Resumo: A teoria dos princípios no direito contemporâneo traduz uma evolução do movimento constitucionalista e de fenômenos filosóficos norteadores do Direito, tais como o jusnaturalismo e o positivismo jurídico, trazendo a moralidade e ética para junto do Direito. A teoria dos princípios trouxe a lume uma hermenêutica constitucional caracterizada pela centralização da Constituição e, na busca pela efetivação concreta de seus dispositivos.

Palavras-Chave: Princípios. Regras. Direito Constitucional. Hermenêutica Jurídica. Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo.

 

 

Segundo Paulo Bonavides, a evolução da juricidade dos princípios, divide-se em três fases, a saber: a) jusnaturalista; b) juspositivista e, c) a pós-positivista.

Na primeira fase, os princípios possuem conteúdos abstratos e sua normatividade era nula e duvidosa, contrastando com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa que tanto inspira os postulados da justiça.

Na segunda fase, os princípios constituem uma fonte secundária ou subsidiária do direito, servindo de referências às grandes codificações, ou numa válvula de segurança que garante o reinado absoluto da lei.

Nesse sentido, é curial destacar que a Lei de Introdução ao Código Civil com a redação dada pela Lei 12.376, de 2010. Em seu artigo 4º in litteris: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Na fase pós-positivista, os princípios fundamentais adquirem eficácia jurídica e se transformam em elementos hegemônicos sob os quais todo o sistema político-constitucional se alicerça, de acordo com o modelo do Estado Constitucional caracterizado como Estado Democrático de Direito[1].

Lenio Luiz Streck nos acautela sobre o chamado panprincipiologismo[2]. Em 2010 juntamente com Ferrajoli, realizou conferência de abertura do Congresso Bianual da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) em Curitiba.

O ilustre doutrinador deflagra uma luta contra o panprincipiologismo e, deixou explícito tal entendimento em sua obra intitulada “Verdade e Consenso”, não é a imperatividade da lei, nem juiz como boca da lei, ou a criatividade ilimitada do intérprete que se constituem como inimigos da autonomia do Direito e da democracia. Mas, sim, as condições pelas quais se dá a atribuição de sentido no ato interpretativo-aplicativo. (In: STRECK, L.L. O panprincipiologismo e a flambagem do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito Acesso em 15.01.2022).

Nessa derradeira fase, os princípios deixam de ser confundidos com simples considerações de equidade ou meras regras consuetudinárias e passam a ter valor de direito positivo. E, sua autoridade e sua função não se reportam a uma fonte escrita, posto que existam independentes de forma e, o juiz os declara e, é obrigado a garantir-lhe o devido respeito.

Curiosamente, ante à precariedade dos serviços públicos prestacionais, notadamente nas áreas de saúde, saneamento básico, habitação e educação, pode-se afirmar que Brasil jamais conheceu o Estado de Bem-Estar Social[3], e que em vista da sempre presente interferência do Estado na ordem econômica, também nunca houve um Estado Liberal[4] em seu sentido substancial mais puro.

Na terceira e última fase, a pós-positivista tem-se prevalente entendimento de que os princípios trazem consigo uma normatividade própria (peculiar). Até o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, constata-se a sua máxima relevância como elemento normativo de coerência geral do sistema jurídico e funcionam como eficazes critérios de interpretação e integração de todo ordenamento jurídico.

O pós-positivismo surgiu como nova teoria no tocante à normatividade dos princípios após o fracasso filosófico do jusnaturalismo

e do colapso político do positivismo jurídico apoiado pela Alemanha Nazista e Itália Fascista. Tal teoria visa dar aos princípios jurídicos caráter normativo, e estes devem atuar como uma espécie de norma jurídica vinculante.

O pós-positivismo[5] tenta restabelecer uma relação entre direito e ética, pois busca materializar a relação entre valores, princípios, regras e a teoria dos direitos fundamentais e para isso, valoriza os princípios e sua inserção nos diversos textos constitucionais para que haja reconhecimento de sua normatividade pela ordem jurídica.

Em filosofia e nos modelos de pesquisa científica, pós-positivismo também chamado de pós-empiricismo é uma instância meta teorética que critica e aperfeiçoa o positivismo. Os pós-positivista acreditam que o conhecimento humano não é baseado no incontestável, em bases pétreas, mas sim, em hipóteses.

E, como todo o conhecimento humano é inevitavelmente hipotético, a afirmação de suas suposições está assegurada ou, mais especificamente, justificada por uma série de garantias, as quais podem ser modificadas ou descartadas no decorrer de mais investigações. Entretanto, o pós-positivismo não é uma forma de relativismo e, geralmente mantém a ideia da verdade objetiva. Um dos principais pensadores que fundaram o pós-positivismo foi Sir Karl Popper, sua principal contribuição é uma crítica à ideia de verificabilidade do positivismo lógico.

O falsificacionismo declara que é impossível verificar se uma crença é verdadeira, embora seja possível rejeitar falsas crenças, se as mesmas forem objetivamente provadas falsas, pondo em prática a noção proposta de falsificação.

A ideia de Thomas Kuhn[6] da mudança de paradigma nos oferece crítica mais severa ao positivismo, argumentando não somente as teorias individuais, mas toda a visão de mundo deve mudar em resposta à evidência.

Enfim, o pós-positivismo significa um aperfeiçoamento do positivismo que reconhece estas e outras críticas contra o positivismo lógico. Não se trata de rejeição ao método científico, mas de reforma para responder a essas críticas. Ainda preserva as bases do positivismo, como o realismo ontológico, a possibilidade e o desejo pela verdade objetiva e, o uso da metodologia experimental. O pós-positivismo é gênero comum nas ciências sociais por razões práticas e conceituais.

Os juristas de alguns países, notadamente, o Brasil e a Espanha, apelidam como pós-positivismo uma opção teórica que considera que o direito depende da moral[7], tanto no reconhecimento de sua validade como no momento de sua aplicação.

Nessa visão, os princípios constitucionais, tais como a dignidade humana, o bem-estar de todos ou a igualdade influenciariam a aplicação das leis e demais normas concretas. Essa visão do direito é inspirada em obras de filósofos do direito tal como Robert Alexy e Ronald Dworkin e, alguns preferem chamar tal movimento de neoconstitucionalismo.

Segundo o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, princípio é ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os dois significados, de ponto de partida e fundamento ou causa estão estreitamente ligados na noção desse termo, que foi introduzido em filosofia por Anaximandro, ele recorria a Platão com frequência no sentido de causa de movimento ou de fundamento da demonstração.

Aristóteles foi o primeiro a enumerar completamente seus significados, que são  os seguintes: 1º) ponto de partida de um movimento, por exemplo, de uma linha ou de um caminho; 2º) o melhor ponto de partida, como por exemplo, o que facilita aprender uma coisa; 3º) ponto de partida efetivo de uma produção, como por exemplo, a quilha de um navio ou os alicerces de uma casa; 4º) causa externa de um processo ou de um movimento, como por exemplo, um insulto que provoca uma briga: 5º) o que, com a sua decisão, determina movimentos ou mudanças, como por exemplo, o governo ou as magistraturas de uma cidade; 6º) aquilo de que parte um processo de conhecimento.

Aristóteles acrescenta a esta lista: “‘Causa’ também tem os mesmos significados, pois todas as causas são princípios. O que todos os significados têm em comum é que, em todos.

Princípio é ponto de partida do ser, do devir ou do conhecer”. Esses reparos de Aristóteles contêm quase tudo o que a tradição filosófica posterior disse a respeito dos princípios. Talvez caiba distinguir outro significado: como ponto de partida e causa, o princípio às vezes é assumido como o elemento constitutivo das coisas ou dos conhecimentos.

