Resumo: O presente estudo pretendeu explicar didaticamente o conceito, funcionamento e poderes as Comissões Parlamentares de Inquérito, notadamente, em face do atual momento político do Brasil.

Palavras-Chave: CPI. Direito Constitucional. Investigações. Controle do Poder Legislativo. Controle Constitucional.

 

Estão previstas no artigo 58, §3º na CF/1988 e regulamentadas nas Leis 1.579/1952 e 10.001/2000, e ainda, na Lei Complementar 105/2001, nos artigos 35 e seguintes do RICD (Regimento Interno da Câmara dos Deputados), artigos 145 e seguintes do RISF (Regimento Interno do Senado Federal) e 21 do RICN (Regimento Interno do Congresso Nacional)[1].

São organismos instituídos por tempo determinado para realizar a apuração de fato determinado de interesse público e, suas conclusões, e for o caso, devem ser encaminhadas ao Ministério Público e demais autoridades administrativas a fim de que seja realizada a devida apuração de responsabilidade civil e criminal dos infratores. Conveniente ainda frisar que o Poder Legislativo, além de função precípua de legislar, exerce igualmente a função típica fiscalizatória. E, tal poder fiscalizatório é sinalizado por diversos dispositivos constitucionais.

O art. 49, X, por exemplo, dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

O art. 70, por sua vez, avisa que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.

Nesse passo, certo é que a CPI exerce função típica investigatória do Poder Legislativo, com grande relevância na fiscalização e controle da administração em geral, sendo um dos mecanismos integrantes do sistema de freios e contrapesos.

Esse órgão tem o poder de investigar pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado que supostamente ofendam interesse público.

Os requisitos para as CPIs são três, a saber:

1º) Requerimento de pelo menos um terço de membros da Casa onde será aberta a CPI. Na Câmara dos Deputados, é necessário quórum de 171 Deputados (o que corresponde a 1/3 de 513), e no Senado Federal, 27 Senadores (1/3 de 81).

Se a CPI for mista (criada pelo Congresso Nacional), o art. 21 do RICN dispõe: “Serão criadas em sessão conjunta, sendo automática a sua instituição se requerida por 1/3 (um terço) dos membros da Câmara dos Deputados mais 1/3 (um terço) dos membros do Senado Federal. Parágrafo único. As Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito terão o número de membros fixado no ato da sua criação, devendo ser igual à participação de Deputados e Senadores, obedecido o princípio da proporcionalidade partidária”.

É bom explicar que, conquistando o quórum constitucional de 1/3, a CPI será aberta, mesmo que os outros 2/3 fiquem descontentes. Isso se dá em razão do direito de oposição e pelo direito público subjetivo das minorias.

Curiosamente, percebe-se que a minoria possui o direito de criar a CPI, porém, sua composição deverá respeitar a proporcionalidade de partidos e blocos parlamentares existentes na Casa onde será aberta. Nesse patamar, a minoria cria, porém, a maioria acaba conduzindo os trabalhos da dita comissão.

Convém, sublinhar que o fato determinado não precisa ser único. Tanto que a CPI poderá inclusive investigar mais de um fato, desde que haja pertinência entre estes e, sejam determinados.

Até porque, mesmo que seja instaurada a CPI para um fato, nada impede que se descubram também outros fatos conexos nos cursos da CPI e, que sejam integrados, no objeto da investigação, bastando que ocorram aditamento do objeto inicial da comissão.

2º) Ter por objeto a apuração de fato determinado.

O art. 35, § 1.º, do RICD considera “fato determinado” o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da comissão. O fato determinado não precisa ser único. A comissão pode inclusive investigar mais de um fato, desde que exista pertinência entre eles e sejam determinados.

Até porque, mesmo que seja instaurada CPI para um fato, nada impede que se descubram outros fatos conexos no curso da CPI e sejam integrados no objeto da investigação, bastando que ocorra um aditamento do objeto inicial da comissão.

Se cada CPI apura fato específico, surge uma dúvida por reboque: há limites de comissões de inquérito? O art. 35, § 4.º, do RICD limita a cinco por vez, salvo mediante projeto de resolução com o quórum de apresentação de um terço. O STF já declarou constitucional esse dispositivo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que limita o número de Comissões Parlamentares de Inquérito concomitantes.

Em razão da autonomia ínsita a cada Casa legislativa, nada impede que este fato determinado seja investigado nas duas Casas, em separado, podendo assim ser criadas CPIs simultâneas, nos dois órgãos, para investigar o mesmo fato.

O art. 146 do regimento interno do Senado Federal veda criação de CPI que discuta matéria pertinente:

I – À Câmara dos Deputados – em razão da autonomia das casas. A recíproca, neste caso, é verdadeira. Isto é, não pode a Câmara dos Deputados investigar matéria pertinente ao Senado Federal;

II – Às atribuições do Poder Judiciário – Atos de natureza jurisdicional não podem ser investigados em CPI sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes[2]. Contudo, nada impede que CPI investigue atuação atípica (administrativa, v.g.) do Poder Judiciário, como, por exemplo, uma licitação fraudulenta realizada por um Tribunal Superior.

III – aos Estados – em respeito ao pacto federativo, não pode a CPI federal investigar fatos atinentes à competência dos Estados nem do Distrito Federal ou Municípios, pois este ato geraria interferência indevida da União na autonomia de outros entes federados.

Mediante projeto de resolução com o quórum de apresentação de um terço. O STF já declarou constitucional esse dispositivo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que limita o número de Comissões Parlamentares de Inquérito concomitantes.

Em razão da autonomia ínsita a cada Casa legislativa, nada impede que este fato determinado seja investigado nas duas Casas, em separado, podendo assim ser criadas CPIs simultâneas, nos dois órgãos, para investigar o mesmo fato.

O art. 146 do regimento interno do Senado Federal veda criação de CPI que discuta matéria pertinente: à Câmara dos Deputados – em razão da autonomia das casas. A recíproca, neste caso, é verdadeira. Isto é, não pode a Câmara dos Deputados investigar matéria pertinente ao Senado Federal; às atribuições do Poder Judiciário – Atos de natureza jurisdicional não podem ser investigados em CPI sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Contudo, nada impede que CPI investigue atuação atípica (administrativa, v.g.) do Poder Judiciário, como, por exemplo, uma licitação fraudulenta realizada por um Tribunal Superior. aos Estados – em respeito ao pacto federativo, não pode a CPI federal investigar fatos atinentes à competência dos Estados nem do Distrito Federal ou Municípios, pois este ato geraria interferência indevida da União na autonomia de outros entes federados.

A ideia de criação de CPI busca tornar mais efetivo e rigoroso o controle sobre toda a máquina estatal, por isso é óbvio que descabe instauração de CPI para investigar atos privados, sem repercussão sobre o interesse público.

Descabe instauração de CPI para investigar atos privados, sem repercussão sobre o interesse público.

3º) Ter prazo certo de funcionamento.

O art. 35, § 3.º do RICD prevê que a comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos.

Não obstante haver prazo específico, nada impede prorrogações sucessivas dentro da mesma legislatura, nos termos da Lei 1.579/1952. Observe-se, porém, que o termo final de uma CPI será no máximo, necessariamente, o término da legislatura (art. 76, § 4.º, do RISF). O número de componentes da CPI será indicado no requerimento de abertura (arts. 35, § 5.º, do RICD, e 145, § 1.º, do RISF).

Ponto importante do estudo é verificar quais os poderes e limites da CPI. De início, há uma impropriedade no termo utilizado na Constituição ao dispor sobre CPI, uma vez que afirma que as Comissões Parlamentares de Inquérito terão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, § 3.º).

Essa expressão soa estranha na medida em que somos um país que adotou o sistema acusatório e o Judiciário, em princípio, não tem “poderes de investigação”.

Contudo, a explicação está na fonte de inspiração para elaboração do texto contido no art. 58, § 3.º da Constituição brasileira: art. 82 da Constituição italiana de 1947 e art. 178. 4. 5. da Constituição portuguesa de 1976. Em ambas os constituintes desses países utilizaram o termo “poderes de investigação próprio das autoridades judiciais”, o que não poderia ter sido internalizado em nosso País, vez que não possuímos juizados de instrução.

O art. 36 do RICD versa sobre os poderes da CPI, concedendo às comissões da Câmara os poderes de:

  1. a) requisitar funcionários dos serviços administrativos da Câmara, bem como, em caráter transitório, os de qualquer órgão ou entidade da administração pública direta, indireta e fundacional, ou do Poder Judiciário, necessários aos seus trabalhos;
  2. b) determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos, requerer a audiência de Deputados e Ministros de Estado, tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais e requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais;
  3. c) incumbir qualquer de seus membros, ou funcionários requisitados dos serviços administrativos da Câmara, da realização de sindicâncias ou diligências necessárias aos seus trabalhos, dando conhecimento prévio à Mesa;
  4. d) deslocar-se a qualquer ponto do território nacional para a realização de investigações e audiências públicas;
  5. e) estipular prazo para o atendimento de qualquer providência ou realização de diligência sob as penas da lei, exceto quando da alçada de autoridade judiciária; f) se forem diversos os fatos inter-relacionados objeto do inquérito, dizer em separado sobre cada um, mesmo antes de finda a investigação dos demais. E, por fim, dispõe que as Comissões Parlamentares de Inquérito valer-se-ão, subsidiariamente, das normas contidas no Código de Processo Penal.

Já o Senado Federal é mais sucinto, repetindo previsão do art. 2.º da Lei 1.579/1952, ao dispor que “no exercício das suas atribuições, a comissão parlamentar de inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, facultada a realização de diligências que julgar necessárias, podendo convocar Ministros de Estado, tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir testemunhas, sob compromisso, ouvir indiciados, requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias” (art. 148 do RISF).

Por fim, o art. 2º da Lei 1.579/1952, alterado pela Lei 13.367/16 pontua: “No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar da administração pública direta, indireta ou fundacional informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença”, seguido pelos art. 3º§.

1º “Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, nos termos dos arts. 218 e 219 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 –A);

  1. b) Código de Processo Penal.” e art. 3°-A. “Caberá ao presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, por deliberação desta, solicitar, em qualquer fase da investigação, ao juízo criminal competente medida cautelar necessária, quando se verificar a existência de indícios veementes da proveniência ilícita de bens.”

