injustificada de cargos e salários, excesso de vigia… a lista é bem extensa. Entretanto, certas atitudes como limitar o uso de celular, vigiar o e-mail corporativo e histórico de internet dos computadores da empresa, entre outras atitudes, não configuram o assédio moral.
O ideal, caso você esteja passando por uma situação dessas, é procurar um advogado de confiança e explicar a situação para receber a melhor orientação possível.