Este, provavelmente, era um dos sentidos da palavra entre os pré-socráticos, às vezes utilizado pelo próprio Aristóteles. Neste sentido. Lucrécio chamava os átomos de princípios, e os estoicos distinguiam elementos e princípio, pelo fato de que os princípios não são gerados e são incorruptíveis.

Já no século XVIII, ao definir o princípio como o que contém em si a razão de alguma coisa, Wolff observava que esse significado estava de acordo com a noção de Aristóteles e que os escolásticos não se haviam afastado dela. Baumgarten, a quem a terminologia moderna tanto deve, repetia a definição de Wolff.

Kant, por um lado, restringia o uso do termo ao campo do conhecimento, entendendo por princípio “toda proposição geral, mesmo extraída da experiência por indução, que possa servir de premissa maior num silogismo”, mas por outro lado introduzia a noção de “princípio. absoluto” ou “princípio em si”, vale dizer, conhecimentos sintéticos originários e puramente racionais, que ele julgava insubsistentes. mas aos quais a razão recorreria no seu uso dialético.

No fundo, os princípios são normas supremas de um sistema jurídico, e ostentam características principais, como a natureza normogenética, o caráter de fundamentalidade, generalidade e plasticidade.

E, com essas características possuem grande relevância para a motivação judicial para a justificação do direito como um todo. Os princípios incorporam os principais valores que guiam todo ordenamento jurídico.

Com a doutrina a normatividade dos princípios é consagrada. É necessário a distinção entre as regras e princípios como espécies distintas de norma sua distinção não mais se contrapõem e, sim se complementam.

É culminada pela contribuição de Dworkin ao prescrever que as regras são aplicadas de forma peremptória, num jogo de tudo ou nada (all or nothing) sob a significação de que a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou se ela não é considerada válida e, por conseguinte, não gera quaisquer consequências normativas.

Para as regras jurídicas sejam válidas, cogita-se em subsunção, ou seja, a adequação completa entre o dispositivo e a situação fática prevista na regra. Já os princípios não exigem esse cumprimento pleno, podem ser cumpridos ou não sem que afete sua validade.

Ab initio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de direito é resultado da relação de três elementos, a saber: legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material. Sem esses três elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista ou jusnaturalista.

Alexy elaborou sua teoria dos direitos fundamentais com base na tipologia das normas jurídicas, cujas espécies são: regras e princípios. Alexy[8] preparou o seu conceito de norma denominado conceito semântico tendo em vista a relevância para compreensão dos direitos fundamentais e para suplantar as dúvidas existentes sobre a diferenciação entre princípios e regras.

Alexy sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de que ambos expressam um dever ser. E, para o doutrinador, a diferença entre os dois não é de grau, mas, uma diferença qualitativa.

A novidade da teoria de Alexy é que ao distinguir princípios e regras, localiza-se no conceito de princípio: uma norma que ordena que algo que seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. Constituem mandados ou mandamentos de otimização. Este conceito de princípios foi criticado por Aarnio e Sieckman, pois não seria capaz de diferenciar regras e princípios.

As regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas de maneira exata. Isto é, seu cumprimento só pode ser feito de forma integral.

Quando há conflito entre regras, existem dois caminhos para se resolver a questão: pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de exceção em uma delas.

Quando há colisão entre princípios, um dos princípios deve ceder frente ao outro. Nesse caso, a resolução se dá conforme a dimensão de peso entre os princípios envolvidos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Esta é a chamada “lei de colisão”[9], que representa um dos principais fundamentos da teoria dos princípios de Alexy. É um reflexo da característica de otimização dos princípios e da inexistência de prioridades absolutas entre eles. Através da ponderação se soluciona o conflito entre princípios e a regra que se extrai da aplicação da ponderação de princípios, para Alexy, integra o rol das normas adscritas.

Já, Ronald Dworkin, ao tratar dos princípios, trabalhou essencialmente na diferenciação entre regras e princípios, determinando em sua formulação teórica uma crítica ao positivismo jurídico, afirmando que, as regras possuem uma dimensão de validade, sendo que os princípios possuem uma dimensão de peso. Assim, as regras estariam numa disposição excludente, ou seja, versada pela expressão “tudo ou nada”, em que uma regra prevalecerá sobre a outra, diante da ocorrência de uma colisão.

Com referência aos princípios, Dworkin limitou-se a dispor que para solucionar as colisões existentes entre os mesmos, deve-se analisar o argumento que direciona a uma decisão particular, visualizando-os como padrões de orientação da justiça e de equidade, aplicados diferentemente aos casos concretos.

A imprecisa definição de princípios foi solucionada, pelo menos para a doutrina brasileira, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy, quando o mesmo afirmou serem os princípios, verdadeiros mandados de otimização. Alexy aprofundou a teoria emanada anteriormente por Dworkin, principalmente ao dispor acerca da existência de graus de aplicação dos princípios, verificando-se, pois, as possibilidades normativas e fáticas.

Com referência às regras, Alexy promove o enquadramento das mesmas como normas que, sempre, só ou podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se uma regra vale, é ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pede, não mais e não menos. Regras possuem, desta forma, fixações no espaço do fática e juridicamente possível, sendo, portanto, caracterizados como mandados definitivos.

Nessa perspectiva, entende-se que os princípios possuem dimensões de peso, uma vez que, existe uma nítida superioridade relativa em relação às regras, pelas suas funções eficaciais desempenhadas.

Essa relativa superioridade pode ser manifestada em duas hipóteses, a saber: no caso de regras infraconstitucionais, os princípios seriam aplicados de acordo com as suas funções interpretativas, bloqueadoras e integrativas destas regras; no caso das regras constitucionais, os princípios teriam o peso de afastar as regras constitucionais imediatamente aplicáveis, principalmente modificando as hipóteses de aplicação.

A técnica da ponderação consiste em técnica de decisão judicial diante de casos essencialmente difíceis, principalmente em discussões acerca do princípio da proporcionalidade[10] e do conteúdo múltiplo dos direitos fundamentais. Acerca do conceito de ponderação, salienta-se a contribuição de Ana Paula de Barcellos, ao discorrer que:

“[…] a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês ‘hard cases’), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre premissa menor – fatos – e produzindo como consequência a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos casos difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia que, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias”. [11]

Já o princípio da razoabilidade segundo entendimento de Ricardo Aziz, Marcos Antônio Maselli de Pinheiro Gouvêa entre outros doutrinadores tem sua origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, instituo ancestral do direito anglo-saxão e, remonta segundo Barroso à cláusula law of the land inscrita na Carta Magna de 1215, documento reconhecido pela maior parte da doutrina como um dos antecedentes do constitucionalismo.

Ricardo Aziz ainda destaca que a expressão due process of law passou a ser utilizada na tradução alternativa do latim per legem terrae constante na Carta Magna, tendo aparecido no lugar da locução law of land em Lei do Parlamento de 1354, e três séculos mais tarde, conhecida como Petition of Rights a Carlos I (1628) inspirada em Lorde Coke, na defesa da liberdade de nobres que se recusaram a subscrever empréstimo compulsório lançado ilegalmente. De acordo com suas origens britânicas, a cláusula due process of law tinha caráter meramente processual, assecuratória, principalmente, da defesa dos acusados no processo penal.

