Resumo: A coisa julgada contemporânea não é mais a definida originalmente pelo Código Buzaid, nem tampouco, a ensinada através da tradição romanística-germânica. O instituto conheceu evolução que vai desde sua relativização até sua parcialidade e, tal fato trouxe relevantes efeitos para o processo civil contemporâneo.

Palavras-Chave: Coisa Julgada. Parcial. Fatiada. Relativizada. Garantia Constitucional. Segurança Jurídica.

Abstract: The thing judged contemporary is no longer the one originally defined by the Buzaid Code, nor the one taught through the German-Romanistic tradition. The institute experienced an evolution that goes from its relativization to its partiality and this fact brought relevant effects to the contemporary civil process.

Keywords: Judged Thing. Partial. Sliced. Relativized. Constitutional Guarantee. Legal Security.

 

 

 

É uma polêmica atual saber se existe ou não a coisa julgada parcial e progressiva de capítulos da sentença quando houver a interposição recursal de outro capítulo independente.

Todo o busilis situa-se no efeito translativo dos recursos, isto é, a possibilidade de o tribunal conhecer de ofício questão de ordem pública, tal como a ausência de uma das condições da ação. E, de acordo com parte da doutrina e da jurisprudência pátria, pode acarretar a anulação de toda sentença, até mesmo de capítulos não recorridos.

Cumpre, a priori, esclarecer os conceitos de coisa julgada formal e material. E, analisar os capítulos de sentença, recursos e seus respectivos efeitos. De fato, vige grande confusão sobre o que seja trânsito em julgado o que não se confunde com a coisa julgada material.

De fato, ocorre o trânsito em julgado quando a sentença ou acórdão ou capítulos destes, não mais estejam sujeitos aos recursos ou a reexame necessário[1].

Assim, o trânsito em julgado é, sem dúvida, um dos pressupostos para formação da coisa julgada, porém não é o único. Para a formação da coisa julgada material, se faz necessário, a saber: a) decisão de mérito; b) trânsito em julgado.

E há doutrinador que ainda acrescenta mais dois pressupostos, a saber: que a decisão[2] deva de ter cunho jurisdicional, sendo, portanto, prolatada pelo Poder Judiciário; e, ainda mediante cognição exauriente, o que exclui, por exemplo, as decisões proferidas em tutelas provisórias (notadamente as antecipadas).

Já a coisa julgada formal decorre meramente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que fora proferida pela impossibilidade de interposição de recursos. Assim, a sentença coberta com o manto da coisa julgada formal não poderá ser modificada naquele mesmo processo. Porém, não vige impedimento que o assunto seja rediscutido em outro processo.

As sentenças terminativas[3] são tão-somente atingidas pela coisa julgada formal, de modo que é possível nova demanda a ser ajuizada, mesmo que idêntica. Já para a formação de coisa julgada material, é necessário haver sentença de mérito, isto é, definitiva.

O termo coisa julgada deriva diretamente da expressão latina res judicata[4] e, seu fito é evitar que uma lide seja julgada mais de uma vez, tornando a primeira decisão imutável e indiscutível.

Conceitua-se a coisa julgada material como a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que fora produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial, mais precisamente, em seu dispositivo, cristaliza-se e torna-se inalterável.

O maior fundamento da existência da coisa julgada material é a segurança jurídica[5]. E, a sentença pode julgar total ou parcialmente a lide, e tem força de lei dentro dos limites da lide e das questões decididas.

De acordo Nelson Nery Júnior, a coisa julgada material é a manifestação do Estado Democrático de Direito[6] e, resta presente na maioria dos sistemas democráticos ocidentais. Trata-se de relevante garantia que o doutrinador ousou afirmar que desrespeitar a coisa julgada material corresponde desrespeitar o Estado Democrático de Direito, fundamento da república brasileira.

Essa garantia está prevista constitucionalmente que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. E, destaque-se que se refere a uma cláusula pétrea que não pode ser excluída nem por emenda constitucional, segundo o artigo 60, §4º, IV da CF/1988.

Já quanto os capítulos de sentença referem-se a um instituto muito estudado pela doutrina italiana. Os doutrinadores italianos chamam de parte o capo di sentenza[7]. Chiovenda criou teoria mais restritiva. E, segundo o doutrinador italiano, os capítulos de sentença seriam apenas as unidades do decisório, portadoras do julgamento de mérito. Cada um precisa ter autonomia e independência dos demais.

Enfim, Chiovenda, independentes são as partes da sentença capazes de ter vida própria, sem dependerem de outros tópicos. Autônomas são as parcelas que poderiam ser objeto de demandas separadas.

Então surgiu, a teoria de Enrico Tullio Liebman que ampliou o conceito de capítulos de sentença[8], pois incluiu as decisões preliminares. Dessa forma, se o juiz rejeitar uma prefacial e julga o mérito pela procedência ou improcedência do pedido, a sentença terá dois capítulos: o primeiro que declarará a admissibilidade do julgamento de mérito e o segundo que conterá este julgamento. Por isso, a autonomia defendida por Liebman é relativa, enquanto a de Chiovenda é absoluta.

Já, por outro viés, Francesco Carnelutti criou teoria diversa, a qual identifica os capítulos de sentença na solução de questões e não no julgamento da demanda. Assim, na teoria de Carnelutti, os capítulos da sentença estão na motivação e não parte decisória. Essa é a grande diferença dele para Chiovenda e Liebman.

