Execução Fiscal

Foram mais de 1.500 execuções fiscais ajuizadas pela União em um único dia, apenas na Justiça Federal do Rio de Janeiro e em face de pessoas jurídicas, relacionadas a tributos federais, contribuições sociais e FGTS.

Tal procedimento parece de extrema incoerência frente ao momento de crise e pandemia vivido em âmbito mundial e frente as próprias normas divulgadas pelos órgãos, em especial a própria Procuradoria, nos últimos 2 meses.

Em março desse ano foi publicado o Decreto Legislativo nº 6, responsável por divulgar oficialmente o Estado de Calamidade Pública.

A partir desse momento foram diversos atos normativos federais, estaduais e municipais, estabelecendo “quarentena”, regimes diferenciados de tributação, de apresentação de obrigações fiscais e ainda medidas contra a propagação do Coronavírus.

Nesse contexto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no mesmo mês de março, divulgou a Portaria nº 7.820 e a Portaria nº 7.821, que instituíram respectivamente

  • (1) condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa, em função dos efeitos do COVID 19 na capacidade de geração de resultado pelos devedores e
  • (2) medidas de suspensão de cobranças por 90 dias em razão da pandemia.

TRANSAÇÃO EXTRAORDINÁRIA

Conforme se infere do texto da Portaria nº 7.820, a transação extraordinária, cujo prazo para adesão se encerra em 30.06.2020, tem como objetivos principais:

“I – viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira dos devedores inscritos em dívida ativa da União, em função os efeitos do coronavirus (COVID-19), a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores;

II – assegurar que a cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa seja realizada de forma a permitir o equilíbrio entre a expectativa de recebimento dos créditos e a capacidade de geração de resultados dos contribuintes pessoa jurídica;”

Parece claro que a PGFN nesse primeiro momento entende a situação sui generis gerada em torno de seus devedores, traduzindo como objetivos principais da norma viabilizar a superação da crise e permitir o equilíbrio da situação, pensando principalmente no cenário de geração de resultados financeiros pelos contribuintes.

A Portaria também liberou a utilização das demais transações tributárias anteriormente previstas[1], permitindo as Empresas a avaliação da melhor forma de parcelamento e pagamento, não restringindo a escolha a última modalidade criada.

Cabe destacar que essa Portaria em nenhum momento limitou a sua utilização a determinado lapso temporal de fatos geradores.

Isso significa dizer que a norma incide sobre qualquer débito inscrito em dívida ativa independente da sua data de seu lançamento perante a Procuradoria, não havendo restrição a débitos ocorridos ou lançados apenas no ano de 2020, por exemplo.

GARANTIAS EM SEDE DE EXECUÇÃO FISCAL E A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Foram divulgadas ainda algumas decisões de tribunais federais concedendo o levantamento de penhoras BACENJUD (dinheiro em espécie) para determinadas empresas em prol da manutenção da folha de pagamento e da atividade produtiva.

Nesse cenário, o STJ decidiu a favor de uma empresa o levantamento de um crédito no valor de 80 mil reais, exclusivamente para pagamento da folha e com a condição de não haver qualquer demissão até o encerramento da pandemia.

A empresa deverá apresentar a RAIS/CAGED para comprovar que não houve movimentação de funcionários no período.

As empresas que pretendem aderir a transação tributária devem ficar mais do que atentas, pois indo de encontro com as decisões acima citadas, a Portaria nº 7.820 (da transação tributária) estabelece uma obrigatoriedade no que se refere a garantias e penhoras apresentadas em execuções ou cautelares:

      • a norma determina a manutenção automática de gravames e garantias apresentadas em execução fiscal, uma vez confirmada a adesão ao programa de negociação[2].

Isso significa dizer que dificilmente em sede de ação judicial haverá a concessão de levantamento de penhora pela empresa para qualquer finalidade que seja, uma vez confirmada a adesão a Transação Tributária da Portaria nº 7.820, que estabelece expressamente a manutenção das garantias como requisito essencial para a adesão ao programa.