A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3.510, decidiu pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança. A partir deste julgamento, a pesquisa com célula-tronco foi permitida no país. Em início, vale ressaltar que se tratou de um julgamento que gerou grande expectativa da sociedade brasileira, e contou com o lobby de diversos setores, desde os religiosos até o setor médico.

Diante deste caso estaria um claro conflito de princípios e, também, de conceito.  Estaria, de um lado, o direito à vida do embrião e, do outro, o direito da dignidade da pessoa humana como direito do indivíduo-pessoa. Como decidir, então, qual deve ser preservado?

Ou, melhor, sob qual medida se melhor preservaria os dois princípios? Em resumo, entendeu-se, por maioria dos votos, que não haveria vida a ser tutelada e, assim, não haveria o sacrifício do direito à vida. Porém, da leitura dos votos percebemos que a ponderação de princípios foi a grande norteadora do julgamento, levando, inclusive, a resposta diametralmente oposta.

A doutrina brasileira, na verdade, não utiliza da ponderação de princípios e, muito menos na Teoria da Argumentação. Não há, em momento algum, a utilização da fórmula de ponderação que foi proposta por Alexy.

No fundo, o discurso de ponderação funciona, no Brasil, em oposição aquilo para qual foi criada, apenas para velar o discurso e as reais intenções do intérprete. A decisão já está dada e a ponderação serve, unicamente, para fundamentar e velar a posição política e ideológica.

Assim, no caso de haver colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida e o conflito se resolve por meio de critérios tradicionais de solução de antinomias, pelo critério hierárquico, cronológico ou de especialidade.

Os princípios, ao revés, não determinam vinculativamente a decisão judicial, mas contêm elementos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios numa dimensão de peso ou importância e o conflito de princípios é resolvido pela ponderação.

A linha traçada por Dworkin exsurge da perspectiva exposta por Alexy, na qual se releva a compreensão da estrutura das normas jurídicas, agora conceitualmente elevadas à categoria de gênero, que tem como espécies as normas-princípios e as normas-regras, ambos compondo o ordenamento jurídico a fim de garantir a unidade e a coerência sistêmica decorrente da teoria dos princípios de da argumentação jurídica.

Um próximo passo na teoria de Alexy é passar do plano da argumentação prática para o plano da argumentação jurídica, que é encarado como um caso especial da primeira, que lida com argumentos juridicamente em dois planos.

O primeiro, que ele chama de justificação interna, tem a ver com a obediência dos critérios gerais da lógica deôntica, especialmente a observação da construção do silogismo. Essa parcela é meramente formal e tem a ver com a coerência lógica da argumentação utilizada, de tal modo que não se trata de uma justificação especificamente jurídica.

Já a justificação externa não está ligada à estrutura lógica do argumento, mas a justificativa das premissas que caracterizam como jurídico o discurso. E como, ao menos desde Viehweg[12], está muito claro que o problema básico do direito é a fixação das premissas valorativas, é nesse ponto que a teoria de Alexy precisaria dar um passo para além das concepções tópico-retóricas.

Não obstante, é justamente nesse ponto que Alexy menos oferece novas perspectivas, recuperando inclusive alguns cânones de interpretação que já estavam bastante combalidos, como a ideia de que devem ter precedência os argumentos que respeitam a vontade do legislador histórico.

Com isso, após um grande passo rumo à pragmática, Alexy volta ao tradicional plano semântico da hermenêutica dogmática, buscando estabelecer uma precedência hierárquica entre os vários tipos de argumentação, pois considera que “os participantes do discurso têm de determinar pesos a serem atribuídos às várias formas de argumento em vários contextos de interpretação”, para que esses pesos possam ser utilizados como regras gerais.

Além disso, são apresentados como justificados os argumentos baseados nas proposições da dogmática jurídica, especialmente quando ela não é disputada por estar “de acordo com a opinião jurídica dominante”.

Então, curiosamente, no núcleo de uma teoria da argumentação jurídica, a seleção das formas argumentativas é remetida aos cânones tradicionais de interpretação e às construções da dogmática jurídica, que não são garantidos por uma aceitabilidade racional, mas apenas por uma aceitação histórica dos padrões que fazem parte de uma tradição.

Com isso, apesar de ser inspirada expressamente nas concepções linguísticas de Habermas, a teoria de Alexy segue um caminho completamente diverso no tocante à abertura da possibilidade de crítica.

Por mais que o referido doutrinador insista em afirmar que as condições do discurso ideal habermasiano implicam a manutenção de uma possibilidade constante de reflexão acerca do resultado das argumentações anteriores, a sua teoria assume um caráter eminentemente conservador na medida em que valoriza o princípio de inércia, conjugado à admissão de que os padrões consolidados da dogmática (inclusive de uma hermenêutica dogmática) devem ser aplicados como parâmetros de correção.

Para Alexy, o conceito de princípio é mais amplo, tem caráter de mandado de otimização, o que implica que devem ser aplicados na maior medida possível e que, em caso de lesão a direito fundamental, o princípio da proporcionalidade[13] deve ter papel central e, com isso, a ponderação.

Na teoria de Alexy, os bens coletivos também podem ser objeto de regulação de princípios. Por outro viés, na visão de Dworkin, os direitos são visualizados com trunfos (trumps) e, somente os direitos individuais podem ser objeto de regulação de princípios, também há diferenças na determinação das relações entre igualdade e liberdade.

Alexy considera que a liberdade e igualdade como princípios da mesma classe que podem entrar em colisão, mas tal possibilidade foi excluída pela teoria de Dworkin que considera a igualdade (equal concern) com a virtude suprema (sovereign virtue) da comunidade política.

Willis Santiago Guerra Filho afirma que Dworkin considera os princípios como proposições que descrevem direitos, pelo que se diferenciam de outros, importante standard argumentativo, aquele que inova políticas públicas (policies) que seriam proposições que descrevem objetivos.

Tal distinção se afirma superada pela concepção corrente na doutrina alemã dos direitos fundamentais dotada de dupla dimensionalidade, a saber: a subjetiva ou individual, a que tradicionalmente a eles vem associada, e uma outra, a objetiva que expressa valores almejados por toda comunidade política.

O objetivo de Robert Alexy com sua teoria sobre direitos fundamentais[14] não é galgar exatamente a homogeneização de cada ordem jurídica fundamental e, sim, é o de descobrir as estruturas dogmáticas e, ainda, revelar os princípios e valores que se escondem atrás de codificações e da jurisprudência.

Enfim, sua tese visa dar respostas a essas indagações com pretensão de cientificidade e, para tanto, defende que os direitos fundamentais possuem caráter de princípios e, nessa condição, eventualmente podem colidir, sendo assim, necessária uma solução ponderada em favor de um destes. Os princípios estão em um mundo de dever ser ideal, porém, não diz como as coisas são, mas como se as deve pensar, com o fito de evitar contradições.

O princípio como mandado de otimização, se traduz como mandado que pode ser de proibição ou permissão e integram a deontologia, isto é, o que é obrigatório. São tratados os princípios como categoria deontológica e, não axiológica ou antropológica.

Os princípios, assim como as regras, são fundamentos para os casos concretos, porém, com aplicações distintas. Os princípios enquanto normas ordenam que algo seja realizado na maior medida que possível e, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas.

A distinção de princípios e regras é feita por Alexy, através de diversos critérios. Os princípios são normas dotadas de grau de generalidade relativamente alto, enquanto que as regras possuem baixo grau de generalidade.

Os princípios são tidos como mandados prima facie, pois ordenam que algo deve ser realizado na maior medida possível, tendo-se em vista as possibilidades jurídicas e fáticas do caso concreto. Isto implica que em casos de conflito e colisão, resolve-se pela ponderação.

