Liberdade de expressão
Há muito se vem discutindo acerca do que é a famosa “liberdade de expressão”, quais seus limites, o que podemos ou não fazer/dizer, mas, nos dias de hoje, de fato temos que ter grande cautela com o que falamos, para quem falamos, de quem falamos e por que meio falamos.
Com os anos, as pessoas ficaram mais “sensíveis” a comentários, se ofendendo por pequenas coisas, isso é fato, contudo, antes de quaisquer medida drástica, deve-se filtrar o que foi dito, e fazer uma análise de fora ou não uma ofensa, ou apenas a opinião da pessoas.
Mas antes mesmo de falarmos algo, devemos analisar contra quem falamos.
Em 29/10/2019, o Ministro do STF Gilmar Mendes, deu uma declaração ao jornal El País com a seguinte afirmação: “se deu poder para gente muito chinfrim, muito ruim, mequetrefe do ponto de vista moral e do ponto de vista intelectual. Foi essa a combinação que produziu a mídia e esse empoderamento [do MPF].¹”. (grifo do redator).
Trazendo do dicionário, as palavras grifadas acima significam:
*Chinfrim – que não tem utilidade;
*Mequetrefe – indivíduo intrometido, dado a meter-se no que não é de sua conta; enxerido. Indivíduo de caráter duvidoso; patife, mariola, biltre.
Entendo que tal afirmação enquadra-se no previsto no art. 140 e 141 do Código Penal.
Imaginem se é um cidadão qualquer, um político, ou até mesmo algum integrante do poder legislativo, executivo ou judiciário que tivesse proferido tais palavras a um Ministro do STF, talvez seria até preso, no contexto dos dias atuais, sendo enquadrado no art.
Olha que isso quase aconteceu!
Na reunião dos Ministros do Governo Federal em 22/04/2020, o Ministro Abraham Weintraub expressou que “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.
Vamos a definição de vagabundo: que ou quem leva vida errante, perambula, vagueia, vagabundeia – significa uma pessoa que não trabalha.
Segundo as definições, o que é pior? Dizer que um indivíduo tem caráter duvidoso? Ou dizer que o indivíduo não trabalha?
Vemos tais falas todos os dias do nosso cotidiano, pessoas se tratando dessa forma, fazendo tais afirmações, mas a questão não é o que fala, mas sim contra quem fala.
Em 01/06/2020, O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que as manifestações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional são “inaceitáveis”.
Absurdo tal fala de Rodrigo Maia.
O artigo 5º da Constituição Federal expõe:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Qualquer forma de repressão do Congresso Nacional à expressão do cidadão é absurda, inconstitucional, imoral e ilegal.
Em 2018, o advogado Cristiano Caiado de Acioli, de 39 anos, foi encaminhado à Superintendência da Polícia Federal em Brasília após ter dito ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, sentir vergonha do STF, durante um voo de São Paulo para Brasília. O então Ministro pergunta ao passageiro: “vem cá, você quer ser preso?” ²
Como é possível, um Ministro, atuante, que deveria defender a constituição, agir dessa forma?
De sorte, um Ministro de mente iluminada, reconheceu a liberdade de expressão.
No caso em apreço, fora formulado pedido pelo Líder do PT na Câmara dos Deputados para proibição de carreata/manifestação em Brasília marcada para o dia 08/05/2020.
Em decisão deste caso, o Ministro Celso de Melo expõe:
“(…) Mesmo que se revele processável perante esta Corte o pedido em causa, ainda assim não se mostraria acolhível o pleito ora deduzido, notadamente no ponto em que se busca uma ordem desta Suprema Corte que proíba a realização, na data de amanhã, dia 08/05/2020, sexta-feira, de marcha/manifestação/carreata contra o próprio Supremo Tribunal Federal e seus Ministros. Esse pedido que busca impedir referida “manifestação/ carreata” veicula pretensão que transgride frontalmente a liberdade de reunião, que traduz prerrogativa fundamental dos cidadãos, assegurada pela própria Constituição da República, cujo art. 5º, inciso XVI (…)”.³
Decisões como esta, iluminam o pensamento e a conduta em todo o âmbito jurídico, o que nos dá força (talvez), para seguirmos nosso caminho no dia a dia.
Mesmo que a Constituição Federal garanta nosso direito a manifestação, devemos sempre nos atentar aos tipos de comentários e piadas, principalmente no tocante à raça, etnia e religião.
Devemos lembrar do bom senso, pois o que pode parecer normal para nós, pode não ser normal para o próximo, o que pode ensejar uma reparação moral, pois a CF ainda dispõe em seu art. 5º:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Apesar de que não iremos abordar o dano moral em si, saber-se que a indústria do dano moral no Brasil tem crescido de forma assustadora, as pessoas tem buscado reparação por qualquer razão, o que vem abarrotando ainda mais o judiciário, e dificultando o andamento dos processos que realmente precisam de atenção.
Sabemos que o Brasil é um país com grandes problemas no tocante à ofensas à religião, raça, sexualidade, etnia, dentre outros, e, devemos, sempre, buscar agir da melhor forma possível, deixar de lado todas as diferenças, e vivermos em harmonia, lembrando que todas as pessoas são diferentes, cada um com sua peculiaridade, e são essas peculiaridades que nos fazem únicos e excepcionais.
A linha é tênue entre a opinião e a ofensa, por isso, devemos nos atentar sempre ao que falamos, para quem falamos, e, principalmente, de quem falamos, para não ensejar uma possível reparação moral, e, talvez até criminal.
¹ https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/24/politica/1571944278_725688.html
³ MEDIDA CAUTELAR NA PETIÇÃO 8.830 DISTRITO FEDERAL – https://www.conjur.com.br/2020-jun-14/celso-garante-liberdade-protesto-proprio-stf