Arbitragem
Provavelmente você já ouviu falar em “Câmara Arbitral” ou “Tribunal Arbitral”.
Pois bem.
Vamos abordar aqui sua função, para que serve, quem atua, e o principal, sua razão de existir.
Antes da pandemia do Covid-19, tínhamos um grande número de processos sendo protocolados no judiciário, por partes buscando incansavelmente seus interesses, e não estão errado, devem fazer isso. E tal fato continuará após o Covid-19, pois o direito, seja individual ou coletivo, deve ser preservado, e não pode ser ferido em hipótese alguma.
Contudo, temos soluções diversas do judiciário, mais rápida, barata, e, talvez mais eficiente.
A Câmara Arbitral
Trata-se de método adequado de solução de controvérsias em que as partes escolhem um terceiro imparcial para resolver o conflito surgido entre elas. Este terceiro denomina-se árbitro e tem poder para proferir sentença. Sua decisão deverá ser acatada pelas partes, caso contrário, a parte que o desejar tem o direito de propor ação de execução perante o Poder Judiciário, uma vez que a sentença arbitral vale como título executivo judicial, conforme disposto na Lei de Arbitragem brasileira.
Não são todos os conflitos que poderão ser solucionados através da arbitragem. Cada país adota um critério para definir o que poderá ser objeto de um procedimento arbitral. No Brasil, a Lei nº 9.307/96 definiu que somente os direitos patrimoniais disponíveis poderão ser levados para a arbitragem. Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que tenham valor patrimonial e sobre os quais as partes possam transacionar, negociar.
Esses direitos são encontrados, principalmente, na esfera comercial e nas relações contratuais. Sempre que a principal questão controversa envolver tais direitos a arbitragem poderá ser utilizada. Caso no transcorrer do procedimento arbitral surgirem questões de direito indisponível, a arbitragem será suspensa até que o órgão do Poder Judiciário competente solucione tal questão.
A Lei de Arbitragem brasileira oferece às partes envolvidas em conflitos e que fazem a opção pela via arbitral a possibilidade de escolha quanto à forma a ser utilizada pelo árbitro na solução da controvérsia. Esta poderá ser baseada no direito ou na equidade. Na arbitragem de direito o árbitro deverá proferir sua sentença com base nas regras de direito que tiverem sido escolhidas pelas partes. Neste caso, a base da decisão será, principalmente, a lei, mas podem as partes escolher a arbitragem por equidade, sendo, conforme Carlos Alberto Carmona, um dos autores da Lei da Arbitragem:
“quando autorizado a julgar por equidade, o julgado pode com largueza eleger as situações em que a norma não merece mais aplicação, ou porque a situação não foi prevista pelo legislador, ou porque a norma envelheceu e não acompanhou a realidade, ou porque a aplicação da norma causará injusto desequilíbrio entre as partes.”.
Sendo assim, na arbitragem de equidade as partes conferem ao árbitro poderes para decidir sem que, obrigatoriamente, atenha-se às regras de direito. A decisão por equidade pressupõe a aplicação do que o árbitro entenda ser o mais justo na solução da disputa, podendo, inclusive, decidir de forma contrária ao que deveria ser decidido se fossem aplicadas as regras legais. Importante ressaltar que o árbitro somente poderá decidir com base na equidade se houver autorização expressa das partes neste sentido, sob pena de nulidade da sentença arbitral.
As partes têm, portanto, a opção de realizar a arbitragem conforme as regras estabelecidas em regulamentos de arbitragem formulados por essas entidades. Neste caso, teremos uma arbitragem institucional.
A principal vantagem na escolha de uma arbitragem institucional está no fato de que as partes, ao adotarem o regulamento de arbitragem da entidade escolhida, não precisam se preocupar com a elaboração das regras do procedimento arbitral. Além disso, a entidade arbitral terá como função cuidar para que não surjam nulidades no decorrer do procedimento.