Para Dworkin a distinção entre princípios e regras pode ser feita por critérios lógicos e formais. Os princípios possuem uma dimensão e peso ou importância que implica no processo argumentativo que resulta em juízos ponderados relacionados com a tradição institucional, ao sistema normativo e aos valores morais institucionais de uma comunidade.

As regras, ao contrário, não possuem essa dimensão e obedecem a uma apreciação mecânica, a maneira do tudo ou nada, sem admitir ponderações ou valorações estranhas ao seu conteúdo, devendo ser complementadas e enumeradas no seu enunciado todas as exceções cabíveis.

Outros critérios também são considerados para a distinção entre princípios e regras, a saber:

  1. o grau de determinalidade dos casos de aplicação nas situações enquanto os princípios, em geral, precisam de mediações concretizadoras, eles funcionariam como fundamentos jurídicos para as decisões judiciais;
  2. b) o caráter de fundamentalidade do sistema; princípios e regras se distinguem por exercerem aqueles um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema, ou à sua posição estruturante por serem dedutíveis objetivamente do princípio do Estado do Direito da ideia de Direito ou do princípio da justiça;
  3. c) natureza normogenética, os princípios são normas que estão na base ou constituem a ratio das regras jurídicas.

Segundo Canaris, os princípios têm quatro características básicas que são: a) não valem sem exceção e podem entrar em si em oposição ou em contradição; b) não têm a pretensão de exclusividade; c) ostentam seu sentido próprio apenas uma combinação de complementação por meio de subprincípio e valores singulares com conteúdo material próprio.

Quanto à função, os princípios têm utilidade tanto argumentativa quanto de normas de conduta. Na função argumentativa, eles permitem, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição legal.

Como normas de conduta permitem revelar normas que não estão expressa por qualquer enunciado legislativo, sendo úteis, nesses casos, aos juízes que deverão proteger e proceder à integração à complementação do direito.

Em razão, a sua generalidade, os princípios funcionam, ainda, como elementos de ponderação valorativa e de unidade inferior de direito. Possuem, ainda, caráter de plasticidade que permitem ao intérprete judicial adequar o sistema jurídico às novas situações e transformações da sociedade com a manutenção nominal da integridade do sistema jurídico constitucional, sem a imediata e constante necessidade de edição de novas regras ou de modificação das já existentes para a regulamentação dos avanços sociais.

Enfim, para Alexy, os princípios podem ser equiparados aos valores: uma concepção de valores ou axiológica segundo o doutrinador alemão, traz uma referência não ao nível do dever ser (deontológico), mas ao nível do que pode ou não ser considerado como bem.

Os valores têm como características a possibilidade de qualificação, isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado, comparado ou medido.

Em verdade, a semelhança entre valores, resume-se basicamente ao modo de operacionalização de ponderação. É de se observar que apesar dos princípios se equipararem aos valores, eles não são valores, porquanto apontam para o que se considera devido ao passo que os valores indicam, o que seja melhor ou mais vantajoso.

Possuem os princípios, ainda, um aspecto que coloca simultaneamente, no universo do direito e da moral. Assim, os princípios jurídicos básicos do constitucionalismo alemão, por exemplo, a dignidade humana, a liberdade, a igualdade, Estado de Direito, democracia e o Estado Social, também possuem dimensão de moralidade.

A moral designaria propriamente um conjunto de princípios, normas, imperativos ou ideias morais de uma época ou sociedade determinadas. Já moralidade seria componente efetivo das relações humanas concretas que adquirem um significado moral em relação à

moral vigente. O senso moral é o que notabiliza o sentimento que condiz com a moralidade, de acordo com os valores morais (o bem e o mal, o certo e o errado, e, etc.) presentes em uma determinada sociedade.

Em muitos casos, os valores morais estão atrelados às leis civis, porém, não é uma regra. A moral é formada por normas adquiridas através da cultura, tradição, acordos e cotidiano do comportamento do ser humano em uma sociedade específica.

Assim, os valores morais vigentes no Ocidente podem não ser os mesmos do Oriente, existindo cruciais diferenças entre os atos que são tidos como morais e imorais entre as sociedades que pertencem a cada região.

Evidentemente, a noção de ética e senso moral estão relacionadas, no entanto, enquanto a ética busca reflexão mais ampla sobre o que seriam os valores morais que norteiam os seres humanos, o senso moral tem como base os costumes, tabus e tradições peculiares que existem em cada sociedade.

No que tange à sistematização das normas constitucionais, Alexy expõe três modelos possíveis, a saber: a) modelo puro de princípios; modelo pura de regras; c) modelo de regras e princípios.

Nesse modelo, evidenciam-se óbvias objeções a principal delas é o que indeterminação e a completa inexistência de regras precisas e de restrições constitucionais explícitas acarretariam uma enorme insegurança jurídica.

Já, no modelo puro de regras em que todas as normas de direito fundamental são regras, com a consequente renúncia à ponderação, esse modelo, apesar de grande segurança jurídica é falho em face da impossibilidade prática e teórica de se proceder pleno e exaustivo disciplinamento das situações de vida e pela existência de muitas lacunas e de situações antinômicas não solucionáveis pelas velhas regras de hermenêutica jurídica.

O modelo de regras e princípios é de forma mista na qual se combinam os dois modelos. A norma de direito fundamental é um dado de caráter duplo, tanto que podem ser regras como princípios. Trata-se de forma mais racional de integração das regras e princípios no sistema jurídico. É a forma racional de integração das regras quanto como princípios possibilitando o funcionamento mais racional de normas jurídicas.

Nesse modelo misto de regras e princípios, a atuação dos princípios, como mandamentos prima facie, possibilita uma crescente importância na análise de formas pelas quais as decisões judiciais são justificadas em nome do direito. O que permite maior amplitude e aplicação máxima de Alexy que os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validade e a colisão de princípios na dimensão do valor.

O reconhecimento normativo dos princípios percorre diversas etapas ao longo da história do direito. E o conceito de norma jurídica e a distinção entre regras e princípios ainda que não seja assunto recente, ganhou maior ênfase na discussão contemporânea em teoria do direito, particularmente, nas obras tanto de Dworkin e Alexy.

 

A tese forte da distinção é defendida, particularmente, por Dworkin e Alexy. É a tese que defende que há uma diferença de caráter lógico entre princípios e regras. Muito difundida na doutrina pátria, que, em geral, tem-se ocupado em defender que a tese que se pode chamar de grave da distinção, pois advoga por uma distinção de grau, seja de grau de fundamentalidade, de abstração ou de generalidade.

O maior representante dessa corrente em nosso país é Humberto Bergmann Ávila e seus argumentos apontam para uma distinção entre princípios e regras feita a partir de vários critérios conjugados. É uma distinção, portanto, complexa.

Cumpre inclusive destacar a contribuição que, na doutrina espanhola, Manuel Atienza e Juan R. Manero deram para a distinção forte entre princípios e regras. E, uma das críticas de tais doutrinadores formularam à tese de Alexy dos princípios como mandamentos de otimização. Tanto na obra de Dworkin como na de Alexy, a distinção entre princípios e regras surge como uma tentativa de explicar a estrutura das normas de direito fundamental.

Dworkin elaborou sua distinção como uma das bases teorias para fazer um ataque geral ao positivismo, sobretudo, à versão

proposta por seu antecessor em Oxford, Herbert Hart[15]. De acordo com Dworkin, o positivismo fornece um modelo de sistema jurídico constituído exclusivamente de regras, o que o torna insuficiente para dar conta da solução dos casos difíceis (hard cases), quando se usam standards que operam e funcionam de maneira distinta das regras.

