Muito se discute sobre a responsabilidade do Estado pelo pagamento das verbas trabalhistas caso um ato do poder público impossibilite o funcionamento da empresa, especialmente depois do Presidente Jair Bolsonaro ter ventilado esta hipótese em umas de suas entrevistas informais em frente ao Palácio do Planalto.

Primeiramente, é preciso destacar que só haverá essa discussão na hipótese de dispensa do empregado em virtude de uma situação de força maior, que poderá ou não ser ocasionada por um ente público.

O artigo 501 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT entende como força maior todo acontecimento inevitável à vontade do empregador, para o qual ele não tenha concorrido direta ou indiretamente.

Desde que o motivo de força maior afete substancialmente ou seja suscetível de afetar a situação econômica e financeira da empresa, determinando sua extinção ou de um dos seus estabelecimentos em que trabalhe o empregado, a CLT assegura a este, quando despedido, metade da indenização do FGTS (20%) que seria devida em caso de rescisão sem justa causa.

Como espécie do gênero “força maior” a CLT traz o “fato do príncipe” ou factum principis.

Nesse caso, o artigo 486 da CLT estabelece que, havendo paralisação temporária ou definitiva do trabalho motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, o pagamento da indenização de 40% do FGTS ficará a cargo do governo responsável.

Assim, como forma de proteção ao trabalhador, a lei possibilita trazer ao processo o ente público para que ele arque, exclusivamente, com a multa indenizatória do FGTS.

Para que isso aconteça, portanto, é preciso que o empregado ajuíze ação trabalhista contra seu empregador requerendo as verbas não pagas. O empregador, por sua vez, poderá chamar o município, estado ou União para ingressar no processo e arcar com a parcela indenizatória do FGTS, permanecendo o pagamento das demais verbas rescisórias (13º, férias, saldo de salário) integralmente a cargo do empregador.

O aviso prévio, em tese, não seria devido ao trabalhador em qualquer das hipóteses anteriores, já que a imprevisibilidade da situação de força maior acomete ao próprio empregador, não permitindo que avise previamente o empregado sobre sua dispensa.

O empregador também poderá quitar tal verba na Justiça do Trabalho e, depois, ajuizar ação diretamente contra o ente público. Salienta-se que  a competência da referida demanda não será da Justiça do Trabalho, já que esta se limita às ações decorrentes da relação de trabalho.

A distinção entre as duas hipóteses, portanto, restringe-se à indenização compensatória do FGTS, de modo que, na hipótese de força maior, será paga pelo empregador a metade (20%) e, caracterizado o fato do príncipe, a indenização será paga integralmente (40%) pela autoridade municipal, estadual ou federal responsável.

No cenário atual de pandemia pela COVID-19, é possível o entendimento de que não há ocorrência de “força maior” com base na literalidade do artigo 501 da CLT, que restringe a situação aos casos em que há extinção da empresa ou estabelecimento no qual trabalhe o empregado dispensado, não sendo suficiente a mera paralisação temporal no funcionamento da empresa.

Flexibilizando-se essa regra, é também possível o entendimento de que há “força maior”, de forma excepcional, nos casos em que se verifique a impossibilidade fática de a empresa se manter em funcionamento se não reduzir a força de trabalho.

Essa hipótese foi inclusive reconhecida no art. 1º, parágrafo único, da MP 927, ao afirmar que a situação de calamidade pública, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT.

Aventa-se, ainda, a ocorrência ou não do “fato do príncipe”, entendendo-se que as leis ou resoluções das autoridades públicas foram responsáveis pela paralisação temporária ou definitiva do trabalho nas empresas, ou ainda que não é possível responsabilizar o ente público, tendo em vista que seu ato administrativo não foi totalmente discricionário em relação a uma atividade empresarial determinada, mas representa ato genérico destinado à maioria das atividades empresariais, em reação a um cenário de ameaça à saúde coletiva.

Essa análise ficará a cargo dos aplicadores do direito na análise de cada caso concreto.

No histórico trabalhista, não há registros de aplicação pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST da teoria do fato do príncipe, tendo afastado sua incidência em todos os casos em que já discutiu a matéria.