Desta sorte, as comissões estudadas possuem poderes para colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante elas para depor.

O STF impõe observância da regra de convocação constantes no Código de Processo Penal. Nesses termos, “não é viável a intimação por via postal ou por via de comunicação telefônica. A convocação deve ser feita pessoalmente”.

E mais, essas comissões devem observar, da mesma forma, a prerrogativa concedida, pelo Processo Penal, a determinadas autoridades de marcar dia e hora para serem inquiridas.

A respeito do poder de oitiva, há a seguinte jurisprudência que merece destaque:

Juiz não será intimado para depor sobre o conteúdo de sentença proferida, em razão do princípio da livre convicção, persuasão racional e independência do magistrado.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Comissão parlamentar de inquérito. Convocação de magistrado para prestar depoimento em face de decisões judiciais. Constrangimento ilegal caracterizado.  1. Configura constrangimento ilegal, com evidente ofensa ao princípio da separação dos Poderes, a convocação de magistrado a fim de que preste depoimento em razão de decisões de conteúdo jurisdicional atinentes ao fato investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Precedentes”. “2. Habeas corpus deferido” (HC 80.539/PA. Relator: Ministro Maurício Corrêa. DJ 01.08.2003). Índio pode ser inquirido por CPI, desde que dentro da aldeia indígena, em dia e hora previamente acordados com a comunidade e com a presença de um representante da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e de um antropólogo com conhecimento da mesma comunidade”.

Esposa de indiciado não deve prestar compromisso de dizer a verdade. O indiciado e testemunhas possuem direito a não autoincriminação, sendo garantido a eles o direito ao silêncio[3] quando o depoimento puder pôr em risco o referido direito constitucional.

Ministro de Estado pode ser convocado para depor, importando em crime de responsabilidade sua ausência sem justificativa adequada (art. 50 da CF).

Podem ainda determinar busca e apreensão de documentos (desde que não implique violação de domicílio), diligências, exames e perícias.

Uma das grandes prerrogativas da CPI é o poder de quebrar sigilo de dados[4]. As principais e mais famosas espécies de dados são os sigilos fiscais, bancários e telefônicos.

Por óbvio, a CPI e seus membros não poderão dar publicidade aos dados sigilosos obtidos em investigação. O órgão que decreta a quebra de dados sigilosos tem o dever jurídico de manter íntegros esses dados, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.

Para resguardar o princípio democrático, toda decisão proferida pela CPI deve ser motivada, comprovando a pertinência temática e a imprescindibilidade da medida, sob pena de ineficácia, devendo ainda conter indicação específica da diligência a ser efetuada e o prazo alcançado pela medida.

Todas essas medidas devem observar o princípio da colegialidade, ou seja, as medidas elencadas somente podem ser adotadas por deliberação da maioria absoluta dos membros da CPI.

No mais, de acordo com a jurisprudência do STF, as comissões estão restritas à cláusula de reserva jurisdicional, ou seja, a CPI encontra limites nos dispositivos da Constituição que atribuem a atuação somente ao magistrado, com exclusividade.

Nesse passo, não pode a CPI:

*formular acusações ou punir delitos, nem desrespeitar privilégios contra a

*autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha

*formular acusações ou punir delitos, nem desrespeitar privilégios contra a autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (grifo meu);

*determinar a anulação dos atos do Poder Executivo, que só pode ser feita pelo próprio Executivo (autotutela – Súmulas 346 e 473 do STF) ou pelo Poder Judiciário;

*decretar prisão de qualquer pessoa, exceto na hipótese de flagrante;

*violar a privacidade, fazendo publicar dados sigilosos dos quais requisitou à quebra;

*determinar a aplicação de medidas cautelares, tais como indisponibilidade de bens, arrestos, sequestro, hipoteca judiciária, proibição de ausentar-se da comarca ou do País;

*determinar a realização de busca domiciliar também, salvo com autorização judicial (art. 5.º, XI);

*determinar a interceptação e a escuta telefônica, que devem ser requeridas ao órgão jurisdicional competente (art. 5.º, XII).

Não se pode confundir a interceptação telefônica citada com o sigilo telefônico, pois este se trata de dados e pode ser quebrado por CPI, assim como o bancário e o fiscal.

Melhor explicando: a interceptação telefônica[5] e a escuta telefônica são espécies de quebra de sigilo das comunicações telefônicas. Isto é, nestas a conversa entre os interlocutores é ouvida. Já no sigilo telefônico o que a autoridade obtém são os dados de ligação, como os números das linhas telefônicas que mantiveram contato e o tempo de ligação.

O advogado tem livre atuação em CPI, podendo acompanhar seu cliente, contraditar testemunhas, peticionar nos autos que tramitam na comissão e assim por diante. Dessa forma, a CPI não pode impedir, dificultar ou frustrar o exercício, pelo advogado, das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei 8.906/1994.

Há, ainda outra importante restrição, se o processo judicial tramitar em segredo de justiça[6], as comissões não poderão ter acesso ao respectivo conteúdo protegido. Em outros termos, as comissões de inquérito não possuem poderes para determinar quebra de sigilo judicial.

Eventuais abusos ou ilegalidades praticadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito deverão ser controlados pelo Poder Judiciário. O órgão Judiciário competente no caso de CPI instaurada no Congresso Nacional é o STF.

O STF, de regra, entende que, caso haja conclusão dos trabalhos da CPI, os habeas corpus e mandados de segurança impetrados em razão de suas práticas restarão prejudicados.

Por fim, o art. 1.º da Lei 10.001/2000 dispõe que “os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência.

Assim, o relatório poderá ser encaminhado ao Ministério Público e, se for o caso, a outros órgãos como Secretaria da Receita Federal, Tribunal de Contas e assim por diante.

O art. 2.º da Lei 10.001/2000 dispõe: “A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão.  Parágrafo único. A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão”.

As comissões parlamentares de inquérito ou CPIs são dotadas de procedimentos e objetivos especificados constitucionalmente e caráter essencialmente investigativo.

Tal prerrogativa constitucional, porém, serve para a efetivação de competências atribuídas pelo constituinte ao Poder Legislativo. Exatamente, por essa razão que a CPI não pode ser entendida numa perspectiva isolacionista, tal como entidade autônoma,

bastante em si mesma, à livre disposição de parlamentares, para ser exercida, por exemplo, dentro de certos interesses persecutórios ou mesmo investigativos em geral.

Ao revés, trata-se de atribuição encartada na função legislativa típica, ou seja, que é circunscrita à funcionalidade primária do Parlamento, que é a de legislar.

Em decorrência do antifederativo princípio da simetria, conforme ensina Barroso, quando vertido em posição restritiva, tolhedora da liberdade autonômica, os requisitos para a criação de CPI, contidos no texto constitucional, foram considerados, pelo STF, como de observância obrigatória pelas casas legislativas do Estados-Membros.

E, com esse fundamento, declarou-se a inconstitucionalidade de dispositivo da XII Consolidação do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que impunha como condição para constituir-se a CPI, a aprovação do Plenário do seu requerimento (exigência diversa é a reserva de plenário no âmbito do próprio Congresso Nacional).

Isso porque, pela Constituição Federal, para a criação de CPI, basta requerimento de 1/3 dos membros da Assembleia Legislativa ao seu Presidente (além dos demais requisitos), não sendo necessária a deliberação plenária. Argumento mais sólido, que igualmente afastaria a constitucionalidade da exigência paulista, também utilizado pelo STF, é o de que a referida exigência plenária teria o condão de frustrar a garantia das minorias parlamentares (ADI 3.619/SP, Min. Rel. Eros Grau, julgada em 1º-8-2006, Informativo n. 434).

É verdade que a Lei 1.579/1952 dispôs sobre as CPIs, ainda sob a égide da Constituição Brasileira de 1946, explicitando algumas de suas atribuições, tais como: i) determinar diligências; ii) requerer a convocação de ministros; iii) tomar depoimento de autoridades de todas as esferas federativas; iv) ouvir os indiciados; v) inquirir testemunhas sob compromisso; vi) requisitar informações e documentos de repartições públicas ou autárquicas; vi) estar presente nos locais quando necessário à consecução de sua finalidade. É interessante registrar que essa legislação tipifica como crime tumultuar o funcionamento de CPI.

Nessa linha, acrescente-se o poder de obter “informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários”, no que se incluem as administradoras de cartões de crédito (§ 1º do art. 4º c/c o § 1º do art. 1º da Lei Complementar n. 105/2001).

Mas, para este último caso, impõe-se à CPI uma reserva de plenário, no sentido de que essas solicitações sejam previamente aprovadas pelo Plenário de alguma das Casas do Congresso Nacional ou da respectiva CPI. Em qualquer situação deverão ser respeitados os limites.

Conveniente lembrar que em setembro de 2014, o Ministro Teori Zavascki, do STF, decidiu que as CPIs têm capacidade própria para convocar pessoas para prestar depoimentos, independentemente de prévia autorização judicial, como decorrência direta de seu perfil constitucionalmente estabelecido.

Quanto a inquirir testemunhas, incide o princípio da não autoincriminação[7], de maneira que ninguém poderá ser constrangido, perante CPI, a falar a verdade acerca de fatos ou circunstâncias que possam servir para incriminação da própria pessoa.

É a posição que tem sido assentada pelo STF: “não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo perante CPI, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la”.

As comissões só podem ser formadas para a apuração de fato determinado e por prazo certo. Ou seja, a CPI deve ser: i) direcionada; e ii) temporária.

Sob (i) acentua-se que não se admitem comissões formadas para a apuração de temas amplos, abstratos, como, v. g., a “corrupção do Poder Executivo”, aquilo que Paulo Schier qualifica como “crises in abstrato”.

Será preciso indicar o fato concreto que rende ensejo a convocação de uma CPI. Não se pode tolerar, pois, como anunciado amplamente pela mídia, uma “CPI do Judiciário”, ou “da Corrupção” porque, além de desestabilizar a separação harmônica dos poderes[8], extrapola da hipótese constitucionalmente afirmada para a atuação de uma CPI, demonstrando, na maioria dos casos, mero oportunismo político ou sensacionalismo.