Dworkin começa de um problema concreto para refutar a teoria positivista propugnada por Hart, que é o de que o conceito positivista de aplicação do Direito seria criticável ao caso concreto, ou quando a regra aplicável é indeterminada, deve tomar uma decisão discricionária, ou seja, deve criar uma solução nova para o caso concreto.

Dworkin desenvolveu essas ideias sobretudo em dois textos publicados em seu Taking Rights Seriously e, em sequência, são eles The Model of Ruels I e The Model of Rules II, ambos de leitura obrigatória para quem se interesse em aprofundar no tema.

Alexy elabora com mais rigor a distinção proposta por Dworkin, e, com isso, confere-lhe uma maior precisão conceitual.

Parte de dois pressupostos básicos muito semelhantes aos de Dworkin: (i) o de que a distinção entre princípios e regras é uma distinção entre duas espécies do gênero “norma”, e (ii) o de que a distinção tem um caráter qualitativo, e não de grau.  A contribuição decisiva de Alexy foi ter desenvolvido a tese dos princípios como mandamentos de otimização.

É importante notar que Alexy, apesar de reconhecer a diversidade de critérios que se pode usar para traçar a distinção, concentra seus esforços em aprofundar os critérios utilizados por Dworkin.

No que concerne ao primeiro critério, o de que as regras são aplicadas de maneira tudo-ou–nada (“all-or-nothing fashion”), Alexy (1988) critica a postura de Dworkin em defender que é teoricamente possível listar todas as exceções a uma regra, pelo simples fato de que elaborar tal lista é epistemologicamente impossível, já que é impossível a qualquer ser humano prever todas as situações fáticas que seriam qualificadas, caso ocorressem, como exceções a certa regra.

Em outras palavras, Alexy defende que a tese de Dworkin de que as regras são aplicadas de maneira tudo-ou-nada pressupõe a possibilidade de conhecimento de todas as exceções a todas as regras.

Essa constatação implica uma outra: se não é possível conhecer todas as exceções possíveis a uma certa regra, então também não seria possível nem formular completamente a regra enquanto tal, nem muito menos deduzir com algum grau aceitável de certeza as consequências jurídicas que decorreriam da aplicação dessa regra a um caso concreto.

Alexy ainda argumenta que, se fosse possível conhecer todas as exceções possíveis às regras, então também seria possível conhecer todas as exceções possíveis aos princípios, fato que conduziria a distinção entre princípios e regras a uma mera distinção de grau, e não de estrutura lógica, como o próprio Dworkin sugere.

Elucidando apenas as duas das inúmeras críticas que são feitas à distinção forte entre princípios e regras. São estas: primeira, que é mais incisiva, é que, ao contrário de Dworkin e Alexy defendem, algumas regras são aplicadas aos casos concretos mediante ponderação, e não de uma maneira tudo-ou-nada.

Pode-se elaborar uma versão da seguinte forma: não é possível formular uma distinção entre princípios e regras, como sendo duas espécies de normas, pois o que há são normas em sentido amplo, e a distinção que pode ser formulada apenas se baseia no fato de que essas normas em sentido amplo podem ser usadas de diferentes maneiras no momento da aplicação.

Por sua vez, a objeção, diz respeito mais diretamente à tese de Alexy para os princípios e enuncia que, se princípios são mandamentos de otimização, ou os princípios otimizam, ou não otimizam, ou seja, a objeção enuncia que princípios mesmo qualificados como normas de otimização, possuem uma estrutura semelhantes à das regras no momento de aplicação (uma maneira tudo-ou-nada).

Essa crítica é um dos elementos principais utilizados por Humberto Ávila (2007) como ponto de partida para elaborar a sua teoria dos princípios.

Essas duas críticas, caso sejam confirmadas, levam a sérias dificuldades para manter a distinção entre princípios e regras, pelo menos enquanto uma distinção possível entre duas espécies de normas (a distinção forte).

Estas apontam para uma tendência, ou de tomar critérios distintivos mais flexíveis e fluidos, como aqueles que advogam mera diferença de grau de abstração, ou de cunho interpretativo (uma distinção, portanto, fraca), ou de rejeitar por completo qualquer possibilidade de distinção, pois tanto princípios como regras pertenceriam indistintamente à categoria dos fenômenos deônticos (normativos) e não à categoria dos fenômenos axiológicos.

Realmente, ambos se qualificam deonticamente, porém, há sim diferenças relevantes entre os fenômenos deônticos consubstanciados em normas que são princípios e normas que são regras.

E, essas diferenças, sobretudo, para os fins essenciais, procuram defender a posição de que os princípios como mandamentos de otimização oferecem saída teórica válida para dar conta da ponderação como procedimento racional. Dessa forma, procura-se refutar completamente tomando por base uma releitura da teoria de Alexy.

Quanto as regras nunca são aplicadas diretamente via ponderação, mas o podem ser indiretamente. Existe um fato óbvio de que, em um conflito de regras no caso concreto, podem ser tomadas várias razões (inclusive princípios) para justificar a inserção de certa cláusula de exceção, ou para justificar a escolha de determinada regra em detrimento de outa (isto é, para justificar a invalidade de uma das regras).

De outra parte, uma regra, em certo sentido, poderia ter a sua satisfação tolhida por um princípio, e, assim, uma regra poderia ser afastada em um caso concreto, mesmo quando ela devesse ser aplicada.

O contrário também pode acontecer, ou seja, um princípio, em certo sentido, pode ter seu grau de satisfação restringido pela relevância da satisfação de certa regra. Essas constatações em nada alteram o modo como os conflitos de regras e as colisões entre princípios são solucionados. Com efeito, ambos os procedimentos permanecem sendo estruturalmente distintos.

Assim, regras sempre ou são cumpridas, ou não são cumpridas, e não podem ser aplicadas diretamente via ponderação. O que pode ocorrer é que as regras, em certas circunstâncias, sejam aplicadas indiretamente mediante ponderação, porque podem ter a sua satisfação tolhida pelo grau de importância em satisfazer algum princípio.

Na teoria de Alexy, essas possibilidades podem ser elaboradas com maior rigor. Essa leitura mais rigorosa Alexy dispôs em uma nota de rodapé na versão inglesa da TDF. Nesse ponto, procuro reconstruir certos pontos que, a meu ver, tornar-se-iam mais claros se fossem articulados.

Essa posição é sustentada por quem se posiciona em favor da tese de que um sistema jurídico é constituído exclusivamente por regras.

Outro ponto aqui é que “grau de não importância de R” deve ser lido, a rigor, para preservar a coerência interna na teoria de Alexy, como o “grau de não importância” da realização do princípio que serve de razão (ou justificativa) da regra R, e não como o grau de importância da regra propriamente dita.

É que, no caso da aplicação estrita de R, é irrelevante a questão do grau de importância de R (ou do princípio que serve de justificativa para R) na realização de outros princípios, pois R, em sendo uma regra válida, enfatize-se, sempre deveria ser aplicada por subsunção em toda e qualquer situação concreta.

Há apenas duas possibilidades de reduzir objetivamente esse espaço de discricionariedade da função jurisdicional comum: ou reduzir o espaço do controle de constitucionalidade ao da (in)constitucionalidade formal, ou eliminar qualquer possibilidade de a função jurisdicional comum exercer controle de constitucionalidade. Caso não se opte por nenhuma das duas, deve-se necessariamente restar na exigência de fundamentação explícita e detalhada das decisões judiciais.