No Brasil, os autores que mais estudaram o tema foram José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco.

O primeiro doutrinador registrou a existência de sentenças objetivamente complexas. Este as conceitua como: (…) as sentenças cujo dispositivo contém mais de uma decisão. Também seria possível caracterizar a sentença objetivamente complexa como aquela que se compõe de mais de um capítulo.

Conclui-se, que a doutrina enxerga os capítulos de sentença são as decisões que constam na sua parte dispositiva. Barbosa Moreira sustenta que terão mais de um capítulo as sentença que decidam mais de um fato com resolução de mérito, como a apreciação de vários pedidos do autor, ou a análise também de um pedido do réu em reconvenção.

Entretanto, segundo a mesma doutrina, também haverá mais de um capítulo a sentença que julga o pedido procedente em parte, dando-se a cisão quantitativa, in verbis:

“Complicam-se as coisas quando, divisível que seja a prestação, o juiz só em parte acolhe o pedido. Imagine-se, por exemplo, que ele reduza o valor da cláusula penal, por entender presente alguma das circunstâncias previstas no art. 413 do CC”.

O autor pedira a condenação no valor total de 100, e a sentença não lhe concede mais do que 80. Para diversos efeitos – inclusive, conforme se verá, para o que importa aqui – deve-se tratar a espécie como de dois capítulos, um relativo aos 80 concedidos, outro aos 20 negados.

Humberto Theodoro Júnior também sustenta que apenas a parte dispositiva da sentença é divisível em capítulos, “[…] porque é ali que se dá solução às diversas questões que revelam as pretensões solucionadas judicialmente”.

Da mesma forma, Cândido Rangel Dinamarco considera que os capítulos constam apenas na parte dispositiva da sentença e englobam a parcela processual (como o exame das prefaciais) e a de mérito.

A seguinte definição de capítulos de sentença: Definem-se, portanto, os capítulos de sentença, diante do direito positivo brasileiro e dessas considerações, como unidades autônomas do decisório da sentença.

É no isolamento dos diversos segmentos do decisório que residem critérios aptos a orientar diretamente a solução dos diversos problemas já arrolados, quer no tocante aos recursos, quer em todas as demais áreas de relevância, já indicadas.

Cândido Rangel Dinamarco considera que os capítulos constam apenas na parte dispositiva da sentença e englobam a parcela processual como o exame das prefaciais e a de mérito. Com isso, apresentou a seguinte definição de capítulos de sentença:

Definem-se, portanto, os capítulos de sentença, diante do direito positivo brasileiro e dessas considerações, como unidades autônomas do decisório da sentença. É no isolamento dos diversos segmentos do decisório que residem critérios aptos a orientar diretamente a solução dos diversos problemas já arrolados, quer no tocante aos recursos, quer em todas as demais áreas de relevância, já indicadas.

Apesar de não existir um conceito legal, mas apenas doutrinário, em vários momentos o CPC/1973 refere-se às partes da sentença nos artigos 498, 500, 505 e 515, todos tratam de recursos (referentes aos art.997 CPC/2015, artigo 1.002 do CPC/2015 e artigo 1.013 do CPC /2015.).

Da mesma forma quando CPC dispõe sobre o cumprimento de sentença, que se refere à autonomia, percebe-se que Dinamarco seguiu a teoria de Liebman, mas foi um pouco além, trazendo dois significados:  a) o da possibilidade de que cada um deles fosse objeto de um processo separado; b) o da regência de cada um por pressupostos

próprios, que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos próprios, que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos dos demais.

Todos os capítulos são autônomos em pelo menos um dos sentidos retromencionados. Se não for, então não pode ser considerado um capítulo.

Os exclusivamente processuais nunca seriam autônomos pelos significado “a”. É que não existe um processo somente para se declarar, por exemplo, uma falta de interesse processual, ou uma impossibilidade jurídica do pedido.

Os capítulos de mérito podem ter autonomia em qualquer dos significados. Assim, se conclui que o melhor conceito de autonomia é o B, já que engloba tantos os capítulos processuais como os de mérito.

Entretanto, a autonomia é diferente de independência. Todo capítulo é autônomo, mas nem todo é independente. Desta forma, os capítulos que são sempre autônomos podem ser dependentes ou independentes, conforme a relação de prejudicialidade. São dependentes quando um deles influenciar no julgamento do outro e independentes se não existir esta influência.

Como exemplo, se o autor requer a anulação de um contrato, com a devolução do dinheiro, no caso de o primeiro pedido ser rejeitado, fica prejudicada a análise do segundo. E por isso, são capítulos dependentes. Agora, se os pedidos fossem para anular as cláusulas contratuais, sem que uma prejudique a análise da outra, cada capítulo será independente dos demais.

Da mesma forma, um capítulo que examina uma preliminar será prejudicial as do mérito

E, caso seja acatada a preliminar, como o reconhecimento de uma ilegitimidade, falta de interesse processual, ou qualquer outra, não será analisado o mérito. Portanto, há dependência entre estes.

Nesses casos, há uma relação de subordinação ou condicionamento entre os capítulos. Dessa forma, são chamados dependentes os capítulos sujeitos a essa influência e condicionantes os que exercem referida influência.

A sentença pode ser impugnada no todo ou em parte. Apesar de o dispositivo referir-se a sentença, também se aplica aos acórdãos e às decisões interlocutórias, que podem ser impugnados no todo ou em parte. O recurso será integral caso abranger toda a decisão, isto é, todos os capítulos.