Conclui-se que ligada a esta restrição encontra-se exatamente o limite do âmbito competencial da CPI. Sua finalidade, se insere na derivação orgânico-institucional e, a CPI não tem um fim em si mesma, mas significa apenas um meio de alcançar o fim maior, o desempenho aperfeiçoado da sua função legislativa.

Nesse mesmo sentido, há outro limite competencial se refere à investigação da Presidência da República, porque há a prerrogativa constitucional de que o Presidente da República só seja investigado na forma do artigo 86 da CF, que exige a autorização de dois terços da Câmara de Deputados e o julgamento perante o STF (reserva de jurisdição total) ou perante o Senado Federal (conforme o caso concreto).

E, teria que apurar o sentido de fato determinado e, segundo Ricardo Schier há interessante desdobramento para exigir que, primeiro, o fato em si seja determinado e, além disso, seja demonstrado, porque de nada adianta o fato, propriamente dito, ser determinado, mas não restar demonstrado como tal na peça do requerimento.

Há de exigir-se, conforme propõe o doutrinador, a demonstração de elementos temporais, subjetivos, territoriais, circunstanciais e, etc., dos fatos a serem investigados, na medida do que forem conhecidos, e em virtude daqueles elementos que sejam desconhecidos é que se justifica e deve ser justificada a CPI. Porém, não se torna necessariamente ilegítima a investigação sobre fatos outros que se liguem intimamente, ou tenham conexão, com o fato principal que ensejou a CPI.

Ao cogitar de tramitar em prazo certo, isso corresponde a impossibilidade de uma CPI permanente, portanto, toda CPI deve ser temporária.

Se a CPI deve apresentar um termo certo e definido, é fraudatório desse mesmo comando constitucional “reabrir” uma mesma CPI, já encerrada, ou criar uma nova CPI na qual se inclua um fato já investigado anteriormente em outra, em uma mesma Casa do Parlamento na qual já ocorreu essa investigação, sem que nenhuma novidade específica e justificadora seja aportada no conteúdo do Requerimento apresentado. Isso, por si só, é causa suficiente para denegar, por absoluta inépcia, qualquer requerimento de CPI que configure uma reabertura.

Realmente, seria letra morta o trecho da norma constitucional que impõe um prazo determinado caso o fato de uma CPI encerrada pudesse ser retomado novamente em outra CPI. Se assim fosse estaria aberta a possibilidade da permanência infinita de diversas edições de uma mesma e idêntica CPI.

Ao reabrir CPI sobre o(s) mesmo(s) fato(s) anteriormente investigado(s), ativa-se (para um resultado ineficaz, como demonstrei acima) toda uma estrutura de recursos humanos, físicos e financeiros.

E, no caso da reiteração de CPI, ao final, ou se obtém resultado idêntico ao anterior, comprovando ter sido inapropriada a abertura da CPI, ou se obtém resultado oposto, gerando mal-estar institucional, confusão e imprestabilidade dos dois resultados obtidos, como vimos acima. Repito: não é juridicamente aceitável, nem atende às melhores práticas de eficiência e economicidade, simplesmente desconsiderar ou afirmar como impróprio, sem mais, o resultado legítimo e oficialmente alcançado por CPI anterior

Por derradeiro, leciona Barroso, a aceitar a repetição na criação de CPI é aceitar um cenário de desrespeito ao direito fundamental à segurança, dentro da previsibilidade e calculabilidade jurídicas, tanto para as entidades e indivíduos cujas imagens são arrastadas para esse cenário investigativo sem fundamento.

Seguindo-se a mesma lógica do Poder Judiciário, apesar de ser razoável a prática de múltiplas investigações sobre o mesmo fato possam desembocar em resultados mais acurados, ao se consagrar tal experiente, representaria o rompimento trágico com o princípio de segurança jurídica, bem como geraria um maior e indevido impacto aos direitos fundamentais, que seriam restringidos em maior número de vezes, a cada investigação.

Cumpre ressaltar que sobre o tema dos direitos fundamentais dos envolvidos eventualmente numa CPI, e a prerrogativa parlamentar de manter em atividade uma CPI, o STF já se pronunciou in litteris:

“A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes a sua atividade instrutória e a exposição da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – e um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada a lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5º, § 2º, da Lei n. 1.579/52, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito (HC 71.261-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 11- 5-1994, Pleno)”.

A lição inerente a esse decisum aponta, direta e abertamente, para o que todos sabem: o poder coercitivo que pesa necessariamente sobre a pessoa, física ou jurídica, envolvida em uma CPI. Daí a limitação temporal ser um aspecto essencial ao instituto, que lhe dá um formato civilizatório insuperável.

Insisto no ponto dos direitos fundamentais, geralmente desconsiderado quando se trata apenas da abertura ou permanência de uma CPI. Há inerente prejuízo aos direitos fundamentais, pela existência reiterativa de uma CPI, dos que vierem a ser nela envolvidos, o que decorre do inerente poder constritivo e do apelo público das Comissões.  Daí que qualquer interpretação sobre a legitimidade na abertura de uma CPI tenha de ser restritiva

As comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, neste caso por expressa previsão constitucional (§ 3º do art. 58), podendo, ainda, receber outros por força dos regimentos das respectivas casas. Já que lhe foi atribuída essa capacidade, deverá também a CPI observar os limites e as condições pertinentes às decisões judiciais, como, como por exemplo., o dever de fundamentar a decisão (art. 93, IX, da CF) ou de guardar sigilo, quando necessário.

O principal aspecto, nesta temática, consiste em determinar se há, na Constituição, aquilo que J. J. Gomes Canotilho denomina “reserva de jurisdição”, a afastar a possibilidade de intervenção de uma CPI, impedindo uma plena equiparação dos poderes desta aos poderes próprios das autoridades judiciais.

Nesse sentido, pode-se cogitar da inviolabilidade de domicílio, para cuja suspensão está exigida expressamente “determinação judicial” (art. 5º, XI, da CF), o mesmo ocorrendo para a inviolabilidade do sigilo das comunicações, que exige a “ordem judicial” (art. 5º, XII, da CF) e para a prisão (salvo em flagrante delito, como o falso testemunho), visto que se exige constitucionalmente “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (art. 5º, LXI, da CF/1988).

A redação desta última “reserva” parece confirmar a tese, já que é expressa no sentido de indicar os casos em que se admite excepcionar a exigência judicial stricto sensu (sem qualquer inclusão da CPI): flagrante delito, transgressão e crime propriamente militar.

Logo, há limites constitucionais decorrentes de uma interpretação lógico-sistêmica da Constituição, o que Sepúlveda Pertence considera como reserva explícita de jurisdição, ou seja, uma reserva constitucional judiciária explícita;

A esse respeito, no MS 23.452-1/RJ, DJ de 12-5-2000, o Ministro Celso de Mello argumentou que: “(…) nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição Federal brasileira, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado”.

Já o Ministro Moreira Alves mostrava-se cético quanto a esse ponto, sem, contudo, comprometer-se com qualquer posição: “tenho sérias dúvidas a respeito dessa reserva de jurisdição, tendo em vista a circunstância de que a Constituição não faz distinção entre as reservas legais e as constitucionais”.

O mesmo ministro já havia demonstrado sua dúvida, anteriormente, no momento da análise do MS 23.454-7/DF[9]: “não cheguei a tomar posição em relação ao problema da reserva de jurisdição, e assim porque, como salientei, a Constituição brasileira tem uma peculiaridade: estabelece que a CPI tem poderes de investigação próprios da atividade judicial. Esse ‘próprios’, evidentemente, tem de significar alguma coisa. É muito realce, quando se podia dizer apenas ‘atividade judicial’”. Além deste detalhe, levanta outro:

“Por outro lado, acho que o problema está muito mais na delimitação do que seja poder investigatório[10], porque, realmente, o juiz não tem tamanho poder de investigação; ele tem o poder de instrução no sentido de colheita de provas, mas também de colheita de elementos que, com relação a fatos determinados, possam até extravasar o simples conceito de prova”[11].

A Suprema Corte, ao realizar sua missão constitucional, definiu que a CPI tem como prerrogativa a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico quanto aos registros telefônicos e telemáticos, o que não se identifica com o conteúdo das comunicações.

E, quanto às limitações, encontra-se uma limitação numérica no artigo 35, §4º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Que expõe que o teto máximo é de cinco CPIs abertas simultaneamente naquela Casa Legislativa.

No que se refere à quebra de sigilo, que se tem como requisito a apresentação de fato concreto que justifique a tal quebra de sigilo. E, o STF já restringiu o alcance da expressão ” fato concreto”, considerando que meras matérias jornalísticas não são cabais e suficientes para justificar a abertura de CPI.

Ademais, em decisão de 30 de março de 2006, o Plenário do STF confirmou decisão da Ministra Ellen Gracie no sentido de que a atuação do magistrado, no exercício de sua profissão, é intangível e não pode sofrer ingerências de outros poderes, como da CPI.

Tratava-se de hipótese na qual a CPI dos Bingos[12] havia determinado a quebra dos sigilos bancário, telefônico e fiscal de magistrada que havia concedido diversas liminares à empresa GTECH em processos movidos contra a Caixa Econômica Federal, envolvendo licitações relativas às loterias da Caixa (cf. Notícias do STF, de 30-3-2006). Formou base para a decisão, ademais, o disposto no art. 146, II, do Regimento Interno do Senado, que veda CPI para investigar matéria pertinente às atribuições do Poder Judiciário.

Uma observação final: a CPI estadual pode também assumir poderes judiciais, nos termos aqui delineados, não se reservando a discussão acima apenas para a CPI que ocorra no Congresso Nacional.

Observa Luiz Carlos dos Santos Gonçalves que “a equiparação dos poderes de investigação das comissões estaduais ou distritais aos das autoridades judiciais é medida autorizada, mas não a temos como obrigatória”.

Realmente, é conclusão inerente ao sistema constitucional pátrio, baseado na função investigativa dos poderes legislativos e na autonomia federativa, que também às comissões parlamentares estaduais (assembleias legislativas) estejam assegurados os poderes próprios acima assinalados. Evitar, contudo, uma conclusão no sentido de sua obrigatoriedade é respeitar a liberdade autonômica presente nessas situações.