No momento, não se procura avaliar se tais possibilidades são também boas possibilidades, ou se são melhores do que a possibilidade de garantir esse amplo espaço discricionário de decisão.

Apenas registro que são elas as únicas hipóteses logicamente possíveis para afastar a discricionariedade da função jurisdicional comum no controle de constitucionalidade e para preservar a posição tradicional da delimitação rígida entre uma função que é puramente legislativa (=criadora de Direito[16]) e outra que é puramente jurisdicional (=aplicadora do Direito criado), ambas exercidas por órgãos distintos dentro de uma mesma estrutura estatal.

Existe, no entanto, uma diferença sutil, mas muito relevante, entre comandos para otimizar e comandos para serem otimizados.  Com efeito, os comandos para serem otimizados são os princípios quando tomados como objetos de sopesamento.

Só se otimiza um princípio quando esse princípio colide com outro princípio, ou seja, só faz sentido falar em comandos para serem otimizados em uma situação concreta de colisão em que um princípio limita a realização de outro. E, é precisamente essa limitação que justifica a necessidade da otimização.

Dessa forma, os comandos para serem otimizados representam princípios enquanto deveres ideais, isto é, enquanto comandos para atingir estados de coisas ideais, e que devem ser concretizados na maior medida possível (quando convertidos em deveres reais).

De outra parte, os comandos para otimizar não se situam no nível dos princípios como objetos de sopesamento (enquanto princípios na iminência de serem otimizados), mas, sim, num metanível dos princípios que têm como seu objeto de comando os próprios comandos para serem otimizados, ou seja, dos princípios que demandam que os comandos para serem otimizados sejam realizados na maior medida possível.

Os comandos para otimizar, portanto, são satisfeitos não pela exigência de serem eles próprios otimizados, mas, sim, pela exigência de otimização dos comandos por eles comandados.

Essa distinção permite ver claramente que é possível admitir, dependendo da necessidade, duas classes de princípios que não diferem em sua estrutura lógica, mas, sim, no tipo de conteúdo que é comandado.

Enquanto, nos comandos para serem otimizados, o conteúdo é um estado de coisas ideal, que deve ser realizado concretamente em sua máxima medida possível, nos comandos para otimizar o conteúdo é o próprio comando cujo conteúdo é um estado ideal de coisas a ser perseguido.

A objeção de que os princípios teriam uma estrutura idêntica à das regras, não procede, pois os princípios nunca ou são otimizados ou são otimizados, já que é admissível, no plano teórico, a otimização de dever otimizado, ou melhor, é admissível o dever de otimizar a realização no plano concreto de um conteúdo ideal que deve ser otimizado (no plano ideal).

O direito contemporâneo[17] prima por buscar parâmetros estáveis e duradouros para encontrar justiça e para superar dramáticos óbices que são aparentemente indisponíveis dentro do ordenamento jurídico. E, os princípios têm se revelado eficazes na tarefa hercúlea de trazer justiça e promover a segurança jurídica.

 

 

 

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[1]  A Constituição Federal de 1988 foi estruturada em torno do paradigma do Estado Democrático de Direito, o que inseriu o Brasil em uma nova dimensão do constitucionalismo. A expressão inserida no artigo 1º, contudo, traduz um sistema complexo de conceitos e propostas transformadoras, cuja implementação vem sendo tentada em diferentes países há tempos, com sucesso apenas relativo. A democracia radical desejada no pós-Segunda Guerra deu origem a uma ampla revisão das estruturas e fins do Estado, o que permitiu avanços sociais significativos. Porém, o tempo todo o modelo se viu contestado, realidade que se agravou no início do século XXI, momento em que se alarga a opção por medidas de força como resposta as diferentes crises, com a consequente fragilização de direitos fundamentais e do cânone democrático, o que se denomina de estado de exceção permanente.

[2] O panprincipiologismo constitui no fenômeno de produção de princípios sem normatividade, normalmente com o fim de fundamentar decisões judiciais. No Brasil, o panprincipiologismo é relacionado à hermenêutica neoconstitucional, constituindo-se uma patologia desta corrente. Nesse contexto, verifica-se que a criação destes princípios acaba por dar ar de legitimidade e racionalidade de decisões arbitrárias de magistrados, rebelando-se da opção legislativa. Esta prática é verificada sobretudo nas decisões do Supremo Tribunal Federal, em que se afasta determinada norma jurídica infraconstitucional sob o argumento de aplicação de um princípio implícito na Constituição.  Busca-se, através da criação dos princípios, em unir o Direito à moral, a caminho do realismo moral.

[3] Estado de bem-estar social, ou welfare state, é um modelo de governo no qual o Estado se compromete a garantir o bem-estar econômico e social da população. O Estado de bem-estar social também é chamado de Estado-providência, pois nele o governo adota medidas ativas para proteger a saúde e o bem-estar geral dos cidadãos, especialmente aqueles em necessidade financeira. Quando se cogita em Estado de Bem-Estar Social vem logo à mente uma imagem de um estado que possui baixos níveis de desigualdades sociais, em que o emprego abarca quase todas as pessoas, em que o seguro social é um instrumento eficaz de correção de desigualdades, em que a população tem acesso às políticas governamentais universais e eficientes (hospitais e escolas públicas de ótima qualidade), enfim, uma imagem de primeiro mundo, em que a Suécia, a Suíça e os outros países escandinavos são bons exemplos. Tal opinião sugere um determinismo conceitual único de Estado de Bem-Estar Social. Porém, essa não é a opinião de Esping-Andersen (1991), que defende não um único conceito, mas regimes de Welfare States, quais sejam: a) liberais; b) conservadores, e; c) socialdemocrata, cada um com suas especificidades.

[4] O Estado Liberal também definido como uma espécie de terceiro desdobramento do Estado Moderno tem três fases históricas mais ou menos determinadas. A primeira fase remonta à Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra. Neste primeiro momento, o que se reivindicava mais especialmente eram os direitos individuais. Logo em seguida, com a chegada da Primeira Revolução Industrial, em 1750, o próprio capitalismo conhece um salto – agora em direção à fase industrial. Este desenvolvimento industrial – em sua fase embrionária, limitada à indústria têxtil inglesa – também propiciou ou estimulou tanto a Revolução Americana, de 1776, quanto a famosa Revolução Francesa de 1789 esta, mais burguesa do que a americana. No Estado Liberal, a liberdade é condição da igualdade formal ou legal, já sabemos, mas é preciso relembrar que ambas são componentes fundamentais e elementares da democracia. Sem sujeito de direitos não há liberdade e sem liberdade não há participação – por sua vez, sem envolvimento e participação (auxiliando na formulação e aceitando as próprias regras) não há autorização, expressão tácita, consentimento e, por fim, legitimidade do poder e do comando. Seguindo Miranda, sem esta liberdade inerente ao sujeito de direitos no Estado de Direito, o poder é abusivo, arbitrário, autoritário, autocrático, aristocrático.