Por outro lado, parcial é o recurso de um ou alguns capítulos da decisão, deixando outros sem impugnação. Existem muitos efeitos, mas com importância para o objeto deste artigo são apenas três, a saber: devolutivo, expansivo e translativo.

O devolutivo é uma qualidade presente em todos os recursos, “[…] que é a transferência da análise da matéria para uma reavaliação pelo próprio Judiciário.

Esse efeito é uma decorrência do princípio dispositivo. Geralmente, o juiz não pode agir de ofício. Precisa aguardar a provocação da parte ou do interessado, conforme art.2º do CPC/1973[9].

Além disso, deve julgar nos limites do pedido, segundo os arts. 128 e 460 do CPC. Da mesma forma, só poderá decidir no recurso o que for requerido nas razões recursais, de modo que é devolvido ao órgão ad quem apenas a matéria impugnada.

A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, o que consagra a regra tantum devolutum quantum appellatum, sendo aplicável a qualquer recurso.

De qualquer forma, isso não permite a reforma para pior no julgamento do recurso. O princípio da proibição da reformatio in pejus é o limite do efeito devolutivo. O referido efeito possui um plano horizontal e outro vertical. Lembremos que apenas os capítulos impugnados da decisão recorrida serão analisados e, a parte atacada no recurso é que fixa a extensão do efeito devolutivo, isto é, seu plano horizontal.

Sendo certo que dentro dos limites do plano horizontal, é possível haver análise aprofundada. Esse é o plano vertical. E, no que se refere ao efeito expansivo, é quando o julgamento recursal será mais abrangente que a matéria impugnada. E, pode ser objetivo ou subjetivo. Aquele se divide em interno e externo.

O efeito expansivo objetivo interno é quando o capítulo recorrido da decisão, caso provido, atinja os capítulos não impugnados, mas dependentes daquele. Pode-se citar uma sentença que reconheça que o réu praticou um ato ilícito e condene-o ao pagamento de danos emergentes e lucros cessantes.

Caso o réu recorra apenas para defender a inexistência de ato ilícito, o tribunal não pode modificar o valor dos danos emergentes e dos lucros cessantes. Mas, se reconhecer inexistência de ato ilícito, excluirá as indenizações, que são dependentes.

Ocorrerá efeito expansivo objetivo externo quando o acolhimento do recurso gerar efeito em provimento autônomo, dependente do recorrido. É o caso de agravo de instrumento de decisão que negou a produção de provas.

Se o processo foi sentenciado e o agravo provido, serão anulados todos os atos posteriores à decisão recorrida, inclusive a sentença.

Por fim, o efeito expansivo subjetivo existe quando o provimento do recurso interposto por apenas um dos litisconsortes atinge os demais, conforme art. 509 do CPC.

Segundo a doutrina, o litisconsórcio precisa ser unitário.42O efeito translativo também diz respeito à cognição da matéria no julgamento do recurso. Só que ao contrário do efeito devolutivo, que só permite a análise das matérias impugnadas, o translativo admite a cognição “[…] ainda que sem expressa manifestação de vontade do recorrente.

O efeito translativo ocorre com as matérias de ordem pública, que podem e devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e não geram preclusão, conforme previsão dos arts. 245, parágrafo único, 267, § 3º, e 301, § 4º, todos do CPC.

O termo “em qualquer grau de jurisdição” interpreta-se apenas para os recursos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional).

Assim, não se aplica o efeito translativo na primeira fase (juízo de cassação) dos recursos excepcionais (recurso especial, recurso extraordinário e embargos de declaração).

Coisa Julgada Parcial e progressiva (ou fatiada) segundo a doutrina pesquisada que é majoritária no sentido de que os capítulos não recorridos transitam em julgado.

No STJ, o tema era controvertido, de forma que havia posições nos dois sentidos: a questão pacificou-se quando a Corte Especial de referido Tribunal julgou os Embargos de Divergência 404.777, em 3.12.2003, decidindo pelo não cabimento da coisa julgada parcial e progressiva. Por consequência, o prazo para a ação rescisória termina apenas após o decurso de dois anos do trânsito em julgado da última decisão.

Consta da ementa do acórdão: PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSOESPECIAL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO PARA PROPOSITURA – TERMOINICIAL – TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO PROFERIDANOS AUTOS – CPC, ARTS. 162, 163, 267, 269 E 495.

A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença /acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo, pois, a lide.- Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial.- Consoante o disposto no art. 495 do CPC, o direito de propor a ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa.- Embargos de divergência improvidos.

A decisão foi por maioria. Foram vencidos 5 Ministros, inclusive o Relator, Ministro Fontes de Alencar. De qualquer forma, desde então, este é o posicionamento do STJ.

A matéria está inclusive sumulada no referido Tribunal, no verbete 401, de 7.10.2209: O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.

Quanto ao primeiro ponto, entendeu o STJ que… efetivados vários pedidos em um único processo, uma única sentença deverá ser proferida, sob pena de violar a unicidade processual.

Não se discorda que o processo terá uma única sentença e que dela caberá um único recurso (apelação). Só que nada impede que essa sentença seja dividida em capítulos. Muito pelo contrário, em vários momentos o CPC faz referência a partes da sentença.