A arbitragem em relações de consumo tem sido motivo de inúmeras discussões doutrinárias a respeito da sua validade. Isso se deve ao fato de que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, inciso VII, prevê que a cláusula que imponha a utilização compulsória da arbitragem é
considerada abusiva. Entretanto, a arbitragem apresentada pela Lei n° 9.307/96 não é compulsória. Trata-se de arbitragem opcional, escolhida livremente pelas partes envolvidas em uma relação jurídica. De qualquer forma, atenta à possibilidade de questionamentos quanto à sua validade, a Lei de Arbitragem buscou proteger os direitos do consumidor. Tendo em vista que a maioria dos contratos de consumo são também contratos de adesão, a Lei na 9.307/96 criou regras específicas para tal modalidade de contrato. Estabeleceu que somente será considerada válida a arbitragem em contratos de adesão em duas hipóteses: 1) quando o aderente tomar a iniciativa de instaurar a arbitragem, e 2) quando a cláusula de arbitragem tiver sido inserida no contrato em destaque, tendo sido dado visto especial para essa cláusula pelo aderente, ou tenha sido estipulada em documento anexo e específico. Nestes casos, a arbitragem para contratos de adesão, seja de consumo ou não, será considerada plenamente válida.
Com relação à Arbitragem na Administração Pública, muito também se questionava sobre a possibilidade da Administração Pública ser parte em arbitragens privadas. No entanto, ressalta Cahali, “a possibilidade de arbitragem no direito público está no artigo 1º. Da Lei 9.307/96, lembrando que tanto os entes federativos diretos e indiretos podem celebrar convenção arbitral, pois capazes e, lembrando-se, lógico, se o objeto for disponível”.
E prossegue:
“[…] advirta-se que os atos de império da administração, ao contrário, não são arbitráveis, pois refletem o interesse público primário, da coletividade. Por outro lado, discussões sobre o reequilíbrio econômico do contrato administrativo, desregulado por um ato de império, por exemplo, poderão ser levados à arbitragem, pois refletem o interesse público secundário”.
No entanto, com a edição da Lei n. 13.129, de 26.05.15, que atualizou a Lei de Arbitragem (9.307/96), esta questão ficou definitivamente assentada, passando a constar dos artigos 1º. e 2º. os seguintes parágrafos:
“Art. 1º – § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.”.
“Art. 2º § 3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.”.
Na arbitragem, as próprias partes indicam o(s) árbitro(s) que julgará(ão) a controvérsia, ou estabelecem a forma de indicação do(s) mesmo(s). Em caso de escolha de mais de um árbitro, será constituído o Tribunal Arbitral, sempre em número ímpar, que proferirá a decisão por maioria de votos.
Importante salientar que o árbitro indicado não é árbitro da parte que o indica, mas sim árbitro do processo, não podendo ter, por qualquer motivo, interesse no julgamento do litígio em favor de qualquer das partes, observando-se, sempre os princípios da independência e da imparcialidade. A função jurisdicional do árbitro lhe confere uma posição de independência que não reflete a representação das partes. Desta forma, é recomendável que as partes se façam representar por advogados que irão defender seus interesses perante o árbitro ou Tribunal Arbitral.
Outra questão importante a ser esclarecida, é que o julgamento da controvérsia será sempre efetuado pelo(s) árbitro(s), não podendo sofrer interferência de qualquer espécie, seja das partes e de seus advogados, seja da entidade que administrar o procedimento, em caso de arbitragem institucional.
A independência do árbitro é o pilar do sistema arbitral, e deve ser verificada a cada caso concreto. No desempenho de sua função, o árbitro deve ter liberdade de autodeterminação em sua conduta, não podendo ceder à pressão de terceiros ou das partes. O julgamento pelo árbitro deverá ser proferido com base nas normas de direito escolhidas pelas partes (ou por equidade se este for o desejo expresso das partes), inspirado em sua convicção (Princípio do Livre Convencimento).
A partir do momento em que o árbitro é indicado ou aceito pelas partes e aceita o mister de julgar a controvérsia, ele torna-se juiz de fato e de direito, devendo obedecer ao procedimento particular da arbitragem e respeitar as mesmas exigências do juiz estatal, com relação aos seus deveres, obrigações e garantias que devem ser oferecidas às partes.