[5] O pós-positivismo, como movimento de reação ao legalismo, abre-se, na realidade, em duas vertentes. Uma delas é desenvolvida por autores que buscam na moral uma ordem valorativa capaz de romper os limites impostos pelo ordenamento jurídico positivo, honrando o compromisso maior que o direito tem na justiça. Suas insuficiências seriam resolvidas mediante recurso aos valores que, apesar de circunscritos socialmente, pretendem alcançar uma pretensão universal. Tais iniciativas amparam-se, fundamentalmente, na argumentação capaz de legitimar as posições assumidas pelo intérprete, assim como na idoneidade dos mecanismos que se fazem necessários. Poderíamos indicar aqui os nomes de Chaim Perelman, Ronald Dworkin, Jurgen Habermas e Robert Alexy, ainda que uns assumam uma postura mais analítica (Alexy) do que outros (Dworkin). Em outra banda encontramos os autores que abraçam o pragmatismo, como é o caso de Friedrich Muller, Peter Harbele e Castanheira Neves, cujas teorias fundamentam-se antes na realidade do(s) intérprete(s) e nas suas condições de concretude da norma jurídica, do que numa ordem de valores. (In: LACOMBE, Maria Margarida. Hermenêutica e Argumentação: uma construção ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 p.135-136).

[6] Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) foi físico, historiador e filósofo da ciência nos EUA. Seu trabalho incidiu sobre a história da ciência e a filosofia da ciência, tornando-se um marco no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico. Seu primeiro livro foi A Revolução Copernicana, publicado em 1957. Mas foi em 1962, com a publicação do livro Estrutura das Revoluções Científicas, que Kuhn se tornou conhecido não mais como físico, mas, sim, como intelectual voltado para a história e a filosofia da ciência. Em uma entrevista cedida à filósofa italiana Giovanna Borradori, no ano de 1965, em Londres, Thomas Kuhn explica sinteticamente seu percurso acadêmico até a construção deste texto, que se tornaria o referencial de discussão entre os filósofos da ciência. Sua carreira inicia-se como físico e, até a defesa de sua tese de doutorado, tinha tido poucos contatos com a filosofia. Sua justificativa para este pouco contato com a filosofia é fundada principalmente na ocorrência da Segunda Guerra Mundial, pois havia, segundo ele, enorme pressão para empreender carreiras científicas e grande desprezo em relação às matérias humanísticas.

[7] A distinção entre direito e moral, entre princípio e valor, promove uma discussão épica na doutrina jurídica. Ao longo da história tivemos desde a necessária relação entre as questões valorativas com o direito à total cisão entre direito e moral. A problemática relação entre o direito e os valores morais tradicionais é questão permanente na história da filosofia jurídica. A rigor, desde a filosofia grega até o fim da Idade Média, é inquestionável a relação de dependência do direito em relação à eticidade da comunidade. Toda a tradição da filosofia moral e jurídica da Antiguidade e da Idade Média recorre aos valores éticos da comunidade para justificar a legitimidade do direito. Assim, essa tradição adota um conceito forte de virtude, necessário para se estabelecer a diferenciação entre os bons cidadãos da polis, portadores do caráter moral necessário para manter a existência pacífica e gloriosa da vida social, e os maus cidadãos, não-virtuosos, cuja simples existência é danosa à vida coletiva. Essa é a mensagem da república platônica: a vida coletiva deve ter como objetivo educar todos os cidadãos para viverem de acordo com as virtudes (temperança, coragem e sabedoria) necessárias para melhor cumprir o valor moral supremo da cidade: a realização da Ideia de Bem. […] Nesse contexto, o direito deve refletir os valores éticos compartilhados pela comunidade política, tendo por função garantir a mediação dos conflitos sociais a partir dos valores derivados da ética compartilhada por toda a comunidade política.  É necessário garantir a permanência dos laços orgânicos de sustentação da vida comunitária, a partir do compartilhamento dos valores fundamentais por todos os membros do corpo social. Para assegurar a unidade social, torna-se imperativo o uso da coerção para impedir a possibilidade de dissenso daqueles que, por qualquer razão, deixam de partilhar os valores da vida ética de sua comunidade. (In: ALMEIDA, Fábio Portela de. Os princípios constitucionais entre deontologia e axiologia:  pressupostos para uma teoria hermenêutica democrática. 4. ed. São Paulo: Revista de Direito GV, 2010. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322008000200007 ).

[8] Robert Alexy, através das obras Teoria dos Direitos Fundamentais (2008) e Teoria da Argumentação Jurídica (2005), consolidou a ponderação de princípios/direitos fundamentais.  A ponderação, como veremos a seguir, subdivide-se nos campos da justificação interna e justificação externa. A justificação interna, em poucas linhas, seria a própria ponderação. Já a justificação externa seria responsável, através de uma teoria da argumentação, por sustentar aquela resposta que foi encontrada através de um procedimento racional. Já de antemão é possível percebermos que a principal preocupação de Alexy era propor uma teoria mais analítica, preocupada com a racionalidade do discurso e a validade do procedimento.

[9] A colisão se resolve pela ponderação no caso concreto, mas a lei da colisão, elaborada por Alexy, diz que, se as condições em dois casos diferentes são iguais, deve prevalecer em ambos os casos o mesmo princípio; porém se as condições concretas são diferentes pode prevalecer no conflito dos mesmos princípios o outro. Para ilustrar essa teoria, Alexy cita o exemplo do alarme de incêndio em uma escola.  Neste caso, há uma regra que determina que não é permitido sair da sala de aula antes de soar o sinal. Há, contudo, outra regra que determina que se deve sair da sala de aula caso soe o alarme de incêndio. Há, portanto, uma regra que proíbe e outra que permite sair da sala de aula e ambas são regras válidas. O que fazer diante de uma hipótese em que ambas são aplicáveis? Ou seja, o que fazer se soar o alarme de incêndio e ainda não tiver sido tocado o sinal? Essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. E, a solução em caso de conflito entre elas, se dá por meio da introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras. Assim, a máxima para a resolução desse conflito seria expressa da seguinte forma: é proibido sair da sala de aula antes de tocar o sinal, exceto na hipótese de soar o alarme de incêndio.

[10] É correto afirmar, portanto, que a origem do princípio da proporcionalidade remonta aos séculos XII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas propugnando ter o homem direitos imanentes a sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado, e, por conseguinte, conclamando ter o soberano o dever de respeitá-los. O professor Willis Santiago destaca que se pode apontar como marco histórico para o surgimento desse tipo de formação política (Estado de Direito), a Magna Charta inglesa, de 1215, na qual aparece com toda a clareza manifestada a ideia supracitada, quando esclarece: “O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito”. Afirma, ainda, o professor Willis Santiago que essa espécie de contrato entre Coroa e os senhores feudais é a origem do Bill of Rights, de 1689 onde então adquirem força de lei os direitos frente à Coroa, estendidos aos súditos em seu conjunto.

[11] O desenvolvimento do princípio da proporcionalidade na jurisprudência alemã ocasionou a proliferação de estudos em toda a Europa sobre o tema, possibilitando que outros países como Suíça, Áustria, França, Itália, Espanha e Portugal construíssem uma doutrina e jurisprudência sobre o princípio da proporcionalidade. Na Suíça e na Áustria, o princípio da proporcionalidade percorreu caminho semelhante ao percorrido na Alemanha, isto é, o princípio em lume transmigrou do Direito Administrativo para o Direito Constitucional, na limitação do poder estatal frente aos direitos fundamentais do cidadão, conforme bem ressaltado pelos professores Paulo Bonavides, Ricardo Aziz e Willis Santiago. Em Portugal, segundo ensinamento do professor Ricardo Aziz, superado o período salazarista, e implantada a democracia, se inscreveu expressamente na Constituição de 1976, pactuada entre as várias correntes influentes após a Revolução de 1974, o princípio da proporcionalidade, nos arts. 18, n.º 2, e 266, n.º 2 (as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais devem limitar-se ao necessário), verificando-se ainda  sua presença, segundo Canotilho, no art. 19, n.º 4 (proporcionalidade na extensão e nos meios utilizados, quando da decretação do estado  de emergência e do estado de sítio, nos limites do estritamente necessário ao restabelecimento da normalidade constitucional), no art. 272, n.º 1  (princípios da tipicidade e da necessidade das medidas de polícia: só as previstas em lei e nos lindes do necessário), bem assim no art. 266  (por obra da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/89), em que a proporcionalidade é consagrada como princípio material constitutivo da administração pública.