E, se a lei prevê expressamente a possibilidade de divisão da sentença em partes, chamadas de capítulos quando possuírem autonomia, não há como os tribunais não reconhecerem isso, pois será uma interpretação contra legem.

Quanto ao segundo pilar usado pelo referido Tribunal para fundamentar os Embargos de Divergência 404.777, trata-se de interpretação do significado de coisa julgada formal e material e o momento de sua ocorrência.

Entre os votos vencedores do referido acórdão, constata-se que alguns Ministros defendem que as partes da sentença não recorridas são atingidas pela coisa julgada formal (Ministro Franciulli Netto).

Outros, que ocorre a preclusão (Ministro Francisco Peçanha Martins). Mas, os votos vencedores concordam que a coisa julgada material só ocorrerá com a extinção do processo e a resolução completa da lide. Esse é o posicionamento atual do STJ.

Não obstante, quando se estuda os conceitos de trânsito em julgado, coisa julgada formal e material, não há como se concordar com a decisão do STJ.

O trânsito em julgado ocorre quando a sentença ou acórdão não está mais sujeito a recursos ou a reexame necessário. Ora, se uma sentença possui dois capítulos independentes, por exemplo, um que condene o réu ao pagamento de dano material e, outro, ao dano moral, existe apelação apenas do primeiro, e se não for o caso de reexame necessário, o segundo não estará mais sujeito a recurso.

E, por força do efeito devolutivo, não poderá ser modificado pelo órgão ad quem. Assim, ocorrerá o trânsito em julgado do capítulo não recorrido. Assim, o capítulo irrecorrido é como sentença irrecorrida, passa em julgado.

Concluído que ocorreu o trânsito em julgado do capítulo independente não recorrido, é preciso analisar se estão preenchidos os requisitos para a formação da coisa julgada material ou formal.

Os pressupostos para a caracterização da coisa julgada material são: decisão de mérito; trânsito em julgado; a decisão deve ser, de cunho jurisdicional, isto é, proveniente do Poder Judiciário, deve ser prolatada com base em cognição exauriente.

Em uma sentença que condene o réu ao pagamento de dano material e moral (dois capítulos), com recurso apenas do primeiro, estarão presentes todos os requisitos legais para a formação da coisa julgada material do segundo capítulo, referente ao dano moral: haverá um julgamento de mérito; o trânsito em julgado, já que não caberá recurso da parte não recorrida; decisão do Judiciário, e proferida em cognição exauriente.

Relevante destacar que a formação da coisa julgada não está condicionada a extinção do processo e, data venia, qualquer interpretação nesse sentido afronta a melhor técnica processual sobre a matéria.

O mesmo raciocínio é aplicável na sentença de procedência em parte do pedido. Caso o autor peça dano material no valor de dez mil reais e a sentença condene o réu ao pagamento de seis mil reais, se apenas o autor apela para tentar procedência total, a condenação em no mínimo seis mil reais fizeram coisa julgada material.

O tribunal poderá aumentar a indenização ou mantê-la no valor fixado na sentença.   Mas, jamais poderá diminui-la ou excluí-la, pois violará a coisa julgada material e os princípios tantum devolutum quantum appelatum e da proibição da reformatio in pejus.

A sentença de primeira instância possui dois capítulos, a saber: o que concedeu a indenização de seis mil reais, atingida pela coisa julgada material, pois não recorrido, e o que negou o valor de quatro mil reais, passível de modificação pelo tribunal, pois objeto do recurso.

Diferente é a situação quando os capítulos são dependentes entre si. Quando isso ocorre, em caso de recurso, aplica-se o chamado efeito expansivo, em que o julgamento recursal é mais abrangente que a matéria impugnada. Assim, recorrido apenas do capítulo condicionante da sentença, o recurso abrangerá também o capítulo dependente, de modo que este não formará coisa julgada enquanto não julgada a apelação.

No caso de uma ação de reintegração de posse combinada com indenização pelo danos causados pelo esbulho, caso sejam julgados os dois pedidos procedentes e, o réu interpuser apelação apenas quanto ao pedido possessório, se provido, a decisão abrangerá também o indenizatório.

É que não faz sentido negar o pedido de reintegração de posse, mas manter a condenação ao pagamento de indenização pelos danos do esbulho.

Por outro lado, recorrido somente do capítulo dependente, o condicionante não será atingido pelo efeito expansivo, limitando-se a análise recursal ao capítulo efetivamente impugnado pelo recorrente.

Outra hipótese de dependência é sobre o capítulo de mérito e aquele decide sobre sua admissibilidade, ou seja, a preliminar. Não se chega ao mérito se o exame da prefacial for negativo.

E, por isso, se a sentença afasta a ilegitimidade passiva ad causam e julga procedentes os pedidos possessório e indenizatório, caso o réu aquele apenas sobre a preliminar, os dois capítulos de mérito não fazem a coisa julgada material naquele momento. É que a acatada a prefacial todo o mérito será atingido. E, in casu, como será uma sentença meramente processual, ocorrerá apenas a coisa julgada formal.

Por derradeiro, é preciso ver o efeito translativo de recursos, que é a possibilidade de análise pelo tribunal de matérias não impugnadas pelo recorrente. Ocorre com as questões de ordem pública.