A Lei de Arbitragem equipara os árbitros aos funcionários públicos para fins penais, sendo omissa, entretanto, quanto aos aspectos civis diretamente, mas que podem ser analisados a partir da estipulação do art. 13, § 6º da referida lei.
Neste sentido, a opinião da doutrina majoritária é no sentido de que, se o árbitro deixar de cumprir a função que lhe foi designada pelas partes, por dolo ou culpa, ficará civilmente responsável pela reparação dos danos que causar às mesmas. É a responsabilidade extracontratual do árbitro, prevista no artigo 186 do Código Civil.
O árbitro, quando investido do poder jurisdicional que lhe foi outorgado pelas partes através da convenção de arbitragem é equiparado ao juiz estatal, sendo considerado pela legislação vigente juiz de fato e de direito. Tal equiparação também pode ser observada quando o artigo 17 da Lei de Arbitragem dispõe que “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal”.
Da mesma forma, visível é a equiparação do árbitro ao juiz estatal, no que se refere aos seus deveres e obrigações, aplicando-lhe, no que couber, as mesmas regras de impedimento e suspeição previstas no Código de Processo Civil, principalmente no que diz respeito à questão da independência e da imparcialidade.
Os limites do poder jurisdicional em sede de arbitragem decorrem da absoluta aplicação do princípio da autonomia da vontade das partes, que são livres para escolher as matérias que serão objeto da convenção de arbitragem e que, por sua vez, serão submetidas ao julgamento do(s) árbitro(s).
A sentença arbitral condenatória gera título executivo, permitindo que a parte vitoriosa utilize-se da execução forçada perante o Poder Judiciário, caso o vencido não cumpra espontaneamente a sentença arbitral; a sentença constitutiva resulta na modificação ou extinção da relação jurídica litigiosa ou cria uma nova relação jurídica entre as partes; a sentença declaratória gera a certeza jurídica sobre o que foi decidido em juízo; a sentença mandamental e a executiva lato sensu gera ordem de efetivação da decisão caso a mesma seja descumprida.
A Lei de Arbitragem conferiu à sentença arbitral características de grande relevância para sua validade e eficácia no ordenamento jurídico brasileiro, permitindo a difusão do uso da arbitragem no país. As mudanças efetuadas no regime jurídico da sentença arbitral demonstram a evolução do direito brasileiro, acompanhando a tendência mundial.
A primeira modificação introduzida pela lei se refere à terminologia utilizada: o antigo termo “laudo arbitral” foi substituído por “sentença”, confirmando, de uma vez por todas, sua natureza jurisdicional.
Entretanto, a modificação de maior relevância foi relativa à eficácia da sentença arbitral, que atualmente se equipara àquela conferida à sentença judicial, dispensando a necessidade de homologação pelo Poder Judiciário da decisão para produzir seus efeitos entre as partes e seus sucessores, e conferindo-lhe a autoridade de coisa julgada, o que lhe garante a estabilidade. Tal equiparação atribui à sentença arbitral a condição de ato jurisdicional com a mesma natureza jurídica da sentença judicial.
De fato, assim dispõe o artigo 31 da Lei de Arbitragem:
Art. 31 A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
Além do citado dispositivo, a equiparação da sentença arbitral àquela judicial quanto aos efeitos, se depreende do texto do artigo 515, inciso VII do Código de Processo Civil que a inclui no rol dos títulos executivos judiciais.
A sentença arbitral deverá ser proferida no prazo estipulado pelas partes na convenção de arbitragem. Na ausência desta indicação, o prazo para apresentação da sentença será de 6 (seis) meses, contados da data da instituição de arbitragem ou da substituição do árbitro que rejeitar a nomeação.
De comum acordo, as partes e os árbitros poderão prorrogar este prazo por qualquer período e quantas vezes entenderem necessário.
Vemos assim, que a arbitragem pode ser alternativa à justiça comum, para poder ter o direito reconhecido, vez que normalmente é morosa e cara.
Se tiver alguma dúvida, consulte um advogado de sua confiança, mas nunca deixe de fazer valer seu direito!