O problema surge quanto às comissões parlamentares municipais. Se é certo que sua existência vem reconhecida amplamente, o mesmo não ocorre quanto aos poderes judiciais, por dois motivos básicos: (i) não há um Poder Judiciário municipal, do qual possa haurir fundamento legítimo para prática de certas medidas por autoridades municipais, ou seja, o Município não parece ter sido contemplado com esse feixe de poderes e, assim, nenhuma autoridade poderia avocar poderes que não possui legitimamente; e (ii) o poder de fiscalização da Câmara Municipal (reconhecido expressamente pela Constituição brasileira, no art. 29, XI) não implica necessariamente o uso de poderes judiciais.

Como contraponto a esses argumentos, prestaria maior homenagem à autonomia local e à simetria positiva o reconhecimento desses poderes, independentemente de não haver um Poder Judiciário próprio, opção que não envolveu a castração de atribuições de outros “Poderes” como o Legislativo.

Quando pretendeu a Constituição brasileira não retirar certas atribuições similares de autoridades municipais, parece ter procedido sempre de maneira expressa, estabelecendo regime jurídico próprio, como quanto à imunidade dos vereadores.

Por fim, registro que, independentemente dessa discussão, todas as comissões devem cingir suas atividades ao âmbito pessoal e material competencial que lhes é reconhecido, ou seja, não podem alcançar autoridades de outros “Poderes” nem fatos, atos e atividades reconhecidos a outra entidade federativa.

As conclusões das comissões deverão — se for o caso — ser encaminhadas ao Ministério Público, para que este promova a responsabilização civil ou criminal dos infratores. As CPIs não julgam pessoas, nem tampouco as denunciam ou condenam. Não há como pretender confundir as funções institucionais de cada órgão constitucional próprio (Ministério Público e Parlamento).

 

Em síntese, não poderá a CPI, por autoridade própria: i) funcionar sem prazo certo; ii) ater-se a fatos diversos daqueles indicados para sua abertura ou que envolvam o Presidente da República; iii) decretar a busca e apreensão domiciliar de documentos ou objetos, ou violar, de qualquer forma, a inviolabilidade de domicílio; iv) determinar a indisponibilidade de bens da pessoa investigada; v) determinar a interceptação (escuta) telefônica (que não se confunde, como visto, com a quebra do sigilo dos registros telefônicos); vi) não fundamentar as decisões de cunho judiciário; vii) impedir a presença de advogados dos investigados nas sessões da CPI, acompanhando seus clientes ou no interesse destes; viii) decretar a prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância, como o falso testemunho; ix) julgar ou condenar pessoas, ainda que tenham estado sob investigação.

A CPI não pode servir como substituto dos órgãos de fiscalização, por suposta falência de referidos órgãos. Essa pretensão substitutiva ultrapassa os limites constitucionais de competência do Congresso Nacional e, por derivação necessária, excede as funções legítimas de uma CPI.

Vedação que decorre da vinculação da CPI às funções parlamentares vem registrada enfaticamente pela Doutrina norte-americana e seus precedentes judiciais.

É exatamente o que lecionam Nowak e Rotunda, em sua obra Constitucional Law: “[…] não existe poder algum para expor atividades dos indivíduos apenas pelo amor da exposição, sem qualquer justificativa em termos de funções do Congresso; não é função do Congresso conduzir shows legislativos nesses julgamentos” (tradução livre).

No Brasil assiste-se, há muito, a tentativa de transformar o instituto da CPI em instrumento de audiência para certos parlamentares, alguns mais afeitos a shows e programas televisivos e menos atentos às suas funções legislativas e protocolos mínimos, de postura e autocontenção, decorrentes do alto cargo e dos poderes que exercem.

Na jurisprudência norte-americana, que merece ser aqui referida pela profundidade com que de há muito tratou do tema e pela proximidade com os parâmetros brasileiros, é relevante recordar o caso Watkins versus. United States, de 1957, dentre tantos outros, no qual funcionava como Presidente da Corte o Justice Warren. Nele, a Corte assim deliberou: “sem nenhuma dúvida não existe poder ao Congresso para expor pelo amor da exposição. […] onde o resultado predominante só pode ser a invasão dos direitos privados dos indivíduos” (tradução livre).

Assim, é terminantemente proibido no Brasil que a CPI seja criada com o objetivo prioritário de funcionar como uma espécie de showmício, o que pode ser caracterizado quando, ao invés de interesse público, o que se verifica é haver apenas um certo interesse do público em geral.

Essas situações desviantes ficam caracterizadas quando se elege um tema capaz de atrair a atenção da mídia e da sociedade em virtude de grande apelo na população em geral, o que só pode ocorrer com violação frontal dos deveres congressuais (parlamentares) e dos limites próprios da CPI.

Ademais, a limitação material já analisada (fato determinado) deve ser conectada a outra limitação, de ordem quantitativa. Esta última tem assento regimental expresso, na Câmara dos Deputados, mas nem por isso poderia ser desconsiderada aqui.

Nos termos do art. 35, § 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o limite de funcionamento concomitante de Comissões Parlamentares de Inquérito é de cinco. Embora não haja previsão semelhante no Regimento Interno do Senado Federal, nem mesmo no Regimento Interno do Congresso Nacional, isso não significa que não se deva atentar para a questão numérica em qualquer das Casas.

Entendo que essa opção do Regimento do Senado Federal significa apenas que a responsabilidade de avaliar o excesso é distribuída aos próprios senadores e, em última instância, ao seu Presidente.

O Congresso Nacional não deve admitir que se forme aquilo que já foi chamado de “país das CPI’s”, dado o número elevado de comissões então em funcionamento, majoritariamente formadas em virtude apenas de seu apelo midiático.

Esse tipo de conformação comissional por enxurrada desloca as funções primárias do Parlamento para um setor que lhe deve ser apenas adjacente.

Ademais, envolve custos financeiros elevados, ao final suportados sempre pelo contribuinte brasileiro. Há de se exigir contenção quando se trata de uma atividade apenas instrumental à atividade central do Parlamento, e que representa, em si, esse grande deslocamento de esforços, energia e dinheiro.

Seria mesmo um paradoxo institucional inaceitável que se criassem CPI’s, geralmente para investigar o mau uso de dinheiro público, sem fundamentos mais sólidos, ensejando exatamente o mau uso de verbas públicas do Congresso Nacional.

Voltando ao tema quantitativo, se tivermos como pressuposto que o funcionamento concomitante de CPI’s há de ser contido em seu número, será não apenas inconstitucional mas também fraudatório abrir-se uma CPI sobre vários fatos ou sobre fatos indeterminados, tanto sobre fatos genéricos como também sobre fatos não devidamente esclarecidos e especificados em suas circunstâncias concretas e em suas justificativas de interesse público (tomada esta última acepção em sentido estrito

É vedada a prática que ficou conhecida, no passado brasileiro, como “festival de CPI’s”, tendo estas proliferado sem qualquer fundamentação robusta para que efetivamente pudessem existir.

É também lição geral que uma CPI não pode ser criada legitimamente apenas a partir de emoções ou sentimentos pessoais de um ou alguns parlamentares, nem tampouco de plataformas de campanha eleitoral de algum parlamentar, sendo necessário identificar um fato e especificar suas circunstâncias, no sentido de demonstrar o interesse público subjacente à investigação proposta e o cumprimento das condicionantes constitucionais.

Só assim restará assegurada a supremacia constitucional e afastado o perigo de uma CPI com viés preponderantemente pessoal, ideológico ou mesmo político-partidário, persecutório ou não. Essas razões são violadoras da impessoalidade e da institucionalidade do Congresso Nacional, daí a vedação implícita que aqui menciono.

Nesse sentido, jamais se poderá confundir interesse público com interesse do público em geral, confusão inaceitável em termos técnicos e parlamentares. Esse tipo de mistura, aliada à circunstância de que não seja indicada nenhuma ilegalidade ou ilicitude nos fatos a serem investigados e ensejadores da criação de uma CPI, mas apenas curiosidades e suposições, por exemplo, sobre determinados fatos midiáticos ou conteúdos, gera ainda maior perplexidade no uso desse mecanismo parlamentar, seja perante a comunidade jurídica, seja para a sociedade em geral, que dos parlamentares aguarda, com grande expectativa e absoluta prioridade, a melhoria das condições socioeconômicas do país, com a aprovação de leis adequadas e modernas, consentâneas com a realidade e objetivos nacionais

Além da vedação de CPI com pedido aberto, como mencionei acima, também é amplamente corrente e correto o entendimento de que uma CPI não pode se referir a um agente privado em suas relações privadas com outros agentes privados. Faleceria, aí, o interesse público primário que justifica a CPI.

A melhor leitura, nesse tema, pois, é a seguinte: os negócios privados encontram-se absolutamente vedados a qualquer CPI. Isso não significa que os atos dos agentes privados estejam fora de qualquer fiscalização. Pelo contrário, enumerei acima uma longa lista de instituições, poderes e agentes dedicados exclusivamente à fiscalização, pública e privada.

A vedação à CPI é apenas uma regra de não-competência especificamente desse órgão congressional para esse assunto, não uma proclamação de irresponsabilidade do setor privado. Outras conclusões sobre essa afirmativa, como a de que restaria prejudicada qualquer fiscalização da entidade, são impróprias.

Insisto em um ponto essencial, corolário dessa vedação: eventual discordância sobre a forma como uma entidade do setor privado é conduzida ou como é gerida jamais poderá justificar uma CPI, que seria, nessa hipótese, uma ação parlamentar portadora, desde sua origem, do vício supino da inconstitucionalidade, pela despropositada intervenção no setor privado, a merecer pronta correção judicial.

Porém, é preciso reconhecer que uma empresa ou, mais genericamente, uma entidade, mesmo quando integralmente privada, pode ser atraída para o objeto de uma CPI se houver um contrato tipicamente público ou se atuar com, se receber ou mesmo se apenas custodiar recursos públicos que justifiquem essa investigação, a partir de fatos determinados e aparentemente ilícitos.

Nenhuma CPI se legitima apenas a partir da manifestação de vontade dos parlamentares subscritores de um requerimento de CPI, embora este seja um requisito formal necessário. A assinatura do Requerimento não é causa suficiente, ainda que estejam os parlamentares subjetivamente convictos (honestidade pessoal) de que uma certa entidade há de ser investigada.