[12] Theodor Viehweg (1907-1988) nasceu na Alemanha e estudou direito e filosofia, tendo exercido a profissão de juiz. Foi um dos principais nomes da Filosofia do Direito do século XX, contribuiu para a construção de uma nova Teoria da Argumentação Jurídica. Foi o responsável pela recuperação da tópica nos anos cinquenta do século XX, tendo declarado ter sido influenciado por Aristóteles, Cícero e Vico. A ideia de jurisprudência trazida em seu título não diz respeito apenas aos precedentes e sentenças dos tribunais, mas é algo mais amplo. Capaz de incluir toda a ciência jurídica. Apesar de que entende que o termo ciência seria impróprio, pois o Direito seria propriamente prudência. A tópica é o pensamento dialético de controvérsias práticas, um processo especial de tratamento dos problemas que consiste na mobilização dos topoi sugeridos pelas próprias controvérsias para a ponderação dos prós e dos contras das diversas opiniões que se referem a essas controvérsias. Os topoi são, nas palavras de Aristóteles, procedimentos padrão que se podem usar a discutir qualquer assunto no âmbito de uma controvérsia. São lugares comuns ou argumentos estandardizados aceitos por todos ou pela maioria ou pelos mais qualificados. A partir desses referentes de sentido que são por todos aceitos, estabelece-se uma argumentação com a apresentação das razões que fundamentam uma posição e a contestação das opiniões divergentes. A tópica parte, portanto, de um pensamento problemático como ponto de partida e procura chegar a uma conclusão através de argumentos aceitos socialmente por quase todas as pessoas em uma tentativa de universalizar a lógica dialética. Enquanto que com a retórica clássica se tentava persuadir os interlocutores através da argumentação, a tópica tenta chegar a um consenso.

[13] A máxima da proporcionalidade é verificada pelos critérios da adequação do meio utilizado para a persecução do fim, necessidade desse meio utilizado e a aplicação estrito senso da proporcionalidade, isto é, da ponderação. Assim, quando se estiver diante de uma colisão entre direitos fundamentais, primeiramente, para solucioná-la utiliza-se da adequação do meio, posteriormente, utiliza-se a necessidade desse meio, e em seguida, se ainda não solucionada a colisão, a ponderação.

[14] Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, apresenta a Lei de Colisão para solucionar a colisão de princípios utilizando um julgado do tribunal constitucional, que diz respeito à não realização da audiência oral tendo em vista a saúde delicada do acusado que sofre risco de infarto. Neste caso, há uma colisão entre o princípio da aplicação do direito penal (P1 — que obriga a audiência oral) com o princípio de proteção do direito à vida e integridade do acusado (P2 — que proíbe a audiência oral). A partir de então é que Robert Alexy passa a adentrar em sua teoria, apoiando-se, essencialmente, no postulado da proporcionalidade. A grande vantagem desse caminho escolhido é poder impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva.

[15] Herbert Lionel Adolphus Hart (1907 -1992), referido como H. L. A. Hart, foi magistrado britânico, e um notado filósofo do direito, conhecido por seu trabalho no estudo da moral e da filosofia política. Seu trabalho mais famoso é “O Conceito de Direito” (em inglês: The Concept of Law), de 1961, que se tornou obra de referência para a filosofia do direito de tradição analítica. A teoria de Hart sofreu críticas tanto de moralistas como até de seus próprios seguidores, sugerindo o aperfeiçoamento de seus conceitos. Nesse sentido, torna-se famosa sua polêmica com representantes do moralismo jurídico como Lon Fuller e Ronald Dworkin e até com seu pupilo Neil MacCormick. Sendo caracterizado como perfeccionista meticuloso segundo aqueles que bem o conheciam, o intuito do autor era o de dar respostas às muitas discussões sobre suas obras, defendendo sua posição contra os que erroneamente o interpretaram e até aceitando as críticas justificadas, sugerindo mudanças em sua doutrina. Um exemplo de resposta a críticas pode ser encontrado no pós-escrito da obra “O Conceito de Direito”, que contém respostas ponderadas a muitos argumentos de Ronald Dworkin. Dentre as inúmeras críticas à teoria desenvolvida por Dworkin, Hart afirma em seu pós-escrito, especificamente ao tratar do “ferrão semântico” que em nenhum momento baseou-se na ideia errada de que faz parte do significado da palavra direito, o argumento que lhe é imputado confunde o significado de um conceito com os critérios para a sua aplicação. Além disso, Hart tenta desconstruir a argumentação de Dworkin referente a sua versão do positivismo factual como convencionalismo. Hart atesta que a sua teoria não é meramente factual, já que seus critérios de direito admitem valores e não apenas meros fatos e a finalidade do direito não consistiria no uso da coerção.

[16] Diante desse contexto, Barroso alerta que “a existência de ponderação não é um convite para o exercício indiscriminado de ativismo judicial”. É por tal razão que ele vai destacar a necessidade de uma teoria da argumentação, na medida em que acredita que “o controle de legitimidade das decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame da argumentação desenvolvida”.  Nesse sentido, Barroso acredita haver três parâmetros elementares para a demonstração racional, feita através da argumentação jurídica, de que a solução proposta é a que mais adequadamente realiza a vontade constitucional. Primeiramente, ele ressalta que não basta o bom senso e o sentido de justiça pessoal para fundamentar uma decisão, é necessário que o intérprete seja capaz de apresentar fundamentos normativos (implícitos que sejam) que a apoiem e lhe deem sustentação. O segundo parâmetro apontado para o controle da argumentação jurídica, diz respeito à possibilidade de universalização dos critérios adotados pela decisão, isto é, a expectativa de que os critérios empregados possam ser transformados em regra geral para situações semelhantes, especialmente quando a decisão envolver ponderação. Por fim, o terceiro parâmetro destacado por Barroso é formado por dois conjuntos de princípios: 1º) Um composto de princípios instrumentais ou específicos de interpretação constitucional e 2º) outro por princípios materiais propriamente ditos, que trazem em si a carga ideológica, axiológica e finalística da ordem constitucional. Desse modo, diante de várias soluções igualmente plausíveis, o julgador deverá “percorrer o caminho ditado pelos princípios instrumentais e realizar, tão intensamente quanto possível, à luz dos outros elementos em questão, o estado ideal pretendido pelos princípios materiais”.

[17] Não obstante as concepções de Dworkin e de Alexy sejam amplamente utilizadas na argumentação jurídica, frequentemente se verificam distorções graves quando empregadas a casos específicos. Os problemas da concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais originários, levada a efeito com base no sistema de ponderação de princípios de Alexy, exsurgem nítidos com a análise de casos julgados frequentemente pelo Poder Judiciário. Por tal razão, será desenvolvido o enfoque do tema a partir de um acórdão paradigmático, que traz à luz a complexidade da concretização, pelo Poder Judiciário, de direitos sociais não reconhecidos pelo legislador ordinário. In: VELLOSO, Andrei Pitten. Racionalidade na concretização judicial de direitos sociais originários: o papel do princípio da universalidade na ponderação de princípios. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao009/andrei_velloso.htm Acesso em 17.01.2022.