As medidas de isolamento social determinadas pelas autoridades para conter a contaminação em massa da população pelo Covid-19 trouxeram mudanças significativas no cotidiano das famílias. Neste cenário de distanciamento físico obrigatório, a alienação parental possui o ambiente propicio para se consolidar.
Em 1985, Richard Gardner, psiquiatra americano e Professor de Psiquiatria infantil na Universidade de Columbia (EUA), observou e identificou um distúrbio emocional em crianças cujas famílias encontravam-se em processo de separação e nominou como a Síndrome de Alienação Parental (SAP) – (Parental Alienation Syndrome).
Nas definições de Gardner, ele conceituou a síndrome como sendo uma forma de abuso emocional praticada por um genitor em face da criança, no intuito de eliminar os laços afetivos com o outro genitor.
A Síndrome da Alienação Parental (SAP) instaura-se pela pratica consistente e incessante de desqualificação e difamação feita pelo genitor guardião do infante (na grande maioria dos casos) contra o genitor alienado, além de implantação de falsas memórias, com o objetivo de romper os vínculos parentais e afetivos deste filho com o genitor alienado. Além disto, o alienador dificulta, e em casos graves, impede o contato da criança com o genitor alienado.
Em muitos casos, a alienação parental advém de um sentimento de rancor do ex-cônjuge, que torna-se o guardião da criança, e sente que foi abandonado pelo cônjuge que deixou o lar, e assim, imbuído desta angustia, começa o processo de alienação parental.
Tais atos não precisam ser praticados, necessariamente, por um dos genitores, mas por qualquer parente que esteja inserido no seio familiar daquela criança, que tenha por objetivo minar os laços afetivos com o genitor alienado estendendo os efeitos da alienação à família deste. É valido frisar que, os efeitos da alienação parental são extremamente danosos e não atingem apenas o genitor alienado, mas também toda a sua família, que é privada do contato com esta criança.
Apesar desta síndrome começar a ser estudada apenas em 1985, ela consiste em prática antiga no ambiente familiar, e tais acontecimentos passaram a ser expostos e estudados por psicanalistas, psicólogos e posteriormente, por juristas, quando as crianças tiveram sua valorização na sociedade e no âmbito jurídico, como sujeitos de direito, com os movimentos surgidos nas décadas de 60 e seguintes.
Assim, a partir de 1988, foram instalados espaços institucionais mais acessíveis, como o Conselho Tutelar (por exemplo), favorecendo que um número cada vez maior de ocorrências de abuso infantil chegue ao sistema de proteção e justiça, haja vista que a alienação parental é apenas uma das formas de abuso infantil praticadas no espaço intrafamiliar.
No cenário jurídico brasileiro, o fenômeno da alienação parental foi regulamentado apenas em 2010, com a edição da Lei n°. 12.318, que conceitua da seguinte forma: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
A mesma lei traz, no parágrafo único do art. 2º, o rol exemplificativo de condutas que podem ser compreendidas como atos de alienação parental.
[…] Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Vale ressaltar que, este rol não é taxativo (limitado). Ou seja, qualquer conduta praticada em face da criança que tenha por escopo afastá-la de outro genitor ou de outro familiar pode ser classificada como prática de ato de alienação parental.
Feitas tais considerações, é presumível que em tempos de isolamento social, os riscos de instauração e implementação da alienação parental sejam evidentes. Está claro que, o cenário é extremamente favorável para o alienador, que pode se utilizar da imposição estatal de distanciamento físico para cortar todo e qualquer contato entre o genitor alienado e a criança, intensificando a prática de tais atos.
Neste contexto de quarentena, é imprescindível ressaltar que, é inconcebível que tais práticas sejam toleradas, pois elas representam grave lesão ao melhor interesse do infante, que lhe assegura o direito de convivência familiar.
Surge o questionamento, como evitar a prática de alienação parental em meio ao isolamento social?
Há que se analisar duas situações jurídicas distintas: (1) quando já houve uma regulamentação judicial de guarda e convivência desta criança, e (2) quando ainda não existe nenhuma decisão judicial ou processo judicial em trâmite para se tratar da regulamentação de convivência.
No primeiro caso, já existe uma decisão judicial que regulamentou a convivência entre o genitor não residente e seu filho, e esta deve ser cumprida e mantida, eis que, o isolamento social não impede que ocorra a convivência familiar.
Deve-se assegurar que todos os envolvidos (pais, mães, familiares, e a criança) cumpram as regras de higiene, mantendo a integridade física da criança no ato de troca de residência. Caso haja descumprimento desta ordem judicial sem qualquer justificativa plausível, o Judiciário deve ser acionado para garantir o cumprimento do regime de convivência já estabelecido.
No segundo caso, é preciso que os pais e mães que não residam com seus filhos observem a conduta do genitor guardião, e caso haja conduta de impedir qualquer tipo de contato, ainda que por meio eletrônico, faz-se estritamente necessário que se busque o Judiciário para garantir que esta convivência ocorra entre a criança e o genitor não residente.
Há que se resguardar sempre a convivência, o contato da criança com o genitor não residente e seu grupo familiar, e, a depender do grau da alienação parental já instaurado (leve, moderado ou grave), decretar o afastamento (definitivo ou temporário) da criança com o genitor alienador. Em seus estudos, Gardner constatou que a forma mais eficaz de combater a alienação parental é manter o convívio, pois, o afastamento favorece a intenção do alienador.
Por fim, salienta-se que a lei de alienação parental estipulou diversas sanções (artigo 6º), para punir os alienadores, que vão desde a advertência, aplicação de multas, até a alteração definitiva da guarda e residência da criança.
Desta forma, conclui-se que, a forma mais eficiente de combater a instauração da alienação parental em meio ao isolamento social é assegurar o contato e convívio dos pais e mães com seus filhos, mantendo o regime de convivência, ou, havendo impossibilidade fática (em casos excepcionais), manter o contato remoto, para evitar o rompimento das relações afetivas. E, caso haja suspeita ou confirmação da prática de tal ato, deve-se buscar a tutela jurisdicional para garantir que os direitos da criança não sejam violados.
Referências
LEITE, Eduardo de Oliveira. Alienação parental: do mito à realidade. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
MONTAÑO, Carlos. Alienação Parental e Guarda Compartilhada – Um desafio ao serviço social na proteção dos mais indefesos: A criança alienada. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
BRASIL. Lei nº 12.318/2010 (Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990). Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm. Acesso em 20.04.2020.