Todo requerimento formulado pela criação de uma CPI que incida em alguma das vedações deve ser rechaçado de pronto, de maneira a preservar as funcionalidades legítimas do Parlamento e de suas Casas. Essa recusa constitui dever funcional do Presidente de cada uma das Casas.

Acrescento, ainda, que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem ser usadas legitimamente como mera forma de pressão política, de maiorias ou oposições governamentais. Seu desvirtuamento, especialmente considerando-se os amplos poderes de que dispõem, pode comprometer os fundamentos de nossa democracia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito deve desenvolver suas atividades por meio do denominado inquérito parlamentar, de suas regras, limites e objetivos próprios.

Como observa Nuno Piçarra, em obra de referência sobre o tema, assume-se comumente a multifuncionalidade do inquérito parlamentar, superando sua versão meramente informativa.

Assim, passa a ser definido, atualmente, como um instrumento auxiliar e limitador, das mais diversas funções atribuídas às casas legislativas, expressa ou implicitamente, elencadas pelo referido autor como podendo estar voltadas para: (i) a função legislativa; (ii) a função de controle de seus membros “visando manter a integridade e reputação do próprio Congresso”; (iii) a função de controle do Poder Executivo; e (iv) “a função de informação do eleitorado e da opinião pública em geral”.

O inquérito parlamentar, portanto, é um instituto público típico, que pode ser utilizado pelo Parlamento para exercer o controle que se encontra sob sua competência, ou como fase preliminar para exercício mais adequado da sua competência legislativa.

A identificação do instituto, como base do funcionamento das Comissões, permite melhor conhecer os limites do próprio funcionamento destas que não é absolutamente livre, em sua forma e em seus objetivos.

Questiona-se a origem história[13] do inquérito parlamentar e, parece que inexistirem dúvidas doutrinárias quanto à origem inglesa do inquérito parlamentar, conforme registra Nuno Piçarra (O Inquérito Parlamentar e os seus Modelos Constitucionais, apud SPROESSER, Andyara Klopstock, A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, São Paulo:

“Assembleia Legislativa, 2008, p. 149). Embora se citem antecedentes no século XIV, foi realmente no início do século XVII que essa modalidade de Comissão foi instituída na Câmara dos Comuns segundo Nelson de Souza Sampaio”. (Do Inquérito Parlamentar, Rio de Janeiro: FGV, 1964, p. 10).

No ordenamento constitucional brasileiro, as Comissões de Inquérito foram introduzidas na Constituição de 1934, em seu art. 36, que dispunha:

“A Câmara dos Deputados criará comissões de inquérito sobre fatos determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros.  Parágrafo único – Aplicam-se a tais inquéritos as normas do processo penal indicadas no Regimento Interno”. Referida Constituição, em seu art. 92, § 1º, VI, atribuiu à Seção Permanente do Senado o poder de “criar comissões de inquérito sobre fatos determinados observado o parágrafo único do art. 36”.

Durante o Império não  constavam previstas na Constituição e não se formaram comissões de inquérito para  investigar a ação do Executivo; no primeiro período republicano (1891-1930), talvez  por influência da Constituição dos Estados Unidos da América, que não previa, em seu  texto, as comissões de inquérito, estas não constaram expressamente previstas na  Constituição de 1891, embora algumas comissões de investigação, também à  semelhança do direito americano, tenham sido instituídas no Congresso, sem que,  todavia, se dirigissem à investigação do Poder Executivo.

Constituições brasileiras anteriores a vigente com relação as CPIs, a saber: Constituição 1891, omissa; Constituição de 1937, omissa; Constituição de 1946, art. 53 e parágrafo único; Constituição de 1967, art. 39; Emenda Constitucional de 1969, art. 37.

Nas constituições estrangeiras, de modo geral, as constituições mais usualmente consultadas no Brasil dão base constitucional para o funcionamento de CPIs. Nem sempre as atividades, a amplitude e os limites da CPI são idênticos aos verificados no Brasil, mas certamente guardam a respeito muita semelhança.

Para exemplo, vejam-se as seguintes constituições:  Constituição da Alemanha, cujo art. 44 estabelece o direito de o Parlamento Federal, e o dever de, a requerimento de um quarto dos seus membros, constituir uma comissão de inquérito que recolha, em sessão pública, as provas necessárias.

Pode-se excluir a presença do público. Na coleta de provas, aplicam-se por analogia, as disposições do processo penal, mas não poderá ser afetado o sigilo da correspondência, do correio e das telecomunicações. O texto constitucional obriga os tribunais e as autoridades administrativas a prestar ajuda judicial e administrativa e determina que as resoluções das comissões de inquérito não estão sujeitas à apreciação judicial.

Os tribunais podem apreciar e julgar livremente os fatos que estejam na base do inquérito; Constituição da Argentina: omissa; Constituição dos Estados Unidos: omissa. Não obstante, são instituídas nas Casas Congressuais e funcionam intensamente.

A doutrina criada pelas  comissões de inquérito nos Estados Unidos ultrapassa os limites de seu território e é  utilizada e citada inclusive no Brasil; Constituição de Portugal, art. 178, que dispõe  em seus itens 1, 4 e 5, que a Assembleia da República pode constituir comissões  eventuais de inquérito; que tais comissões devem ser obrigatoriamente constituídas  quando requeridas por um quinto dos Deputados em efetivo exercício de suas funções  parlamentares, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa; e que as  comissões de inquérito gozam de poderes de investigação próprios das autoridades  judiciais;

A Constituição da Espanha, art. 76, que estabelece que as Câmaras possam  constituir comissões de inquérito; que suas conclusões não vincularão os tribunais e  não afetarão as decisões judiciais, mas que o resultado das comissões pode ser  encaminhado ao Ministério Público, que deverá tomar as medidas cabíveis.

A  convocação para comparecimento nas sessões das Câmaras deve ser obrigatoriamente  seguida, sendo que a lei estabelecerá as sanções para o descumprimento dessa  obrigação; Constituição da Itália: art. 82; Constituição de Angola, art. 101º (cuja  redação é idêntica à da Constituição de Portugal, citada); Constituição de Cabo  Verde, art. 159.

As comissões parlamentares de inquérito são comissões temporárias e especiais. A CPI é instituída por ato específico da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, caso em que constitui comissões singulares ou unicamerais. Podem, também, ser criadas por ato do Presidente do Congresso, por indicação das lideranças partidárias (art. 9º do Regimento Comum), para atuação conjunta de deputados e senadores, quando então constituem comissões parlamentares mistas. Tais comissões atuam em nome das Casas Legislativas ou do Congresso Nacional, porém têm autonomia de ação, ou seja, agem de modo autônomo.

A autonomia da CPI é reconhecida em doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como demonstram decisões coletadas. Esta autonomia significa que, uma vez constituída, as autoridades congressuais não mais têm poderes para ditar normas ou decisões às CPIs, que se encontram, então, tão somente adstritas às normas constitucionais pertinentes e às normas fixadas nos respectivos Regimentos Internos das Casas Legislativas e do Congresso Nacional.

Enfim, pode-se conceituar a CPI como uma comissão, nomeada pelas Casas Legislativas ou pelo Congresso Nacional, compostas por parlamentares representantes de partidos que nessas Casas têm assento e destinada à apuração de fato ou fatos determinados.

É a longa manus do Poder Legislativo no exercício de controle político específico de fatos que envolvem o Poder Executivo e a vida nacional, de modo amplo e generalizado.

A finalidade precípua da CPI, além da apuração de responsabilidades por fatos danosos à Administração Pública, sinaliza, também para a investigação da atuação dos Poderes em geral, da atuação da sociedade civil em matérias que repercutem na saúde, moral, ética, desenvolvimento, progresso, atividades negociais etc. da sociedade brasileira[14].

Como salienta Pinto Ferreira apud Mendes (Comentários, v. 3, p. 103), se anteriormente, o campo de  atuação das comissões parlamentares era mais limitado, atualmente ele se estende  largamente, abrangendo o inquérito qualquer fato determinado que interesse à vida  constitucional do País e que necessite ser amplamente verificado e estudado para sobre  ele se tomar providências necessárias e oportunas. Daí por que as CPIs são poderosos instrumentos inclusive para a boa execução da atividade legislativa parlamentar.

Dada a amplitude de sua atuação, as comissões parlamentares podem ser externas ou internas. São externas quando se dirigem para a averiguação de fato determinado  relativo aos Poderes Executivo, Judiciário, aos Estados-Membros, na área de competência permitida à intervenção constitucional da União Federal e ao Congresso  Nacional, e quando atingem indiretamente relações privadas, também  constitucionalmente admissíveis; revelam-se internas quando se dirigem à defesa dos  congressistas, à punição de membros das Casas Legislativas (Pinto Ferreira,  Comentários, v. 3, p. 103). Assim, somente para exemplificar, inúmeras são as CPI instaladas na vigência da Constituição de 1988: CPI dos Correios, do Mensalão, dos Bingos, dos Bancos, dentre outras.

Analisemos os requisitos constitucionais para instalação de uma CPI, o primeiro requisito é relacionado ao número de parlamentares requerentes

Como requisito indispensável para a instituição de comissões parlamentares de  inquérito, determina a Constituição devam elas ser requeridas e instaladas desde que  um 1/3 (um terço) dos membros da respectiva Casa solicitar; ou se requerida por 1/3  (um terço) dos membros da Câmara dos Deputados e 1/3 (um terço) dos membros do  Senado Federal, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito mista,  conforme prevê a Constituição e disciplina o art. 21 do Regimento Comum do  Congresso Nacional.

Segundo se depreende do texto constitucional e é confirmado nos Regimentos Internos, a instalação da CPI, desde que requerida preenchendo os requisitos constitucionais, é automática, o que significa dizer que não pode ser obstaculizada pelos órgãos diretivos das respectivas Casas, sob nenhum pretexto.

O simples preenchimento dos requisitos constitucionais, considerados como garantia das minorias, determina sua instalação, consoante decisão do STF referida.

Outro requisito a ser observado é o disposto no art. 58, que estabelece o princípio da representação proporcional partidária na formação das comissões parlamentares.

