Na dúvida, prenda o réu!
Autoras: Camila Mattos Simões
Coautora: Naiane Valéria de Souza
O Representante do Ministério Público pugna pela decretação da prisão preventiva. Garantia da ordem pública. Conduta praticada afigura-se extremamente grave. Modus operandi revela a periculosidade do réu. Medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes. O cárcere é a medida rigor para esse fim. Em prol da sociedade, espera-se deferimento.
Prova da materialidade. Ausência de indícios suficientes da autoridade delitiva. Primário, bons antecedentes, trabalho lícito e residência fixa. Condições pessoais favoráveis do agente são irrelevantes. Gravidade abstrata do crime. Argumentos frágeis que autorizam o decreto prisional, mas se o Parquet pediu, na dúvida, prenda o réu.
Família destruída. Visitas quinzenais com duração máxima de 20 (vinte) minutos no parlatório. Assistência jurídica gratuita precária ou inexistente. Falta de informações do processo. Demora na prestação jurisdicional. Decisões genéricas e desprovidas de fundamentação. Sistema prisional superlotado. Direitos humanos vilipendiados. Indivíduo que carrega a amarga experiência de dias intermináveis no cárcere.
É evidente que os protagonistas da relação processual possuem posições, poderes e recursos distintos que não permitem a paridade de forças.
Afim de minimizar ou erradicar as desigualdades entre os sujeitos processuais, o legislador busca adequar as normas que compõe o ordenamento jurídico aos anseios atuais, como fez no Pacote Anticrime. O referido diploma legal reformou a legislação processual penal no que tange as prisões, medidas cautelares e liberdade provisória, enfatizando o que já era sabido, por exemplo, o cárcere cautelar como “ultima ratio” e inovando quanto a vedação da antecipação do cumprimento da pena; revisão pela autoridade judicial da prisão provisória a cada 90 (noventa) dias e a obrigação do decreto prisional apresentar fatos novos e contemporâneos que justifiquem o encarceramento.
Com efeito, a simples atenção destes ditames legais aos processos criminais em andamento garantiria a vários indivíduos, presos provisoriamente, o direito de responder a ação penal com medidas menos invasivas. Contudo, o que vemos é a manutenção “status quo” e a morte de uma lei que acabará de nascer.
O hiato existente entre teoria e a prática ocasiona o colapso do sistema penitenciário e desperta na sociedade o desejo da punidade (leia-se por decretações de prisões e o cerceamento de seus direitos basilares). Por conseguinte, o direito penal do fato perde espaço para o direito penal do inimigo.
Todavia, os processos criminais não podem ser tratados de forma automática como mero amontoado de papel ou como um projeto arquitetônico que envolve números. Não é responsabilidade de uma ciência humana tratar indivíduos como um algoritmo, mas sim como um sujeito de direitos e garantias que em hipótese alguma deve ser cerceado deles.
Salientar que cada caso deve ser apreciado de maneira individual e pormenorizada, sem amarras midiáticas ou com viés da vingança relembrando tempos remotos. É preciso oportunizar o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, passando uma interpretação sistemática do ordenamento processualista penal prestigiando direitos e garantias constitucionais. Evitando assim que o agente seja apenas mais um número dentre tantos nas estatísticas. Possibilitando, no futuro, uma ressocialização do indivíduo, quando necessário o cumprimento de pena, seja reinserido na sociedade de forma digna.
Ademais, sem romantização do nosso ordenamento jurídico, mas com olhos nos olhos para a realidade, deve ser a justiça menos seletiva, viabilizando a igualdade de tratamento entre acusação e defesa durante toda prestação jurisdicional. Caso contrário, teremos uma loteria, no qual a depender do magistrado e seu livre convencimento já teremos a certeza do acolhimento da pretensão punitiva estatal.