Recentemente, o Autor elaborou artigo tratando da seguinte temática: “MANUTENÇÃO DO PADRÃO DECISÓRIO DURANTE A CRISE”, que pode ser lido através deste link: https://jures.com.br/artigo-juridico/manutencao-do-padrao-decisorio-durante-a-crise/.

A tônica deste artigo que já se encontra publicado na prestigiada Revista Jures foi que, mesmo no momento de crise, como a que advêm da Covid-19, o padrão decisório não pode ser alterado, e esse é um assunto recorrente e fundamental nos tempos atuais.

O magistrado não pode afastar-se do ordenamento jurídico em vigor para se pronunciar nos casos concretos.

Suas idéias, ideologias e visão de mundo, por mais “elevadas” que possam parecer, não constituem elementos à fundamentação juridicamente aceitável dos seus pronunciamentos, assertiva essa válida para toda estrutura do Poder Judiciário brasileiro.

Inquestionável que a independência do Poder Judiciário não dá aos seus membros, que são os juízes, “carta branca” para julgarem da maneira que bem entenderem.

Muito dos julgamentos censuráveis de hoje, que fogem às regras do Direito, encontram explicação no ideário altamente temeroso de que “o Direito é aquilo que os Tribunais dizem que é”.

É preciso que a comunidade jurídica se insurja contra este tipo de (pré) conceito do Direito, e o exemplo têm de vir de quem deve dar o exemplo.

A propósito, aportou no Tribunal de Justiça Bandeirante, não faz muito tempo, remédio heroico de Habeas Corpus, que já havia sido indeferido pelo juízo de piso, onde o paciente que já cumpria pena em regime semiaberto, rogava que nestes tristes tempos de pandemia e mortes fosse colocado em regime de prisão domiciliar.

Abre-se um adendo aqui para consignar que não se discute o acerto ou desacerto do pedido, eis que o tema divide opiniões, e o presente ensaio não tem esta finalidade.

Deixa-se claro, aliás, que neste ensaio não se critica quem quer que seja, e sim se prestigia o Direito em seu estado mais puro, haja vista que a decisão judicial escorreita, seguindo os padrões previstos no ordenamento jurídico aqui várias vezes citado, antes de tudo, é um direito de todos, do contrário não haveria sequer lei para regulá-lo, tampouco doutrina para explicá-lo, simples assim!

Entretanto, o Desembargador Alberto Anderson Filho, da 7ª Câmara de Direito Criminal do supracitado Egrégio Tribunal, monocraticamente, exarou despacho contendo peculiar “fundamento”.

Disse o desembargador, em resumo, que praticamente todos os habitantes da terra estariam infensos à contaminação pelo vírus Sars-CoV-2, a exceção de três pessoas em missão espacial, de sorte que assim o pedido de prisão domiciliar não merecia acolhimento, vide:

“A questão relativa ao COVID-19 tem sido alegada de forma tão indiscriminada que sequer mereceria análise detalhada.

Dos cerca de 7.780.000.000 de habitantes do Planeta Terra, apenas 3 (três): ANDREW MORGAN, OLEG SKRIPOCKA e JESSICA MEIER, ocupantes da estação espacial internacional, o primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de 6 meses, por ora não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado CORONA VÍRUS.

Importante lembrar que os que estão há menos tempo fora do planeta, dele saíram em 25 de setembro de 2019, cerca de dois meses antes das notícias acerca da pandemia que se iniciou nas China.

Portanto, à exceção de três pessoas, todas demais estão sujeitas a risco de contaminação, inclusive os que estavam na Estação Espacial Internacional e retornaram à terra no princípio de setembro de 2019.

Portanto, o argumento do risco de contaminação pelo COVID-19 é de todo improcedente e irrelevante.

Inúmeras pessoas que vivem em situação que pode ser considerada privilegiada, tais como: o Príncipe Albert de Mônaco, o Príncipe Charles da Inglaterra, primeiro da ordem de sucessão ao trono, o Presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre etc. foram contaminados e estão em tratamento.

Lembre-se também das pessoas que, para o bem de inúmeras outras, ficam expostas a evidente e sério risco e mesmo com equipamentos de proteção (roupas, luvas, máscaras etc), rígidas regras de higiene e etc, são infectadas pelo COVID 19.

Assim, todos, à exceção dos três acima mencionados, estão em efetivo risco, daí porque a liminar, por esta razão fica indeferida. Desnecessário pedido de informações da autoridade apontada como coatora.

Dê-se vista dos autos à Douta Procuradoria Geral de Justiça.

Cumprida a providência acima determinada, tornem os autos conclusos”. (negritamos e grifamos)

Sobre este episódio tragicômico, na condição de Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministro Antônio Dias Toffoli instaurou de ofício pedido de providência para buscar esclarecimentos do magistrado acerca da sua decisão:

“INSTAURO, de ofício, PEDIDO DE PROVIDÊNCIA, a fim de esclarecer os fatos. Para tanto, DETERMINO:

  1. a) a autuação da presente decisão como Pedido de Providências, devendo constar a Corregedoria Nacional de Justiça no polo ativo e Alberto Anderson Filho, Desembargador da 7ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, no polo passivo;
  2. b) que seja oficiado à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para que, no prazo de até 5 dias, intime o referido magistrado para que apresente informações acerca dos supostos fatos, à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias”.

Ademais, o caso chegou ao Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), e este concedeu de ofício a ordem para que o paciente passasse ao regime de prisão domiciliar, apontando que as considerações pessoais do magistrado quando da análise do Habeas Corpus: “além de não servirem à adequada motivação de decisões judiciais, por se relacionarem à impressão pessoal do julgador acerca da temática, vão na contramão das atuais recomendações sanitárias sobre a matéria e também contrariam a diretriz traçada pelo CNJ”. (grifos e negritos)

Conclui-se, portanto, para assegurar que a comunidade jurídica deve agir contra as barbáries que se desejam cometer inclusive em nome da Lei, contra o Direito, que é autônomo e não pode ser filtrado, admoestado, afastado, tripudiado, seja onde for.

Referências

[1] Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/httpswwwconjurcombr2020-abr.pdf>. Acesso em: 16/05/2020.

[2] Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/cnj-explicacoes-desembargador-decisao.pdf>. Acesso em: 16/05/2020.

[3] STEIN, Raphael Wilson Loureiro. Disponível em: https://jures.com.br/artigo-juridico/manutencao-do-padrao-decisorio-durante-a-crise/. Acesso em: 16 de Maio de 2020.