Assim, uma CPI deve conter um número de membros que permita a aplicação desse princípio. Como a cláusula constitucional estabelece a regra da representação  proporcional “tanto quanto possível”, deixando ao Regimento regulamentar sua  aplicação prática, as questões que surgem em torno da aplicação desse requisito  constituem, em regra, matéria interna corporis, a ser decidida pela própria Casa  legislativa, salvo se tal aplicação importar em ofensa a direitos constitucionalmente  assegurados.

Para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito exige a norma constitucional que a comissão deva ter objeto determinado ou, em outras palavras, que se destine a averiguar fato ou fatos determinados. Não se pode instalar comissão parlamentar de inquérito para averiguação de fatos genéricos, sem contornos delimitados ou crises in abstracto, como registra Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº. 1, de 1969, t. 3, p. 50).

Tal objeto, ante a amplitude da atuação da CPI, pode referir-se, como já se acentuou, a questões de ordem pública, social, política e econômica e devem estar bem delineados e caracterizados no requerimento de instalação da CPI; devem ser determinados, objetivos, claros, precisos. A não caracterização adequada a estes termos enseja, inclusive, possibilidade de questionamento judicial.

Neste ponto, como ensina Ferreira  Filho (Comentários, v. 2, p. 70-71) apud Barroso, nota-se a distinção entre as comissões parlamentares de inquérito, no Brasil, e, por exemplo, as comissões de inquérito  adotadas na Itália: a inchiesta legislativa e a inchiesta política: a primeira voltada para  a aquisição de informações e dados necessários à atividade legislativa propriamente  dita (fazer as leis, por exemplo); a segunda é a que se destina à função de controle dos  negócios públicos em geral, esta última incompatível com o sistema presidencialista,  pois tem por finalidade a função de controle político, ínsita ao sistema parlamentarista.

Deve-se registrar que o fato determinado a ser objeto de controle da CPI, no sistema constitucional brasileiro, deve relacionar-se com as competências do Congresso Nacional e de suas Câmaras, vale dizer, deve referir-se a uma atribuição constitucional específica e própria do Poder Legislativo;

Deve a comissão parlamentar de inquérito ter prazo certo e determinado para a realização de suas investigações. Não convém à ordem jurídica, à segurança das pessoas e particularmente ao sucesso das averiguações que a CPI se estenda por prazo indeterminado.

A demora na condução desses trabalhos pode deteriorar as provas, permitir o uso e o abuso dos trabalhos no plano interno do Congresso Nacional e fora dele, com a utilização notória da mídia, a provocação, a afetação, o cansaço ou o descrédito da opinião pública a respeito das investigações em curso. Este prazo pode ser prorrogado, mas nunca poderá ultrapassar a duração da legislatura.

O sentido da cláusula prevista na norma constitucional

Quanto à primeira gama de poderes, não esclarece a Constituição quais sejam tais poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. A matéria ensejou e ainda admite polêmicas. No entanto, coube à doutrina e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal delinear seu expresso sentido.

O STF, em vários julgados, valendo-se de lições de processualistas tais como as de Ada Pellegrini Grinover, decidiu que tais poderes, atribuídos aos juízes de acusação no sistema processual penal brasileiro, consistem em meros poderes instrutórios, destinados à obtenção de provas para comprovação dos fatos sub examine.

Dentre tais poderes se incluem, por exemplo, a  possibilidade de convocação de testemunhas, requisição de documentos e de  diligências, inquirição de testemunhas, quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de  pessoas envolvidas, não propriamente como réus, porquanto o processo perante a CPI  não é de natureza condenatória, mas como acusados ou indiciados perante a CPI.

Na  aplicação desses poderes deverá a CPI assegurar a observância dos direitos e garantias  constitucionais, daí porque se admite a participação de advogado, o “direito ao  silêncio”, ou o direito de ficar calado, já que ninguém é obrigado a depor contra si  mesmo ou depor de modo a construir prova contra si: prevalece, no caso, o princípio da  presunção da inocência, atualmente questionado no Congresso Nacional que pretende,  por lei, evidentemente inconstitucional, alterá-lo por se opor ao controle que o STF  acaba exercendo nos trabalhos das CPIs para garantir direitos constitucionais.

Também em função dessa interpretação jurisprudencial sobre o sentido da cláusula constitucional dos poderes outorgados à CPI, se entende que lhe é vedado substituir-se à reserva de jurisdição, onde ela é expressa na Constituição. Exemplificando, não pode a CPI determinar interceptações telefônicas, sequestro de bens, ou prisão (salvo o caso de flagrante). Toda esta compreensão do sentido da cláusula é corroborada por vasta jurisprudência.

 

 

Outros poderes previstos nos regimentos das respectivas Casas

A norma constitucional contida no § 3º do art. 58, em exame, refere-se a outros poderes previstos nos regimentos das Casas. Uma primeira observação pode ser a de que, em princípio, os poderes atribuídos às CPIs pelos respectivos regimentos internos poderão ser distintos e até conflitantes, já que cada Casa tem Regimento próprio. Isto é tanto mais complicado quando se cogita da CPI mista ou do destino das conclusões das CPIs, ressalvados aqueles ditados expressamente pela Constituição e aos quais referiremos mais à frente. Por outro lado, e o questionamento é feito por Ferreira Filho (Comentários, v. 2, p. 72), podem os regimentos estabelecer normas próprias de lei e, nesse caso, conflitar com o princípio da legalidade inscrito no art. 5º, I?

Entende referido autor que os Regimentos mais não podem que “regulamentar” os poderes investigatórios próprios das autoridades judiciais que, por recepção, possuem as comissões parlamentares de inquérito. Os Regimentos Internos, como se sabe, constituem “leis” internas, que têm por objetivo disciplinar o funcionamento parlamentar balizado pela Constituição. Assim, parece, que naquilo que diz respeito à disciplina da norma constitucional e até onde ela permite, os Regimentos Internos podem outorgar outros poderes à CPI, desde que, sempre, respeitando os direitos e as garantias constitucionais.

Respeito aos direitos fundamentais

Conforme já se acentuou antes, as comissões de inquérito, órgãos do Poder  Legislativo, como todos os demais poderes estatais, estão sujeitas à observância, ao  respeito e à proteção dos direitos fundamentais, particularmente os previstos no art. 5º  da Constituição da República, que constituem cláusula pétrea assegurada pelo art. 60,  CF.

Assim, as comissões parlamentares de inquérito não podem ir além do exercício  dos poderes instrutórios que lhe são outorgados pelo texto constitucional, e, no  exercício destes, devem, tal como os juízes, observar as regras pertinentes:  fundamentação das intervenções constitucionalmente permitidas na área de direitos  fundamentais, estrita justificação da necessidade dessa intervenção e assim por diante.

Para exemplo, no caso de quebra de sigilo de qualquer natureza, admitida como instrumento de prova, a fundamentação é requisito essencial. Sua ausência invalida à medida que pode, inclusive, ser anulada judicialmente. Questão controvertida referiu-se à publicidade, inclusive pela mídia, ou ao caráter secreto dos trabalhos das comissões de inquérito versus o direito à intimidade.

Considerando-se a finalidade da CPI, em decisões históricas, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não fere o direito à intimidade a publicidade, pelos meios de comunicação social, das reuniões da CPI e, por consequência, dos depoimentos nelas prestados.

O princípio da separação de poderes limita a atuação das CPIs. Não podem elas exercer atividades ou ditar medidas que o afrontem. Para exemplo, não cabe a convocação de juízes para prestar depoimento sobre decisão jurisdicional tomada em caso concreto.

A convocação de juízes, nesses casos, importa violação do princípio da independência e da harmonia entre os poderes. Por outro lado, há no texto constitucional várias regras restritivas relativamente à invasão de um poder no outro e há, também, na Constituição, exceções à regra, como ocorre com a convocação de Ministros de Estado e servidores públicos que a Lei Fundamental expressamente admite. Com relação à observância deste princípio da separação de poderes deve a CPI se ater às normas e princípios constitucionais que o preservam.

Limitações decorrentes da forma federativa do Estado Brasileiro

A Constituição Federal estabelece, de modo expresso, a autonomia e as competências dos entes federativos do Estado brasileiro, neles incluindo a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal.

A atuação da CPI, no plano federal, veiculada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, ou conjuntamente pelas duas Casas, não pode ferir a autonomia constitucional dos demais entes federativos e intervir em competências constitucionais que não são próprias de sua alçada porquanto deferidas a outros entes estatais.

Assim, os agentes dos entes federativos estaduais, municipais e distritais estão fora do alcance da CPI, como pontifica Machado Horta (apud Ferreira Filho, Comentários, v. 2, p. 72).

Fatos criminosos não são investigáveis pelo Congresso e suas CPIs; fatos que de antemão são tidos como criminosos, ressalvado tratar-se de fato que se inclua na sua competência de investigação. A função da CPI é de investigação, apuração, e não de julgamento. Não têm os parlamentares competência para julgamento de fatos criminosos comuns. É certo que no decurso das investigações parlamentares a hipótese da prática de crime comum pode surgir, caso em que a CPI tomará as providências para

o encaminhamento aos órgãos competentes. Não têm as comissões parlamentares de inquérito poderes estritamente judiciais, por exemplo, os de indiciar, incriminar e processar pessoas que não se encontrem sob sua jurisdição. O exercício desses poderes, no regime de separação de poderes, é outorgado ao Poder Judiciário.

 

Conclusões da CPI – natureza e resultados

Questão importante diz respeito à natureza e ao resultado das conclusões das comissões parlamentares de inquérito. A esse respeito o texto constitucional apenas determina que as conclusões da CPI, se for o caso, deverão ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

As comissões parlamentares de inquérito, longa manus do Congresso Nacional, são órgãos de natureza política; elaboram ao final de seu prazo de atuação um relatório circunstanciado das atividades desenvolvidas e apresentam suas conclusões.

Tais conclusões podem ser de ordem variada, inclusive desembocar na averiguação da prática de crime ou de atos de responsabilidade civil dos envolvidos no inquérito parlamentar. Como a CPI não tem poderes[15] para julgar e nem para tomar, diretamente, as medidas cabíveis judicialmente, especialmente na área criminal, prevê a Constituição o encaminhamento de suas conclusões, quando envolverem tais práticas, ao Ministério Público.