Esse efeito é o principal argumento dos que defendem a impossibilidade da ocorrência da coisa julgada parcial de capítulos de sentença. Eles sustentam que não se pode admitir a coisa julgada de uma parte da sentença não recorrida, pois o tribunal pode anular a sentença integralmente, de ofício, no caso de constatar uma questão de ordem pública, como uma ilegitimidade.

Há forte e respeitável corrente doutrinária com esse entendimento. Pode-se citar Antonio Carlos Marcato, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes, Nelson Nery Júnior, Rodrigo Barioni, Cassio Scarpinella Bueno, José Miguel Garcia Medina, Tereza Arruda Alvim Wambier, Alcides de Mendonça Lima, Carlos Eduardo Stefen Elias, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart, entre outros.

Exemplificando: a parte ajuíza a ação para pedir reparação por danos causados em acidentes de trânsito. Pede o reconhecimento da culpa do réu pelo acidente, a condenação aos danos emergentes, lucros cessantes, danos morais e estéticos.

A sentença julga quase todos os pedidos procedentes, mas rejeita o último. O autor interpõe apelação para que o réu seja condenado também ao pagamento do dano estético. O réu não recorre.

Seguindo a corrente acima, caso o tribunal encontre uma questão de ordem pública, como a falta de uma das condições da ação, pode anular todo o processo, de modo que o autor não irá receber nenhum dos pedidos deferidos em primeira instância.

Com o devido respeito aos juristas que defendem esse ponto de vista, não há como se concordar com ele. É que o efeito devolutivo em plano horizontal e outro vertical. O primeiro é a extensão, isto é, à parte

recorrida. Esta poderá ser expandida e outro vertical. O primeiro é a extensão, ou seja, a parte recorrida. Esta poderá ser expandida para os capítulos dependentes, segundo efeito expansivo. O segundo é a profundidade da análise, que, nos limites do plano horizontal, é o mais amplo possível;

Entende-se que o efeito translativo fica limitado pelo efeito devolutivo, no seu plano horizontal. Isso significa que o tribunal poderá reconhecer alguma questão de ordem pública de ofício apenas no capítulos da sentença recorridos e nos seus dependentes.

É o que os demais capítulos da sentença foram atingidos pela coisa julgada. E admitir que o tribunal anule a sentença toda, inclusive os capítulos que não forem objeto de recurso, é aceitar a desconstituição da coisa julgada por vias transversas, ou seja, sem ação rescisória, com violação ao artigo 5, XXXVI da CF/1988.

No exemplo citado anteriormente, se o autor apela apenas do pedido de dano estético que foi julgado improcedente e o tribunal reconhece a falta de uma das condições da ação, somente poderá julgar extinto este capítulo da sentença recorrido.

Não será possível ao tribunal modificar as partes referentes à culpa do réu, aos danos emergentes, aos lucros cessantes e ao dano moral, pois não foram objeto de recurso, de modo que restaram cobertos pelo manto da coisa julgada material.

Por outro viés, se for julgada a falta das condições da ação apenas do capítulo recorrido, não há reforma para pior. Tal ocorre porque é melhor para o autor a extinção do pedido de dano estético sem resolução de mérito, que só faz coisa julgada formal, do que a sentença de improcedência do pedido, com resolução de mérito, que gera coisa julgada material e não permite que o autor proponha nova ação, após corrigir o vício encontrado.

Conclui-se que o efeito translativo é limitado pelo plano horizontal do efeito devolutivo. Dessa forma, apenas as questões processuais de ordem pública relacionadas aos capítulos de mérito devolvidos por ser diretamente recorrido ou por ser dependente dele, conforme efeito expansivo, são transferidas ao órgão ad quem e somente elas podem julgadas pelo tribunal.

Em segunda corrente é seguida por Dinamarco, Humberto Theodor Júnior, José Magalhães Bonício, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto dos Santos Bedaque, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Ana Cândida Menezes Marcato, entre outros.

No Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Décima Primeira Questão de Ordem da Ação Penal n. 470[10], conhecida como mensalão, os Ministros decidiram, por unanimidade, pela executoriedade imediata dos capítulos do acórdão que não foram objeto de embargos infringentes.

Reconheceram, assim, que foram atingidos pela coisa julgada os capítulos irrecorridos, de modo que os réus iniciaram o cumprimento da pena. Está certo que se trata de um processo penal, mas, mesmo assim, é um julgado muito relevante.

Também é preciso fazer referência a outro importante precedente do STF, agora na área cível. Foi dito anteriormente que o entendimento do STJ pacificou, quando do julgamento dos Embargos Infringentes n. 404.777, que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória tem seu termo inicial após o último trânsito em julgado.

Ocorre que foi interposto recurso extraordinário desse acórdão, que recebeu o número 666.589. Ao julgá-lo, em 25-3-2014, a Primeira Turma do STF, por unanimidade, deu provimento ao recurso para fixar o início do prazo para a rescisória como o dia do trânsito em julgado dos capítulos não recorridos.

Consta da ementa deste acórdão:

COISA JULGADA – ENVERGADURA.  A coisa julgada possui envergadura constitucional. COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTO JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS.

Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória.

Participaram do julgamento os Ministros Marco Aurélio (Relator), Rosa Weber e Roberto Barroso. Impedidos os Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.

Destaque-se trecho do voto do Ministro Relator:

“O Supremo admite, há muitos anos, a coisa julgada progressiva ante a recorribilidade parcial também no processo civil. É o que consta do Verbete nº 354 da Súmula, segundo o qual, “em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”.

