Legalização da Educação Domiciliar
É possível que uma maior aceitação da educação domiciliar, prática conhecida pela expressão em inglês “homeschooling”* seja um legado das mudanças sociais trazidas pela Pandemia COVID-19 no Brasil
Apesar de praticada e regulamentada em mais de 60 países (incluindo EUA, Canadá, França, Itália), no Brasil o homeschooling não é regulamentado por lei, o que gera insegurança jurídica para milhares de famílias.
O que diz a nossa legislação
Diz o artigo 205 da Constituição Federal de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Entretanto, em 2013 a Lei de Diretrizes Básicas da Educação foi reformada e passou a incluir a seguinte redação:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio;
Assim, foi considerado que a matrícula em escola é obrigatória. Portanto, na ausência de lei que a autorize, na prática, famílias que educam em casa correm o risco de serem processadas judicialmente pelas autoridades, por Conselhos Tutelares e Ministérios Públicos.
Caso emblemático
Foi o que aconteceu quando os pais de uma menina de 11 anos se tornaram réus de um processo por meio da denúncia da secretaria municipal de Educação de Canela (RS). Após recursos, a matéria foi avaliada pelo STF em setembro de 2018 (Recurso Extraordinário (RE) 888.815). O STF determinou que a criança fosse matriculada na rede regular de ensino e emitiu o entendimento de que, por não haver legislação específica regulamentando a prática, o ensino domiciliar não é permitido no país.
Mas mesmo após a decisão do STF, de acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) calcula haver no Brasil entre 5 a 6 mil famílias educando os filhos em casa, assumindo o risco de sofrer por exemplo uma ação criminal por abandono intelectual.
Geralmente, essas famílias entendem que é a melhor opção e educam os seus filhos aplicando os conteúdos escolares em casa com aulas ministradas pelos próprios pais ou por professores particulares. Após os 15 anos de idade mais ou menos, os adolescentes são matriculados em cursos supletivos e fazem a prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) para obter uma certificação formal.
Na Câmara de Deputados, o assunto é tema de projetos de lei emperrados desde 2012 (PL 3179/12 e apensos).
O fato é que em muitos municípios já fazem dois meses que as escolas estão fechadas. Imediatamente, as escolas particulares precisaram se adaptar e criar o ensino remoto, e a realidade hoje é praticamente a EAD no ensino regular, inclusive na pré-escola!
A situação atual assemelha-se em alguns aspectos ao modelo da educação domiciliar. Por exemplo, com os pais participando muito mais ativamente da educação dos filhos e com o fato de as atividades serem desempenhadas em casa. Mas vale frisar que quarentena não é homeschooling. A educação domiciliar, em inglês, homeschooling, envolve diversas atividades educativas fora de casa.
A esperança de milhares de famílias que desejam ensinar o conteúdo escolar para seus filhos sem a obrigatoriedade de matrícula em uma escola é que em breve o Congresso promova a votação do projeto de lei que legaliza e regulamenta essa prática. Além disso, no âmbito social, o que muitos esperam é a quebra de preconceitos que existem no Brasil com famílias que fazem a opção pelo ensino domiciliar.