Trata-se de poder-dever, pelo que a CPI é obrigada a providenciar tal encaminhamento, com todas as provas[16] (documentos, depoimentos etc.)  colhidas ao longo do inquérito. Por ter natureza política, o inquérito parlamentar difere do inquérito judicial e com ele não se confunde. Em outras palavras, na esfera judicial, tudo pode ser refeito.

De outro lado, as conclusões da CPI, atendendo inclusive sua  finalidade de colaborar no aperfeiçoamento da atividade legislativa, podem referir-se a  essa matéria, podem conter sugestões de aperfeiçoamento de atividades administrativas  e sociais; enfim, podem conter sugestões que abranjam toda a gama de assuntos objeto  de investigação parlamentar.

Nesses casos, o encaminhamento de seu Relatório, então, será ao próprio Congresso Nacional para que tome as providências eventualmente sugeridas. Indaga-se: pode a CPI encaminhar diretamente ao Executivo seu Relatório, no caso de este conter sugestões para desenvolvimento ou aprimoramento de medidas a serem tomadas no âmbito deste Poder? Parece que não. A matéria é disciplinada nos regimentos internos das Casas Legislativas e se não ferir o princípio da separação de poderes tal encaminhamento deverá ser feito pelo Presidente do Congresso Nacional.

Não tem o Poder Judiciário competência para exercer controle sobre a atividade das comissões parlamentares de inquérito. Como órgão de natureza política, exercendo atividades de natureza política, a CPI escapa, sob este ângulo, ao controle jurisdicional, sendo que o Supremo Tribunal Federal considera tal atividade como matéria interna corporis.

No entanto, se, no exercício de suas funções, a CPI violar direitos e garantias fundamentais ou normas e princípios constitucionais em geral, tal violação poderá ser objeto de controle jurisdicional, consoante tem decidido o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e dos direitos fundamentais. Em se tratando de atos  praticados pelas CPIs instauradas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal ou  pelo Congresso Nacional (CPI mista), o órgão competente para julgar atos lesivos ou  inconstitucionais praticados pela CPI é o Supremo Tribunal Federal; apesar de não  haver expressa determinação dessa competência, assim decidiu o Supremo Tribunal  Federal em vários mandados de segurança e habeas corpus impetrados contra  Presidente de CPI, na linha das competências do STJ para julgar atos das Mesa da  Câmara e do Senado (art. 102, I, “b” e “d”).

A CPI é um instrumento poderoso e valioso para o Congresso Nacional e para a sociedade. Para o Congresso Nacional porquanto permite que o mesmo aprimore sua atividade legislativa, fiscalize, com maior profundidade, amplitude, presteza e resultados, apurando responsabilidades no âmbito do Poder Executivo; para a sociedade, porque seus trabalhos esclarecem e informam a opinião nacional sobre atos e fatos da vida constitucional.

Suas atividades, apresentadas em tempo real pelos meios de comunicação social, permitem à sociedade acompanhar seus trabalhos e motivam a participação política do povo nos trabalhos parlamentares. Sua relevância, é, pois, irrefutável dentro de uma ordem democrática e de um Estado Democrático de Direito.

No sistema presidencialista, no qual o Parlamento não pode exercer controle de natureza meramente política sobre o Governo, tal como ocorre no parlamentarismo, sua importância avulta, especialmente no tocante aos esclarecimentos e informações que pode prestar à comunidade em geral. Todavia, o exercício das atividades da CPI envolve desafios e riscos.

Há natural tendência de abuso do poder político, com forte apelo para aparecimento na mídia e na imprensa dos parlamentares integrantes da CPI, risco que pode desvirtuar a natureza dos trabalhos parlamentares e levar a opinião pública a conclusões inadequadas.

De outro lado, nem sempre as CPIs, em razão da forte influência dos partidos políticos e, eventualmente, dos governantes que dominam o cenário político, chegam a resultados satisfatórios, motivando o desapreço por tão importante função e a frustração da opinião pública com relação aos resultados

Origem da norma

Trata-se de norma inovadora no direito constitucional brasileiro. Provém do art. 60, § 4º, do Projeto de Constituição B, da Assembleia Nacional Constituinte, aprovado em segundo turno, e passou a integrar a Constituição de 1988 no § 4º do art. 58, acima transcrito.

Como precedente, costuma a doutrina indicar o art. 92, § 1º, da Constituição  de 1934, que previa uma Seção Permanente para funcionar no recesso Legislativo. Esta  Seção Permanente tinha atribuições estabelecidas no próprio texto constitucional,  embora fosse constituída na forma em que o Regimento Interno indicasse.

A Constituição Federal brasileira de 1988 deixou a regulamentação das atribuições e outras matérias relativas à Comissão Representativa, salvo alguns aspectos específicos, ao Regimento Comum do Congresso Nacional.

O requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa corresponde à consagração do direito de oposição que é essencial a um Estado Democrático de Direito, na medida em que confere à minoria parlamentar o direito público subjetivo de instaurar procedimento investigatório sobre determinado fato de relevante interesse público. De sorte que não devem ser erigidos obstáculos à efetivação de uma CPI, quando presentes os requisitos previstos na Constituição.

E, quanto ao fato a ser apurado visa à coibição de abusos, impedindo o alargamento do objeto da investigação e à facilitação no controle dos atos da CPI, no tocante à análise de sua pertinência com o fato que lhe deu origem. O prazo certo de duração dos trabalhos de uma CPI existe pois não se pretende o não prolongamento indevido das investigações, visando a impedir a indefinição, insegurança para o investigado. E, a fixação temporal seria a opção ais adequada, e não a adotada pelo STF.

 

 

 

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[1] No Brasil, a primeira constituição a consagrar a CPI foi a de 1934, mas somente para a Câmara dos Deputados. Assim, somente a Câmara de Deputados poderiam criar as CPIS. Com a Constituição federal de 1937, decretada por Getúlio dos Vargas foi omissa quanto às CPIs. E só retornaram com o texto constitucional de 1946, quando pela primeira vez ora prevista para as duas casas do Legislativo. A CPI é adotada por diversos países tais como o Paraguai, Peru, Venezuela. E, na Argentina que apesar de existir e utilizar o referido instituto, não dispõe sobre o mesmo no bojo do seu texto constitucional.

[2] A tese da separação dos poderes de Montesquieu tem como escopo delinear poderes, a saber: o legislativo e o executivo. Observa-se, contudo, que o poder judiciário não é um dos poderes do filósofo. E, tal engano é frequente nas referências à teoria da tripartição dos poderes, que inclusive, já havia em Locke. Assim, exemplificando, numa democracia parlamentar, o legislativo limita o poder do executivo (governo), pois este não está livre para agir à bel prazer e deve constantemente garantir o apoio do Parlamento, posto que seja a expressão da vontade do povo. Na teoria de Montesquieu, o Judiciário não é poder, mas função do Estado. E, assim, o Judiciário permite fazer contrapeso a certas decisões governamentais. A noção de separação de poderes, igualmente refere-se como princípio de trias politica, sendo modelo de governar cuja criação é datada da Grécia Antiga. E, cuja essência se forma na ideia de que os três poderes que formam o Estado (legislativo, executivo e judiciário) devem atuar de forma separada, independente e harmônica, mantendo, porém, as características do poder ser uno, indivisível e indelegável. Enfim, o objetivo dessa tese é evitar que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa para que não ocorra abuso, conforme ocorria no Estado Absolutista. Por isto, a passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal notabilizou-se, especialmente, pela separação de poderes, chamada de tripartição dos poderes políticos.

[3] A passagem mais remota do direito silêncio e da proibição da autoincriminação se situa no direito hebreu, mais precisamente, no Talmude, baseado no Deuteronômio, que é um dos cinco livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) pertencente ao Antigo Testamento da Bíblia. Aliás, o Talmude foi resultante da interpretação dada pelos rabinos das leis escritas e orais, inicialmente em Jerusalém, cerca de 350-400 e, depois, na Babilônica, cerca do ano 500. Segundo Guilherme Nucci, o povo hebreu foi o primeiro do Oriente que consagrou o interrogatório como meio de defesa, pois via na admissão de culpa, constituindo flagrante contrariedade à natureza humana.

[4] O STF decidiu que a CPI tem poder para decretar quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, devendo ser adequadamente fundamentada, sob pena de nulidade, passando a autoridade a ser depositária dos dados reservados e tendo o dever de mantê-los em sigilo, a não ser nos casos e na forma em que sua revelação mostra-se essencial à adoção das providências que a lei impõe.

[5] A interceptação telefônica é o ato de imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico (interceptação telefônica) seja por interceptação ambiental, que é outra forma de captação. Será necessário distinguir “violação das comunicações telefônicas” de “quebra de sigilo de registros de dados telefônicos”. A interceptação telefônica é o ato de imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico (interceptação telefônica) seja por interceptação ambiental, que é outra forma de captação.

[6] O segredo de Justiça visa proteger as pessoas envolvidas e mais do que isso, tutelar valores que a sociedade diz que não deve ser vulnerado”, diz Calandra: “Os processos em segredo de Justiça tramitam normalmente, mas só tem acesso a ele as partes e os advogados. No vigente Código de Processo Civil, o segredo de justiça vem disciplinado no art. 189, I a IV, 6 novamente de forma limitada, o que se justifica em decorrência da exceção deste tal tipo de restrição à regra da publicidade dos atos processuais frente ao texto constitucional. Necessário ressaltar que o segredo de justiça está vinculado aos atos do processo e não à sua própria existência, que sempre será pública. Neste sentido: “(…). O Código não explica a extensão do segredo, que afeta todos os atos praticados no processo, como acima ficou dito. Cumpre distinguir, porém, entre o sigilo sobre o conteúdo do processo, que a lei impõe, e o segredo quanto à existência mesma do processo, de que a lei não cogita; não impõe. (…)”.  Assim, a existência de um determinado ato processual não pode ser ocultada com a alegação de que o mesmo tramita em segredo de justiça. Já a decisão que decreta segredo de justiça é irrecorrível (art. 1.015, do CPC) e, portanto, desafia mandado de segurança (art. 5.º, II, da Lei 12.016/2009).