Assim, conforme a jurisprudência do Tribunal, a coisa julgada, reconhecida na Carta como cláusula pétrea no inciso XXXVI do artigo 5º, constitui aquela, material, que pode ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas.

Disso tudo decorre outra consequência lógica, agora tendo em conta a propositura de rescisória e o prazo para tanto, objeto deste extraordinário: ocorrendo, em datas diversas, o trânsito em julgado de capítulos autônomos da sentença ou do acórdão, tem-se, segundo Barbosa Moreira, a viabilidade de rescisórias distintas, com fundamentos próprios.

Assim, apesar de o STJ não admitir totalmente a coisa julgada parcial dos capítulos independentes de sentença não recorridos, essa teoria é aceita pelo TST e pelo STF

Dispõe o art. 475-I, § 1º, do CPC/73: “É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”

Como se defende neste artigo a tese de que os capítulos independentes não recorridos transitam em julgado, a conclusão a que se chega é de ser possível o cumprimento de sentença definitivo deles. Quanto aos capítulos recorridos, se o recurso não tiver efeito suspensivo, o cumprimento de sentença será provisório

É o que ensina Araken de Assis:

“Ocorrendo impugnação parcial (art. 505), quer à sentença, quer ao acórdão, somente o capítulo sujeito a recurso se subordinará à execução provisória; definitivamente, ao invés, se executará a parte autônoma, tornada indiscutível pelo trânsito em julgado”.

Da mesma forma, se o autor requer a condenação do réu ao pagamento de 100 e a sentença concede 80, havendo recurso somente do autor para obter os 20 restantes, a condenação a pagar 80 fez coisa julgada material.

Será possível promover o cumprimento de sentença definitivo desse valor, mesmo não julgada a apelação sobre os 20.66Caso não adotada a teoria da coisa julgada parcial dos capítulos de sentença, o autor teria de aguardar o julgamento da apelação, mais eventuais recursos ao STJ e STF, para só depois promover o cumprimento de sentença definitivo

Assim, essa teoria contribui bastante para a celeridade processual e a efetividade dos processos. Da mesma forma, é possível uma sentença possuir uma parte líquida e outra ilíquida. Nesses casos, pode-se propor o imediato cumprimento de sentença do capítulo líquido e a liquidação do capítulo genérico.

A lei prevê expressamente essa possibilidade, conforme art. 475-I, § 2º, do CPC/73: “Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta”.

Esta é mais uma consequência da teoria dos capítulos de sentença. Se não adotada, seria necessário primeiro liquidar a parte genérica para depois propor o cumprimento de sentença de tudo, o que atrasaria em muito a obtenção do bem da vida pelo credor.

Também há aplicação da teoria no plano das nulidades. Nos termos dos arts. 128 e 460 do CPC/73 (art. 141 e 492 CPC/2015), o limite da sentença válida é o pedido. Assim, haverá sentença ultra petita quando o juiz decidir além do pedido, concedendo ao autor mais do que foi requerido na petição inicial

Como exemplo, pode-se referir ao caso de o autor pedir 100 e o magistrado condenar o réu a pagar 120. Essa sentença terá dois capítulos: um que concedeu o valor pedido pelo autor e outro que determinou ao réu o pagamento de mais uma quantia não pedida.

Em caso de recurso, o tribunal deverá anular apenas o capítulo que concedeu os 20 não pedidos, mantendo hígido o que deferiu a condenação de 100. Vigora a regra de que a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras independentes, prevista no art. 248, in fine, do CPC/73 (artigo 281 CPC/2015).

Finalmente, a aplicação da teoria está em consonância com o princípio da segurança jurídica e da necessidade de estabilização dos efeitos da sentença. Isso porque a formação da coisa julgada parcial concede ao vencedor a tranquilidade da imutabilidade da decisão quanto aos capítulos independentes não recorridos.

Também não se pode confundir o julgamento parcial do mérito, previsto no artigo 356 CPC/2015 com julgamento de mérito parcial. Pois o mencionado dispositivo legal trata especificamente da hipótese em que, sem pôr fim ao procedimento, o juiz decide um ou mais pedidos, permanecendo a demanda em relação aos demais.

E, a segunda hipótese, o julgamento de mérito parcial[11], ocorre quando o julgador profere sentença pondo fim à fase de desconhecimento, acolhendo parcialmente o pedido formulado pelo autor da ação.

Exemplificando: A propõe demanda em face de B requerendo sua condenação em danos morais e materiais.  Após a contestação, na fase de saneamento, o juiz se convence da ocorrência do fato gerador do dever de indenizar, bem como de que o dano moral é auferível de plano, mas entende que o dano material deve ser provado.

Então, promove “julgamento antecipado parcial de mérito”, nos termos do art. 356, CPC/2015. Tal decisão é recorrível por meio de agravo de instrumento, e, após o trânsito em julgado, poderá ser executada, muito embora o processo ainda persista em relação ao dano material.

Comentando o art. 356 do CPC/2015, Fredie Didier esclarece que:

“(…) admite-se o julgamento antecipado parcial[12] (art. 356, CPC). Nesse caso, por não encerrar o procedimento, a decisão é impugnável por agravo de instrumento (art. 356, § 4º, CPC).” (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. P.688-689).

Portanto, não podemos confundir a decisão prevista no art. 356, CPC, que não põe fim à fase de conhecimento, com a sentença meritória que será dada ao final, seja ela de procedência total ou parcial.