Mas a impossibilidade de liberação da garantia não impede a tentativa de substituição da mesma diante do contexto da crise.

Isso porque também estão sendo divulgadas decisões dos tribunais federais regionais concedendo substituição de penhora em espécie (BACENJUD) por carta fiança, seguro garantia ou outros bens passíveis de liquidez.

Esse assunto é polêmico e não pretende aqui ser encerrado, mas o fato é que em muitos casos (e a análise deve mesmo ser feita de maneira personalizada) os tribunais tem entendido pela possibilidade de substituição, inclusive com a anuência da PGFN, quando comprovada a necessidade da medida para manutenção de forças produtivas e empregos.

Mais um tema, que do mesmo modo não pretende se exaurir, é a possibilidade de apresentação de garantia parcial para fins de apresentação de embargos do devedor (defesa do contribuinte).

A respeito, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento no sentido de que deve haver pelo menos a garantia parcial do crédito para oposição dos embargos à execução fiscal, sendo um importante precedente para os devedores.

No caso fático[3] que gerou o primeiro precedente, os ministros consideraram que caso o executado fosse impedido de oferecer embargos para sua defesa ocorreria um desajuste no equilíbrio que deve existir entre as partes litigantes, fato que constituiria injusto favorecimento do exequente.

Em maio de 2019 mais uma decisão favorável ao contribuinte foi proferida pelo Superior[4], que foi mais além decidindo que “deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado, inequivocamente, que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo”.

Ou seja, foi autorizado, em caso especifico, a apresentação de embargos sem qualquer garantia do juízo.

SUSPENSÃO DE MEDIDAS DE COBRANÇA

No mesmo sentido – de dar fôlego ao contribuinte – a PGFN suspendeu por 90 dias a apresentação de protestos de certidões de dívidas e a instauração de novos procedimentos administrativos de cobrança, dessa vez por meio da Portaria nº 7.821.

O relevante em todo esse cenário é a ausência de suspensão de um terceiro método de cobrança – ouso dizer a mais relevante: a execução fiscal.

A Portaria nº 7.821 não trata do tema, pelo qual permanece sendo possível o ajuizamento de tantas execuções fiscais quantas forem necessárias a Procuradoria para fins de cumprimento (ou tentativa) de suas metas de colaboração com as contas públicas.

Qual a importância da execução fiscal nesse cenário? No último ano, a execução forçada (como define a PGFN) gerou um retorno de mais de R$ 7,1 bilhões de recuperação de crédito, representando aproximadamente 30% do total de valores resgatados pelo órgão[5].

O relatório se refere ao ano de 2019 e não é preciso dizer que o ano de 2020, em termos econômicos, não será igual.

Então o que pretende PGFN com o ajuizamento de tantas execuções fiscais no cenário atual? No processo de execução, primeiramente o juiz determina a citação do devedor para pagamento ou apresentação de garantia em 5 dias.

Não indicados bens, o processo segue para a fase de penhora (BACENJUD), de ações, imóveis, veículos etc. Via de regra[6] a apresentação de embargos do devedor – defesa do contribuinte – pressupõe necessariamente a apresentação de garantia integral do débito.

Não obstante, o ajuizamento de execução fiscal colabora com a Fazenda no que tange a prescrição do direito de cobrar o montante devido, que se interrompe quando há o despacho citatório do contribuinte no processo judicial (inciso I, § único do art. 174 do Código Tributário Nacional), exceto em casos de lentidão do judiciário, quando há possibilidade de se entender que o prazo foi iniciado na data do próprio protocolo da CDA pela Procuradoria no tribunal, conforme jurisprudência predominante.

Sobre esse ponto vale lembrar de uma norma divulgada pelo Estado do Rio de Janeiro que, ao contrário da Portaria nº 7.821, suspendeu também o ajuizamento de execuções fiscais por parte da Procuradoria Geral do Estado (PGE)[7].

