“A justiça pode irritar porque é precária. A verdade não se impacienta porque é eterna.”
Rui Barbosa
Tributação sobre rendimentos criminosos
Muitas são as discussões referente a possibilidade ou não da tributação sobre os rendimentos oriundos de ilícitos. Doutrinadores com posicionamentos contrários e favoráveis agitam-se diante da matéria que vem sendo amplamente debatida em virtude das autuações tributárias decorrentes da Operação Lava Jato e seus desdobramentos, ficando o assunto ficou ainda mais evidente.
Atualmente o entendimento dominante em nosso ordenamento jurídico é de que: Sim, é possível a tributação sobre rendimentos criminosos!
Ao contrário do que parte da doutrina sustenta, a tributação de rendimentos ilícitos não fere o princípio constitucional da moralidade, apenas permite que a situação econômica que deu origem no aumento patrimonial, independente se o aumento ou lucro auferido foi de forma lícita ou ilícita, possa ser tributada, obedecendo o princípio da isonomia fiscal.
Partindo da premissa trazida pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN), que conceitua tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção do ato ilícito, instituída em lei cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, ou seja, a ocorrência do fato gerador do tributo (que no caso em questão é o auferimento de renda ou lucro), independente se o fato que deu origem ao tributo é lícito ou ilícito, impõe-se o dever de tributar.
Registramos que, o recolhimento do tributo é oriundo da renda proveniente do crime, ou seja, o que é tributado é a renda, riqueza ou aumento de patrimônio alcançado e não a causa de lhe deu origem.
Em breves linhas descreveremos o ensinamento de Roque Antônio Carrazza (2009, p. 42) que resume o assunto da seguinte forma: “pouco importa – pelo menos para fins tributários – que a renda líquida ou lucro sejam obtidos por meio de atividades lícitas ou ilícitas, morais ou imorais. […]” (apud Almedina, 2018. Vários autores. p. 131).
Dentro desse prisma, destacamos o princípio do non olet (o dinheiro não tem cheiro) que reforça a tributação da renda proveniente de atos ilícito, fundamentado conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece a aplicação do Art. 118 do Código Tributário Nacional.
Sobre tal princípio, não é de estranhar a lógica usada em sua aplicação na tributação de rendimentos ilícitos, afinal conta a história que a origem principiológica se deu quando Tito, filho do Imperador Vespasiano, reclamou com seu pai a imoralidade da cobrança de tributos dos usuários dos banheiros públicos pois se os tributos não fossem pagos a cidade ficaria fedida.
Em resposta, Vespasiano pegando uma moeda pediu que seu filho a cheirasse demonstrando que o dinheiro não tem cheiro, logo a tributação não deve se ater a imoralidade social da origem dos rendimentos, mas sim a ocorrência do fato gerador, nos termos do inciso I, do Art. 118 do CTN.
Nessa analogia é possível dizer que o Estado na figura de Vespasiano, tem dever de tributar rendimentos de qualquer espécie, desde os auferidos por pessoas de bem, até os auferidos através do tráfico, corrupção, crimes de colarinho branco, entre outros.
A verdade é que na maioria das vezes a tributação não ocorre pois o agente sonegador consegue ocultar do fisco a manifestação de riqueza e seus reais rendimentos.
Para finalizarmos esse artigo, é necessário dizer caro leitor, que nem tudo está perdido pois a estrutura do sistema tributário nacional proporciona ao fisco mecanismos de aplicação de multas punitivas e controle de tributação, que podem desestimular a prática de sonegação fiscal de rendimentos ilícitos.
Um exemplo disso foi a operação Lava Jato, que aflorou inúmeros processos administrativos com autuações milionárias de imposto de renda, os quais tiveram multas de até 150% do valor do imposto, e que após inúmeros recursos foram mantidas pelo Conselho de Recursos Fiscais (CARF).
Dando nomes aos bois, citamos a manutenção da autuação no CARF do doleiro Lúcio Funaro, preso em 2016 que deverá pagar aos cofres públicos a “bagatela” de R$ 6,4 milhões, por ter recebido depósitos de origem não comprovada e não ter apresentado em sua declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a origem do dinheiro.
Portanto, encerramos esse artigo concluindo que a Lei, a Jurisprudência Pátria dominante e a doutrina demonstram ser evidente que a renda auferida por meio de ato ilícito deve sofrer a incidência da tributação e a consequente arrecadação, ressalvada ao fisco o respeito as limitações ao poder de tributar.
Texto produzido em coautoria com a Dra Carmem Célia Ramos da Silva, Advogada Criminalista com enfase em Crimes Tributários, Especialista em Processo Penal, Pós Graduada em Direito Público.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei 5172/1966. Extraído de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em 21 de abril de 2020 às 11:50.
BARRA BOSSA, Gisele. ALMEIDA RUIVO, Marcelo. Almedina, São Paulo. 2018. Vários autores.
Extraído de em: https://www.trf3.jus.br/documentos/emag/Cursos/462_VI_Congresso_TRIBUTACAO_E_EMPRESA_-_Elementos_Quantitativos/EMAG_ Tributacao_de_Ganho_Derivado_de_Ato_Ilicito_-_Maio_de_2019_2.pdf > Acesso em 21 de abril de 2020, às 11:50.
Extraído de https://tributarionosbastidores.com.br/2016/07/lucro-de-atividade-ilicita-e-criminosa-e-tributado/. Acesso em 21 de abril de 2020, às 11:50
Extraído de https://boletim.prolikadvogados.com.br/2017/11/29/problematica-da-tributacao-dos-atos-ilicitos-continua-em-pauta/. Acesso em 21 de abril de 2020, às 11:50