Resumindo: e para que o operador do direito não se equivoque quanto ao tipo de e do respectivo recurso cabível, temos:

(i) julgamento antecipado parcial de mérito: é uma decisão que implica no reconhecimento de parte do direito invocado pelo autor da demanda, mas que, por não pôr fim à fase de conhecimento pode ser questionada mediante agravo de instrumento;

(ii) julgamento de mérito parcial: neste caso, estar-se-á diante de sentença, pondo fim à fase de conhecimento, ainda que não tenha acolhido a integralidade das pretensões do autor da demanda (sentença de parcial procedência), recorrível, portanto, via recurso de apelação.

Considerando que a questão envolve singela análise dos dispositivos legais, entendo que a distinção é importante vez que a interposição de apelação no caso de julgamento antecipado parcial de mérito, ou de agravo de instrumento, quando a hipótese é claramente de sentença de mérito parcial, poderá ensejar o não conhecimento do recurso ante o erro grosseiro relativo à sua interposição.

De qualquer modo, conclui-se que coisa julgada contemporânea mapeou sua evolução que vai desde sua relativização até mesmo a sua forma parcial ou fatiada, gerando complexas consequências no processo civil contemporâneo, especialmente, o brasileiro.

 

Referências:

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[1] O reexame necessário constitui exigência da lei para dar eficácia a determinadas sentenças. Consiste na necessidade de que determinadas sentenças sejam confirmadas pelo Tribunal ainda que não tenha havido nenhum recurso interposto pelas partes. Assim, enquanto não sujeito ao reexame necessário, tais sentenças não poderão ser executadas. De acordo com o artigo 496, do Código de Processo Civil, “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.”.

[2] Em outras palavras, decisão antecipada parcial do mérito é aquela que concede a tutela jurisdicional sem exaurir a totalidade do pedido ou de um dos pedidos veiculados no processo, pois parcela dos pedidos ou um deles ainda depende de um julgamento posterior.

[3] As sentenças terminativas têm por consequência a extinção do processo sem a resolução do mérito e se operam pelos motivos elencados no art.  485 do Código de Processo Civil. … Em outras palavras, os efeitos desse tipo de sentença são preclusivos, operam somente em relação ao processo em questão. Assim as sentenças classificam-se em: a) processuais (ou terminativas): aquelas proferidas nos casos elencados pelo art. 485 do CPC, em que o juiz não entra no mérito, mas interrompe prematuramente a marcha procedimental, sem alcançar a solução do mérito. b) de mérito (ou definitivas): as que julgam o mérito, ou que endossam (homologando) manifestação de vontade das partes, resolvendo a lide. São prolatadas nas hipóteses enumeradas no art. 487 do CPC, e representam o alcance do escopo da jurisdição.

[4] Todo o processo romano gravitava em torno da sentença, ato de vontade estatal, no qual se sacramentava a vontade concreta da lei. Daí o porquê o conceito romano de coisa julgada, que era a res in iudicium deducta, o bem jurídico disputado pelos litigantes, depois que a res (coisa) foi iudicata, isto é, reconhecida ou negada ao auto.

[5] Para Reale “certeza e segurança formam uma ‘díade’ inseparável”, pois: […] se é verdade que quanto mais o direito se torna certo, mais gera condições de segurança, também é necessário não esquecer que a certeza estática e definitiva acabaria por destruir a formulação de novas soluções mais adequadas à vida, e essa impossibilidade de inovar acabaria gerando a revolta e a insegurança. Chego mesmo a dizer que uma segurança absolutamente certa seria uma razão de insegurança, visto ser conatural ao homem – único ente dotado de liberdade e de poder de síntese – o impulso para a mudança e a perfectibilidade, o que Camus, sob outro ângulo, denomina “espírito de revolta”.

[6] Segundo a Constituição Federal, é por meio dessa forma de Estado que o Brasil se constitui: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (…). O Estado Democrático de Direito está baseado no cumprimento por parte dos governos das normas de Direito (o que já era proposto pelo chamado Estado de Direito, que teve seu nascimento e ascensão nos séculos XVII e XVIII) e no chamado Estado social de Direito ou Estado de bem-estar social, que compreende uma série de medidas que devem ser atendidas pelo Estado soberano para tornar digna a vida da população. Portanto, um Estado Democrático de Direito é aquele que garante, a partir de um Estado governado democraticamente e submetido ao Direito como fundamento primeiro de suas ações, o atendimento a elementos básicos que promovam uma vida digna a todos os cidadãos e cidadãs.

[7] PONTES DE MIRANDA, figura sem igual na ciência do direito, traz à tona parte do ordenamento jurídico português daquela época que demonstra a força da coisa julgada naquela época: “Lê-se nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 78, § 2: “E aquella sentencá he chamada per Direito alguuma, que pero nom seja dada expressamente contra Direito, he dada contra direito da parte: assy como so fosse contenda cobre o testamento d’alguum meor de quatorze annos ao tempo que o fez, e da outra parte se dissesse que era mayor; e pero que se provasse per as Inquiriçoeens que era meor da dita idade ao dito tempo, o Juiz julgou o dito Testamento ser bbo, e valioso, nom avendo respeito como per Direito he ordenado, que o Testamento feito per o meor de quatorze annos he provado o contrario pollas Inquiriçoeens”. Adiante, no §3; “E porque tal por tanto nom her por Direito dita nenhuuma, mas he dita alguuma: e se a parte, contra que fosse dada, nom apelasse della aot empo, que per Direito he assinado pera apelar, ella passaria em cousa julguada, e ficaria firme, assy como se fosse bem julguada. E esto há lugar nos fetios cives, ca nos feitos Crimes devem os Juizes apelar sempre em todo caso por devem os Juízes apelar sempre em too caso por parte da Justiça, ainda que as partes nom apelem, segundo ao diante mais comprindamente diremos no Quinto Livro, honde entendemos tratar dos Crimes”.