[7] Quanto às atuais implicações penais e processuais penais, há um certo consenso no sentido de que o princípio compreende: 1)o direito ao silêncio, preso ou solto o investigado (CF, art. 5°, LXIII; CPP, art. 186, parágrafo único2), podendo, inclusive, responder a certas perguntas e não responder a outras, silêncio que não pode ser interpretado em seu desfavor, nem implica confissão; 2)a necessidade de ser previamente informado dessa garantia; 3)privilégio de não prestar juramento ou compromisso de dizer a verdade; 4)o direito de se recusar a entregar documentos e de praticar qualquer comportamento ativo que o incrimine (fornecer material grafotécnico etc.); 5)a recusa de participar de reconhecimento, acareação ou reprodução simulada dos fatos; 6)o direito de ser dispensado do interrogatório (CPP, art. 457, §2°, final); 7)a vedação de perguntas capciosas ou em tom de ameaça que induzam o indivíduo à confissão ou delação; 8)o direito de não se submeter ao teste de alcoolemia (exame do bafômetro) nos delitos de trânsito; 9)a possibilidade de invocação do princípio perante qualquer juízo ou autoridade pública, cível ou criminal, policial ou parlamentar; 10)a não caracterização dos delitos de falso testemunho, desobediência ou desacato, quando no exercício estrito do privilégio; 11)a disponibilidade da garantia pelo colaborador na forma do art. 4°, §14, da Lei n° 12.850/20133; 12)a ilegalidade de toda prisão fundada na recusa de colaborar com a investigação; 13)apesar do direito ao silêncio, o investigado ou acusado tem o dever de se identificar pelos meios legais, revelando nome e apelidos etc; 14)a legalidade das provas não invasivas, isto é, que não ofendam a integridade física do suspeito ou que não dependam de ação do indivíduo, com ou sem sua anuência, a exemplo de inspeções ou verificações corporais e coleta de material orgânico por ele descartado (v.g., sêmen contido em camisa de vênus, saliva em copos, cigarros etc.).

[8] Têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos em lei e no Regimento da Assembleia. Os poderes da CPI são próprios da investigação peculiar das autoridades judiciais. Como comissões fiscalizatórias que exercem uma função investigativa típica do Legislativo de apuração de fato determinado com prazo certo, devendo, se for o caso, encaminhar seus relatórios para o Ministério Público para atribuir a responsabilização civil ou penal dos envolvidos. Porém não têm o condão de aplicar diretamente a sanção no investigado, mas somente, caso o plenário das Casas legislativas o aprove, enviá-lo para o Ministério Público para este oferecer a denúncia.

[9] No mesmo sentido, vão os Mandados de Segurança 23.446 e 23.454. Vale notar, a despeito desses precedentes, que o postulado constitucional da reserva de jurisdição se refere a certas garantias constitucionais expressamente protegidas e reservadas cuja quebra está sujeita ao exclusivo controle judicial. É certo, por outro lado, que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (artigo 5º, LX CF). Ora, na conjugação desses preceitos, resulta que o postulado da reserva constitucional abrange também o sigilo da “delação premiada” dado que foi ele instituída por lei no interesse exclusivo do processo penal e sob exclusivo controle judicial até o recebimento da denúncia.

[10] Poderes instrutórios do juiz: produção de prova de ofício pelo Estado-juiz; lembrando que prova é matéria de ordem pública, não sujeita ao regime da preclusão para o magistrado; cabendo também o registro de que é admitida no processo civil moderno a relativização do princípio dispositivo em sentido processual ou impróprio. A ideia de um juiz gestor foi consolidada no CPC/15 o qual trouxe disposições de poderes, deveres e responsabilidades do magistrado. O artigo 139 determina que este deverá dirigir o processo de modo a: (i) assegurar a igualdade das partes; (ii) velar pela duração razoável do processo; (iii) prevenir ou reprimir ato contrário à dignidade da justiça; (iv) determinar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento da ordem judicial; (v) promover a autocomposição; (vi) dilatar prazos processuais; (vii) alterar a ordem da produção de provas; (viii) exercer o poder de polícia; (ix) determinar o comparecimento das partes para inquiri-las; e (x) determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o saneamento de vícios.

[11] A prova ilícita no Código de Processo Penal é tratada segundo as restrições estabelecidas nos dispositivos do capítulo próprio, unido com as questões referentes às nulidades processuais (ver arts. 155 e ss. e arts. 563 e ss. do CPP). Qualquer ato processual ou procedimental que resulte prejuízo para a defesa ou para a acusação (Ministério Público) é nulo. Decretada a quebra dos sigilos telefônico ou da movimentação bancária por pedido ministerial, é de ser arguida nulidade pela parte contrária, posto que irá influir substancialmente na decisão da causa, configurando, de pronto, nulidade absoluta, visto que não mais poderá ser sanada ou recuperada a falha com o abuso ou a arbitrariedade estatal. O direito constitucional como a legislação ordinária e as cláusulas de Direitos Humanos expressam a proibição de prova ilícita. Toda aquela que é produzida ou levada aos autos em prejuízo dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório (ex vi inc. LVI, art. 5º da CF; art. 155 e ss. do CPP; art. 25 do Pacto de San José/OEA­1969), e mais, toda pessoa possui direito a um recurso rápido e simples contra atos do Estado que violem garantias fundamentais reconhecidas pela Constituição.

[12] A CPI dos Bingos foi instalada no final de junho de 2005 para investigar o primeiro escândalo de importância no governo Lula: a atuação do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, flagrado em vídeo negociando propina com um empresário do ramo de jogos. O escândalo veio à tona em fevereiro de 2004. Mas a oposição só conseguiu instalar a CPI em junho de 2005, depois de driblar o governo, que tentava abafar o caso. Apelidada de “CPI do Fim do Mundo”, a CPI passou a investigar todo tipo de denúncia que surgiu contra o governo, como a suposta ligação entre o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT) e o esquema de financiamento de campanhas; as possíveis irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto durante a gestão de Antonio Palocci; a suposta doação de casas de bingo ou a remessa de dólares vindos de Cuba para a campanha de Lula, entre outros temas explosivos. Em março de 2006, a CPI ouviu o caseiro Francenildo Costa, que desmentiu Palocci ao afirmar que o ex-ministro frequentava uma mansão em Brasília usada por lobistas para fechar negócios suspeitos e promover festas com prostitutas. O local, conhecido como “República de Ribeirão Preto”, foi alugado por ex-assessores de Palocci. O depoimento de Francenildo acabou deflagrando outro escândalo, pois seu sigilo bancário foi violado ilegalmente logo após participar da CPI. A Polícia Federal suspeita que Palocci seja o mandante da quebra do sigilo. Entre as principais reclamações dos integrantes da CPI estão as decisões concedidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que impediram a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de uma série de suspeitos. O presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, foi um dos beneficiados pelas decisões do STF. A CPI suspeita que Okamotto tenha liderado um esquema de arrecadação de recursos entre prefeituras petistas para as campanhas eleitorais do partido. A presidência é ocupada senador Efraim Morais (PFL-PB), ladeado pelo vice-presidente, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). O relator é o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN). Parlamentares da base governista acusam a oposição de usar a CPI dos Bingos para tentar desgastar o presidente Lula. Exemplo disso seria a tentativa de envolver o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, com o suposto esquema de corrupção de Santo André.

[13] As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) surgiram na Grã-Bretanha, entre os séculos XIV e XVII. A partir daí, as CPIs passaram a ser adotadas nos mais diversos países, inclusive aqui no Brasil. Em 1826 – dois anos depois da primeira Constituição brasileira – já houve registro de um grupo de deputados e senadores que avaliaram as condições do Banco do Brasil. Eles não se denominaram “CPI”, mas fizeram o que se espera de uma comissão parlamentar de inquérito: fiscalização. Mas, legalmente a investigação parlamentar só foi existir no País um século depois. Em 1935, os Anais do Congresso Nacional registraram a primeira comissão parlamentar de inquérito da história. Chamava-se “Comissão de Inquérito para Pesquisar as Condições de Vida dos Trabalhadores Urbanos e Agrícolas” e, além de deputados, era composta por representantes de categorias profissionais. Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/400788-primeiras-investigacoes-parlamentares-no-brasil-ocorreram-em-1826/  Acesso em 2.7.2021.

[14] A ditadura militar (1964/1985) fechou o Congresso Nacional em 1966. A Casa voltou a funcionar para aprovar, sem debates, a Constituição de 1967, que, agora, previa a realização de CPIs formadas por senadores e deputados, as comissões mistas (CPMIs), inexistentes até então. As CPIs também passaram a ter obrigatoriamente um tempo determinado para funcionar. Mas as novas regras demoraram muito para serem colocadas em prática. As investigações parlamentares ficam inibidas pelo endurecimento do Regime Militar em 1968 e só voltaram em 1973, ainda assim, timidamente, com uma só comissão na Câmara, que investigava o tráfico de drogas no País. Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/400788-primeiras-investigacoes-parlamentares-no-brasil-ocorreram-em-1826/ Acesso em 02.7.2021.

[15] Em tempo, convém sublinhar que a CPI não poderá prender algum depoente ou indiciado preventivamente. As prisões preventivas servem para garantir que a investigação não seja atrapalhada. Estas, assim, precisam de ordem judicial. Porém, poderá ocorrer a prisão em flagrante, isto é, enquanto um crime esteja sendo ocorrendo. E, não pode ocorrer, caso se confirme que o crime já tenha ocorrido. Diante da mentira da testemunha, de acordo com o artigo 342 CP, qualquer cidadão poderá decretar a prisão preventiva e, encaminhar o preso à autoridade policial. Mas, a prisão é, ou deveria ser, sempre excepcional, e só será mantida por um juiz caso estejam presentes todos os requisitos justificadores para uma prisão preventiva. Porém, é possível a liberdade do indiciado ou depoente poderá acarretar sérios riscos à investigação.

[16] As provas produzidas em comissões parlamentares de inquérito não podem ser utilizadas para condenar réus, afirmam criminalistas. Isso porque o artigo 155 do Código de Processo Penal é claro e direto: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.  Deve-se recordar que a prova testemunhal é “a prostituta das provas”, no jargão jurídico. “Não se pode condenar ninguém no país com base só nisso, porque é [uma prova] fraca, uma vez que as pessoas se esquecem —voluntariamente ou não — dos fatos e até mesmo os alteram, por pressão de outros ou interesses próprios.”