O relevante é que a referida norma dispõe que durante o prazo de suspensão – exclusivamente com o fito de se evitar a perda do direito de executar, a PGE encontra-se autorizada a realizar atos impeditivos da prescrição – entenda-se, todos elencados no art. 174 § único do CTN.

Isso porque não poderia norma federal, estadual ou municipal estabelecer sobre hipótese nova de interrupção da prescrição – que potencialmente seria o estado de calamidade em andamento.

Apenas Lei Complementar pode dispor sobre prescrição e alterar o CTN, conforme controle de constitucionalidade previsto no art. 146, inciso III, alínea b da Constituição Federal[8].

Sobre esse tema, portanto, podemos concluir que não poderia a PGFN estabelecer a suspensão das execuções fiscais e, por conseguinte, da prescrição sobre elas incidente durante o período de calamidade por força de norma constitucional, que limita alterações sobre o assunto.

A PGFN, em síntese, está se valendo do que há de disponível e legítimo para ver os créditos tributários objetos de certidões de dívida ativa eminentemente prescritas ou com baixa probabilidade de recuperação (no que tange ao tema, a de penhora de bens é um excelente aliado).

CONCLUSÃO

Podemos concluir que a PGFN não está de todo equivocada no procedimento executório traçado, considerando a eminência da ocorrência de prescrição de determinados débitos – a despeito da impossibilidade de criação uma nova hipótese de interrupção da prescrição não constante do CTN (já acima explicitado), independente da ocorrência do estado de calamidade.

Ocorre que o contribuinte não possui no horizonte cenário melhor do que o atual para poder quitar seus débitos via transação tributária, na grande maioria dos casos, o que se agrava em virtude da pandemia.

Para se defender nesse contexto de cobrança e crise, as empresas devem analisar caso a caso a possibilidade de se valerem das decisões do STJ e dos tribunais federais regionais no que tange a:

  1. possibilidade de levantamento de garantias;
  2. possibilidade de substituição de penhora BACENJUD;
  3. possibilidade de apresentação de embargos com garantia parcial do débito e ainda
  4. apresentação de embargos sem garantia.

A transação tributária e outras medidas de parcelamento e negociação divulgadas pela PGFN, inclusive no contexto de cenários de recuperação judicial, devem sim ser analisadas pelos contribuintes, que possuem no Portal do REGULARIZE todas as informações necessárias para a avaliação.

Mas devem também ficar atentos a outras oportunidades na seara judicial, que estão se abrindo em virtude do cenário de crise e de calamidade pública e que forçam de uma certa maneira o judiciário, tantos tribunais regionais quando STJ, a analisarem as situações fáticas econômicas de maneira ímpar e, porque não, a favor do contribuinte.

REFERÊNCIAS

[1] Portaria PGFN PGFN nº 11.956, de 27 de novembro de 2019.

[2] Art. 6º A adesão à transação extraordinária proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional implica manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou nas ações de execução fiscal ou em qualquer outra ação judicial.

[3] Embargos de Divergência no REsp 80.723/PR, Rel. Ministro Minton Luiz Pereira, Primeira Seção, julgado em 10/04/2002, DJ 17/06/2002, p. 183.

[4] Recurso Especial nº 1487772/SE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/05/2019, DJe 12/06/2019

[5] PGFN em Números ano 2020. Site: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros-2014/pgfn-em-numeros

[6] Possibilidade de apresentação de garantia parcial em casos específicos conforme entendimento do STJ.

[7] Resolução PGE/RJ nº 4.532/2020. “Art. 4º Ficam adiadas, por 60 (sessenta) dias corridos, a contar da data de publicação desta Resolução: I – As inscrições em dívida ativa e o ajuizamento de novas execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 5º, § 1º da Lei nº 5.351/2008 , ressalvada a necessidade da prática de atos visando impedir a consumação da prescrição durante o referido período;”

[8] “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”