[8] Um ponto de divergência entre o posicionamento de Barbosa Moreira e as concepções defendidas por Dinamarco reside no fato de que este, por ter adotado a teoria de Liebman sobre o capi de sentenza, entende que a análise da admissibilidade do julgamento de mérito também tem a aptidão para dar origem a capítulos de sentença. Não apenas as decisões sobre o mérito possuiriam tal prerrogativa (SÁ, 2015).  Uma vez revelada a noção básica acerca dos capítulos da decisão judicial, questão de acentuada relevância é entender como se dá o relacionamento entre esses capítulos. Com efeito, justamente visando à decifração dessa interação entre os capítulos de uma decisão judicial é que a doutrina criou várias classificações, categorizando esses capítulos, ressalta-se.

[9] Art. 2º CPC/2015 O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Princípio da inércia: Como regra, a atuação jurisdicional depende do exercício do direito de ação (inciso XXXV do art. 5º da CF), acarretando a formação do processo, entendido como o instrumento utilizado pelo Estado para eliminar o conflito de interesses. Em outras palavras, para que o magistrado atue no caso concreto, é necessário que o interessado formule requerimento ao juiz, respeitando a máxima ne procedat judex ex officio (não proceda o juiz de ofício, em tradução livre). Atuação ex officio do magistrado: Em algumas situações, a lei permite que o processo, o procedimento ou o incidente processual seja iniciado por iniciativa do magistrado, o que mitiga o princípio da inércia. Isso ocorre quando há interesse público a preservar, como se observa, exemplificativamente: (a) na suscitação do conflito de competência (art. 951); (b) na determinação da alienação judicial de bens (art. 730). In: MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2018.

[10] A complexidade do julgamento da Ação Penal 470, que envolve os acusados de participar do esquema de compras de votos que ficou conhecido como Mensalão, exigiu um esforço de compreensão por parte da mídia, que passou a demandar dos advogados e juristas uma tradução dos termos técnicos e jurídicos abordados durante os debates entre os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, expediu 12 mandados de prisão contra alguns condenados no caso “Mensalão”. Pelo entendimento do Tribunal, estas pessoas não teriam condições de rever suas penas e o mérito do julgamento de todos os crimes pelos quais foram condenados, mas apenas aqueles que foram objeto de recurso em sede de embargos infringentes. Ou seja, ainda existe recurso interposto por alguns dos réus e que ainda precisam de análise pelo STF. É preciso lembrar que a sentença é formada por capítulos (Teoria dos Capítulos da Sentença). Estes capítulos correspondem às respostas dadas pelo Juiz ao analisar cada pretensão exposta na inicial acusatória. Se havia três pedidos de condenação pelos crimes A, B e C, a parte dispositiva da sentença que diz se o réu é condenado ou absolvido pelo crime A, B, ou C, cada uma, constitui um capítulo. Imagine-se que o réu foi condenado pelo crime A, B e C.  No entanto, o recurso interposto (embargos infringentes) somente questiona a condenação pelo crime A. Logo, quanto aos demais, não haverá modificação no julgamento daquele recurso. A extensão dos embargos infringentes fica adstrita à controvérsia.

[11] O julgamento antecipado parcial consiste em decisão definitiva, fundada em cognição exauriente e conclusiva quanto a uma parcela do mérito, que não pode ser revogada ou reconsiderada pelo juiz quando for proferir a sentença (art. 494). Assim, mesmo que se verifique posteriormente, por exemplo, a falta de uma condição da ação ou de um pressuposto processual ou de qualquer outra matéria de ordem pública relativamente à decisão de julgamento antecipado parcial do mérito, não poderá o juiz revogar tal provimento, assim como não poderia, pelos mesmos motivos, simplesmente revogar uma sentença de mérito que tivesse transitado em julgado. Para atacar tal decisão, deverá a parte interessada valer-se dos recursos disponíveis na legislação processual, em especial o agravo de instrumento (arts. 356, § 5º e 1.015, II) ou, caso o provimento já tenha transitado em julgado, lançar mão da ação rescisória, desde que demonstrada alguma das suas hipóteses (art. 966).

[12] O julgamento antecipado parcial de mérito é uma inovação interessante do CPC de 2015, a qual, todavia, ainda não revelou todas as suas potencialidades. Ao que parece, ainda estamos em uma fase inicial de acomodação dos profissionais do Direito ao novo Código. Muitas das práticas do CPC/1973 continuam a ser adotadas no dia a dia do foro, não raramente de forma automática, sem uma adequada reflexão a respeito de sua pertinência com a nova legislação processual. Ainda temos tempo. O julgamento antecipado parcial de mérito – espera-se – veio para ficar e deve ser lembrado pelos profissionais do Direito como mais uma ferramenta do novo Código que poderá contribuir para a aceleração dos processos. Ou, pelo menos, de uma parte deles…