O início do fim!

Na última sexta-feira (17/04/2020) foi concluído no Supremo Tribunal Federal (STF) importante julgamento que decorre da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363.

A referida ADI pleiteava a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória (MP) 936/20 vez que esta admitia a pactuação de suspensão do contrato de trabalho e/ou redução de jornada e salário por meio de negociação individual entre patrão e empregado, sem a necessidade de intervenção do sindicato dos trabalhadores.

Inicialmente, o Relator Ministro Ricardo Lewandowski havia concedido liminar para dar interpretação conforme à Constituição a fim de que os sindicatos laborais fossem comunicados no prazo de 10 dias, a partir da data da assinatura do acordo individual, para que estes iniciassem a deflagração da negociação coletiva, sob pena de anuência em caso de inércia.

A decisão foi comemorada por alguns e muito criticado por outros.

Do ponto de vista jurídico não vi razões para empolgação daqueles, que como eu, entendem pela flagrante violação do art. 7 da Constituição Federal!

Após a publicação da decisão o que se seguiu foi um clima de mais tensão, de acirramento da insegurança jurídica.

Em grupos de discussão advogados trabalhistas se digladiavam tentando entender o alcance da decisão do Ministro Lewandowski.

Os questionamentos iam desde argumentos técnicos (a exemplo: os acordos somente terão validade após a comunicação do sindicato? E se o sindicato não anuir e deflagrar a negociação coletiva o acordo permanece válido nesse período?) à questionamentos de ordem prática (como se dará uma negociação coletiva que prescinde de assembleias diante da determinação de restrição de circulação e aglomerações?)

Aqui ninguém é o senhor da razão, mas, desde aquele momento, sempre sustentei que a decisão do Ministro Lewandowski não tinha modificado uma linha sequer do que já preconizava o § 4º do art. 11 da MP 936/20. Ou seja, aquilo que estava sendo comemorado como vitória era, na verdade, um engodo.

Traduzindo em termos práticos. A decisão apenas confirmou a necessidade de um ato “pro-forma”, qual seja, a comunicação do sindicato laboral de que os trabalhadores daquela determinada categoria celebraram acordo. Assim, comunicados da decisão os sindicatos deveriam iniciar a negociação coletiva daquele tema. Contudo, não explica como isso se daria, em qual prazo a empresa deveria responder a proposta do sindicato, qual prazo para a conclusão da negociação, nada!

Pressionados de todos os lados e após a apresentação de Embargos de Declaração por parte da Advocacia Geral da União (AGU) o  Ministro Lewandowski confirmou que a nenhum dos dispositivos da MP 936/20 foram suspensos e que os acordos individuais para suspensão do contato de trabalho e/ou redução da jornada e redução de salários teriam vigência imediata.

Como disse: não havia nada a se comemorar!

No julgamento que se findou na tarde da última sexta-feira (17/04/2020) o Plenário do STF não referendou a liminar concedida pelo Relator entendendo que os acordos individuais não devem se submeter ao aval dos sindicatos dos trabalhadores.

A divergência aberta pelo Ministro Alexandre Moraes entendeu que o momento é excepcional a celebração de acordo individual é razoável pois garante ao trabalhador uma renda mínima e que estes teriam estabilidade após o fim do prazo do acordo. O entendimento firmado foi de que o referido acordo seria uma convergência entre patrões e empregados sobre a necessidade de manutenção da atividade empresarial e do emprego.

Como nosso foco é avaliar a questão jurídica sobre o tema não vou adentrar nos meandros políticos e sociológicos da referida decisão.

Apenas gostaria de deixar uma reflexão. E peço para que a façam honestamente. Sem paixões ideologizadas.

Se o empregador apresentar o acordo ao seu colaborador  e este se recusar a se submeter aquele pacto o que os vocês leitores e os  Ministros que votaram com a divergência acreditam que irá acontecer? O empregador irá se lamentar e tudo voltará ao normal, como se nada tivesse acontecido, ou este trabalhador será demitido?

Onde está a convergência de interesses?

De todo modo, a questão maior aqui posta é a violação da Constituição Federal.

Meus caros, sejamos francos e honestos!

Podemos não concordar com o que nos diz a lei. Podemos não concordar com a redação de determinados dispositivos legais. Mas não podemos ignorar que eles existem!

E o artigo 7º da Constituição EXISTE E ESTÁ VIGENTE. Gostemos ou não!

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

O que o STF fez foi ignorar a norma constitucional acima, sob o argumento de que o momento pelo qual passamos é difícil e merece novos paradigmas, novos entendimentos.

Não se nega que o momento é complexo e precisa de medidas urgentes e muitas vezes criativas para driblar as dificuldades que se avizinham.

Mas o texto constitucional não está (não deveria, pelo menos) sujeito a adaptações e interpretações casuais, momentâneas.

O STF. mais uma vez, fez um julgamento político.

O STF ignorou a Constituição!

Isso não é próprio das democracias.

Hoje ataca-se a garantia constitucional de irredutibilidade dos salários do trabalhador. E amanhã? Qual próximo passo?

Sinceramente, não sei!

Somente espero que não seja o início do fim.