A morte de Ruth Bader Ginsburg

Pouco mais de um mês atrás escrevi este artigo em que falava da grave condição da saúde da juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg, e as implicâncias de sua eventual aposentadoria ou morte neste momento específico da história americana.

Na sexta-feira, com o anúncio de sua morte aos 87 anos depois de uma luta implacável contra o câncer, um terremoto de proporções apocalípticas entrou em curso nos Estados Unidos. Para aqueles que não estão razoavelmente familiarizados com a política norte-americana, talvez seja difícil entender o que está em jogo, e como a indicação do sucessor de uma única juíza pode alterar o equilíbrio politico do país por gerações.

Como já dito, caso o indicado por Trump para suceder Ginsburg seja aprovado, a Suprema Corte passará a ter entre os nove juízes que a compõe seis conservadores e apenas três liberais, firmando uma maioria absolutamente conservadora jamais vista na Era moderna.

Este é o primeiro e talvez mais relevante aspecto da sucessão. Tendo mandato vitalício, a expectativa mais conservadora projeta que os indicados por Trump permanecerão na Corte por três ou quatro décadas. Os casos submetidos à Corte que Trump agora modela certamente redefinirão precedentes e a doutrina jurídica dos Estados Unidos das próximas gerações.

A mais emblemática decisão que os liberais temem ser revertida é a de Roe vs. Wade, caso que reconheceu o direito à interrupção voluntária da gravidez em 1973. No entanto, outras questões podem sem desencadeadas em função da sucessão de Ginsburg.

Em 2016, o ultraconservador Antonin Scalia morreu em 13/02/2016, 269 dias antes da eleição. O indicado de Obama para a vaga, Merrick Garland, não teve sua indicação votada no senado durante todo aquele ano. A alegação de Mitch McConnell, líder da maioria Republicana no Senado, era de que o novo presidente deveria ter voz na indicação.

Como se sabe, Trump derrotou a Democrata Hillary Clinton, a indicação de Obama caducou e Trump indicou Neil Gorsuch para a vaga.

Agora, com a morte de Ginsburg a 46 dias da eleição, os democratas insistem que o líder da maioria utilize o precedente criado por ele na morte de Scalia, deixando a vaga aberta em um ano eleitoral para o presidente eleito, que pode ser mesmo Trump, caso reeleito, ou o democrata Joe Biden. Mas os republicanos não parecem dispostos a abrir mão de uma oportunidade única na história apenas para manterem coerência e respeitar precedentes.

A batalha, no entanto, deve ser sangrenta. Os republicanos tem uma maioria de 53 a 47 sobre os democratas no senado, onde a indicação deve ser aprovada por maioria simples. Duas senadoras republicanas, Lisa Murkowski (Alaska) e Susan Collins (Maine), já indicaram que devem respeitar o precedente e não votar a indicação do novo juiz antes da posse do novo presidente. Caso haja empate, o voto de minerva cabe ao vice-presidente Mike Pence.

Mas não termina aí. A determinação de que a Suprema Corte conte com nove juízes não é definida pela Constituição Americana, vaga quanto a este tópico. Agora, diante da iminente manobra Republicana para quebrar o precedente criado nas eleições de 2016, os Democratas, otimistas na eleição de Biden e na retomada do Senado, ameaçam aumentar o número de vagas da Suprema Corte para reestabelecer o equilíbrio, caso quebrado.

A poucas semanas da eleição presidencial, a indicação de Trump e o processo de confirmação pelo senado terão um peso eleitoral inegável. Apontada como uma das favoritas para a vaga aberta, Barbara Lagoa seria indicada para agradar aos latinos da Flórida, estado que Trump precisa repetir a vitória de 2016 diante do pessimismo em outros estados-chave onde ganhou a eleição anterior e não deve repetir o resultado.

Da mesma forma, diversos senadores republicanos, que devem enfrentar reeleições difíceis em novembro, se veem amedrontados diante da possibilidade de apoiar a decisão do partido em votar uma indicação neste contexto, e temem o julgamento das urnas.

Independente do caminho adotado por Trump na indicação, e do Senado ao apreciá-la, a única certeza é de que a sucessão de Ginsburg produzirá efeitos duradouros nas próximas décadas.